RESUMO: O presente artigo tras um problema real na sociedade, o crime organizado, que ocupa as lacunas abandonados pelo Estado. Neste contexto, fortaleceu-se o chamado Pacote Ante Crimes, que instituiu a figura do Agente Disfarçado, aquele que exerce suas funções à paisana, com o intuito de facilitar o recolhimento de informações e a captura imediata, em sede de flagrante, de indivíduos que estejam cometendo crime ligados ao porte e posse de arma de fogo e ao tráfico de droga. No entanto esta figura deve manter-se dentro das balizas impostas pelo STF que sumulou: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”, que doutrinariamente pode ser chamado de Flagrante Preparado ou Provocado. O entendimento do STF também se aplica ao Agente Infiltrado, sua legalidade, indispensável é a existência de elementos preexistentes à ação policial e que indiquem a pretérita existência do delito. Disso, infere-se que o agente não irá influenciar à tomada de decisão do criminoso, pois já existe elementos informativos mínimos à constatação da infração penal, agindo, por tanto, de forma livre e consciente para cometer o crime. Nesse pórtico, sedimenta-se o entendimento de que as figuras do agente disfarçado e do agente infiltrado, em nada se assemelham ao agente provocador, pois esse, necessita que o policial instigue o cometimento do crime, faça nascer o desejo de delinquir, o que é ilegal e não admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Agente disfarçado, Flagrante Preparado, Pacote anticrimes, STF. Segurança Pública.
ABSTRACT: This article brings a real problem in society, organized crime, which occupies the gaps abandoned by the State. In this context, the so-called Ante Crimes Package was strengthened, which instituted the figure of the Undercover Agent, the one who performs his duties in plain clothes, with the aim of facilitating the gathering of information and the immediate capture, in the event of the act, of individuals who are committing crimes related to carrying and possessing a firearm and drug trafficking. However, this figure must remain within the guidelines imposed by the STF which summed up: “There is no crime, when the preparation of the act by the police makes its consummation impossible”, which doctrinally can be called Prepared or Provoked Flagrant. The understanding of the STF also applies to the Undercover Agent, its legality, indispensable is the existence of pre-existing elements to the police action and that indicate the past existence of the crime. From this, it is inferred that the agent will not influence the criminal's decision-making, since there are already minimal information elements to verify the criminal offense, acting, therefore, in a free and conscious way to commit the crime. In this portico, the understanding is consolidated that the figures of the undercover agent and the infiltrated agent, in no way resemble the provocative agent, since this one needs the police to instigate the commission of the crime, to give birth to the desire to commit an offense, which is illegal and not accepted by the Brazilian legal system.
KEYWORDS: Undercover agent, Prepared flagrant, Anti-crime package, STF. Public security.
1 INTRODUÇÃO
Dentre as inovações apresentadas nesta lei, foi prevista a figura do “agente policial disfarçado” como aparente técnica investigativa aplicável, especificamente, no combate aos crimes de tráfico de drogas, de comércio ilegal de arma de fogo e de tráfico internacional de arma de fogo.
A novel legislação inseriu dispositivos na Lei nº 11.343/06 (inc. IV do §1º do 33) – Lei do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – e na Lei nº 10.826/03 (§2º do art. 17 e parágrafo único do art. 18) – Lei do Sistema Nacional de Armas –, com o suposto objetivo de tornar típica a conduta daquele que vende ou entrega itens ilícitos diretamente a agente policial disfarçado.
Assim problematiza-se qual as balizas de atuação cabível a figura do Agente Disfarçado para que se mantenha a garantia do Direito além de buscar as diferenças deste dos agentes infiltrados e provocador.
Tendo por objetivo cruzar o direito consolidado com a nova figura do Agente Disfarçado criado pela Lei do Pacote Anticrimes e diferenciar este das figuras já conhecidas dos Agentes Infiltrados e Provocador.
Certamente que o aumento desenfreado da criminalidade e a cada vez mais elevada sofisticação das organizações criminosas faz com que sejam necessárias a utilização de meios não convencionais de investigação, e aparentemente, o escopo da Lei nº 13.964/2019 é esse ao apresentar a figura do agente policial disfarçado.
Trata-se de uma pesquisa de caráter documental e bibliográfica, tendo como fonte as legislações que tratam do tema, documentos oficiais, assim como autores que debatem esta temática, utilizando-se método dedutivo.
Diante disso, haja vista a modicidade da previsão legislativa, considera-se indispensável promover um estudo científico sobre o tema, com vistas a esclarecer aspectos centrais sobre a atuação do agente policial disfarçado e a previsão legal que a respalda, de modo a proporcionar aos operadores do direito e aos investigados um cenário seguro para seu emprego.
1.1 Conceito de Prisão em Flagrante
Importante um exame acerca dos vocábulos oferecidos pelo dicionário, conforme a expressão “flagrante” vem do latim flagranse, que nos remete aquilo que está no calor da ação; que é ardente; acalorado; manifesto; evidente; praticado na própria ocasião em que é surpreendido.
Trazendo o referido termo para o contexto, flagrante delito é:
O estado de quem se encontra cometendo determinada infração, acaba de cometê-la; e prisão em flagrante é a que deve ser feita obrigatoriamente pela autoridade policial, e que pode ser efetuada por qualquer pessoa, para prender quem se encontre em flagrante delito (MEDEIROS, 1994, p. 56).
À luz do Código de Processo Penal a prisão em flagrante é ilustrada pelo artigo 301, segundo o qual, qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Ainda sob a vertente do artigo 302 do mesmo código, considera-se em flagrante delito quem está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido logo após pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração.
Nesta ótica, extraí-se que existe a faculdade para que qualquer pessoa do povo prenda alguém que se encontre em situação de flagrância, ao passo que os agentes policiais, possuem o dever de agir nessa situação.
Trata-se, de fato de:
Medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (artigo 5º, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos (TÁVORA, 2011, p. 530).
Na continuidade desse raciocínio, Paulo Rangel (2007, p. 585), declina que são exigidos os elementos da atualidade e visibilidade para a configuração da referida prisão. Vejamos as palavras do escritor:
A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa do ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somadas a atualidade e a visibilidade tem-se o flagrante delito.
Dito isto, infere-se que o parâmetro da prisão em flagrante é propriamente a possibilidade de se verificar a ocorrência do delito de modo cabal, tornando desnecessária uma análise de um juiz de direito a fim de aferir seu real acontecimento. Por outro lado, esta prisão tem o viés de impedir a fuga do infrator, tal como assegurar a colheita de provas da materialidade e da autoria, além de em muitos casos ter o êxito de obstruir a consumação do delito.
1.2 Natureza Jurídica da Prisão em Flagrante
Por obra das consideráveis alterações no Código de Processo Penal com o advento da Lei 12.403/2011, a doutrina não é unânime no correspondente a natureza jurídica da prisão em flagrante.
A divergência se deve principalmente porque anteriormente a prisão em flagrante era fundamento suficiente para que o acusado permanecesse preso durante todo o processo, constituindo-se assim medida de natureza cautelar, independente de sua conversão em prisão em flagrante (Costa Neto, 2012, s.p).
Todavia, com o advento da mencionada lei, seguindo o preconizado pelo artigo 310 do Código de Processo Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente relaxar esta prisão, ou tendo ela por legal, convertê-la em preventiva ou conceder liberdade provisória, preenchido os requisitos da lei.
Artigo 310 do Código de Processo Penal: ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do artigo 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Pelo todo mostrado, há entendimentos divergentes na doutrina no intuito de aclarar a natureza jurídica da prisão em flagrante, nascendo dessas discordâncias três posicionamentos distintos que a caracterizam como ato administrativo, prisão cautelar ou medida pré-cautelar. Para aqueles que a classificam como ato administrativo, argumentam que a prisão, posteriormente quando homologada pelo magistrado é de natureza processual (cautelar), portanto, antes da análise do juiz com a consequente decisão de manter o indivíduo encarcerado não passa senão de um ato administrativo.
Tal argumento é transparente observando os dizeres de Walter Nunes da Silva Júnior apud Costa Neto (2012, s.p):
O que ocorre com a prisão em flagrante é, tão somente, a detenção do agente, a fim de que o juiz, posteriormente, decida se a pessoa deve ser levada, ou não, à prisão. Com isso, se quer dizer que não há, propriamente, uma prisão em flagrante como espécie de medida acautelatória processual penal. O flagrante delito se constitui e justifica apenas a detenção, cabendo ao juiz, após a análise por meio da leitura do auto de prisão em flagrante, definir se a prisão preventiva deve, ou não, ser decretada.
Por outro sentido, é forte o entendimento na ótica de tratar-se de uma espécie de prisão cautelar, tal como o é a prisão preventiva e a temporária. Rogério Greco (2012, p.19), compactua com esta posição ao defender que todas as aquelas prisões que ocorrem anteriormente ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, possuem natureza cautelar.
Ampliando ainda a visão nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 631), defende um posicionamento hibrido entre ambas as correntes expostas, justificando que a princípio compreende-se a natureza administrativa, por ser formalizada pela polícia judiciária,mas se torna jurisdicional a partir do ponto em que o juiz toma alguma das medidas prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal a relaxando ou mantendo, convertendo-a em preventiva.
Em uma colocação mais clara Castelo Branco (2001 p. 10), explica que exatamente o que temos antes da sentença penal condenatória, são prisões cautelares que antecedem a prisão penal, contudo, são prisões cautelares processuais ou prisões cautelares administrativas, que no caso desta última, com a alteração da Lei de 12.403/11, retirou-se a prisão em pronúncia, sobrevindo apenas a prisão em flagrante:
A prisão cautelar é chamada processual quando decretada pelo juiz e é representada pela prisão preventiva, pela prisão temporária etc. Quando emana de outra autoridade é denominada prisão administrativa. Ambas visam a garantiam da tutela de um bem jurídico para impedir as consequência s do periculum in mora. (g.n)
Portanto, seguindo os traços coerentes de seus termos, a prisão cautelar pode ser de natureza processual ou administrativa a depender da autoridade que a emana, isto é, o juiz ou a autoridade policial.
E por fim, de maneira ainda mais acertada Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 182), expõe em suas palavras tratar-se a prisão em flagrante de caráter pré-cautelar. Justifica ser essa a natureza jurídica que comporta, uma vez que esta modalidade de prisão não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para que ele sim adote uma verdadeira medida cautelar.
Coaduna neste rumo Luiz Flávio Gomes (2011, p. 90), fundamentando que: “a prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, porque não tem o escopo de tutelar o processo ou o seu resultado final, sim, ela se destina a colocar o preso à disposição do juiz, para que tome as providências cabíveis”.
1.2 Hipóteses de Prisão em Flagrante
O Sistema Processual Penal Brasileiro ilustra, tempestivamente, as razões que autorizam a prisão perante a condição da flagrância, no artigo 302 do Código de Processo Penal. São as modalidades esboçadas taxativamente pela legislação, e outras salientadas pela doutrina, mas igualmente pautadas nos traços do que designa a lei no artigo declinado.
No entanto, apesar das classificações apontadas, nossa legislação não tratou de diferenciar as hipóteses, reduzindo todas, para fins legais, as situações previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal.
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1980) apud Daniela Cristina Rios Gonçalves (2004, p. 36), apresenta uma classificação um tanto limitada, sobre a qual existem apenas duas espécies de flagrante: o real, correspondente as hipóteses dos incisos I e II, e o virtual referente às hipóteses dos incisos III e IV, visto que para as últimas hipóteses os casos baseiam-se em presunção.
Roberto Delmanto Junior (2001, p. 99), para uma melhor percepção coloca:
A propósito da modalidade de flagrante próprio ou real do inciso I, são pertinentes as observações de Rene Garraud, ao salientar que é esta a situação do flagrante propriamente dito, posto que o agente é pego no momento do acontecimento.
Rogério Greco (2012, p. 23), em sua maestria, frisa que, nesta modalidade, mais do que qualquer outra, podemos dizer que a infração penal ainda é ardia.
Ressalta-se, para que está prisão seja possível de nada importa se o agente encontra-se em qualquer excludente de ilicitude, haja vista bastar que o agente tenha cometido a infração, ou acabado de cometê-la, conforme delineado pelo inciso I e II do artigo 302 do Código de Processo Penal.
Neste parâmetro, por existirem questionamentos acerca do que exatamente refere-se a perseguição, tal como o tempo de sua duração a fim de manter o requisito da flagrância, o artigo 290, §1º, do Código de Processo Penal, expõe:
Artigo 290, §1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando: a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.(g.n)
Rogério Greco (2012, 24) prossegue nos ensinamentos acerca da perseguição:
Criou-se na mente da população a necessidade da prisão ocorrer no prazo de 24 horas. Tal determinação não consta de qualquer dispositivo legal. Assim, respondendo às nossas indagações, ainda haverá situação de flagrante enquanto durar a perseguição, ou seja, enquanto os agentes estiverem sendo perseguidos pela autoridade policial após a prática da infração penal. Se, no entanto, houver interrupção na perseguição, ou seja, se a autoridade policial, por exemplo, perder de vista, por um tempo razoável, aquele que supostamente praticou a infração penal, sua prisão realizada horas depois, já não mais poderá ser considerada como em flagrante delito. (g.n)
Desse modo, esta perseguição deverá ser imediata e ininterrupta, não restando ao autor um momento de tranquilidade; de alívio entre a conduta e a perseguição (DELMANTO, 2001. p. 104).
Mesmo assim, é preciso tecer ponderações também quanto ao termo “logo após” expressa pelo dispositivo. Nessa esteira Mirabete (2009, p.403) explica que:
Deve-se entender que o “logo após” do dispositivo é o tempo que corre entre a pratica do delito e a colheita de informações a respeito da identificação do autor, que passa a ser imediatamente perseguido após essa rápida investigação procedida por policiais ou particulares.
Verifica-se, de imediato, que a lei elenca passos: “perseguido”, “logo após”, “flagrância”, que devem ser revistos em conjunto para que sobrevenha a hipótese da prisão.
Nesta modalidade, ainda não existia conhecimento de quem seria o autor do crime. Não se trata de uma perseguição, mas de ato de achada (DELMANTO, 2001, p. 103). Muito bem colocada é a ressalva:
Não é necessário no caso que haja perseguição, mas sim que a pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito com coisas que traduzem um veemente indicio da autoria ou participação no crime. A pessoa não é “perseguida”, mas “encontrada”, pouco importando se por puro acaso, ou se procurado após investigações (MIRABETE, 2009, p. 372).
No que despende a expressão “logo depois”, referida ao lapso temporal entre a prática do delito e o fato de ser a pessoa encontrada com os objetos ou instrumentos do crime, o mesmo doutrinador prossegue:
Considerando-se o interesse na repressão dos crimes, há maior margem na discricionariedade da apreciação do elemento cronológico quando o agente é encontrado com objetos indicativos do crime, o que permite estender o prazo a várias horas ou, considerando-se o problema do repouso noturno, até o dia seguinte (MIRABETE, 2009, p. 374).
Compreende-se de todo o exposto, que para justificar o estado de flagrância e assim tornar possível a prisão em flagrante nesta forma, é realizada uma relação entre a pessoa encontrada com os materiais e objetos, e um delito ocorrido momentos antes. Nessa linha de pensamento, restaria ao juiz a tarefa de verificar se no momento do encontro do indigitado autor do delito, ainda estão fumegantes as cinzas deixadas, ou seja, se o calor do delito é ainda perceptível (DELMANTO 2001. p. 106).
Em verdade, refere-se a uma situação de não flagrante, vez que o autor é induzido a prática de certo delito, restando, por conseguinte, caracterizado o flagrante nulo. O Supremo Tribunal Federal assim pacificou por meio da súmula 145 do STF: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Com a finalidade de que não haja engano entre esta modalidade de flagrante e a hipótese de flagrante esperado, o Supremo Tribunal Federal tece explicações por intermédio de julgados:
O flagrante preparado se distingue do flagrante esperado. No flagrante preparado, desvirtua-se a atividade que tenha sido desenvolvida pelo infrator, nos seus aspectos fundamentais da espontaneidade do querer, exclusividade da ação e autenticidade dos fatos. No flagrante esperado, a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração. Procura colhê-la ou frustrá-la na sua consumação.
Em vista disso, a razão da nulidade se deve ao fato de que o agente foi instigado a praticar o crime, sem saber que estaria sob a vigilância atenta de outrem.
Com demasiada nitidez Noberto Avena, (2011, v.1, p. 371) conceitua:
É aquele no qual alguém, tomando conhecimento de que um crime será praticado, desloca-se até o respectivo local, onde fica à espreita, aguardando o início dos atos de execução, ou conforme o caso, a própria consumação para, ato contínuo, efetivar a prisão em flagrante.
Em continuidade, o autor oferece um exemplo prático:
Mediante uma interceptação telefônica autorizada judicialmente, descobre a autoridade policial que determinado navio atracará ao porto com uma carga de drogas camufladas em forma de mercadorias lícitas. Chegando a embarcação e iniciado o descarregamento, aproximam-se os policiais e, constatando a veracidade da informação, realizam a prisão dos traficantes.
Sucede então que, é empregada a prisão pela prática do delito consumado ou tentado, sempre por meio de modalidades investigativas, por intermédio de diligências, campana, interceptação telefônica dentre outras. Sempre, nesse plano, com intuito de interceptar certo indivíduo que se sabe estar com intenção de práticas delituosas.
Por outro lado, inclui-se o flagrante forjado, fabricado, maquinado ou urdido, que ocorre quando policiais ou terceiros criam um crime inexistente com o propósito de prender o agente em flagrante. Noutros termos, as provas arguidas para a efetivação da prisão em flagrante são forjadas pela própria polícia ou mesmo por particulares.
Noberto Avena (2011, p. 371), segue em seus dizeres:
É aquele no qual o fato típico não foi praticado, sendo simulado pela autoridade ou pelo particular com o objetivo direito de incriminar falsamente alguém. Caracteriza-se pela absoluta ilegalidade e sujeita o responsável a responder penalmente por essa conduta.
Evidentemente, esta espécie não possuir validade, encontrando-se na catalogação da doutrina para fins didáticos e compreensão do efeito.
Por último, fala-se além das outras, na modalidade de flagrante protelado, diferido ou retardado. Este modelo de prisão em flagrante possui previsão legal pela Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95). Conforme se verifica do artigo 2º da referida lei, o legislador permite certos procedimentos de investigação e formação de provas, dentre as quais:
A ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações constante no inciso II.
De outra maneira, trata-se nada mais, do que a faculdade daquele que possui obrigação legal de realizar a prisão em flagrante, no sentido de retardá-la visando obter maiores informações a respeito da ação dos criminosos (AVENA, 2011. p. 372).
O mesmo raciocínio no tocante a possibilidade desta postergação, se aplica para a Lei de Drogas (Lei 11.343/06), em virtude da previsão em seu artigo seu 53, inciso II:
Artigo 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único: na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores. (g.n)
A finalidade desta retardação é ilustrada sabiamente por Guilherme de Souza Nucci (2008, v.1, p. 391):
O objetivo do legislador em atingir o peixe graúdo, sem que se dissemine a prisão dos meros carregadores de drogas ilícitas, atuando por ordem dos verdadeiros comandantes [...] justamente por isso a lei menciona a ação retardada em relação aos portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas.
Frisa-se que somente é possível em se tratando de crimes praticados por organizações criminosas, sobre o qual não necessita de ordem judicial ou mesmo oitiva prévia do MP, cabendo, neste caso, a autoridade policial administrar a conveniência e oportunidade da postergação.
É igualmente possível em se tratando dos crimes previstos na Lei de Drogas, imprescindível neste feito a ordem judicial e oitiva prévia do Ministério Público.
2 DEFINIÇÃO DE FLAGRANTE E SUAS CATEGORIAS
Os embates quanto a inconstitucionalidade do flagrante preparado abatera-se, todavia, sem nunca deixarem de existir, diante da promulgação da Súmula 145 do STF. A mesma goza de concordância de grande parte da doutrina e jurisprudência, inclusive, sendo periodicamente reiterado, pelo STF, em casos recentes, algo notável para uma Súmula 145 com 55 anos de existência. O debate buscava descobrir os limites de ação das forças policiais de forma ativa para realizar um flagrante, podendo haver absoluta passividade ou se era possível algum tipo de atividade, de ação que servisse como pavio para que o autor realizasse a conduta delitiva. (STF, 1963)
Neste quadro, entre as décadas de 1940 e 1960, chegaram ao STF quatro casos semelhantes (HC 40289, HC 38758, RE 15531, RHC 27566) ambos relativos a crimes de extorsão e corrupção, estes casos se tornaram leading cases e findaram por consolidar o entendimento consubstanciado na Súmula nº 145 do STF. Outrossim, os julgamentos destes processos foram grandemente influenciados pela doutrina de Nelson Hungria (HUNGRIA, 1978, p 107) que solidificava que, no hoje denominado flagrante preparado, o suposto criminoso não passava, nas palavras de Hungria, do “protagonista inconsciente de uma comédia”. Portanto, segundo o doutrinador, não haveria crime no flagrante preparado, mas tão somente algo como uma ilusão, uma encenação, um simulacro meticulosamente planejado e urdido pelo agente instigador do crime, com o fito de prender em flagrante o agente delitivo.
Sendo indicadas diversas inconsistências, incongruências e incompatibilidades lógicas nos argumentos jurídicos utilizados por eles para distinguir o flagrante esperado (considerado lícito) do flagrante preparado. Flagrante deriva das palavras Latinas “flagrans” e “flagrantis” que significam “ardendo”, “queimando” (FLAGRANTE, 2017), o flagrante é o crime em seu ponto de maior efervescência, é o delito em plena combustão, no ápice de seu calor, da mesma forma que, uma chama que enquanto vive, altera a lenha que a dá vida; o crime, enquanto consuma-se, lesa o bem jurídico cuja violação o faz existir.
O flagrante é o estado da “chama delitiva” ao consumir seu bem jurídico combustível, esta enquanto o faz, apresenta a todos ao seu redor o brilho de sua atuação nefasta. Observar um crime em estado de flagrância, expõe a todos da forma mais inconteste possível sua existência e seus rastros no mundo físico, ainda que tais rastros, não raro, permaneçam muito tempo após a consumação do crime, é no estado de flagrância que todas as evidências, constatações e circunstâncias se revelam com todo o esplendor.
No tocante à definição de flagrante, necessário trazer à tona os ensinamentos de Carnelutti e de Cordero apud Lopes Jr:
Como explica CARNELUTTI, a noção de flagrância está diretamente relacionada a ‘la llama, que denota con certeza la combustión; cuando se ve la llama, es indudable que alguna cosa arde’. Essa chama, que denota com certeza a existência de uma combustão, coincide com a possibilidade para uma pessoa de comprová-lo mediante a prova direta. Como sintetiza o mestre italiano: a flagrância não é outra coisa que a visibilidade do delito. (LOPES JR, 2014, p. 583)
Para estes doutrinadores, o flagrante é a percepção das coisas enquanto ocorrem, é a certeza visual da prática delitiva. Exatamente porque existe tal visibilidade, também se faz presente, de forma manifesta e inequívoca, o fumus commissi delicti (LOPES JR, 2014, p 583).
3 FLAGRANTE ESPERADO E PREPARADO
O flagrante próprio está previsto no art 302, incisos I e II, do CPP e ocorre durante a execução dos atos delitivos ou logo após seu fim. Este flagrante interrompe a execução ou se dar imediatamente após o seu fim.
Valiosa é a explanação de Nucci sobre o tema do flagrante próprio:
Ocorre, pois, quando o agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal (inciso I). Nessa situação, havendo a intervenção de alguém, impede-se o prosseguimento da execução, redundando, muitas vezes, em tentativa. (...)
Pode ainda dar-se quando o agente terminou de concluir a prática da infração penal, ficando evidente a materialidade do crime e da autoria (inciso II). Embora consumado o delito, não se desligou o agente da cena, podendo, por isso, ser preso. A esta hipótese não se subsome o autor que consegue afastar-se da vítima e do lugar do delito. Sem que tenha sido detido. (NUCCI, 2008, p. 590)
Outro posicionamento defendido por Lopes Jr (2014, p. 586), considera que o flagrante do inciso I, ocorre quando o agente é surpreendido durante a execução do crime, ou seja, praticando o verbo nuclear do tipo. Aury Lopes salienta ainda que a prisão deste flagrante pode inclusive, a depender do caso, impedir a própria consumação do tipo.
Para Carnelutti (apud LOPES JR, 2014, p 586) a ideia de flagrante está diretamente ligada à ideia de “chama”, de combustão, ao se ver uma chama, inevitável constatar que algo arde. A flagrância, para o doutrinador, não é outra coisa senão a evidência do delito, a visibilidade do delito. Neste mesmo diapasão encontra-se o posicionamento de Cordero, também citado por Aury Lopes, no sentido que o flagrante traz à mente a noção de coisas percebidas enquanto ocorrem.
Novamente, a docência de Nucci desembaraçará eventuais dúvidas sobre o tema em exame:
Ocorre quando o agente conclui a infração penal ou é interrompido pela chegada de terceiros mas sem ser preso no local do delito, pois consegue fugir, fazendo com que haja perseguição por parte da polícia, da vítima ou de qualquer pessoa do povo.
Note-se que a lei faz uso da expressão "em situação que faça presumir ser autor da infração" (inciso III do art. 302), demonstrando, com isso, a impropriedade do flagrante, já que não foi surpreendido em plena cena do crime. Mas, e razoável a autorização legal para a realização da prisão, pois a evidencia da autoria e da materialidade mantem-se, fazendo com que não se tenha dúvida a seu respeito.
Exemplo disso é o do agente que, dando vários tiros na vítima, sai da casa desta com a arma na mão, sendo perseguido por vizinhos do ofendido. Não foi detido no exato instante em que terminou de dar os disparos, mas a situação e tão clara, que autoriza a perseguição e prisão do autor. A hipótese e denominada pela doutrina de quase flagrante. (NUCCI, 2008, p 590 e 591).
Lopes Jr (2014, p. 587) explana que o interstício temporal relevante para o flagrante próprio é aquele entre a ocorrência do crime e o início da perseguição bem-sucedida, independentemente de quanto tempo esta perdurou. O doutrinador salienta que não se deve confundir o início da perseguição com sua duração, pois o dispositivo legal requer que a perseguição comece logo após o fato, porém não há vedação para sua duração, podendo durar por diversas horas.
O flagrante preparado seria o “flagrante irmão” do flagrante esperado, sendo ambos dotados de grandes semelhanças, razão pela qual, sua distinção no caso concreto por vezes se faz demasiado difícil, talvez, mesmo, impossível. Contudo, a problemática da distinção entre o flagrante preparado e o flagrante esperado será objeto de análise posterior em um tópico próprio, sendo, todavia, prudente já adiantarmos que as principais características que diferenciam o flagrante preparado do esperado são: 1) Existência de criação de uma oportunidade pelo agente vigilante (ou pelo terceiro ao seu serviço) ou coincidência de pessoas/cumulação de funções entre o agente vigilante e o agente estopim. 2) Ilicitude do flagrante preparado, em decorrência do teor do Enunciado de Súmula Nº 145 do Supremo Tribunal Federal.
Dito isto, termos como “agente vigilante”, “agente estopim”, “esperar uma oportunidade” e “criar uma oportunidade” dificilmente serão encontrados noutras fontes. Se faz prudente ressaltar que certos doutrinadores, tais como Bitencourt (2012, p. 1186-1190), optam por denominar o “flagrante esperado” como “flagrante preparado” e o “flagrante preparado” como “flagrante provocado”. Contudo, tais autores são minoria, sendo os termos “flagrante esperado” o mais usado nos casos de ausência de conduta instigadora pelo agente estopim e o termo “flagrante preparado” nos casos de presença de tal conduta, por isso, no presente trabalho serão estes os termos adotados.
Retomando-se à análise do conceito e definição do flagrante preparado, proveitoso mencionar o magistério de Badaró, no qual o doutrinador salienta a importância da atuação do “agente estopim” (chamado por ele de agente provocador) como característica notável do flagrante preparado e como sua principal distinção em relação ao flagrante esperado:
O flagrante preparado ou provocado é aquele em que ocorre a prisão de alguém, tendo havido um agente provocador da prática do crime, normalmente integrante da própria polícia, que induziu ou instigou o autor a cometer o delito justamente para poder prendê-lo. Em suma, flagrante preparado é o flagrante por obra de agente provocador. O agente provocador induz o indivíduo a cometer um crime, para prendê-lo em flagrante delito.
(...)
O flagrante provocado ou preparado não se confunde com o flagrante esperado. Neste, diante da notícia de que um crime poderá ser praticado, a polícia toma as providências para prender em flagrante aquele que irá cometer o crime. O relevante para distingui-lo do flagrante provocado é que, no flagrante esperado, a polícia vigia o local do crime, esperando que o agente, espontaneamente, pratique o delito. Não há induzimento ou provocação para a prática delitiva. (BADARÓ, 2015, p 963)
O exemplo clássico de flagrante preparado nos crimes permanentes é o do policial que, fingindo ser usuário de drogas, compra drogas do traficante, para prendê-lo em flagrante, o traficante iniciou a consumação do crime no momento em que começou a portar a droga ilícita com fins de tráfico, sendo preso não em virtude da venda realizada ao policial por meio do flagrante preparado, e sim por ter evidenciado e transparecido que estava portando drogas. O flagrante é lícito por causa do porte de drogas anterior a instigação delitiva e não por causa da venda propriamente dita. Este é não só é o entendimento absolutamente majoritário da doutrina, como também é o posicionamento defendido por Nucci:
Há certos casos em que a polícia se vale do agente provocador, induzindo ou instigando o autor a praticar determinada ação, mas somente para descobrir a real autoria e materialidade de um crime. Assim sendo, não se dá voz de prisão por conta do eventual delito preparado e, sim, pelo outro, descoberto em razão deste.
É o que ocorre nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes. Ilustrando, o art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, possui dezoito formas alternativas de conduta. Assim, caso o policial se passe por viciado, com o fim de comprar drogas, o traficante ao ser detido, no ato da venda, não será autuado por vender, mas porque trazia consigo ou tinha em deposito substancia entorpecente. Afinal, as condutas anteriores configuram crime permanente. Cuida-se de hipótese validada pela jurisprudência. (NUCCI, 2008, p. 593-594)
Quanto ao tráfico de entorpecentes, passando-se o policial por usuário e pretendendo comprar droga, faz com que o traficante se exponha. Recebe este voz de prisão em flagrante não pela tentativa de venda, mas pelo já consumado delito de ter consigo substância entorpecente (delito permanente). (NUCCI, 2014, p 279)
Assim problematiza-se qual as balizas de atuação cabível a figura do Agente Disfarçado para que se mantenha a garantia do Direito além de buscar as diferenças deste dos agentes infiltrados e provocador.
Tendo por objetivo cruzar o direito consolidado com a nova figura do Agente Disfarçado criado pela Lei do Pacote Anticrimes e diferenciar este das figuras já conhecidas dos Agentes Infiltrados e Provocador.
Certamente que o aumento desenfreado da criminalidade e a cada vez mais elevada sofisticação das organizações criminosas faz com que sejam necessárias a utilização de meios não convencionais de investigação, e aparentemente, o escopo da Lei nº 13.964/2019 é esse ao apresentar a figura do agente policial disfarçado.
4 ILICITUDE DO FLAGRANTE PREPARADO EM PROL DO VICIO DE VONTADE
Este também tem sido o prisma pelo qual a jurisprudência tem enxergado o flagrante preparado nos crimes permanentes. Prova disto, é que no próprio sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018b) que trata sobre a Súmula Nº 145, é exposto, como exemplo de jurisprudência posterior à publicação da supracitada súmula, o HC 105929, o qual ratificou o entendimento do STJ sobre a licitude do flagrante preparado no crime de tráfico de drogas:
Quanto à segunda alegação, em que requer seja reconhecido o flagrante preparado, tenho para mim ser de todo irreparável a decisão proferida pelo STJ que assentou: 'o fato de os policiais condutores do flagrante terem se passado por consumidores de droga, como forma de possibilitar a negociação da substância entorpecente com o ora paciente e demais corréus, não provocou ou induziu os acusados ao cometimento do delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, sobretudo porque o tipo do crime de tráfico é de ação múltipla, admitindo a fungibilidade entre os seus núcleos, consumando-se, apenas, com a guarda da substância entorpecente com o propósito de venda, conforme restou evidenciado na espécie'." (HC 105929, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em 24.5.2011, DJe de 6.6.2011)
Ou seja, para a doutrina majoritária, no caso constante do policial se fingir de usuário para comprar drogas nas mãos do traficante, a venda, em si, da droga é um flagrante preparado e, portanto, ilícito; porém, este flagrante preparado ilícito, apesar de incapaz de culminar num processo penal válido, pode ter suas provas aproveitadas para embasar o processo penal pelo porte de drogas com o intuito do tráfico. Este é o “pulo do gato”, a doutrina majoritária admite como válida as provas diretamente decorrentes de uma conduta ilícita do representante do Estado, qual seja, a prática do flagrante preparado pelo policial. Isto é um claro desrespeito à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, teoria esta, amplamente respaldada pelo Supremo Tribunal Federal e cuja violação, segundo o próprio STF, enseja em grave lesão aos princípios e garantias fundamentais constitucionalmente tutelados:
ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos . - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
É, no mínimo, hipócrita a postura do Supremo Tribunal Federal de simultaneamente considerar, por meio de sua Súmula Nº 145, o flagrante preparado como ilícito e incapaz de ensejar num processo penal capaz de culminar numa sanção penal e, ao mesmo tempo, considerar absolutamente válido o flagrante preparado nos crimes permanentes, ignorando, desta forma, que as provas da consumação pretérita do crime só puderem ser obtidas através de um flagrante preparado, instituto por ele próprio considerado ilícito.
5 LEI ANTIDROGAS E CASOS DE FLAGRANTE
Com a nova Constituição, a política antidrogas brasileira, sob o ponto de vista geopolítico, alinha-se aos Estados Unidos da América. Nos Estados Unidos, líder da política proibicionista, numerosos estudos encomendados pelo governo mostraram que o custo de programas de prevenção do uso de drogas e de tratamento de dependentes é muito mais barato (entre 20 e 10 vezes) e eficaz do que a repressão externa e interna respectivamente (Zaluar, 2004).
O novo diploma legal foi publicado no dia 24 de agosto de 2006 e entrou em vigor no dia 08 de outubro de 2006. A nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) contém os seguintes objetivos:
Introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e de reinserção social do usuário,
Eliminar a pena de prisão ao usuário (ou seja, em relação a quem tem posse de droga para consumo pessoal),
Aumentar o rigor contra o traficante e financiador do tráfico,
Distinguir claramente o traficante “profissional” e o “ocasional”,
Apreender, arrecadar, e quando o caso, leiloar os bens e vantagens obtidos com os delitos de drogas.
A Nova Lei de Drogas tem seus dispositivos organizados em seis títulos. Suas designações permitem extrair a compreensão inicial da estrutura da Lei, formada por dispositivos versando sobre as disposições preliminares (I), o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas (II), as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas (III), a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas (IV), a cooperação internacional (V) e as disposições finais e transitórias (VI).
Instituiu-se, com a referida Lei, o SISNAD (Sistema Nacional de Política Públicas sobre Drogas), que tem como demanda a tarefa articular, integrar, organizar e coordenar toda política brasileira relacionada com à prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social dos usuários e dependentes assim como com a repressão à produção e tráfico ilícito de drogas. Evidencia-se que a nova Lei de drogas foi mais branda com o usuário do que as leis anteriores, na Lei 11.343/06, não se comina pena de prisão para o réu, pretende-se que este nem sequer passe pela unidade prisional.
O STF, recentemente, manifestou seu entendimento no Habeas Corpus 103.362:
Ministro reafirma em decisão que preso por tráfico tem direito a liberdade provisória
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello concedeu liminar que permite a um preso por tráfico de drogas aguardar em liberdade provisória o seu julgamento. A decisão foi dada no Habeas Corpus (HC) 103362 e o entendimento do relator é contrário ao que estabelece a Lei 11.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.
Ele citou recente decisão da Segunda Turma do STF segundo a qual impedir que um preso em flagrante por tráfico obtenha liberdade provisória expressa “afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana”.
O ministro destacou ainda jurisprudência do Supremo que já advertiu, por mais de uma vez, que “o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões da razoabilidade”.
Destacou que o STF também adverte que a natureza da infração penal não justifica, por si só, a privação cautelar imposta pelo Estado. Portanto, por entender que a decisão de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do STF firmou sobre a prisão cautelar, o ministro concedeu a liminar ao acusado. HC 97256
Questão semelhante está sendo discutida pelo Plenário da Corte no Habeas Corpus (HC) 97256. O ministro Ayres Britto já votou pela inconstitucionalidade de dispositivos da Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) que proíbem a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos para condenados por tráfico de drogas. O julgamento foi suspenso, em seguida, por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Entretanto, esse pensamento do Ministro Celso de Mello encontra divergência dentro da própria Corte Suprema, conforme decisão do Ministro Joaquim Barbosa no Habeas Corpus 102.81:
Bons antecedentes não afastam caráter hediondo
O Supremo Tribunal Federal negou o pedido de liminar em Habeas Corpus de condenada por tráfico e associação para o tráfico de drogas em Santa Catarina. O ministro Joaquim Barbosa (relator) não aceitou o pedido de progressão da pena de seis anos em regime fechado para semiaberto. Para ele, a primariedade e os bons antecedentes não afastam o caráter hediondo do crime, como argumentava a defesa.
De acordo com os advogados do réu, diante dessas características não caberia ao caso o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado e a possibilidade de progressão da pena somente após o cumprimento de parte da pena – 2/5 se réu primário e 3/5 se reincidente — 1º e 2º do artigo 2º da Lei 8.072/90, de Crimes Hediondos.
No entanto, o ministro destacou que a cabeça do artigo 2º da Lei 8.072/90 equipara o crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos. Ele ainda ressaltou que o texto não traz qualquer ressalva aos casos em que se reconheça a causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06 (nova Lei de Tóxicos). “Logo, ao menos à primeira vista, o reconhecimento dessa causa de diminuição de pena (primariedade e bons antecedentes), por si só, não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”, disse o ministro.
Barbosa explicou, ainda, que a fixação do regime prisional depende não só do montante da pena aplicada, como também da análise das circunstâncias judiciais, “as quais, além de não terem sido questionadas pelo impetrante, não podem ser reexaminadas na via estreita do Habeas Corpus”. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.
O legislador foi mais benéfico ao usuário na atual lei, mudando a postura da legislação brasileira de sempre tratar o usuário de drogas como um criminoso. De acordo com a Lei 6.368/76, o usuário era reputado como delituoso, sendo punido com pena de detenção de seis meses a dois anos, mais multa. O usuário, com a antiga Lei ficava preso até que fosse paga fiança ou fosse liberado pelo magistrado.
Não há, portanto, um critério objetivo, como uma fórmula matemática para se definir quando o porte de droga se destina a consumo pessoal ou ao tráfico de drogas. A distinção entre traficante e usuário, e suas respectivas sanções gerou uma discussão a respeito do porte de drogas para consumo pessoal: a prática deixou de ser crime e foi, por tanto, descriminalizada? A jurisprudência do STF (RE nº. 430.105 QO/RJ) decidiu que não houve descriminalização das drogas, mas sim uma despenalização do porte de drogas para consumo próprio, já que não há previsão legal de penas privativas de liberdade.
CONCLUSÃO
Sob o modo de ver do Direito Penal, em âmbito geral, a Lei 11.343/06 inovou positivamente o nosso ordenamento jurídico, em especial quando comparado à legislações anteriores, porém pecou em alguns pontos, gerando muitas polêmicas, conforme citado pelo trabalho exposto. A Nova Lei de Drogas veio com a intenção de trazer novidades ao ordenamento jurídico brasileiro, pois este carecia muito de uma nova lei acerca do assunto.
O Pacote Anticrime criou três novos tipos penais, todos com a atuação do agente policial disfarçado, pondo fim, a nosso sentir, à discussão acerca da validade do flagrante diante de delitos praticados por condutas caracterizadoras de crimes instantâneos. Para melhor esclarecer, vamos nos limitar ao crime equiparado ao tráfico ilícito de drogas, embora as mesmas observações valham, perfeitamente, para os delitos do Estatuto do Desarmamento.
Convém, ainda, destacar que a configuração das noveis figuras típicas independe da “iniciativa”, se a droga (ou arma) foi oferecida pelo criminoso ou solicitada pelo agente policial disfarçado, punindo-se a “venda” e a “entrega” condicionada à conduta criminal preexistente.
Com este trabalho, viu-se, de forma bem explicativa, que o flagrante preparado consiste no ato de estimular alguém a praticar uma infração penal apenas para esta ser presa. Como o agente provocador, imbuído deste propósito, age ao mesmo tempo para impossibilitar o momento consumativo, ficou claro o porquê de tal modalidade doutrinária de flagrante ser considerada crime impossível, entendimento esse de longa data que se consubstanciou na edição da Súmula 145 do STF.
Viu-se, posteriormente, que no delito de tráfico de drogas o assunto flagrante preparado é mais delicado, pois, a depender da situação, embora haja estímulo à prática delitiva, é possível mesmo assim que a prisão se efetue de forma válida, tendo em vista que o aludido crime é de ação múltipla e que algumas condutas são da natureza permanente, ou seja, se protraem no tempo. Também foram expostas breves considerações acerca da eventual ilicitude da prova obtida do tráfico com tal atitude de induzimento pela polícia.
Por fim, viu-se que o flagrante preparado não se confunde com o flagrante esperado, o qual, ao contrário do primeiro, não possui qualquer ato de induzimento, mas apenas uma postura de aguardo do cometimento da infração, e que por isso é considerado forma válida de prisão, não obstante a doutrina alerte sobre o fato de que existe a possibilidade de o flagrante esperado se tornar ilegal caso configure, no caso concreto, hipótese de crime impossível.
Foi possível verificar com este trabalho, portanto, que o tema apresentado ainda é bastante vivo na doutrina e na jurisprudência, gerando discussões, críticas, e cuja relevância atual é também destacada pelos dois projetos de lei ora abordados.
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Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, LUDMILA SANTOS DE. A existência de flagrante preparado na apreensão de drogas realizada por agente disfarçado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2022, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60415/a-existncia-de-flagrante-preparado-na-apreenso-de-drogas-realizada-por-agente-disfarado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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