JULCIRA MARIA DE MELLO VIANNA LISBOA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a nova forma de relacionamento dialógico e transparente entre Estado e contribuinte, denominado compliance, em especial a Portaria da Receita Federal do Brasil – RFB nº 28, de 15 de abril de 2021, instituidora do Comitê Gestor responsável pela definição das diretrizes para a criação e funcionamento do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Trata-se de uma nova forma de tratativa fiscal e empresarial, pautada nos princípios da transparência, segurança jurídica e proteção da confiança do contribuinte, estabelecendo relação de cooperação entre Fisco e contribuinte em busca do desenvolvimento econômico e social. Será analisado, ainda, como o compliance proporciona maior lisura na atuação administrativa, servindo como importante instrumento no combate à corrupção, alinhando-se perfeitamente com os princípios e objetivos da República Federativa do Brasil.
Palavras-chave: compliance; confiança; corrupção; segurança; transparência.
ABSTRACT: The present study aims to analyze the new form of dialogic and transparent relationship between the State and the taxpayer, called compliance, in particular the Ordinance of the Federal Revenue of Brazil – RFB nº 28, of April 15, 2021, founder of the Management Committee responsible for defining the guidelines for the creation and operation of the Tax Cooperative Compliance Program (Confia) of the Special Secretariat of the Federal Revenue of Brazil. It is a new form of tax and business dealings, based of the principles of transparency, legal certainty and protection of the taxpayer’s trust, establishing a cooperation relationship between the Tax Authorities and the taxpayer in pursuit of economic and social development. It will also be analyzed how compliance provides greater smoothness in administrative action, serving as an important instrument in the fight against corruption, perfectly aligning with the principles and objectives of the Federative Republic of Brazil.
Keywords: compliance; trust; corruption; safety; transparency.
INTRODUÇÃO
Devido à alta complexidade da legislação tributária nacional, estar em conformidade com as exigências fiscais tem se tornado, cada dia mais, um dos principais desafios dos contribuintes brasileiros, especialmente das pessoas jurídicas. Referida complexidade se dá em atenção à grande carga de regramento das três esferas de governo – federal, estadual e municipal –, relativas tanto ao cumprimento de deveres instrumentais como à própria forma de apuração e pagamento dos valores devidos aos cofres públicos.
Esse grande nível de regramento é oriundo, por sua vez, da necessidade de arrecadação de recursos financeiros, por parte do Estado, para atender às necessidades da população, como políticas públicas e investimentos nas áreas da saúde, educação, segurança, obras públicas, contratação de funcionários, de contratos públicos, dentre outras atividades e deveres cuja prestação deva se dar pelo Estado.
A preocupação com a arrecadação de recursos financeiros suficientes para cumprir com os objetivos da República Federativa do Brasil acarreta, por outro lado, a preocupação com os atos danosos contra a Administração Pública, tendo em vista o prejuízo que geram, não somente em virtude do dinheiro que deixa de ser recolhido em benefício da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas também na moralidade da Administração Pública, uma vez que atos corruptivos degradam a ética, abalam a confiança da população e impossibilitam a realização do bem coletivo (ABREU, 2017).
Deste modo, a regulamentação de maneira exaustiva da atividade tributária é oriunda da necessidade de arrecadação para cumprimento dos objetivos da República Federativa do Brasil e a necessidade de tornar cada vez mais dificultosos os atos lesivos contra a Administração Pública, o que acaba, infelizmente, por prejudicar a atividade comercial, tendo em vista os inúmeros deveres instrumentais a serem cumpridos junto com a grande carga tributária.
Por via de consequência, instala-se uma guerra entre Estado e indivíduo, em que o Estado é visto como um “bicho-papão” pela outra parte, que quer tomar para si injustamente toda fonte de riqueza que o contribuinte produz, deixando-o desprovido de meios para prover sua subsistência, enquanto que a segunda parte é vista, pelos agentes fiscalizadores, como fraudadora, sonegadora de tributos, que não quer cumprir sua parte diante do pacto social existente, em que cada um deve contribuir com uma parcela de seu patrimônio ao Estado, para que este cumpra com os deveres de proteção e asseguramento de direitos que lhe são inerentes.
É nesse cenário, portanto, que o compliance aparece no Direito Tributário como uma alternativa à forma tradicional de atuação do Fisco, que antes colocava Estado e contribuinte em posições completamente antagônicas, agora pautados numa relação de confiança recíproca (ALMEIDA, 2017), o que beneficia o Estado no aspecto arrecadatório – tendo em vista que terá, então, menos contribuintes sonegadores e mais recursos financeiros espontaneamente recolhidos – e também a própria sociedade, que se vê menos desembaraçada no cumprimento de suas obrigações fiscais.
O compliance, ainda, se revela como um importante mecanismo no combate à corrupção na Administração Pública, em especial na Administração Tributária, por possibilitar uma abertura de diálogo entre fisco e contribuinte, com o objetivo de combater a exigência e oferecimento de vantagens indevidas para regularização fiscal.
Desta forma, estuda-se, primeiramente, a forma de organização do Estado brasileiro e os princípios que norteiam a atividade tributária para que seja compreendido como a corrupção prejudica a perseguição dos objetivos da República Federativa do Brasil.
Após, procede-se à análise de como o compliance assume a posição de importante instrumento de desenvolvimento econômico e de combate à corrupção na Administração Tributária, a medida que está sendo adotada em âmbito federal - o Programa CONFIA – Programa de Conformidade Cooperativa da Receita Federal – e como poderá ajudar a relação entre o Fisco e o contribuinte se tornar menos conflituosa e mais democrática.
1.A TRIBUTAÇÃO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A Constituição Federal de 1988 logo estabelece, em seu art. 1º, que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, e constitui-se em Estado Democrático de Direito, prevendo ainda, em seu parágrafo único, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da própria CF/88.
Por República, entende-se o exercício do poder de governar de forma responsável o Estado, oriundo do povo e delegado de período em período aos seus representantes políticos, por meio do voto, preservando e garantindo os direitos e interesses dos indivíduos, além de ter como característica primordial a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o que promove o equilíbrio no exercício das funções estatais, de modo a evitar excessos e arbítrios por parte dos governantes.
Como consequência do princípio Republicano, os indivíduos possuem o direito de apenas serem tributados por razões de ordem pública, ou seja, para a mantença da res publica (CARRAZZA, 2019), sendo que o interesse do Estado deve sempre ser pautado na promoção do bem-estar da coletividade.
Já por Federação, conforme explica ATALIBA, entende-se uma decorrência necessária do próprio regime republicano, pois “a extensão territorial dos Estados há de requerer, com maior ou menor intensidade, um tipo de regime político que melhor assegure a proximidade entre governantes e governados” (2011, p. 16 e 17).
O princípio Federativo influencia no exercício da competência tributária dos entes políticos, os quais, por se encontrarem em uma situação de isonomia, não podem invadir a esfera de competência tributária devidamente delineada pela Constituição Federal, conforme previsto nos arts. 153 à 156, muito menos podem ser instituídos tratamentos tributários diferenciados para cada um deles, que crie preferências em favor de um em detrimento a outro, uma vez que não se encontram sujeitos a hierarquia alguma entre si.
O Estado Democrático de Direito, por sua vez, é uma evolução do Estado de Direito. De acordo com CARRAZZA (2019, p. 322 e 323):
O Estado Democrático de Direito é uma garantia à liberdade; além de impor limites à atuação estatal, confere às pessoas a titularidade de direitos públicos subjetivos e, portanto, de posições jurídicas ativas que podem ocupar nos eventuais confrontos que venham a ter a autoridade pública e, mesmo, com outros particulares. [...] Daí dizer-se que ‘Estado Democrático de Direito’ é aquele que, tanto quanto os particulares, respeita as leis e as decisões judiciais. [...] É preciso, ainda, que as leis sejam votadas por Parlamentos livres (onde todas as correntes da opinião pública estejam representadas) e que o Poder Judiciário seja composto por juízes independentes, que não temam contrariar, com suas decisões, os interesses do Estado.
A tributação pautada no Estado Democrático de Direito, ao exigir de todos, inclusive dos governantes, que estejam submetidos à lei e à jurisdição imparcial, impõe à atuação estatal limites pré-estabelecidos, limites estes consistentes não apenas na competência tributária em virtude do princípio federativo, mas também no respeito às liberdades dos indivíduos.
Assim, todo o conjunto de direitos que consistem em limitações do poder de tributar do Estado face ao contribuinte, seja por meio de competências tributárias ou por proibição do ente político de adentrar nas esferas de direitos e liberdades individuais, restringindo-os ou eliminando-os por completo, denomina-se “Estatuto do Contribuinte”.
CARRAZZA (2019, p. 341) se utiliza das palavras de Paulo de Barros Carvalho para explicar a definição de Estatuto do Contribuinte:
Define-se o estatuto do contribuinte, ao pé de nossa realidade jurídico-positiva, como a somatória, harmônica e organizada, dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direitos, obrigações e deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado (aqui utilizado na sua acepção mais ampla e abrangente – entidade tributante). E quaisquer desses direitos, deveres e obrigações, porventura encontrados em outros níveis da escala jurídico-normativa, terão de achar respaldo de validade naqueles imperativos supremos, sob pena de flagrante injuricidade.
Deste modo, a atividade arrecadatória que respeita o estatuto do contribuinte, que consiste nas mais diversas limitações impostas ao Estado, com o objetivo de preservar os direitos fundamentais dos indivíduos, relativos às liberdades subjetivas, efetiva assim o Estado Democrático de Direito, uma vez que o Estado se coloca abaixo da Constituição Federal, ao lado de todos os contribuintes, e sujeito ao controle do Poder Judiciário naquilo em que exceder.
Diante do exposto, constata-se que o princípio republicano-federativo impõe limites à atuação estatal por meio do respeito à finalidade da arrecadação (proteção e manutenção da coisa pública, pertencente a todos, que pode ser a promoção da saúde, da educação, obras públicas, etc.), respeito às competências tributárias estritamente delineadas na Constituição Federal e respeito também às liberdades e garantias individuais, que não podem ser restringidas ou tolhidas integralmente por meio da tributação. Tais limitações consistem, como um todo, em um verdadeiro Estatuto do Contribuinte.
2.ESTATUTO DO CONTRIBUINTE: O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA, DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA DO CONTRIBUINTE
Como visto, com o advento do Estado Democrático de Direito, por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988, a democracia não reflete seus efeitos somente na investidura de cargo político por meio do direito ao voto, mas também na forma de administração da res publica, que deve ser voltada para os interesses da população e na defesa de seus direitos.
Por esse motivo, a atividade tributária, na República Federativa brasileira, deve ser exercida de modo a respeitar o Estatuto do Contribuinte, consistente nas limitações impostas à autoridade tributante na Constituição Federal como proteção às liberdades e garantias individuais dos contribuintes, o que implica numa relação de igualdade entre estes e o fisco, sendo ambos sujeitos de deveres e obrigações, deixando-se de lado a ideia de subordinação, em benefício da ideia de igualdade.
Sendo assim, plenamente cabível, em uma República Federativa, a adoção de mecanismos que sujeitem o poder administrativo à avaliação do público e aproximem a Administração Pública da coletividade, não bastando, portanto, uma mera visão formal da democracia (MESSA, 2019). Neste momento, pode-se então falar no princípio da transparência, que consiste, com as palavras de MESSA (2019, p. 109):
[...] forma de solucionar o distanciamento entre o interesse dos cidadãos e as decisões dos governantes, pela superação da suficiência da democracia formal limitada às formalidades procedimentais para escolha dos políticos, com a instalação da democracia material que exige novos instrumentos de participação nas políticas e nos controles públicos.
O princípio da transparência rege a atividade da Administração Pública no sentido de conduzir a atuação dos agentes públicos de uma forma mais próxima com a sociedade. A atuação administrativa deve ser visível, aberta, simplificada e concretizadora do princípio da cidadania, motivo pelo qual afirma-se que é um subprincípio do Estado Democrático de Direito, e também decorrência do princípio republicano, já que todo cidadão tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração (MESSA, 2019).
Por consequência, o princípio da transparência, ao permitir ao cidadão acesso à atuação da Administração Pública, viabiliza o princípio da segurança jurídica, na medida em que propicia o controle dos atos que são praticados, visando preservar a lisura na gestão da coisa pública e a possibilidade de previsão das consequências, caso algum agente público tenha a intenção de fazer prevalecer o seu interesse particular em detrimento do interesse público, o que irradia efeitos até mesmo na relação entre Fisco e contribuinte.
O princípio da segurança jurídica, por sua vez, reside na previsibilidade da atuação estatal, por meio do conhecimento das regras as quais toda a sociedade se encontra sujeita, permitindo assim um certo grau de ordem nas relações jurídicas que se instauram, o qual concede um terreno seguro para o desenvolvimento da sociedade.
De acordo com CARRAZZA (2019), é um implícito na Constituição Federal de 1988, mas presente no preâmbulo, que visa proteger e preservar as justas expectativas das pessoas, vetando assim a adoção de medidas legislativas, administrativas ou judiciais que frustrem a confiança que depositam no Poder Público.
Deste modo, podemos concluir que o princípio da transparência, ao permitir ao cidadão acesso à atuação da Administração Pública, viabiliza a segurança jurídica na medida em que propicia o controle dos atos que são praticados, visando preservar a lisura na gestão da coisa pública e a possibilidade de previsão das consequências, caso algum agente público tenha a intenção de fazer prevalecer o seu interesse particular em detrimento do interesse público, o que irradia efeitos até mesmo na relação entre fisco e contribuinte.
Do princípio da segurança jurídica deriva o princípio à proteção da confiança do contribuinte, o qual diz respeito aos sentimentos de convívio em sociedade do cidadão, consistente na promoção da sensação de bem-estar, no sentido de planejar determinada conduta sem ser censurado, por poder planejar dentro dos ditames legais.
Enquanto a segurança jurídica garante a inviolabilidade dos direitos e garantias positivados, impedindo que o Estado tome condutas arbitrárias, a proteção à confiança garante a promoção do bem-estar social, permitindo aos indivíduos certo grau de pacificidade em suas relações, por se sentirem amparados pela existência de leis que protegem suas liberdades.
Com as palavras do professor CARRAZZA, o princípio da proteção da confiança, aplicada ao Direito Tributário, “permite que as pessoas planejem e organizem sua vida e seus negócios de acordo com as leis em vigor, cientes de que não serão surpreendidas por atos arbitrários, que venham a modificar ou revogar suas expectativas legítimas” (2019, p. 346).
MESSA (2019, p. 152), quanto à relação entre o princípio da transparência e o princípio da proteção à confiança, assim explica:
Assim, a obrigação da transparência está estreitamente ligada à base legitimadora da formação da confiança, uma vez que essa formação deve possuir elementos para que se possa obter a credibilidade dos cidadãos: a) elemento cognitivo: é conhecer os atributos da gestão pública; b) elemento comportamental: é o agir administrativo aberto às perspectivas informativas e participativas, e que levante o véu do sigilo à sociedade.
Deste modo, o princípio da proteção à confiança do contribuinte, aspecto subjetivo da segurança jurídica que diz respeito ao crédito, à fé da sociedade com relação às instituições estatais existentes na proteção de seus direitos, bem como numa atuação legítima que não vai embaraçar injustamente os planos de vida traçados pelos indivíduos, deve ser promovido por meio do acesso ao conhecimento ao público de como se dá a gestão pública, de modo a convidar os cidadãos que colaborem para a preservação do bom funcionamento da máquina estatal.
Sendo assim, na medida em que o Estatuto do Contribuinte consiste nos direitos e garantias dos indivíduos face ao poder de tributar do Estado, com o objetivo de tornar a relação tributária mais igualitária, sujeitando ambas as partes a direitos e deveres, pode-se concluir que, ao lado do princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança do contribuinte, temos também o princípio da transparência como integrante do rol de direitos do contribuinte e dever da Administração Pública.
O acesso do cidadão à forma de atuação da Administração Pública implica na previsibilidade das consequências que suas atitudes irão acarretar, bem como na confiança que o cidadão depositará no desempenho das instituições públicas, de modo a inibir atos fraudulentos e colaborar com a lisura nas tratativas comerciais.
3.CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
Por corrupção, entende-se ato aniquilador da democracia, que prejudica a boa gestão da res publica por meio de atos violadores da confiança da população nas instituições estatais, praticados em favor de benefícios individuais e em detrimento do melhor interesse da sociedade.
Em uma República, a gestão do governo deve se dar no interesse do bem coletivo, da satisfação dos interesses públicos. Em um Estado Democrático de Direito todos se sujeitam à lei e a uma jurisdição imparcial. No entanto, a corrupção corrompe a conduta tanto dos governantes quanto dos particulares, na medida em que há um conluio para impossibilitar a realização de determinado bem coletivo, em detrimento de algum benefício próprio, sem sofrer qualquer tipo de consequências legais.
De acordo com ABREU (2017), a corrupção consiste na destruição ou degradação de um dos valores sociais mais caros: a ética. A ética, por sua vez, consiste em um valor social que representa o bem de toda a sociedade. Explica o referido autor que “a realização do bem para toda a coletividade permite identificar a ética como valor social. No entanto, a corrupção irá degradar a ética e impossibilitará a realização do bem coletivo” (2017, p. 22).
MESSA (2019) ensina que, no Brasil, a corrupção na Administração Pública se revela, de uma maneira geral, no pagamento de propina para realização de atividades administrativas, sendo este o principal meio para que entidades públicas e privadas façam prevalecer os seus interesses em detrimento da valorização do bem comum, da boa administração e de valores éticos.
Tal conduta pode ser plenamente verificada no plano da Administração Tributária, na hipótese em que o particular oferece algum tipo de vantagem ao agente fiscal para evitar determinadas consequências de alguma fiscalização. Assim explica ABREU (2017, p. 150):
[...] no âmbito do direito tributário, a relação corruptiva é uma relação factual e tem por sujeito ativo o particular corruptor (contribuinte ou responsável tributário), visando um interesse ilícito, enquanto que o sujeito passivo será o agente público corrupto beneficiário de vantagem igualmente ilícita, ao passo de que o objeto de tal vínculo será a lesão à administração pública: o crédito tributário e/ou multa e juros (sanções).
Podemos acrescentar à definição do autor a hipótese de corrupção na Administração Tributária em que o próprio agente fiscal exige do particular alguma vantagem para que não pratique atos de fiscalização, como o pagamento de alguma quantia para evitar o lançamento de algum tributo ou multa, situação em que o sujeito ativo será o agente público, enquanto que o sujeito passivo será o contribuinte ou o responsável tributário, porém o vínculo será o mesmo: o dano à Administração, impedindo o surgimento do crédito tributário, da multa e dos juros.
Tanto é assim que a Lei nº 8.137/90 – Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, estabelece em seu art. 3º, inc. II:
Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária [...]:
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
Outros atos de corrupção contra a Administração Pública podem ser encontrados art. 5º, incs. I, II, III e V, da Lei nº 12.846/13, denominada Lei Anticorrupção, que assim estabelece:
Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
[...]
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Conforme explica ABREU (2017, p. 148), o inc. I do dispositivo acima transcrito pode ser aplicado nas seguintes situações exemplificativas:
a) omissão administrativa quanto à formalização de crédito tributário e/ou imposição de penalidades; b) homologação ou formalização de crédito tributário e/ou de sanção em valores inferiores ao legalmente fixado; c) adoção de classificação fiscal relativa a produto ou mercadoria em conflito com a denominação legal, pretendendo a incidência de alíquota menor; d) prolação de decisão em sede de processo administrativo tributário que declare a insubsistência, total ou parcial, de lançamento tributário e de auto de infração, ou ainda a reforma total, ou parcial, de decisão administrativa anteriormente proferida; e outras hipóteses que venham a prejudicar o direito do Estado ao crédito tributário ou à imposição de penalidades em sua integralidade.
Explica ainda o autor que o ato infracional descrito no inc. II possui íntima relação com o inc. I, na medida em que, uma vez que o particular promete, oferece ou concede vantagem indevida a agente público para inviabilizar a exigência de determinada obrigação tributária, está assim fomentando a prática de atos ilícitos contra a Administração Tributária.
A previsão do inc. III também se relaciona com os incisos anteriores, tendo em vista que os sujeitos envolvidos no ato de corrupção podem se utilizar de uma terceira pessoa, física ou jurídica, para acobertar o pagamento da vantagem ilícita que fomenta a prática de atos corruptivos, além de criar embaraços e dificuldades para o sucesso da fiscalização dos órgãos públicos controladores, situação esta que, por sua vez, recai no inc. V. Sendo assim, um único ato de corrupção no âmbito da Administração Tributária pode recair em todas as condutas previstas nos incisos indicados (ABREU, 2017).
Deste modo, os atos de corrupção na Administração Tributária podem partir tanto do agente público quanto do agente particular, por meio do oferecimento de vantagens – sendo, a mais comum, a vantagem econômica, também denominada de propina – em detrimento da constituição do crédito tributário, integral ou parcialmente, o que gera prejuízos à sociedade.
Tais prejuízos podem ser econômicos, tendo em vista que o montante que deixa de ser arrecado prejudica a prestação de serviços públicos, como escolas, hospitais, creches, etc., o que promove a preocupação do Estado em tornar mais difícil a prática de evasão fiscal e regular cada vez mais a atividade desenvolvida pelo contribuinte para aferição de sua regularidade, mas também podem ser sociais, uma vez que a popularização da prática de atos corruptos retira da sociedade a confiança nas instituições estatais, cujos agentes deveriam atuar em prol do interesse público, mas sobrepõem os seus interesses particulares face à ordem jurídica.
4.O COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO
O compliance tem origem no cenário internacional, como um mecanismo de gestão pública e governança que proporciona uma abertura de diálogo entre Fisco e contribuinte. Constitui-se como uma medida preventiva, adotada no acompanhamento do desenvolvimento de determinada atividade econômica, anterior à incidência do tributo, que proporciona a segurança jurídica e a transparência no âmbito tributário nas atividades comerciais.
Estimula, portanto, uma relação de confiança entre fisco e contribuinte, tendo em vista que pressupõe uma predisposição à atos cooperativos, com o objetivo de se alcançar um bem comum, que é correta aplicação da legislação tributária, sem arbítrios, excessos ou artifícios evasivos.
O surgimento de referido mecanismo se deu com o avanço da economia digital, em que o Estado se viu ameaçado de encontrar, fisicamente, a localização jurisdicional das receitas para fins de tributação, além de se constatar que a fiscalização realizada posteriormente às operações comerciais revela-se custosa e prolongada, sendo necessário um acompanhamento anterior ao acontecimento do fato gerador para a diminuição de riscos, seja por meio de erro ou fraude.
Com as palavras de ABREU (2017, p. 169):
[...] a adoção e a aplicação do regime de conformidade ou “compliance” em relação ao direito tributário implicarão ao sujeito passivo o dever de observar a legislação tributária, e cumprir, prontamente, a respectiva obrigação e os deveres instrumentais (obrigações acessórias, na linguagem do CTN).
Ao proporcionar assim um ambiente favorável na sociedade para o desenvolvimento nacional, o compliance reduz as chances de haver alguma omissão, seja por erro ou por dolo, no recolhimento das obrigações tributárias.
Ainda, o acompanhamento em momento anterior do desenvolvimento da atividade, para assegurar a conformidade com a legislação tributária, impede a prática de atos corruptos, tanto por parte dos contribuintes como por parte dos agentes fiscais, colaborando assim para uma atuação mais ética da Administração Pública, em busca da satisfação dos interesses públicos.
ALMEIDA (2017) explica que a atividade de fiscalização realizada em momento anterior ao fato gerador, em busca de uma conformidade com a legislação tributária antes mesmo do início da atividade empresarial, ocorre por meio de um diálogo aberto, instrutivo e esclarecedor, através do qual a empresa planeja, delibera e decide, promovendo assim a credibilidade na atuação do fisco.
MESSA (2019), nesse sentido, defende que a comunicação dialógica entre Administração Pública e o cidadão promove a legitimidade administrativa e a responsabilização por meio de um controle social permanente. De acordo com a referida autora (2019, p. 223 e 224):
Na conexão dos princípios democráticos e sociais formulada na proposta habermasiana, a gestão pública deve ser um ambiente de trocar comunicativas entre a Administração Pública e a sociedade, no qual prevaleça o diálogo pela garantia da participação e do controle social nas políticas públicas concretizadoras dos direitos fundamentais, em atendimento às demandas dos diversos grupos sociais. [...]
A administração deliberativa fundamentada na comunicação pública dialógica fornece ao Estado Democrático (e social) do Direito [...] uma dimensão inclusiva, ‘com uma comunicação eminentemente democrática, caracterizada pela interação social e pela manutenção de um fluxo de informações pertinentes, confiáveis, inteligíveis, tempestivas e vinculadas a temas de interesse coletivo, no sentido de tornar a Administração Pública mais permeável às demandas existentes na sociedade.
Deste modo, depreende-se que o compliance, aplicado ao Direito Tributário, revela-se importante instrumento no combate à corrupção, evitando o oferecimento ou a exigência do pagamento de propinas com o objetivo de evitar a lavratura de autos de infração, ou a obtenção de decisão administrativa positiva ao contribuinte, dentre outras várias formas que pode se configurar a depender do caso concreto.
Promove, assim, a abertura de diálogo entre Fisco e cidadão antes mesmo da ocorrência do fato gerador, permitindo assim o acompanhamento da Administração Tributária no processo de instauração das relações jurídicas, previamente à sua consumação.
Logo, por meio dessa nova postura dialógica entre Fisco e cidadão, promove-se a segurança jurídica e a proteção da confiança do contribuinte, na medida em que um estará ajudando o outro na consecução de seus objetivos.
De um lado, o Fisco estará ajudando o contribuinte a exercer sua atividade, dentro das exigências legais, diminuindo os riscos de vir a sofrer qualquer tipo de sanção fiscal posteriormente, enquanto o contribuinte estará ajudando o Fisco na devida arrecadação tributária, pagando aquilo que é efetivamente devido, sem deficiências e sem excessos. Ambas as partes terão a segurança e a confiança de que o desenvolvimento empresarial estará em conformidade com a lei.
5. O PROJETO CONFIA DA RECEITA FEDERAL
Foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 20/04/2021, a Portaria da Receita Federal do Brasil – RFB nº 28, de 15 de abril de 2021, que, em seu art. 1º, caput, institui o Comitê Gestor responsável pela definição das diretrizes para a criação e o funcionamento do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.
Em seus parágrafos, assim dispõe o referido ato administrativo:
§ 1º Compreende-se por conformidade cooperativa o relacionamento aprimorado entre a administração tributária e os contribuintes, caracterizado pela cooperação, pela prestação de serviços para prevenção de inconformidades e pela transparência em troca de segurança jurídica.
§ 2º A conformidade cooperativa tem como base a confiança, justificada por uma estrutura de governança corporativa tributária, de controle fiscal e gestão de riscos nos contribuintes, e tem por objetivo promover benefícios para a administração tributária, os contribuintes e a sociedade, com manutenção da isonomia de tratamento tributário entre os contribuintes.
Nota-se, portanto, que se trata de um projeto da Receita Federal que visa estabelecer um regime de compliance entre o Fisco e cidadão, pautado nos princípios da proteção da confiança do contribuinte e da segurança jurídica, com o objetivo de prevenir inconformidades por meio do diálogo transparente (que seria a prestação de serviços oferecida pela Receita Federal).
Trata-se de um marco no sistema tributário federal que ainda se encontra em fase de desenho do modelo e de seus elementos constitutivos (código de boas práticas tributárias, marco de controle fiscal e/ou termo de adesão, dentre outros), enquanto, em outros Estados, já foram adotadas medidas para instauração de programa de conformidade fiscal, como é o caso do Estado de São Paulo, por meio da edição da Lei Complementar nº 1.320/18.
A Receita Federal define Conformidade Cooperativa como um tipo de relacionamento entre empresas e administrações tributárias, com diálogo e ganhos mútuos, mantendo a igualdade de tratamento tributário entre contribuintes, baseada na transparência, na segurança jurídica e na cooperação.
Aponta, como ganhos da empresa aderente ao regime de Conformidade Cooperativa: (i) a previsibilidade e legítima expectativa de que não haverá mudanças imprevisíveis de posição da Administração Tributária em relação a estratégias e procedimentos fiscais, por meio de uma abordagem preventiva dos riscos; (ii) a relação transparente e de confiança com a Administração Tributária, com um canal personalizado e qualificado de comunicação, que conhece o mercado e o segmento empresarial; e (iii) a redução da aplicação de penalidades.
Já os ganhos da Administração Tributária, de acordo com a Receita Federal, são: (i) a redução de erros e divergências na interpretação e aplicação da legislação tributária; (ii) redirecionamento de recursos para a inovação, melhora contínua, gerenciamento de riscos e combate à fraude; e (iii) melhor satisfação do contribuinte.
Os ganhos da sociedade, por sua vez, consistem: (i) na redução da litigiosidade tributária, por meio de uma abordagem preventiva que aumenta a eficiência do sistema tributário e melhora a alocação de recursos públicos; (ii) a melhoria no ambiente de negócios, o que atrai investimentos e movimenta a economia; e (iii) promoção da justiça fiscal, evitando assim a concorrência desleal e permitindo que o Estado promova suas políticas públicas.
Ainda que seja um projeto que está em fase de alinhamento, é importante para os contribuintes brasileiros que haja uma boa perspectiva para o futuro da Administração Tributária brasileira, uma vez que é necessário que o Estado procure novas alternativas de solução de conflitos, que não sejam apenas por meio da litigância administrativa ou judicial, as quais não se revelam suficientes para resolver a guerra que – indevidamente - se instalou entre o Fisco e os contribuintes.
Indevidamente porque, conforme já abordado, a busca por uma nação melhor não é objetivo apenas do Estado – os contribuintes também devem batalhar por um ambiente mais seguro, propício para o desenvolvimento de seus negócios, que possibilite a evolução da sociedade. Por este motivo, Fisco e contribuinte devem estar unidos, não serem inimigos, e, para tanto, imperioso que a ética, a transparência e o diálogo sejam o centro da nova relação a ser instaurada.
Verdade é que a mudança na postura das tratativas fiscais é um processo demorado, de erros e acertos, que exige uma evolução cultural não somente dos agentes públicos a serviços da Administração, mas também de toda sociedade. No entanto, é um projeto que envolve benefícios para todos os envolvidos e, quanto mais tempo demora para ser iniciado, mais tempo a sociedade e a economia ficarão presas em problemas que retardam o aperfeiçoamento e o progresso tanto da iniciativa privada quanto de políticas públicas.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi inicialmente exposto que, nos termos da Constituição Federal de 1988, o Brasil é uma República Federativa e Estado Democrático de Direito. Por República Federativa, entende-se a união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, na qual o poder é exercido pelo povo por meio do voto, enquanto os governantes são representantes que devem gerir os assuntos públicos no melhor interesse da população.
Por Estado Democrático de Direito, entende-se que todos aqueles localizados em território nacional estão sujeitos à lei e a uma jurisdição imparcial, para a preservação e garantia dos direitos individuais previstos no texto constitucional, impedindo assim que arbítrios e excessos sejam cometidos tanto pelos governantes quanto pelos governados.
A consequência de tais premissas, no ramo do Direito Tributário, consiste em que a atividade arrecadatória deve ser realizada em função do interesse público, para a preservação da organização social e satisfação de direitos da população. Por outro lado, a arrecadação também não pode ferir os direitos individuais dos cidadãos, estando o Fisco, portanto, sujeito a uma série de limites constitucionais.
Denomina-se como Estatuto do Contribuinte todo o conjunto de direitos consistentes em limitações do poder de tributar do Estado, seja por meio de competências tributárias ou por proibição do ente político de adentrar nas esferas de direitos e liberdades individuais.
Dentre o rol desses direitos – rol este que não é taxativo, podendo sempre surgir novos direitos a serem protegidos –, encontramos o princípio implícito da transparência na atuação da Administração Pública, subprincípio do Estado Democrático de Direito e decorrência do princípio republicano, que exige a atuação administrativa de forma mais aberta, dialógica e próxima da população, como uma forma de proteção do interesse público na medida em que permite maior controle da atuação estatal.
O princípio da transparência, por este motivo, deve ser conjugado ao princípio da segurança jurídica (previsibilidade da atuação estatal por meio de um forte sistema positivo) e da proteção da confiança do contribuinte (aspecto subjetivo da segurança jurídica, consistente no sentimento do cidadão quanto à segurança em planejar sua vida, sabendo das consequências de suas atitudes podem gerar), tendo em vista que uma atuação administrativa mais próxima do povo gera credibilidade nas instituições públicas, por conceder a possibilidade dos indivíduos participarem ativamente do controle da gestão da res publica.
A corrupção na Administração Pública, por outro lado, consiste em uma degradação da ética na gestão pública, no qual o interesse de particulares se sobrepõe ao bem comum, o que representa uma ameaça à democracia, na medida em que a população perde a confiança em seus gestores públicos.
No âmbito do Direito Tributário, a corrupção pode se configurar no oferecimento, por parte de particulares, ou na exigência, por parte de agentes públicos, de vantagens indevidas para impedir o surgimento de crédito tributário ou penalidades administrativas, o que prejudica a sociedade não somente pela falta de prestígio que gera em torno da confiança das instituições estatais, mas também pelo dinheiro que deixa de ser arrecadado e investido no melhor interesse da população.
A transparência, desta forma, serve para combater a corrupção, protegendo a segurança jurídica e a confiança do contribuinte, na medida em que, quanto mais aberta a Administração Tributária for aos contribuintes, permitindo o controle social da atuação dos agentes públicos, menores são as chances da ética ser violada, pois os sujeitos ativos restarão mais temerosos em serem pegos cometendo atos ilícitos e sofrer as graves consequências civis, penais e administrativas.
O compliance surgiu no cenário internacional ante a constatação de que a fiscalização em momento posterior é sempre mais onerosa e lenta, e que coloca os contribuintes em pé de guerra com os Estados, contribuindo para o aumento da corrupção por meio do oferecimento de vantagens indevidas com o fim de afastar obrigações tributárias.
Consiste, então, em uma forma de governança empresarial e de gestão pública baseada na confiança recíproca, na cooperação entre as partes, exigindo que tanto o fisco quanto o contribuinte sejam transparentes em suas tratativas, em que o ato de fiscalização não se dará após a ocorrência do fato gerador, mas sim será substituído pela proximidade da Administração Pública no processo de desenvolvimento empresarial, permitindo assim que a atividade dê início já dentro dos conformes da lei, evitando os riscos do empresário ser surpreendido com notificações ou autuações fiscais cobrando tributos, multas e juros.
Concluímos, assim, que o compliance é instrumento totalmente alinhado ao princípio republicano-federativo, que visa promover a regularidade dos contribuintes e, com isso, potencializar a atividade arrecadatória, respeitando os limites e os direitos individuais positivados e estabelecendo uma atuação administrativa democrática. Nesse sentido, a Receita Federal está desenvolvendo o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia), que visa estabelecer, gradativamente, essa nova forma de relacionamento mais próximo e igualitário entre contribuinte e agentes fiscais, promovendo assim os direitos previstos no Estatuto do Contribuinte.
Isso porque, por meio do Confia, o princípio da segurança jurídica poderá ser efetivado de maneira mais clara e frequente no dia a dia das pessoas jurídicas, uma vez que o relacionamento mais próximo entre fisco e contribuinte impedirá assim surpresas com eventuais mudanças no posicionamento da Administração Pública.
Desde o início, terá o contribuinte o acompanhamento de autoridades treinadas para o correto direcionamento fiscal das tratativas empresariais, sem causar obstáculos indevidos ou exigências impertinentes, de modo a aumentar a confiança de que os cidadãos brasileiros terão nas posturas e diligências adotadas pela Receita Federal.
Ainda, o programa Confia terá o condão de impedir a ocorrência de atos corruptos justamente por meio do exercício do princípio da transparência, ao exigir lisura na tratativa a ser estabelecida, obstando assim oferecimentos de vantagens indevidas em benefício de vantagens meramente individuais, uma vez que, para a promoção do bem público, não se deve exigir honestidade apenas de um lado das tratativas, mas sim de toda a sociedade, para o atingimento dos objetivos traçados pela nossa Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Cláudio de. Lei Anticorrupção aplicada ao Direito Tributário. Curitiba: Juruá, 2017.
ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. Compliance Cooperativo: Uma Nova Realidade entre Administração Tributária e Contribuintes. Revista Direito Tributário Internacional Atual nº 02, 2017.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2011.
BRASIL. Cartilha Conformidade Cooperativa. Receita Federal, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/confia/outros-materiais-confia/cartilha-conformidade-cooperativa. Acesso em 22 fev. 2022.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 fev. 2022.
BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 22 fev. 2022.
BRASIL. Lei nº 8.137/90 de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 22 fev. 2022.
BRASIL. Receita Federal cria comitê responsável pela gestão do Programa Confia. Receita Federal, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2021/abril/receita-federal-cria-comite-responsavel-pela-gestao-do-programa-confia. Acesso em: 22 fev. 2022.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 32ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019.
MESSA, Ana Flávia. Transparência, Compliance e Práticas Anticorrupção na Administração Pública. São Paulo: Almedina, 2019.
SÃO PAULO. Lei Complementar nº 1.320 de 06 de abril de 2018. Institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes”, define princípios para o relacionamento entre os contribuintes e o Estado de São Paulo e estabelece regras de conformidade tributária. In: Diário Oficial – Executivo, São Paulo, SP, 07 abr. 2021. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2018/lei.complementar-1320-06.04.2018.html. Acesso em: 22 fev. 2022.
[1] Julcira Maria de Mello Vianna Lisboa. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Diretora-Adjunta do Curso de Graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada.
Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCONDES, Verônica. O compliance como instrumento de combate à corrupção no direito tributário: A instrumentalização dos princípios da segurança jurídica e proteção da confiança do contribuinte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60230/o-compliance-como-instrumento-de-combate-corrupo-no-direito-tributrio-a-instrumentalizao-dos-princpios-da-segurana-jurdica-e-proteo-da-confiana-do-contribuinte. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.