RESUMO: A violência doméstica imposta contra pessoas do sexo feminino existe há anos, sendo observada um fator que determina o papel de cada sexo na sociedade. Além do mais é uma grave forma de violação dos direitos humanos, afinal, coloca a mulher em situação de vulnerabilidade, pois não atinge apenas o estado físico da mulher, mas, também o psicológico, causando traumas. No entanto, o tema vem com maior gravidade quando existem filhos comuns ao casal. Neste caso, estamos falando da guarda compartilhada. A guarda compartilhada vem com objetivo de dividir as responsabilidades dos pais com relação aos filhos. O artigo em questão analisa a aplicabilidade da lei de guarda compartilhada e as medidas protetivas em caso de violência doméstica. Demonstra os aspectos relevantes da Lei Maria da Penha, seus conceitos e quais os pressupostos das medidas protetivas existentes. Explica a aplicação da Lei nº 13.058 de 2014 e a obrigatoriedade da guarda compartilhada e sua evolução. Verifica os mecanismos que existem na Lei Maria da Penha com a obrigatoriedade da guarda compartilhada e suas aplicabilidades. Após o entendimento de todas as premissas que cercam os direitos fundamentais de todas as mulheres, que foram vítimas de violência doméstica, faz-se necessário a pesquisa em questão para verificarmos a aplicação da guarda compartilhada para que esta não seja tratada como uma forma de violação dos direitos e buscando elencar o princípio do melhor interesse da criança.
PALAVRAS-CHAVE: Guarda Compartilhada. Medidas Protetivas. Violência Doméstica. Lei.
ABSTRACT: Domestic violence imposed against women has been imposed for years, and a factor is observed that determines the role of each sex in society. Moreover, it is a serious form of violation of human rights, after all, it puts the woman in a situation of vulnerability, because it not only affects the physical state of the woman, but also the psychological, causing trauma. However, the theme comes with greater severity when there are children common to the couple. In this case, we're talking about shared custody. Shared custody comes with the aim of dividing the responsibilities of parents with respect to their children. The article in question analyzes the applicability of the shared custody law and the protective measures in case of domestic violence. It demonstrates the relevant aspects of the Maria da Penha Law, its concepts and what are the assumptions of existing protective measures. It explains the application of Law No. 13,058 of 2014 and the mandatory shared custody and its evolution. Veriis the mechanisms that exist in the Maria da Penha Law with the obligation of shared custody and its applicability. After understanding all the premises surrounding the fundamental rights of all women, who have been victims of domestic violence, it is necessary to research in question to verify the application of shared custody so that it is not treated as a form of violation of rights and seeking to list the principle of the best interest of the child.
KEYWORDS: Shared Guard. Protective Measures. Domestic violence. It's the law.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar a aplicação da lei de guarda compartilhada e as medidas protetivas em casos de violência doméstica constatada entre seus genitores e cônjuges.
Inicialmente será apresentado o conceito de guarda compartilhada, e como ponto principal, ponderar quais reflexos ela causa sobre os filhos que assistem ou vivem a violência doméstica diariamente.
A lei 13.508/2014, veio com alterações extremamente importantes para o Código Civil de 2022, uma delas é o conceito claro do instituto da guarda. Atualmente, a guarda compartilhada tem sido preconizada como referência, por ser mais completa e mais alinhada com a sociedade atual, além de ser a modalidade mais adequada levando em consideração o princípio do melhor interesse da criança ou jovem pessoa, embora não seja necessário como solução em todos os casos.
Embora a lei Maria da penha estabeleça que podem ser oferecidas medidas de proteção, além de outras que podem ser tomadas para a guarda de crianças, na prática, não tem acontecido dessa forma. Uma opção considerada é a jurisdição mista do Tribunal, onde a violência doméstica, tutela e pensão alimentícia são determinadas pelo mesmo tribunal, mas o que se vê é a vitima ingressando com uma nova demanda, neste caso nos juízos de família.
A analise do impedimento da permissão da guarda compartilhada procedo do julgamento particular de cada caso e apresenta nestes indícios ou provas de preocupação com a vida, a saúde e a segurança do filho ou genitora. Diante disso, a guarda dos menores deve recair sobre aqueles que não são responsáveis pelos delitos cometidos.
Neste caso, o ambiente familiar é onde ocorre a maior parte das experiencias de vida das crianças, durante a relação com os pais, sejam eles saudáveis ou não. Se as crianças forem expostas a repetidas cenas de violência, com base em suas experiencias, elas podem reproduzir comportamentos hostis e abusivos ao longo de suas vidas.
Diante disso, o principal objetivo é verificar a aplicabilidade da guarda compartilhada nos casos de violência doméstica e a condição da mulher, levando em consideração a responsabilidade solidária da guarda compartilhada e a necessidade de exclusão do infrator da participação em custódia. E para que fosse alcançado o objetivo, foram traçados da seguinte maneira: discorrer sobre o conceito da guarda compartilhada, abordar sobre a guarda unilateral e suas circunstâncias, explicar sobre a violência doméstica e medidas protetivas, salientar a impossibilidade da guarda compartilhada em situações de violência contra a mulher e abordar o melhor interesse dos filhos e a proteção jurídica da mulher.
2 DO CONCEITO DA GUARDA COMPARTILHADA
A guarda compartilhada é uma forma de tutela que torna ambos os pais responsáveis pelo cuidado de seus filhos após a separação conjugal. Seu principal objetivo é fazer com que se tenha um equilíbrio nas funções parentais e que ambos tenham a responsabilidade e supram a necessidade afetiva dos filhos mesmo após a dissolução da união.
De forma geral, a guarda compartilhada representa uma grande mudança na sociedade, pois deu a oportunidade de o menor conviver com ambos os genitores, os quais partilham as decisões de interesse para a criação e educação dos filhos, sendo o modelo, a regra aplicável a todos os casos, salvo o desinteresse de um dos pais ou a impossibilidade do exercício da autoridade parental.
Tem-se observado que após a separação do casal, em muitos casos, um dos pais, frequentemente o pai, se afasta do filho, atuando apenas como provedor através do provimento de alimentos. Neste sentido, a guarda compartilhada surge para incentivar o fortalecimento da relação entre pais e filhos, possibilitando que esta relação se mantenha para além das obrigações do pagamento da pensão.
A guarda compartilhada foi instituída inicialmente pela Lei n. 11.696/2008, que alterou a redação dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil. Em decorrência dela, ambos os pais assumiam plena e cotidiana responsabilidade pela criação, educação e lazer dos filhos. A ideia, elogiável em si, era permitir maior convivência entre pais e filhos. Trata-se do modelo de “corresponsabilidade parental”, capaz de assegurar aos filhos a participação de ambos os genitores no processo de sua formação e educação, o que frequentemente não se conseguia alcançar com o “direito-dever de visita”, decorrente da guarda unilateral.
Uma das grandes mudanças no Direito de Família é a Lei nº 13.058/2014 a qual foi sancionada em 22 de dezembro de 2014 e alterou a redação do Art. 1.584 §2º do Código Civil brasileiro, estabelecendo que mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho e ambos estiverem aptos a exercer o poder familiar, a guarda compartilhada será constituída. Ou seja, a guarda compartilhada é a regra e a guarda unilateral, portanto, a exceção.
Nesse sentido, no REsp: 1254000 MG 2011/0084897-5 a Ministra Nancy Andrighi explicitou que:
A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. (STJ, REsp: 1254000 MG 2011/0084897-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI).
Apesar de haver casos em que a alternativa mais benéfica e favorável é a guarda compartilhada, há circunstâncias em que a guarda unilateral tem prevalência, a qual é uma via restritiva que ocorre em casos específicos e que melhor irá atender à criança ou adolescente.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 1º e 4º abordam o papel dos entes familiares e do Poder Público na proteção e defesa da prioridade destes em decisões referentes ao convívio familiar saudável. Sendo esse um entendimento consolidado no Poder Judiciário Brasileiro, e que prioriza o exercício saudável da autoridade parental e manutenção dos laços afetivos (BRASIL, 1990).
Segundo postula Venosa (2017, p.259):
O melhor interesse dos menores leva os tribunais a propor e atribuir a guarda compartilhada ou conjunta. O instituto da guarda ainda não atingiu sua plena evolução. Há os que defendem ser plenamente possível essa divisão de atribuição ao pai e à mãe concomitantemente. Essa modalidade de guarda dita compartilhada não se torna possível, de forma ampla, quando os pais se apresentam em estado de beligerância, ou quando residem distantes um do outro. Essa solução dependerá da perspicácia do magistrado e em especial do perfil psicológico, social e cultural dos pais, além do exame do grau de fricção que reina entre eles após a separação.
Como se observa, nos casos de divórcio, compreender a distinção entre os problemas da extinta conjugalidade e o dever de cuidado para com a prole, é o recomendável para evitar-se processos morosos e marcados por uma disputa exaustiva. Pois para que haja a observância da guarda compartilhada como regra na prática, mesmo em casos de desacordo entre os genitores, necessita-se de mínimo diálogo entre as partes. Mas esse aspecto não é expressamente disposto ou referenciado na lei que regulamenta a guarda (TARTUCE, 2021).
Desta forma, mesmo não havendo essa comunicação entre os ex-cônjuges, o juiz deve instituí-la, assim como prevê o Código Civil; haja vista que é direito constitucional da criança conviver com ambos os pais. Cabendo ao juiz, ao curso do processo, lembrar às partes que a optativa pela custódia conjunta é preferível e garantirá a participação efetiva e igualitária na vida dos filhos. E como expressam levantamentos recentes realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa metodologia tem sido amplamente recepcionada, pois no período entre 2014 à 2020, a porcentagem de divórcios onde a guarda foi atribuída em favor de ambos os genitores apresentou uma constante crescente, indo de 7,5% dos casos, para 31,3%.
Portanto, um dos objetivos do caráter compulsório da custódia conjunta na teoria é adequar-se ao novo contexto das famílias contemporâneas; além de promover e incentivar um desenvolvimento livre dos traumas decorrentes do desfazimento do núcleo familiar, essa modalidade também afasta a recorrente associação da concessão da guarda a um benefício ou à ideia de posse, bem como coíbe a ocorrência da alienação parental, na medida em que incentiva a corresponsabilidade. Ademais, é relevante ressaltar que a Lei Nº 13.058/14 ao priorizar o melhor interesse dos filhos, e ratificar a igualdade parental à convivência, pauta-se em uma idealização da família que na prática em alguns casos se afasta da realidade.
2.1 Da guarda unilateral e suas circunstâncias
Na guarda unilateral, a criança ou o adolescente estará sob a autoridade de apenas um dos genitores, podendo ser o pai ou a mãe. Apenas um dos pais exercerá a guarda, tomando as decisões sozinho, decisões esses referentes à escola, atividades extraclasses, saúde, alimentação e etc. E, também, o genitor detentor da guarda será responsabilizado civilmente pelos danos causados a terceiros pelo menor.
Nesse caso, mesmo que a guarda seja de apenas um dos pais, o outro pai continua tendo direitos em relação ao filho, devendo ter convivência com o menor e fiscalizar os interesses da criança e, se necessário, deve solicitar informações a respeito da saúde física, mental, psicológica e educacional do filho.
Além disso, a convivência é tida como um direito fundamental da criança e mesmo sem a efetiva guarda, o pai ou a mãe terá a seu favor a regulamentação de visitas para que o convívio com a criança seja o melhor possível. Esse direito de visitas, é regulado em comum acordo entre os pais ou por determinação judicial, a qual terá de especificar os dias e os horários de convívio.
Primordialmente, no que tange à guarda unilateral, faz-se oportuno explicar que mesmo não sendo utilizada como regra, há situações excepcionais, isto é, situações em que a guarda unilateral é a melhor decisão para que a criança e o adolescente tenham um desenvolvimento mais vantajoso.
Nesse sentido, a guarda unilateral no ordenamento jurídico é utilizada como exceção, ou seja, de modo restritivo, sendo utilizada em casos específicos e que melhor atendem à segurança da criança, com respaldo no Direito da Criança e do Adolescente.
Isto posto, mesmo que a guarda compartilhada seja utilizada como regra, como fora dito anteriormente, é ilusório dizer que a guarda compartilhada atenderia todas as famílias com perfeição, quando na verdade cada família possui sua estrutura particular e única. Em razão disso, há casos em que a guarda unilateral é a melhor alternativa para o equilíbrio das relações e, principalmente, para a saúde mental dos filhos e dos pais.
A respeito disso, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Carlos Ferreira respaldou que:
A guarda compartilhada entre pais separados deve ser interpretada como regra, cedendo quando os desentendimentos dos genitores ultrapassarem o mero dissenso, podendo interferir em prejuízo da formação e do saudável desenvolvimento da criança. (STJ, AgInt no REsp 1688690/DF, Rel. Antonio Carlos Ferreira).
Para que a criança não tenha danos em seu crescimento pessoal por conta de conflitos constantes de seus pais, é mais interessante que a guarda unilateral seja considerada.
Há também, a questão de pais que moram em lugares distintos e seguem vidas muito ocupadas, não colocando o filho como prioridade e tendo conflitos ainda maiores com o genitor que está morando com a criança. Haja vista que sempre há decisões cotidianas e de grande relevância na vida da criança e somente um dos pais iria ter condições de resolver.
Por fim, ocorre o pretexto de um dos genitores possuir problemas com dependência química ou alcoolismo, assim, o conflito entre os pais é ainda mais intenso visto que a participação na vida da criança vai ser maléfica para seu crescimento pessoal. Além disso, a dependência química ou alcoólica faz com que o indivíduo fique mais agressivo suscitando medo por parte da criança e genitor e/ou genitora.
3 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E MEDIDA PROTETIVA
Por muito tempo o direito das famílias identificava o homem como o personagem central da relação conjugal e isso lhe outorgava privilégios que refletiam o poder de um sexo sobre o outro. Corrobora com essa afirmativa Monteiro (2003), ao destacar que as relações conjugais eram dominadas pela mais estrita noção de hierarquia entre marido e mulher, àquele destinadas as funções de representante e chefe da família, gestor do patrimônio e senhor da mulher e dos filhos, enquanto à esposa reservavam-se as tarefas domésticas e a função sexual e reprodutiva.
Segundo aduz Bianchini (2017), para os homens há a prevalência do comportamento agressivo e às mulheres cabe apenas submeter-se; muito embora a luta feminina pela igualdade tenha resultado na superação de vários estigmas e conquistas, essa cultura por mais que tenha sido posta em discussão, não foi extinta e o está longe de ser. E é possível constatar que quando a mera existência da ideologia do patriarcado não é o suficiente para manter-se dominante sobre determinada categoria, usa-se cada vez mais da violência para se impor (SAFFIOTI, 2015).
Não obstante a criação de várias normas no âmbito dos direitos inerentes à pessoa humana ou às leis e campanhas em território nacional, o que se observa é um constante número de casos de mulheres violentadas, devendo-se observar que, seja em quaisquer das espécies de violência, as sequelas ocasionam abalos emocionais consideráveis, e por mais que seja praticada contra a mulher, se o casal tem filhos, eles consequentemente, serão afetados.
De acordo com o Instituto Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência no Brasil em 2020, as agressões em ambiente doméstico representam quase a metade desse número; 48% das mulheres vítimas de violência relatam que o lar é o local de maior risco. A despeito do número alarmante, é de extrema importância pontuar que cada vez mais as mulheres vêm sendo encorajadas a denunciar.
Nesse sentido, a recomendação Nº 57 do Comitê de Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a Mulher (2015, p. 24) indica que a adoção de meios facultativos que em muitos casos dão celeridade aos processos envolvendo violência doméstica, direitos trabalhistas e direitos das crianças e adolescente, também podem ser prejudiciais pois contata que:
Ao mesmo tempo que esses processos podem proporcionar maior flexibilidade e reduzir os custos e atrasos para mulheres que buscam justiça, também podem levar a outras violações de seus direitos e impunidade para perpetradores, na medida em que geralmente operam com base em valores patriarcais, tendo assim um impacto negativo sobre o acesso das mulheres à revisão e remédios judiciais.
O disposto no §8º do artigo 226 da Constituição Federal determina caber ao Estado assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988). Embora a Lei Maria da Penha tenha trazido avanços necessários no combate à violência contra a mulher, sua aplicação ainda encontra desafios no que concerne a compatibilização com questões do Direito das Famílias.
Somado a importância da Lei Nº 12.318/10 que dispõe sobre alienação parental, o ato de dificultar o exercício à convivência entre genitor e prole. Em seu artigo 3º, assevera que o ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente, relativo à convivência familiar saudável, constituindo-se inclusive abuso moral contra o menor (BRASIL, 2010). Segundo o art. 14 da lei Maria da Penha, a natureza dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher é hibrida, atingido matéria de ordem cível e criminal; no entanto, a competência destes em questões relativas à guarda se restringem às medidas protetivas.
3.1 Das situações de violência contra a mulher e a impossibilidade de guarda compartilhada
É importante salientar que a violência contra a mulher está presente em muitos lares de vários modos, podendo ser: doméstica, psicológica, física, moral, entre outras.
Nesse segmento, além de motivos particulares de cada família, há exemplos de divórcio que ocorrem por conta de violência contra a mulher nos lares e, consequentemente, por ser algo danoso à mulher e à sua dignidade humana, decidem pelo divórcio para que não tenham consequências piores.
Em casos de relacionamentos abusivos, é sabido que a guarda unilateral é a melhor alternativa para esse caso, haja vista que o abusador pode continuar praticando a violência que existia antes da dissolução de união estável ou divórcio. Nesse sentido, apesar de decidirem a guarda unilateral, deve-se ter o contato mínimo com o agressor e só falar o necessário quando se tratar de assunto referente à criança.
O judiciário tem reconhecido a impossibilidade da guarda compartilhada da vítima com o seu agressor, especialmente quando presente a adoção de medida protetiva. A exemplificar, dois julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Trata-se de agravo interposto por C. F. P. L. contra decisão que inadmitiu recurso especial visto incidirem na espécie as Súmulas n. 7/STJ e 284/STF. Alega a parte agravante, em síntese, que o recurso especial atendeu aos requisitos de admissibilidade, razão pela qual requer a sua admissão. É o relatório. Decido. Preliminarmente, impõe-se ressaltar que tanto o agravo em recurso especial como o recurso especial foram interpostos com fundamento no Código de Processo Civil de 1973, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, com as interpretações dadas pela jurisprudência desta Corte (Enunciado Administrativo n. 2/STJ). No presente caso, foi interposto recurso especial contra acórdão assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL. Direito de Família. Guarda de filhos. Pleito de fixação de regime de visitação e de guarda compartilhada formulado pelo pai. Sentença que rejeitou a guarda compartilhada e fixou regime de visitação que estimula a convivência paterna. Recurso do pai insistindo na guarda compartilhada. Farta prova produzida nos autos que atesta a preservação dos interesses das crianças com a permanência da situação atual guarda unilateral da mãe. Situação atual que revela o desentendimento habitual dos genitores. A majoração das áreas de atuação conjunta agravaria o dissenso, em prejuízo evidente para os filhos. Desprovimento do recurso e manutenção da sentença" (e-STJ, fl. 341). A parte recorrente argumenta que o art. 1.583 do CC foi violado na medida em que lhe foi negada a guarda compartilhada dos filhos com a recorrida. O Ministério Público Federal emitiu parecer, sumariado nos termos a seguir: "Agravo em Recurso Especial. Ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada. Inviável o seguimento do agravo quando não atacados todos os fundamentos da decisão agravada. Súmula n. 182/STJ. Parecer pelo não conhecimento do agravo" (e-STJ, fl. 466). Passo à análise da questão proposta. O acórdão recorrido considerou que a guarda compartilhada, no caso concreto, não seria a melhor saída em razão do mau relacionamento entre as partes. Conforme ressalta, "o histórico familiar demonstra tristes episódios envolvendo brigas entre os pais, que culminaram, inclusive, com o acionamento da polícia para concessão de medidas protetivas" (e-STJ, fl. 343). Após analisar as provas dos autos e tecer considerações acerca da atuação de ambos recorrente e recorrida e da situação fática em que vive a família, o acórdão concluiu:"Além disso, ampliar as áreas atuação concomitante entre pai e mãe, ao menos no momento, significaria estimular o conflito que decorreria naturalmente da ampliação das áreas de atrito, tudo redundando em mais prejuízos às crianças" (e-STJ, fls. 343/344). Desse modo, não há como conhecer do recurso especial visto que, para aferir eventual equívoco da Corte a quo e, por conseguinte, concluir pela necessidade da guarda compartilhada, é necessário reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Advirto a parte de que eventuais recursos que venham a ser por ela interpostos poderão ensejar o arbitramento dos honorários de sucumbência recursais, nos termos do art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil (Enunciado Administrativo n. 7/STJ). Publique-se. Brasília, 19 de agosto de 2016. (AGRAVANTE:CFPL,STJ, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 541.175- RJ (2014/0160617-6, MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator, AREsp 541175, Data da Publicação,26/08/2016”).
Apelação Cível. Ação de Guarda c/c Regulamentação de Visita. Família. Sentença que acolhe a pretensão inaugural e defere a guarda unilateral à mãe, estabelecendo a visitação paterna nos moldes propostos na exordial e rechaçando o pleito reconvencional de fixação da modalidade compartilhada. Irresignação defensiva. Guarda compartilhada que, inobstante haja se constituído a regra no ordenamento brasileiro desde o advento da Lei nº 13.058/2014, admite exceções. Art. 1.584, § 2º, do CC. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ressaltar a imperatividade da observância ao melhor interesse do menor. Arestos. Caso concreto que se amolda às hipóteses excepcionais admitidas pela jurisprudência. Ambiente doméstico onde as adolescentes não logravam encontrar condições adequadas ao seu sadio crescimento, sobretudo diante da separação de fato dos pais, que, ainda assim, seguiram coabitando. Episódio comunicado junto a Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no qual o Réu trancou não só a Autora, mas também as filhas do casal do lado de fora da casa. Situação nociva que teria perdurado por alguns meses, até que decretada medida protetiva de afastamento do Demandado do lar. Relatos das menores no sentido de que o pai racionava comida, levando-as a passar fome. Indícios de abandono afetivo apontados pelo laudo psicológico confeccionado sob determinação do Magistrado de 1º grau. Particularidades do núcleo familiar que justificam a concessão da guarda unilateral à genitora, o que apenas regularizaria quadro fático já constatado no curso dos últimos anos. Melhor interesse da prole. Julgados desta Corte Estadual. Honorários recursais. Inaplicabilidade do disposto no art. 85, § 11, do CPC, ante a ausência de fixação de sucumbência pelo Juízo a quo. Manutenção do decisum. Conhecimento e desprovimento do recurso. (TJRJ, APELAÇÃO, 0009843-83.2016.8.19.0208 , Des (a). SÉRGIO NOGUEIRA DE AZEREDO, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgamento: 18/09/2019.)
Como demonstrado acima, embora a guarda compartilhada seja a regra no ordenamento jurídico, deve-se dar prevalência à guarda unilateral quando essa atender ao melhor interesse da criança.
3.1.1 Das crianças e adolescentes como vítimas indiretas da violência doméstica
As crianças e jovens que se encontram em contexto de violência doméstica cometida pelo pai contra a mãe, mesmo que não sejam os destinatários diretos da agressão, sofrem esse dano de forma reflexa. Assim, eles não tentam intervir no episódio e se tornam alvos diretos da violência.
Segundo pesquisa realizada em 2017 pelo Fundação das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, uma em cada quatro criança menores de 05 anos, são filhas de mães que foram vítimas de violência doméstica.
Há relatos de crianças que sofreram violência direta do pai após fazer contato com a polícia na tentativa de cessar as violências, e neste sentido a psicóloga Miriam Botelho Sagim expõe:
As crianças e adolescentes relatam os episódios de violência com voz triste, indicando que, para eles, é um sofrimento ver seus pais brigando e assistirem as ocorrências de violência. Para eles, todos esses acontecimentos são prejudiciais e os deixam angustiados. Nos relatos e nas conversas após o término da entrevista, que foram registrados em um diário de campo, o que eles mais dizem é que é muito ruim ver o pai e a mãe brigando. Também, muitas vezes, sentem muito medo da situação vivenciada, correm para a rua e chamam a polícia. Foram várias as crianças e adolescentes que relataram ter chamado a polícia quando as brigas têm início, mas sabem, no entanto, que isso pouco ajuda, pois a polícia não leva o pai preso e ele ainda acaba batendo no filho, em decorrência de ter chamado a polícia.
A psicóloga relata casos em que crianças chegaram a falar que sentiam vontade de se matar em meio a vivência daquele cenário de violência, afirmando terem sido vítimas das agressões diretamente. A pesquisadora relata que são vários casos:
O relato desse adolescente não foi o único, sendo que outros seis expressaram a vontade de matar o pai, ainda que não falem em cometer suicídio. São adolescentes tão angustiados e tristes e que foram tão afetados pelos episódios de violência presenciados, que para eles, a vida parece ter perdido o sentido. Em seus relatos deixam explícito o de não terem nenhuma conduta criminosa anterior e nem fazerem uso de drogas (...).
Vivenciar essas situações é considerada uma forma de abuso psicológico. A violência realizada contra a mãe, acaba sendo uma forma de violência psicológica contra as crianças e adolescentes.
4 DO MELHOR INTERESSE DOS FILHOS E A PROTEÇÃO JURÍDICA DA MULHER
Elucidado através da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, aprovada pela ONU e ratificado pelo ordenamento brasileiro através da Carta Magna e pela Lei Nº 8.069/90; para alguns doutrinadores, o princípio do melhor interesse dos filhos é o princípio mor do direito das famílias. Intrínseco à dignidade da pessoa das crianças e adolescentes, ao conferir essa garantia à prole, o legislador assegura total proteção e cuidado aos direitos destes enquanto dependentes e em desenvolvimento. Dias (2021) defende que o melhor interesse dos filhos não deve ser associado à manutenção de vínculos biológicos.
Da Constituição Federal, ao Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, vários foram os dispositivos adaptados e readequados a essa prerrogativa (MADALENO; MADALENO, 2019). Nesse mesmo sentido, a Lei da Alienação Parental também foi promulgada visando atender a esse princípio. Assim, entende Pereira (2021, p. 892) ao destacar que:
O princípio, como norma jurídica, vem exatamente tentar salvar uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia de tudo ou nada. O princípio aceita ponderação, relativização e deve ser compatibilizado com outros princípios. In casu, deve ser conjugado com princípio da afetividade, da responsabilidade e dignidade humana.
Essa generalização somente encontrará obstáculos no caso concreto, onde não pode prevalecer a visão romantizada e abstrata acerca do conceito de família. No que diz respeito ao melhor interesse dos filhos e a vulnerabilidade das mulheres abusadas por seus parceiros, como aponta o Guia de Avaliação de Risco para o Sistema de Justiça, não se deve ignorar essa violência doméstica nos casos que versarem sobre guarda, pois aqui há o risco da continuidade do ciclo.
No Agravo de Instrumento Nº 50350150320218217000 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a genitora prezando pela própria integridade se afastou do lar, onde sofria violência doméstica do até então parceiro; que permaneceu no lar com a custódia do filho em comum, sendo que, em razão da medida protetiva decorrente da Lei Maria da Penha e do temor à própria vida, a agravada via-se em dificuldade para manter contato com o próprio filho, que sofria com a ausência materna. Bianchini; Bazo; Chakian (2022, p. 22) explicam que quanto maior o vínculo entre vítima e agressor e a habitualidade da violência, mais estas se tornam “vulnerabilizadas dentro do sistema de desigualdade de gênero, quando comparado a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia)”.
Por fim, é necessário que o Estado promova com mais eficiência meios de combater e punir a violência de gênero e o feminicídio, a Corte Interina de Direitos Humanos chama a atenção também para a atual necessidade de promover especialização e formação de profissionais da área, para que atuem sob ótica dessas perspectivas. Afinal, as Recomendações Gerais Nº 26 a 29 do CEDAW (2015), atestam que há o expresso reconhecimento de que o sistema judicial inteiro reflete estereótipos e preconceitos de gênero.
3 CONCLUSÃO
Partindo desse ponto, o artigo trouxe o instituto da guarda compartilhada como prova, na maior parte dos casos, do regime de melhor interesse e que melhor atende ao desenvolvimento integral das crianças e jovens, protegendo o que é previsto em Lei.
No entanto, os litígios decorrentes da aplicação de medidas protetivas urgentes ao outro cônjuge ou mesmo aos filhos podem significar a necessidade de assumir, ainda que temporariamente, a guarda unilateral, o que limita o direito de convivência, para que a proteção seja efetivamente implementada.
Neste sentido, a matéria se mostra como uma questão importante, pois não se esgotou a sua discussão, a doutrina, a jurisprudência e a legislação, no que diz respeito à garantia da integridade física e psicoemocional dos filhos do casal, como normativa sobre medidas protetivas. em situação familiar.
Infelizmente, o Brasil é o quinto país do mundo onde ocorrem feminicídios, a maioria deles causados por violência doméstica. Diante desse triste e trágico cenário, é muito importante pensar nos efeitos da violência doméstica e nos direitos das famílias.
Indubitavelmente, a imposição da guarda compartilhada não pode ser uma medida cega e indiferente, para que deixe de ser um meio de regra machista. Para atingir verdadeiramente seus nobres objetivos, a guarda compartilhada deve ser realista e construtiva, não coercitiva. Também é importante que o impacto da violência familiar sobre as crianças seja considerado e que os perpetradores sejam considerados inaptos para receber cuidados, principalmente quando medidas de proteção urgentes são adiadas.
Nesse sentido, diversas decisões têm reconhecido acertadamente o fator de violência familiar e doméstica contra a mulher, o que fragiliza o uso do poder familiar e, consequentemente, a guarda do agressor, o que a nosso ver é o avanço de um ordenamento jurídico que considera a desigualdade um gênero que continua permeando a sociedade, cuja semente é a família, e que deve se desenvolver saudavelmente para germinar sem o controle da violência.
Essa mediação e ênfase nas medidas judiciais se faz necessária para que as partes em situação familiar possam se submeter a essas técnicas de negociação e decisões judiciais para buscar soluções que melhorem a relação entre os genitores, mesmo que já tenham se separado e não estejam. viver sob o mesmo teto, primando por um diálogo amigável e conciso, considerando acima de tudo o compromisso de levar o melhor ao menor, que pode ver através das ações dos pais e das decisões tomadas no tribunal. como os menores vivem e crescem com dignidade e, sobretudo, respeito.
4 REFERÊNCIAS
BODIN DE MORAES, Maria Celina. A guarda compartilhada e o direito da criança à convivência familiar, desde que a salvo de toda forma de violência. Editorial à Civilistica.com. Rio de Janeiro: a. 8, n. 3., 2019.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, KARLA RENATA MOURA DE. Aplicação da lei de guarda compartilhada e as medidas protetivas em caso de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60425/aplicao-da-lei-de-guarda-compartilhada-e-as-medidas-protetivas-em-caso-de-violncia-domstica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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