RESUMO: A existência de desigualdades fez com que o ordenamento jurídico se desenvolvesse a fim de assegurar os mesmos direitos e deveres para todos os indivíduos de uma comunidade. Acontece que a dificuldade principal consiste em conscientizar a todos aqueles em situação de privilégio acerca da necessidade de concretizar a isonomia entre eles. Quer isto dizer que, ainda que teoricamente exista a igualdade, na prática, existem grupos vulneráveis, minorias discriminadas que não conseguem acessar as oportunidades da mesma forma, em razão das barreiras sociais que dificultam o alcance dos objetivos almejados. Dado a urgência desta demanda, o Poder Público pode se utilizar de ações afirmativas e discriminações positivas destinadas a inclusão dos discriminados, o que se dá geralmente pela implantação de políticas inclusivas. Acontece que a aceitação dessas ações é controversa, existindo parcela da população que se opõe a sua aplicação, questionando principalmente a sua obediência ao ideal Constitucional de igualdade. Com o objetivo geral de apresentar exemplos reais de ações afirmativas e discriminações positivas, esta pesquisa bibliográfica não apenas apresenta o tema, como também analisa a sua constitucionalidade segundo a doutrina e jurisprudência nacional. O resultado do estudo é a indicação do entendimento majoritário do ordenamento jurídico brasileiro frente às ações afirmativas existentes, através da transcrição de textos e posicionamentos relevantes.
Palavras-chave: Ações afirmativas. Discriminação positiva. Igualdade. Legalidade. Brasil.
ABSTRACT: The existence of inequalities made the legal system develop in order to ensure the same rights and duties for all individuals in a community. It turns out that the main difficulty is to make all those in privileged situations aware of the need to achieve equality between them. This means that, although there is theoretical equality, in practice, there are vulnerable groups, discriminated minorities who cannot access opportunities in the same way, due to social barriers that make it difficult to achieve the desired goals. Given the urgency of this demand, the Public Power can use affirmative actions and positive discrimination aimed at the inclusion of those discriminated against, which is generally due to the implementation of inclusive policies. It turns out that the acceptance of these actions is controversial, with a portion of the population opposing their application, questioning mainly their obedience to the Constitutional ideal of equality. With the general objective of presenting real examples of affirmative action and positive discrimination, this bibliographic research not only presents the theme, but also analyzes its constitutionality according to national doctrine and jurisprudence. The result of the study is the indication of the majority understanding of the Brazilian legal system in the face of existing affirmative actions, through the transcription of relevant texts and positions.
Keywords: Affirmative actions. Positive discrimination. Equality. Legality. Brazil.
Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. O Princípio da Igualdade no Direito Brasileiro e suas Influências na Legislação. 2. As Ações Afirmativas e a Discriminação Positiva: Conceitos. 3. A Constitucionalidade das Ações Afirmativas e Discriminação Positiva. 4. Políticas Públicas de Inclusão de Minorias. 4.1. As Cotas Raciais e Sociais. 4.2 As Cotas no Mercado de Trabalho: Inclusão de Portadores de Deficiências; 5. A Inclusão no Ensino: A Universidade de Gurupi e suas Políticas de Inclusão Social e Suporte aos Portadores de Deficiência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Desde a sua origem e ao longo da sua evolução, a sociedade se alicerçou em ideias, muitas vezes, discriminatórias em relação aos indivíduos em sociedade. Não raras vezes, pessoas se julgaram melhores que as outras com base em características físicas e condições socioeconômicas (RAMOS, 2007).
Em que pese exista a aparência de isonomia entre as pessoas na sociedade brasileira, assegurada na Constituição Federal a igualdade entre pessoas de todos os gêneros, raças, credos, etc.; a realidade fática é completamente diferente. Apenas algumas pessoas ocupam os espaços de poder, enquanto que outros ocupam locais de maior vulnerabilidade social.
Com isso, grupos marginalizados e discriminalizados ao longo de grande período de tempo ainda hoje sofrem as consequências dos pensamentos e segregações sociais disseminadas anteriormente (RAMOS, 2007).
Apesar do direito fundamental à isonomia, a realidade é que esses grupos de minorias tem os mesmos direitos constitucionais dos indivíduos privilegiados. Em razão de ainda existirem as desigualdades, o poder público utiliza-se das ações afirmativas e discriminações positivas para promover a igualdade pretendida.
Atendendo aos ditames constitucionais, dos direitos humanos fundamentais, o Estado tem o dever de promover a igualdade entre membros da população. Em relação às minorias vulneráveis, a instituição de ações afirmativas e discriminação positiva servem como importante instrumento de inclusão social.
Diante de tal fato, este estudo apresenta a definição desses instrumentos de inclusão, ao mesmo tempo em que expõe algumas das mais relevantes ações e políticas públicas em execução no território nacional e no município de Gurupi, Tocantins.
MATERIAIS E MÉTODOS
O desenvolvimento do estudo acerca das ações afirmativas e discriminações positivas no Brasil se dá por intermédio de pesquisa bibliográfica porque a previsão constitucional e os argumentos favoráveis e desfavoráveis à implementação de ações afirmativas e discriminações positivas encontram-se manifestadas nas doutrinas jurídicas e também na jurisprudência.
Com material bibliográfico retirado de acervo pessoal, sites, bibliotecas, jornais, revistas, material digital e outros meios de divulgação de informação, a pesquisa apresenta análise aprofundada sobre a necessidade e os fundamentos que autorizam a utilização de políticas públicas dessa natureza na sociedade brasileira, quanto aos seus objetivos, a pesquisa classifica-se como exploratória.
1 O PRINCIPIO DA IGUALDADE NO DIREITO BRASILEIRO E SUAS INFLUENCIAS NA LEGISLAÇÃO
A base de muitos direitos contidos na legislação advém da compreensão de que todos os indivíduos devem ser tratados da mesma forma, sem distinção de qualquer natureza.
Um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, mencionado na Constituição Federal em vários dispositivos, dele decorrendo uma série de mecanismos que busquem atender à sua finalidade.
Dentre os direitos fundamentais, a igualdade se destaca do caput no artigo 5º, nos seguintes termos: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 1988) ”.
Sobre o que vem a ser esse direito, Alexandre de Moraes colaciona que:
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico (2011, p. 106).
Todavia, é preciso analisar o conceito da igualdade sob uma ótica realista, uma vez que, evidentemente as pessoas são diferentes entre si, não existindo um único padrão de seres humanos.
A igualdade na esfera fática inexiste. As diferenças são apanágio do gênero humano – uns são altos, outros baixos, uns são magros outros gordos, e assim por diante. Os seres humanos não são bens produzidos em larga escala com simetria absoluta de características. Através deste princípio não se tenciona igualar os homens de forma arbitrária, pois, nos casos em que foi tentado, essa política resvalou em redundante fracasso, como nas políticas implementadas no início da Revolução Chinesa. A igualdade almejada é a jurídica, em que a lei não pode discriminar cidadãos que estejam em semelhantes situações. Sua exceção somente pode ser amparada em uma racionalidade que tenha por finalidade que este tratamento diferente amenize uma disparidade fática. Muitas vezes, a quebra da igualdade jurídica tem o escopo de realizar uma igualdade fática, pois, do contrário, tratar de forma isonômica pessoas, bens ou situações desiguais seria ensejar o aumento de desigualdades já existentes (AGRA, 2018, p. 209).
Neste sentido, não basta a mera leitura dos artigos da Lei Maior, esses dispositivos constitucionais devem ser interpretados segundo os objetivos da Carta Magna, que residem na eliminação das desigualdades e discriminações:
No artigo 5º, caput, da CF/88, presume que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção, portanto há situações em que desfavorecem, discriminam as pessoas que se encontram em situações desigualdades.
A Constituição Federal proíbe qualquer discriminação, sejam elas arbitrárias ou absurdas, em casos de tratamento uniforme, ou seja, tratamento desigual aos desiguais e tratamento igual aos iguais com base em uma justiça concreta e real com a finalidade de proteger aqueles que se encontram em situações de desigualdade.
Assim, almeja a Constituição Federal buscar uma igualdade formal para as pessoas, mas também busca uma igualdade material, na qual a legislação deve tratar os iguais de formal igual e os desiguais de forma desigual, com a finalidade de uma verdade real e mais justa à todos os âmbitos da sociedade (MACHADO e COSTA, 2018, p.1).
A partir da busca pela redução das desigualdades sociais é que o Estado tem o dever constitucional de proporcionar a isonomia dos indivíduos, se apresentando as ações afirmativas e a discriminação positiva como instrumentos de relevância para a instituição das políticas públicas necessárias.
2 AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A DISCRIMINAÇÃO POSITIVA: CONCEITOS
Visando aplicar na prática a isonomia de direitos, muito se diz acerca da criação de políticas públicas inclusivas, as quais objetivam proporcionar às minorias o acesso a lugares cuja a desigualdade social lhe impede, ou ao menos dificulta, mantendo o contexto social discriminatório, o que ofende a dignidade humana.
Neste interim, apresentam-se a ação afirmativa e a discriminação positiva como os instrumentos de inclusão das pessoas em situação de vulnerabilidade social. Em que pese sejam tratadas em conjunto, são conceitos diferentes, mas com finalidade semelhante.
Uma ação afirmativa é considerada “uma política pública voltada para reverter as tendências históricas que conferiram às minorias e às mulheres uma posição de desvantagem, principalmente nas áreas de educação e emprego”. (CASHMORE apud BRITO FILHO, 2014, p.1).
A Lei nº. 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial apresenta o conceito legal das ações afirmativas logo em seu artigo 1º, inciso VI, nos seguintes termos:
Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
[...]
VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades (BRASIL, 2010).
Em outras palavras, Joaquim Barbosa Gomes apresenta o seguinte conceito:
[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate da discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como educação e o emprego. (GOMES, 2001, p. 40).
Por sua vez, a discriminação positiva possui outra definição, uma vez que surge com meio de minimização de diferenças previamente existentes na sociedade, a seguir transcrita:
As desigualdades sociais entre os grupos de pessoas, é caracterizada pelo conjunto de categorias sociais. Entende-se que a partir de então como meio de minimização dessas diferenças, o Estado por meio da intervenção social, aplica a discriminação positiva em ocasiões consideradas imparciais. Entretanto, as ações afirmativas surgem a partir da evolução do Estado. (MACHADO e COSTA, 2018, p.1).
Deste modo, as discriminações positivas nada mais são do que políticas públicas ou programas privados destinados à redução das desigualdades advindas de uma discriminação ou hipossuficiência através da concessão de alguma forma de vantagem compensatória (MACHADO e COSTA, 2018).
Superadas as dúvidas sobre a definição dos institutos jurídicos que norteiam essa pesquisa científica, aliada à necessidade de atendimento aos preceitos constitucionais, se mostra importante a compreensão sobre a constitucionalidade de sua implementação em território nacional.
3 A CONSTITUCIONALIDADE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS E DISCRIMINAÇÃO POSITIVA
Com o surgimento das ideias que fundamentam as ações inclusivas em análise, a constitucionalidade de suas políticas públicas se colocou no centro do debate, por existirem posicionamentos que entendem que a criação de condições diferenciadas levaria à desigualdade ao invés da igualdade propriamente dita.
Todavia, é da igualdade material que decorrem tais ações inclusivas.
Destarte, o princípio da igualdade previsto na Constituição Federal, em suas duas dimensões, tanto a igualdade formal e quanto na igualdade material, reconhece que há entre a sociedade diferenças, e que a discriminação positiva é uma forma de tornar mínimo essas diferenciações existentes (COSTA e MACHADO, 2018, p. 1).
Diante desse entendimento é que tanto as ações afirmativas, como as discriminações positivas são rotineiramente questionadas, uma vez que são constantes os debates acerca de sua constitucionalidade e justiça, sendo necessário analisar quais os critérios utilizados em cada caso e se se justifica a sua aplicação (CERA, 2010).
Sobre a análise individualizada de cada medida, tal fato advém da consciência geral de que a criação de ações afirmativas e discriminações positivas encontram-se fundamentos constitucionais, conforme o ínclito ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello:
[...] a Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamento da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de Dforma desigual (MELO apud DA SILVA,2010, p. 88).
Portanto, em um primeiro momento, a criação de políticas públicas que visem a igualdade material de oportunidades está amparada na Constituição Federal de 1988, contudo, a exemplo do que se dá com todas as leis infraconstitucionais, toda norma está passível de análise de constitucionalidade.
Dentre as ações mais comentadas, as políticas públicas voltadas à inclusão das minorias em ambientes de estudo, representação e trabalho, se apresentam como medidas de maior eficácia, por de imediato, inserir essas pessoas em ambientes até então de difícil acesso. Sobre as políticas inclusivas de minorias, a pesquisa passa a tratar.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DE MINORIAS
Dado as situações de desigualdades, as ações afirmativas e discriminações positivas se concretizam através da criação das políticas públicas voltadas à inclusão das minorias em locais historicamente ocupados apenas por indivíduos em situação de privilégio.
Dentre as ações afirmativas de maior destaque, tem-se a sanção de leis que criam mecanismos de redução das desigualdades. “A partir deste cenário as Políticas de ação afirmativa devem ser percebidas para além do contexto de ajuda. Elas estão baseadas na correção de distorções causadas pela sociedade” (CRUZ e MIRANDA, 2017, p. 6).
Considerando que as políticas de inclusão se apresentam maior enfoque na educação e no trabalho, doravante se apresenta um estudo mais aprofundado sobre essas ações afirmativas e discriminações positivas das minorias, aqui compreendidas aquelas historicamente discriminadas por questões raciais, socioeconômicas e físicas.
4.1 AS COTAS RACIAIS E SOCIAIS
A igualdade de oportunidades é considerada para muitos o pontapé inicial para que todos tenham a mesma condição de sobrevivência em sociedade, com sua dignidade humana. Neste contexto de busca da isonomia material, um dos mais populares exemplos de discriminação positiva e ação afirmativa é a destinação de cotas para negros, deficientes, mulheres e alunos de escolas públicas.
Apesar de tratados em conjunto, é importante esclarecer que a definição de ações afirmativas não se confunde com as cotas propriamente ditas, uma vez que, estas últimas são espécies do gênero ações afirmativas, que compreende, além das cotas: as bolsas de estudo, as medidas de proteção e reparação financeira; entre outras vantagens (DUARTE, 2014).
O governo brasileiro criou uma política que busca reparar as distorções raciais e sociais no campo da educação superior com a lei nº 12.711/2012. Esta lei, como uma política ação afirmativa, propõe reduzir as disparidades entre as classes sociais, ao passo que engloba pretos, pardos e indígenas. Do mesmo modo, também problematiza a qualidade da educação básica pública brasileira, tendo em vista que cria um mecanismo de acesso diferenciado para estudantes oriundos das escolas públicas. Este último, contudo, não será aprofundada neste trabalho (CRUZ e MIRANDA, 2017, p. 5).
As cotas de inserção no ensino superior público se destacam pela finalidade de acesso à universidade de indivíduos pertencentes a grupos até então privados, consistindo em verdadeira democratização da universidade pública, contrapondo-se ao vestibular como única forma de ingresso, haja vista que este acaba favorecendo aos já privilegiados socialmente, o que por anos impediu o acesso das minorias marginalizadas (CRUZ e MIRANDA, 2017).
A espécie mais conhecida e utilizada de ação afirmativa é o sistema de cotas, que é também a mais criticada. Heringuer, apud Silva, alerta para o fato de que a associação que se faz entre ação afirmativa e política de cotas não reflete a realidade. A s cotas foram impostas no passado para corrigir situações de permanente e recorrente segregação, oportunidades em que outros esforços se provaram ineficazes na superação de padrões discriminatórios. Silva acentua que, apesar das recentes reclamações contra as políticas de cotas, o sistema não constitui novidade no Brasil, pois, em 1968, publicou-se a Lei nº 5.465, que criava, para os agricultores ou para os filhos destes, uma reserva de vagas nos cursos de ensino médio agrícola e superiores de veterinária e agronomia. Segundo o mesmo autor, antes disso, o Governo Getúlio Vargas, pelo Decreto nº 20.291, de 1931, já havia instituído que seriam destinadas a brasileiros natos um mínimo de 2/3 das vagas em empresas, associações, companhias e firmas comerciais que explorassem concessões dos Governos estaduais e municipais ou que com esses contratassem quaisquer fornecimentos, serviços ou obras. (RAMOS, 2007, p. 124).
Assim, a criação das cotas divide opiniões favoráveis e desfavoráveis, caracterizando-se como matéria controversa em sociedade. Isto porque, “quando se trata especificamente do sistema de cotas, os ânimos se exaltam e a relativa harmonia de opiniões desaparece por completo (DUARTE, 2014, p. 11) ”.
Assim, um problema especificamente do sistema de cotas raciais é que ele arrisca que se trate desigualmente aqueles que, na verdade, são iguais, o que contrariaria o princípio da igualdade material, ao contrário da argumentação do STF. Por isso, aqueles contrários a tal espécie de cota muitas vezes levantam a ideia de cotas socioeconômicas, que reservariam vagas para os mais pobres, independentemente da cor. Afinal, um perigo de se adotar o critério racial seria estatuir uma sociedade racializada, que se ampara em questões étnicas e de cor, o que feriria o princípio constitucional da vedação ao racismo e, obviamente, o da isonomia (DUARTE, 2014, p. 18).
Em que pese contestada na sociedade, a reserva de vagas é reconhecidamente constitucional:
UNIVERSIDADE PÚBLICA. RESERVA DE VAGAS. AÇÕES AFIRMATIVAS. CONSTITUCIONALIDADE. A autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades, está amparada pelas disposições do art. 207 do CF/88. Daí decorre a legitimidade da legislação ordinária vigente, que prevê a reserva de vagas, colocando em prática políticas internacionais em prol dos direitos humanos, as quais o país, há muito aderiu. (TRF-4 – AC: 112998420084047100 RS 0011299-84.2008.404.7100, Relator: Jorge Antonio Maurique, Data de Julgamento: 16/06/2010, Quarta turma, Data de Publicação: D.E. 28/06/2010).
Uma vez inserido nas instituições de ensino, o indivíduo qualificado tem oportunidade de reduzir as diferenças sociais e integra o mercado de trabalho com as mesmas condições dos demais concorrentes em sua atividade laboral.
4.2 AS COTAS NO MERCADO DE TRABALHO: INCLUSÃO DE PORTADORES DE DEFICIENCIAS
Em tese, a formação acadêmica e a capacitação profissional interrompem as desigualdades advindas das condições sociais e culturais. No entanto, os resquícios discriminatórios podem manter a necessidade de utilização de ações afirmativas e discriminações positivas também no ambiente de trabalho, especialmente para os portadores de deficiências.
Neste interim, tão importante quanto à capacitação educacional de todos indivíduos é o oferecimento de um posto de trabalho que lhe permita executar de forma digna seu trabalho, provendo o seu sustento e de sua família.
Em se tratando de portadores de deficiência, o direito de acesso ao trabalho encontra-se na legislação, forma mais cristalina de ação afirmativa no Brasil, que tem avançado aos poucos no oferecimento de postos de trabalho para essas pessoas.
O direito ao trabalho está previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei nº 13.146/2015, e também faz parte da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (PCD), da qual o Brasil é signatário. Mas a situação do mercado de trabalho para as PCDs ainda está longe do ideal. [...] Segundo nota técnica do IBGE de 2018 referente ao Censo 2010, 6,7% da população brasileira (cerca de 12,7 milhões de pessoas) possuíam algum tipo de deficiência. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018 apontam que havia cerca de 486 mil pessoas com deficiência com empregos formais naquele ano, correspondendo a cerca de 1% das ocupações no mercado formal.
Apesar de ainda ser pouco, o número tem crescido nos últimos anos: eram cerca de 418 mil PCDs formalmente empregadas em 2016 e 441 mil em 2017. O crescimento está relacionado com o aumento da fiscalização dos órgãos públicos sobre as empresas, mas também com uma melhor definição das regras da Lei de Cotas a partir de 2015, com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (SANTOS NETO, 2020, p.1).
Apesar de parecer uma norma totalmente inovadora, a previsão legal de cotas para deficientes encontra-se admitida no ordenamento jurídico brasileiro desde a Lei nº 8.213/1991.
A Lei nº 8.213 é uma das mais importantes iniciativas que oferece empregabilidade às pessoas com deficiência. Implantada em 1991 e regulamentada somente no fim da mesma década, ela promove a inclusão de PCD no mercado de trabalho.
Também chamada de Lei de Cotas, ela estabelece uma fatia de 2% a 5% das vagas de emprego ao grupo de PCD. Os reabilitados pela Previdência Social têm direito e podem participar desse grupo, preenchendo vagas em empresas com 100 colaboradores ou mais.
A seguir, o preenchimento de PCD de acordo com o tamanho das empresas: até 200 colaboradores — 2%; de 201 a 500 colaboradores — 3%; de 501 a 1.000 colaboradores — 4%; a partir de 1.001 colaboradores — 5%.
O cumprimento da Lei de Cotas é fiscalizado por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT). Não cumprir a lei é punível com multa (XAVIER, 2019, p. 1).
Da inclusão dos deficientes resulta a maior participação dos indivíduos por muitos anos ignorados por empregadores, que os viam como incapazes de trabalhar tal qual os demais.
É fato que existem aqueles que por suas condições especiais não estão aptos ao labor, entretanto, muitos outros buscam por oportunidades de trabalho, as quais somente têm se tornado mais comuns após a exigência legal de preenchimento de cotas.
5 A INCLUSÃO NO ENSINO: A UNIVERSIDADE DE GURUPI E SUAS POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL E SUPORTE AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA
A exemplo do que acontece em todo o país, as cotas de acesso à universidade também se observam na Universidade Unirg, que, atendendo aos ditames legais, oferece aos candidatos integrantes de grupos de minoria, um percentual das vagas do vestibular para cotas raciais e sociais, além de permitir o acesso através das notas obtidas no Enem.
A Universidade de Gurupi possui políticas de atendimento aos discentes com várias ações que vem sendo desenvolvidas, reestruturadas e ampliadas. A Política de Apoio ao Estudante da UnirG possui como objetivos principais colaborar para a promoção da inclusão social e diminuição das desigualdades sociais e regionais dos diferentes contextos da educação superior brasileira; construir propostas diferenciadas de acesso, permanência e conclusão de estudos aos estudantes carentes no ensino superior; subsidiar a implementação, execução e avaliação dos programas que objetivam ampliar o acesso e a permanência, diminuindo ou mesmo evitando índices de retenção e evasão acadêmica; oportunizar um ambiente acadêmico saudável, possibilitando uma maior qualidade de vida dos discentes; incentivar a participação dos egressos em atividades de formação continuada, objetivando sua atualização e a qualificação de sua atuação profissional (UNIVERSIDADE DE GURUPI, 2019, p. 119).
Isto se deve ao fato de que, no seu Plano Anual de Gestão de 2020, a Universidade reafirma seu compromisso com os princípios de excelência acadêmica, políticas afirmativas, democracia, transparência, descentralização, equidade, diversidade e valorização humana (UNIVERSIDADE DE GURUPI - UNIRG, 2020).
Além do acesso ao curso superior, é essencial a manutenção de ferramentas que mantenham os acadêmicos na Universidade, situação muitas vezes dificultada pelas deficiências que cada indivíduo possa vir a possuir.
Está sedimentado na Constituição Federal e nas leis internacionais que o acesso à educação é um direito de todos, cabendo ao Estado e às instituições promover a inclusão dos alunos portadores de deficiências que exijam condições específicas de estudo.
O motivo da preocupação consiste nos baixos índices educacionais desses indivíduos. Quando o assunto é a formação em nível superior, os dados não são animadores, mesmo com a previsão de cotas:
Candidatos com deficiência possuem cotas para ingressar nas universidades federais brasileiras. Antes da regulamentação da Lei 12.711/2012, as cotas permitiam a inclusão de pessoas com deficiência em universidades públicas, mas a medida era opcional e ficava a critério de cada instituição. Dados do Censo da Educação Superior de 2016 mostram que, mesmo após o decreto, apenas 0,45% do total de 8 milhões de matrículas no ensino superior são de alunos com deficiência. Na rede privada, esse percentual é ainda menor, o equivalente a 0,35% (MARIA, 2018, p.1).
É certo que o ensino superior é tão importante quanto o fundamental e o médio quando o assunto é a inclusão social do indivíduo portador de deficiência, haja vista que a formação profissional pode vir a ser responsável pelo desenvolvimento individual e o seu futuro.
No Brasil, dentre as ações afirmativas de inclusão em vigência, a Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016 trouxe nova redação aos artigos da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, incluindo as pessoas portadoras de deficiência dentre os destinatários de cotas:
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (NR) [...]
Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE.(NR) (BRASIL, 2016)
Além das cotas, justamente para reduzir ainda mais as dificuldades de acesso ao ensino que muitas instituições de ensino criam mecanismos internos de acessibilidade aos portadores de deficiências e dificuldades de aprendizado.
Em Gurupi, Tocantins, a Universidade Unirg possui um significativo acervo de possibilidade de acessibilidade do portador de deficiência ao ensino superior.
Ao ingressar na UnirG, os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem podem contar com os seguintes serviços: Projeto HELP - Assistência Universitária, visando integração entre Universidade e comunidade acadêmica, repassando informações de maneira clara e objetiva para otimizar o 142 tempo, tanto dos discentes quanto docentes, servidores e público de modo geral que buscam informações referentes aos mais variados assuntos relacionados à UnirG. O Núcleo de Apoio Psicopedagógico - NAP, oferecendo um suporte ao acadêmico desde o seu ingresso, disponibilizando através da plataforma Exercita um nivelamento em português, Matemática, Física e Química. Comprometido com a integração acadêmica, científica e social do estudante, incentivando-o ao exercício pleno da cidadania durante o curso e oferecendo orientações em seus primeiros passos no mercado de trabalho. O Núcleo ATENDEE, em seu espaço de vivência psicossocial, com acompanhamento psicopedagógico tanto de caráter preventivo, como o personalizado aos que se encontram em situação de necessidades e deficiências de aprendizagem. Com a finalidade de adaptá-los nesta nova etapa, com atendimento e orientação individual ou em grupo e o desenvolvimento de atividades que os conduzam ao aprimoramento de suas habilidades cognitivas e assim possibilitar o aprendizado necessário e requerido pela formação acadêmica A Universidade oferece também o Laboratório de Tecnologia Assistiva da UnirGLabTAU, no qual são desenvolvidos produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços para promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (UNIVERSIDADE DE GURUPI, 2019, p. 141 e 142).
Com objetivo de promoção da receptividade e inclusão dos acadêmicos portadores de deficiências e dificuldades de aprendizagem, o ATENDEE tem como fundamento a acessibilidade. Sua definição encontra-se no sitio da Universidade Unirg:
O QUE É O ATENDEE?
É um projeto que visa incluir os discentes nas atividades institucionais, visando oportunidades iguais, de acesso e permanência, considerando-se não só a existência de dificuldades educacionais especiais, mas também, deficiências, diferenças de classes sociais, gênero, idade e origem étnica (UNIRG, 2022).
O ATENDEE se destina ao acadêmico matriculado na Universidade de Gurupi, que através do contato firmado com a instituição, deverá procurar o professor que representa o seu curso, a fim de reduzir as dificuldades e tornar eficaz o ensino obtido perante a universidade, seja através da implementação de mecanismos diferenciados, acompanhamento profissional, etc.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 deixa inequívoco que é direito fundamental do cidadão e dever do Estado e da sociedade, promover a igualdade em direitos e deveres dos indivíduos, sem qualquer discriminação. Neste ponto, a criação de ações afirmativas e discriminações positivas são admitidas, desde que de fato construam a redução de desigualdades, sem criar novas.
Com isso, na busca pela igualdade material, podem haver grupos que se vejam prejudicados. Todavia, cabe a tais indivíduos questionarem a constitucionalidade individual daquela ação que entende discriminatória, posto que, por serem fundadas em um princípio constitucional, as ações afirmativas e as discriminações positivas são, em um primeiro momento, institutos constitucionalmente admitidos no ordenamento brasileiro.
Apesar das divergências levantadas por setores da sociedade, que são a favor da igualdade formal pura e simples, atualmente, dentre as políticas públicas criadas nos últimos anos, a implantação do sistema de cotas para o ingresso nas universidades por pessoas de raças e classes sociais diferentes, assim como a cota de deficientes, já foram declaradas constitucionais pelo Poder Judiciário pátrio.
É evidente que o resultado de políticas públicas inclusivas levará anos para ser definitivamente constatado, contudo, já é possível observar a maior diversidade de pessoas, culturas, classes sociais nas universidades. Também já se observam a integração de pessoas portadoras de deficiências no mercado de trabalho, não mais relegados à condição de indivíduos sem utilidade para o trabalho.
Por todo o exposto, conclui-se que a implantação das ações afirmativas e discriminação positiva possui fundamento legal constitucional e infraconstitucional, mas ainda assim estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, que considerará cada caso, seus termos e resultados.
REFERÊNCIAS
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. – 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
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Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Lorraine Marinho da. As ações afirmativas e a discriminação positiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60180/as-aes-afirmativas-e-a-discriminao-positiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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