EMANUELLE ARAÚJO CORREIA
(orientadora)
RESUMO: A atividade notarial e registral é de titularidade do Estado, mas por força de lei constitucional foi delegada ao particular que a exerce em caráter privado e tem o dever de conferir segurança jurídica, transparência e estabilidade aos atos praticados. Os cartórios ganharam significativo espaço nos últimos anos, de modo que no âmbito das serventias extrajudiciais, há a possibilidade de serem feitos uma série de procedimentos antes delegados apenas ao Poder Judiciário tais como os que dizem respeito a certos tipos de divórcios, união homoafetiva, inventários entre outros. Diante da crise do Judiciário, a morosidade da prestação jurisdicional, a burocracia e a onerosidade, tornaram-se fatores prejudiciais e ameaçadores ao direito de acesso à justiça, até mesmo nas relações privadas, que poderiam ser solucionadas sem a interferência dos aplicadores da lei. Os legisladores buscaram criar normas inovadoras que viabilizassem soluções para amenizar o problema, dentre as quais foi implantada a faculdade do procedimento dissolutório conjugal e da sucessão hereditária, nos casos previstos na Lei Nº 11.441/2007, pela via extrajudicial, sem a obrigatoriedade de haver intervenção do Estado Jurisdicional. Portanto, o termo “desjudicializar” não quer dizer apenas “tirar do judiciário”, mas, facultar a escolha dos jurisdicionados pela via judicial ou administrativa. Vale ressaltar que limites devem ser observados, principalmente no que se refere aos pressupostos específicos de admissibilidade. Para tanto se formaram grupos de estudos, que culminaram em normas disciplinadoras que necessitam ser analisadas a fim de proporcionar maior segurança e efetividade ao ato, e uma vez aperfeiçoada, deverão ser colocados em prática para que possam surtir efeitos benéficos à sociedade, objetivos da lei em tela.
Palavras-Chave: Judiciário. Cartório. Desjudicialização.
Os cartórios agem de forma ativa como um instrumento da desjudicialização, atuando na medida em que a legislação permite, fazendo separação e divórcios consensuais, corrigindo erros evidentes, fornecendo registros de nascimento de forma tardia e principalmente atuando em reconhecimentos de paternidade sem ter necessidade de um processo anterior na esfera judicial, desde que com consentimento das partes envolvidas.
A desjudicialização pode assustar uma parcela dos profissionais da área do direito, que acreditam sair em desvantagem com a crescente deste movimento, porém a evolução do sistema judiciário, não deve estacionar diante do medo e de interesses que não visam o bem da coletividade. Ao contrário do que se pensa a desjudicialização, não irá interferir em nada no Poder Judiciário e nem ao menos em suas atribuições, o procedimento extra judicial, quer apenas desafogar o judiciário e ampliar as relações através de diálogo entre as partes.
Enaltecendo as intenções do legislador ao simplificar as separações e os divórcios consensuais e os inventários pela via extrajudicial, encontra-se inteiramente constituídas em nosso sistema, com a nova lei, probabilidade do restabelecimento conjugal ser feito pela via administrativa, independentemente de a separação ter se operado judicialmente.
No que se refere à alteração do regime de bens, em que pese não ser matéria pacífica na doutrina e na jurisprudência, a corrente majoritária entendem que referida alteração seria viável pela possibilidade de ser realizada concomitantemente a reconciliação do casal pela via judicial.
Nesse aspecto, é imprescindível a devida chancela do magistrado por ser requisito expresso na lei, mormente porque o juiz deverá analisar e valorar os motivos expostos pelo casal, - o que terminantemente está fora da órbita e da competência do tabelião, tornando-se assim impossível a alteração do regime de bens no ato da reconciliação pela via administrativa.
Ante ao tudo exposto, denota-se claramente que a celeridade proporcionada às partes em obter o divórcio ou separação pela lei novel, inobstante a possibilidade de alguns operadores do direito de processar e homologar uma petição com o mesmo objetivo em um dia, na maioria dos casos sabe-se que demorava meses para serem finalizados todos os trâmites exigíveis.
Quanto à comprovação do lapso temporal, como é cediço, ao Tabelião compete observar se as partes estão livremente manifestando suas vontades, sem qualquer vício ou coação, pelo que poderá em caso de dúvida se eximir de lavrar a escritura, devendo ainda instruir sobre os efeitos.
2 O PODER JUDICIÁRIO NUMA PERSPECTIVA GERAL E A JURISDIÇÃO
De início, vale destacar que o Poder Judiciário, assim como outros poderes, é independente. Possui, nesse sentido estrutura, orçamento e autonomias administrativas próprias. Sua organização, entretanto, deverá seguir os ditames da Constituição Federal. Sua função principal consiste em exercer a jurisdição (em latim júrisdictionis, que significa direito de dizer). Pedro Lenza (2021, p. 553), ao parafrasear Ada Pellegrini, resume que
Uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre por meio do processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).
Conforme explicitado, a jurisdição se caracteriza pela substituição dos titulares dos interesses pelo Estado, a quem caberá decidir o direito toda vez em que for procurado. Nesse sentido, conforme estampado no artigo 5°, XXXV da Carta Magna, “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de Direito”.
A jurisdição surgiu com o escopo de se evitar a justiça com as próprias mãos (autotutela), sendo um instrumento de controle social. É o que acontecia nos primórdios da sociedade e das civilizações, em que o homem, cru no conhecimento das regras elementares de convivência, buscava satisfazer a justiça por intermédio do olho por olho ou da vingança contra os membros da família do agente lesionador, por exemplo.
Mesmo no Brasil, havia, por meio das capitanias hereditárias, uma jurisdição não pública. A Igreja Católica exercia certa soberania em assuntos da família, entre outros. Nos tempos modernos, é inadmissível aceitar várias jurisdições, estranhas ao Poder Judiciário.
Nessa Jurisdição estatal, existe a seguinte definição: “poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa composição da lide” (GRECO FILHO, 2015, p. 131). Esse poder deverá ser exercido pelo Estado-Juiz, a quem caberá a incumbência de decidir o litígio.
A jurisdição também pode ser entendida como um direito fundamental de todo o cidadão. Isso em virtude de todos possuírem o direito de serem julgados por um juiz revestido pelo poder estatal, que julgará com imparcialidade e seguindo os ritos processuais definidos por lei. Não consiste, assim, em apenas um poder-dever do Estado (LOPES JÚNIOR, 2019).
A jurisdição é vital para dar aplicabilidade às leis. E, por intermédio da jurisdição, é a base das leis, pois sem a aplicação do Direito não existe norma jurídica. Os magistrados, nesse diapasão, são os agentes públicos que exercem a jurisdição.
Como exceção, a jurisdição pode ser exercida pelo Poder Legislativo ou Executivo, no exercício de suas funções atípicas. O Poder Legislativo, ao julgar o impeachment, e o Executivo, ao punir servidores públicos infratores com sanções administrativas exercem a jurisdição. No entanto, como forma típica, a jurisdição só pode ser exercida pelo Poder Judiciário. Para ilustrar, é interessante citar a aula de Afonso da Silva(2016, p. 554) sobre os antecedentes da jurisdição moderna, ao explicar que
A jurisdição hoje é monopólio do Poder Judiciário do Estado (artigo5°,XXXV). Anteriormente ao período moderno havia jurisdição que não dependia do Estado. Os senhores feudais tinham jurisdição dentro de seu feudo: encontravam-se jurisdições feudais e jurisdições baronais. Lembre-se de que os donatários das capitanias hereditárias no Brasil colonial dispunham da jurisdição civil e criminal nos territórios de seus domínios. No período monárquico brasileiro, tínhamos a jurisdição eclesiástica, especialmente em matéria de direito de família, a qual desapareceu com a separação entre igreja e Estado. Agora só existe jurisdição estatal, confiada a certos funcionários, rodeados de certas garantias: os magistrados.
Conforme destacado a jurisdição não dependida somente do Estado, mas a particulares específicos, sejam senhores feudais, donatários das capitanias hereditárias ou eclesiásticos da Igreja Católica. Atualmente, conforme explicitado pelo aludido constitucionalista, a jurisdição cabe ao poder judiciário, por intermédio de seus respectivos magistrados, divididos ao longo do território, com poderes de julgar a lide no limite de suas atribuições e dos limites territoriais traçados. O Estado, então, por intermédio do Poder Judiciário, busca, utilizando-se do processo, investigar qual dos litigantes tem razão, aplicando, ao final, a lei ao caso litigioso em comento.
A respeito do exposto, Greco Filho (2015, p. 131) define a Jurisdição como “poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa composição da lide”. A jurisdição, explica o citado doutrinador, é um poder, porque atua como revelação da potestade estatal em face das partes em contenda. De igual modo é, ainda, uma função, porque cumpre o desígnio de fazer valer a ordem jurídica posta em suspeita em detrimento de uma pretensão resistida. Por fim, é uma atividade, consistente em uma série de atos e manifestações externas de declaração do direito.
Conforme explanado, a jurisdição é fundamental para o suporte das leis, de modo que sustenta todo o arcabouço legalístico de um país Os magistrados, nesse diapasão, são fundamentais para a segurança e aplicabilidade das leis. Quando a parte verificar que as leis não estão sendo aplicadas, deverá buscar no Poder Judiciário a solução do problema.
Em linhas gerais, no que concerne às funções atípicas (tais como administrar os próprios recursos e legislativas), pode-se dizer que os tribunais brasileiros possuem o poder de gerir suas próprias questões administrativas e financeiras, e elaborar o seu respectivo regimento interno, sem interveniência de quaisquer outros Órgãos. Do mesmo modo que o Poder Judiciário possui funções atípicas, conforme explanado anteriormente, a jurisdição também poderá ser função atípica de outro Poder.
A jurisdição, desse modo, não é exclusiva do judiciário, mas constitui em função típica de outros poderes, devendo a exercer nos casos e limites previstos na legislação atinente à questão. No entanto a jurisdição só poderá ocorrer com o amparo do auxílio do acesso ao Poder Judiciário e acesso à justiça.
3 A MOROSIDADE JUDICIAL VERSUS A CELERIDADE PROCESSUAL
A morosidade do Poder Judiciário, que prejudica significativamente o acesso à justiça, é conhecida há muitos anos pela população brasileira. Também se conhecem o excesso de recursos existentes e as infatigáveis formalidades da liturgia processual, que afetam drasticamente o provimento jurisdicional, a credibilidade da justiça e a segurança da tutela do bem jurídico. Existem numerosos motivos que causa a morosidade jurisdicional.
O mais apontado pela doutrina pacífica, no entanto, é o excesso de recursos existentes e, decorrente disso, a possibilidade de a parte não aceitar a decisão do juiz da causa e procurar em instâncias superiores a resposta jurisdicional, fato que sobrecarrega os tribunais e prejudica seriamente a pronta resposta jurisdicional.
Na prática, o juiz da causa, monocrático, não tem a sua decisão respeitada, tendo em vista que as partes irão recorrer até as últimas instâncias por aquilo que considera seu. Contudo isso causa um grave prejuízo ao trâmite processual, que passa a demorar inúmeros anos para que se tenha uma resposta para a demanda jurisdicional. Outra causa apontada pela doutrina como motivadora da morosidade jurisdicional é o excesso de processos existentes (PAROSKI, 2012).
Com o aumento populacional e a conscientização da população no que atine aos seus direitos, a migração da população rural para as cidades, a evolução dos meios tecnológicos, entre outras diversas variáveis socioeconômicas facilitaram significativamente o acesso à justiça, o que causou, como efeito colateral, o excesso de processos nas diversas instâncias do judiciário. O que se percebe é que a morosidade processual não seja propriamente uma novidade dos tempos modernos, ela atinge a sociedade humana desde os tempos imemoriais e, como resultado dessa transformação social, cresceu o número de conflitos (OLIVEIRA, 2017).
Nesse contexto, observa-se que apenas propiciar o acesso à justiça não é o bastante, tendo em vista que essa é prestada a desempo, não respeitando a razoável duração do processo no intuito de assegurar a todos que necessitam desse serviço um acesso em tempo ágil (LENZA, 20221).
O procedimento, modo como anda o processo, também é apontado como determinante da morosidade do judiciário. O excesso de procedimentos na ritualística processual prejudica significativamente a agilidade dos autos, tendo em vista que, em muitos casos, os formalismos são anacrônicos (antiquados) com o princípio da celeridade e incompatíveis com os anseios de um direito processual moderno e tutor das relações sociais.
Ou seja, a morosidade é incompatível com a justiça do processo. Isso contraria a máxima de que “a justiça tarda, mas não falha”. Pelo contrário, a justiça que tarda contribui com a injustiça. Um Poder Judiciário forte deverá primar, acima de tudo, pela razoável duração do processo.
Os custos processuais com a morosidade são mais altos e isso afeta o princípio da igualdade, visto que somente as partes com mais poder econômico conseguem evitar essa delonga, na contratação de bons advogados, bem como nos pagamentos das custas processuais. A população carente é a que mais sofre com essa realidade, visto que essa demora prejudica o acesso à justiça, não tendo condições financeiras suficientes para pagar todos os gastos de uma demanda judicial.
Os Tribunais Superiores, dentro de suas respectivas esferas jurisdicionais, também perpetram constantes ações no sentido de combater a morosidade, assegurando assim a razoável duração do processo. Entre as diversas possibilidades dos órgãos jurisdicionais no combate à morosidade, talvez o mais proeminente seja a instalação do sistema informatizado de processos (E-proc). Vários Estados, em seus respectivos Tribunais de Justiça, inclusive o Tocantins, já aderiram a essa reformulação tecnológica, buscando alcançar novos êxitos no combate à morosidade.
O processo em meio eletrônico facilita o recebimento do processo, o qual, após recebido, será registrado, autuado, classificado e distribuído. Também proporciona maior transparência, facilitando o acesso tanto dos advogados quanto das partes aos autos. Isso permite a inserção das petições iniciais digitalizadas, a gravação dos depoimentos em áudio, citações e intimações eletrônicas, entre outras.
Diante dos avanços tecnológicos, é fundamental que o judiciário busque uma prestação jurisdicional mais acessível e tempestiva. Os recursos tecnológicos são os mais fortes aliados dos tribunais no combate à morosidade. Conforme destacado pelo coordenador de processo eletrônico da Justiça Federal, da 4° Região, Sérgio Tejada Garcia, com o uso do processo eletrônico E-proc, uma apelação cível, por exemplo, passou a ser julgada, em média, 77,21% mais rapidamente no citado Tribunal (CNJ, 2015).
Esses fatores não podem ser negligenciados. Mesmo que ainda seja demorada a prestação jurisdicional, com o E-proc, a situação tende a ficar mais favorável para a sociedade que espera o provimento jurisdicional. Assim, conforme destacado pelo procurador da Advocacia Geral da União, Eduardo Alexandre Lang(CNJ, 2015),“o E-proc acelerou incrivelmente a velocidade dos nossos processos, além de gerar uma grande economia de recursos e uma otimização de nossa infraestrutura”.
Conforme exposto, o processo eletrônico preserva os documentos, vistos que estes não poderão ser extraviados, danificados ou perdidos. As partes também poderão consultar os processos em qualquer lugar, bastando ter acesso à internet e o login necessário. No entanto o E-proc não nasceu pronto. Deverá ser aperfeiçoado constantemente, de modo que acompanhe as constantes modificações tecnológicas existentes.
4 O DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL
O princípio da autonomia da vontade, consagrado no art. 5º, II da Constituição Federal dispõe que: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.
Assim, embasado na lei em estudo, o interessado goza de uma gama de opções, dentre as quais a de primeiramente eleger o tipo de procedimento, seja judicial ou extrajudicial, além de lhe ser assegurado o direito de, a qualquer momento, requerer a suspensão do procedimento pelo prazo de 30 dias, ou mesmo a desistência do processo já em trâmite, para a promoção pela via extrajudicial, conforme dispositivo no art. 2º. da Resolução 35/2007 do CNJ, como também escolher o Tabelião para lavratura da escritura, independentemente de jurisdição (PINHO, 2018).
Outra faculdade é a de retificação de erros porventura ocorridos na lavratura da escritura, desde que haja o consentimento de todos os interessados. Incidindo sobre erros materiais, poderá ser procedida à retificação de ofício pelo Tabelião ou por requerimento de qualquer das partes, ou de seu procurador (DINIZ, 2017).
Convém ainda ressaltar que segundo o art. 25 da Resolução 35/2007 do CNJ, é permitida a sobrepartilha por escritura pública, mesmos que atinente a inventário e partilha judiciais já concluídos, independentemente que a parte atualmente capaz, à época do óbito ou do procedimento do inventário não o fosse.
Quanto ao prazo para abertura do inventário e partilha por escritura pública, regulamenta mencionada Resolução, que inexiste prescrição, apenas é atribuído ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, seguindo-se a legislação tributária estadual e distrital específicas.
Por outro lado, configura-se ainda a faculdade do comparecimento pessoal das partes no ato da lavratura da escritura prevista na lei supra mencionada, podendo-se fazer representar por procurador legalmente constituído. Convém ressaltar que a procuração, obrigatoriamente, deverá ser pública, descrevendo os poderes especiais, além da previsão das cláusulas essenciais, a qual terá validade máxima de trinta dias (OLIVEIRA, 2017).
É permitido ao Tabelião a recusa de lavrar a escritura de separação ou divórcio, inventário ou partilha, desde que haja vestígios de fraude ou desconfiança das declarações das partes, uma vez que para a conquista do reconhecimento de suas atribuições se faz mister tomar precauções, ter muita seriedade e zelo pelas suas funções.
Na nova visão trazida pela Lei Nº 11.441/07, a autonomia privada e o consenso surgem como subsídios relevantes para que a via extrajudicial constitua mais uma hipótese de legalização das relações jurídicas concernentes ao matrimônio bem como o direito sucessório, semelhante ao instituto da mediação, surgiu assim uma possibilidade para que o indivíduo acione o Estado-administrador por outra via que não seja a judicial (GOLÇALVES, 2021).
Questão polêmica levantou-se sobre as inovações inseridas com a Lei Nº 11.441/2007 que trouxe à baila à faculdade de se fazer a separação e o divórcio extrajudicial sendo a parte representada por procuração. Alguns operadores do direito não aceitavam essa modalidade na separação e o divórcio judicial (DIAS, 2021).
Na aplicação da lei novel, a burocracia foi dando espaço à prática, buscando-se aperfeiçoar a convergência estatuída no Código Civil de 2002, no sentido de facilitar a atuação das partes. Neste rumo enveredou Miguel Reale, quando trata a operabilidade, como meio de facilitar a interpretação e a aplicação dos institutos no Código previstos, concepção esta, que embora mais simples, parece mais eficiente.
De acordo com a Lei Nº 11.441/07, o advogado tem o compromisso de orientar os interessados, seja na separação ou no caso de inventário ou partilha, sobre todos os direitos e obrigações consequentes, inclusive da faculdade de optar pela via judicial ou extrajudicial. Verifica-se divergência sobre a dispensa de homologação do inventário e partilha por escritura pública e do art.1.031 do mesmo diploma legal, que determina a homologação judicial nos casos de partilha amigável, inclusive quando for por escritura pública (GONÇALVES, 2021).
Antes da vigência da Lei nº11.441/2007, já havia a possibilidade de ser feita a partilha pela via amigável, quando embasada na vontade dos herdeiros capazes, enquanto a judicial, fundada em sentença, decorrente da falta de acordo das partes ou da existência de incapazes na transação. Porém, há entendimentos que só se faz necessária a homologação judicial no caso em que a partilha amigável for efetuada por escrito particular, quando for formalizada pelo Tabelião será dispensável.
No processo democrático o acesso a justiça desempenha um relevante papel ao habilitar o cidadão a tutelar seus interesses e possibilitar a sociedade a composição pacífica dos seus conflitos . Interessa-nos agora a primeira onda renovatória da universalização do acesso que focou a assistência judiciária como instrumento apto a propiciar serviços jurídicos aos pobres (KOLLET, 2017).
Importante frisar que além da gratuidade do ato é admissível a assistência judiciária gratuita, ou seja, o patrocínio da causa àqueles que não têm condições financeiras para contratar advogado.
5 INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL
As alterações pela Lei Nº 11.441/2007, que tratam da realização de inventário e partilha mediante escritura pública, na forma administrativa, tem como requisitos indispensáveis a maioridade e capacidade de todos interessados, a inexistência de testamento deixado pelo falecido, bem como de que estejam todos concordes.
De acordo com Cenevida (2020, p. 43):
Rompendo com a longa tradição do nosso direito de exigir a obrigatória participação título causa mortis, surge a revolucionária Lei nº 11.441/2007 para alterar a redação do presente art. 982 do CPC e restringir expressamente a atuação judicial aos inventários fundada em testamento ou aos inventários de que participe algum incapaz como interessado. Não havendo testamento, NE, incapaz envolvido, e desde que todas as partes estejam concordes, o procedimento jurisdicional do inventário e partilha é substituído pela escritura pública (escritura pública de inventário e partilha) a ser celebrada nos termos do novo parágrafo único deste art. 982 .
Quanto à opção de procedimentos, esboçado na mencionada norma processual é decisiva, seus requisitos se diferem, não podendo haver conflito na preferência do procedimento judicial ou administrativo. Se o falecido deixar testamento, ou na existência de herdeiros incapazes – independentemente de ser a partilha amigável ou litigiosa – o procedimento só poderá ser feito via judicial.
Em caso de opção pela via extrajudicial, se faz mister o preenchimento dos seguintes requisitos básicos: a) inexistência de testamento deixado pelo falecido em vida; b) todos os herdeiros devem ser maiores e capazes; c) a partilha deve ser amigável. Na falta de qualquer uma dessas condições ou existindo suspeita na partilha de bens entre os herdeiros, o procedimento adequado será o judicial (CARVALHO, 2019).
Lavrada a escritura, a praticidade para obter a regularização de bens e direitos em nome dos herdeiros, é muito melhor se comparado com a via judicial, pois, em casos desta natureza, a participação do juiz se tornou meramente burocrática. Verificada a presença dos requisitos fundamentais comuns, procedida a escolha pela via extrajudicial, e estando as partes assistidas por advogados, serão ainda cientificadas as partes da possibilidade de optar pelo tabelião de sua confiança para lavrar a escritura, mesmo que seja de outra cidade ou Estado (MONTEIRO, 2021).
Para diminuir o risco de aparecimento posterior de um herdeiro, ou desconhecimento de uma ação de investigação de paternidade o Colégio Notarial do Estado de São Paulo, criou uma central de Escrituras de Separação, Divórcio e Inventários, CESDI.
Ademais, é facultado ao tabelião ir à residência da parte ou ao escritório do advogado, tomando as precauções de não invadir outra circunscrição. Não sendo, portanto, limites de competência em relação ao domicílio das partes ou local do falecimento, sendo assim mais uma das faculdades da lei (CAHALI, 2014).
A escritura de inventário é título executivo hábil, permitindo a realização de múltiplos atos próprios da sucessão, tais como: registro atualizado de imóvel, registro de veículo no Departamento de Trânsito (DETRAN), levantamento de dinheiro em instituição bancária, e vários outros. Os referidos institutos apresentam-se bem mais práticos do que os que as ações que tramitam pela via judicial, onde a interveniência do magistrado seria simplesmente burocrática (CENEVIDA, 2020).
Cumpre explanar, que com a nova redação dada pela 11.441/07, modificou-se os prazos para abertura e encerramento do inventário, conforme se infere do art. 983 do CPC, referido artigo, vem a beneficiar os interessados que tenham perdido o prazo para ajuizamento de ação a possibilidade de optarem pela via administrativa
A alteração provocada pela Lei Nº 11.445/07 l disciplina e abaliza as diretrizes de todo o procedimento extrajudicial do inventário, partilha, separação e divórcio consensual. Embora a norma de direito material, artigo 2.015 do Código Civil , já houvesse disciplinado a probabilidade de formalizar a partilha amigável por escritura pública, sem interferência do Poder Judiciário, nada mencionava a respeito da existência de testamento ou não, como condição para lavratura de escritura pública (BROTTO, 2019).
A Lei determina expressamente que o inventário será obrigatoriamente judicial no caso de o autor da herança ter deixado testamento (art. 982, Primeira parte, do CPC). Porém, se todos os herdeiros forem capazes e houver consenso, a partilha amigável poderá ser efetivada por três modos distintos, resultando no mesmo fim, os quais sejam: escritura pública, o termo nos autos do inventário e o escrito particular.
Assim considera-se uma evolução em nosso sistema: realizada a entrega de toda a documentação exigida, imediatamente poderá ser programada uma data para a lavratura da escritura pelo Tabelião, obedecendo aos requisitos exigíveis e com a presença de todos os herdeiros ou seus representantes legais e respectivo advogado na condição de assistente.
A nova Lei modernizou o ordenamento jurídico brasileiro, tornando mais rápido o procedimento do inventário e partilha amigável, questionados neste trabalho, e também da separação e divórcio consensual, tornando a sua efetivação muito mais simples, célere e eficaz.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da Lei 11.441/2007, foram inseridas importantes inovações no panorama jurídico nacional, notadamente alterando paradigmas a muito consolidados na seara civilista ao permitir a realização de inventários e partilhas, separações ou divórcios consensuais sejam feitas em Cartório, extrajudicialmente. A Lei é procedimental, tendo como escopo a simplificar os procedimentos, tornando-os mais céleres e menos onerosos, facilitando a composição e resolução das demandas e consequentemente desafogar o Poder Judiciário.
Até a promulgação da referida lei só era possível a realização da dissolução conjugal e a formalização da sucessão hereditária pela via judicial. A convicção das partes não era o bastante para concretizar o ato, dependia de um procedimento demorado, burocrático e consequentemente oneroso, apenas para ratificar o que, de fato já estava concretizado.
Em alguns casos, a imposição única da via judicial para resolver conflitos, acarretava um grande volume de pedidos, resultando na burocracia e no acúmulo de processos que acabavam em muitos casos, transformando o simples em difícil e o rápido em demorado, repercutindo de forma evidente na insatisfação dos litigantes, por outro lado desestimulando a busca pela prestação jurisdicional.
No que se refere à separação e o divórcio, por se tratar de direito personalíssimo e ter jurisdição voluntária, especificamente, para os casos em que não houvesse litígio, inexistindo filhos menores ou incapazes, procurou-se com a lei 11.441/2007, tendo em vista sua natureza amigável, resolver-se referidos institutos em cartórios extrajudiciais, sendo obrigatória a assistência de advogado.
No que tange a possibilidade de restabelecimento da sociedade conjugal, verificou-se relevante evolução com as inovações trazidas pela citada lei, posto que este procedimento passou a se dar pela via extrajudicial.
Inovando, a supra mencionada lei , ao tratar de inventário e partilha, simplificou a sua realização, facultando que seja processado pelo notário, sendo requisitos de admissibilidade além da concordância das partes, a maioridade e capacidade de todos interessados, além da inexistência de testamento deixado pelo falecido, situação em que se torna imprescindível atuação do magistrado.
A inovação trazida pela desjudicialização configura um avanço e uma revolução, embora se depare com oposições por toda parte e interpretações anacrônicas daqueles mais resistentes à evolução. Diante de um sistema em que se protocola um recurso no andar térreo do Tribunal e só depois de três anos ele chega ao gabinete do desembargador, não podemos culpar o juiz, a quem é atribuída a análise a fim de com “sabedoria” resolver o caso. O erro reside na nossa legislação. Portanto é necessário mudar e adaptar-se às mudanças.
Por isso, devemos receber a novidade introduzida pela lei como um avanço em nossa sociedade e, sobretudo, como uma medida que visa a facilitar a vida das pessoas, não apenas como algo que veio para desafogar o judiciário.
BROTTO, Alexia A. Rodrigues, FREITAS, Cinthia O. de A. Sistemas computacionais para o poder judiciário: prestação jurisdicional, acesso e inclusão social. 2019. Disponível em www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasili a/01_391.pdf> Acesso em 24 nov. 2022
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 2014.
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graduando em Direito pela Universidade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, JOALIS SILVA DOS. A importância dos cartórios na desjudicialização de procedimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60437/a-importncia-dos-cartrios-na-desjudicializao-de-procedimentos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Caio Henrique Lopes dos Santos
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
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