RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal a análise histórico-evolutiva do ativismo judicial, desde seu advento até os dias atuais, abordando o seu desenvolvimento em alguns países, bem como as suas implicações (positivas e negativas) na aplicação de penas e progressão de regime em casos de crimes hediondos. Após a Segunda Guerra Mundial, o ativismo judicial surgiu nos Estados Unidos, onde foram identificados os primeiros casos em que a Suprema Corte (órgão máximo do judiciário norte-americano) interferiu em decisões tomadas pelos poderes legislativo e executivo. No Brasil, o debate sobre o ativismo judicial cresceu significativamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e desde então tem se tornando cada vez mais visível a interferência de membros do poder judiciário nos demais poderes da república, através de suas decisões. Ocorre que o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal cria um ambiente de insegurança jurídica no Brasil, uma vez que que seus entendimentos, julgamentos de recursos, suas súmulas e interpretações da Carta Magna, se tornam paradigmas para as decisões proferidas pelos magistrados de todo o país, afinal, este é o papel da nossa Suprema Corte. Dessa forma, quando falamos do papel do STF no judiciário brasileiro, estamos falando em segurança jurídica que é um dos pilares do bom direito. Quando um país que não é seguro juridicamente se torna instável do ponto de vista político e social.
Palavras-chave: Ativismo; Judicial; Constitucional; Processo; Penal.
ABSTRACT: The main objective of this article is the historical-evolutionary analysis of judicial activism, from its advent to the present day, addressing its development in some countries, as well as its implications (positive and negative) in the application of penalties and regime progression in cases of heinous crimes. After World War II, judicial activism emerged in the United States, where the first cases in which the Supreme Court (the highest body of the American judiciary) interfered in decisions taken by the legislative and executive powers were identified. In Brazil, the debate on judicial activism grew significantly after the enactment of the Federal Constitution of 1988, and since then, the interference of members of the judiciary in the other powers of the republic, through their decisions, has become increasingly visible. It turns out that the judicial activism of the Federal Supreme Court creates an environment of legal uncertainty in Brazil, since its understandings, judgments of appeals, its summaries and interpretations of the Magna Carta, become paradigms for the decisions handed down by magistrates throughout the country, after all, that is the role of our Supreme Court. Thus, when we talk about the role of the STF in the Brazilian judiciary, we are talking about legal certainty, which is one of the pillars of good law. When a country that is not legally secure becomes politically and socially unstable.
Keywords: Activism. Judicial. Constitutional. Process. Criminal.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DO ATIVISMO JUDICIAL. 1.1. Conceito de ativismo judicial. 1.2. Da origem do ativismo judicial. 1.3. Da influência do ativismo judicial no mundo. 1.4. A Diferença entre judicialização e ativismo judicial. 2. DA ATUAÇÃO ATIVISTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 3. DAS IMPLICAÇÕES DO ATIVISMO JUDICIAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO. 3.1. Da declaração de inconstitucionalidade da proibição de progressão dos crimes hediondos. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Atualmente o judiciário brasileiro vem passando por diversas mudanças no tocante as questões sociais e públicas do país. Na medida em que, os magistrados exercem um novo papel nas principais decisões no âmbito das políticas públicas entre outras pautas.
Dessa forma, a questão do ativismo judicial tem despertado grandes polêmicas tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacional, portanto, vem sendo debatida pelos principais analistas jurídicos e demais segmentos da sociedade.
Importante frisar que o ativismo judicial é fruto de um mundo globalizado, unido pela conexão via internet e de todas as mudanças ocorridas nos últimos 30 anos. Isto leva o Judiciário a abandonar o secular princípio ne procedat judex ex officio e a se antecipar na busca de soluções antes que a lide se estabeleça.
O Brasil vem ao longo do tempo apresentando de maneira democrática e transparente suas leis de maneira ao qual regulam o aspecto social na atualidade.
Observa-se, no entanto, o crescimento dos órgãos de controle no tocante ao acesso aos órgãos judiciário no país. Na mesma linha, o poder é uma área de estudo relevante mesmo com sua divisão foi abordado por grandes pensadores, filósofos e juristas ao longo dos anos no mundo.
1 DO ATIVISMO JUDICIAL
1.1 Conceito de ativismo judicial
O Ativismo judicial é considerado como um fenômeno jurídico, que se dá com a interferência do poder judiciário nas opções políticas dos demais poderes; entende-se ainda como um papel inovador dos tribunais em trazer novas contribuições para o Direito.
Entende-se por ativismo judicial o papel dos tribunais ao trazerem novas contribuições para o direito, aplicando no caso concreto com singularidade, criando precedentes jurisprudenciais, antecipando muitas vezes à formulação da própria lei.
Na dicção de BARROSO, o ativismo judicial pode ser definido como “uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, em situações de inércia do Poder Legislativo, que se manifesta por três formas:
“(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”.
Já conforme Elival Ramos:
“por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos)”
Para CAMPOS:
“O exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos: (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias”
Extraído do seu contexto original e transportado para o cenário nacional, a vagueza da expressão não apenas permaneceu como se aprofundou. A expressão “ativismo judicial”, nesse contexto, tem servido tanto para enaltecer uma postura ativa do juiz quanto para criticar essa mesma atuação.
Existem diversas formas de se conceituar ativismo judicial, visto que o conceito deste perpassa, obrigatoriamente, pela posição (contrária ou favorável) daquele que busca o definir, de um lado, congregando argumentos trazidos pelos defensores da postura ativa, a perspectiva positiva, e, de outro, reunindo os argumentos contrários, a perspectiva negativa.
As principais críticas contra o fenômeno do Ativismo Judicial estão concentradas em vários argumentos, onde juízes, Tribunais e principalmente os Tribunais Constitucionais, não possuem legitimidade democrática, contra os atos legalmente instituídos pelos poderes Legislativo e Executivo.
Os críticos ainda asseveram em suas assertivas que o Poder Judiciário atua de duas formas, ora como legislador negativo, ao invalidar atos e leis do Poder Legislativo ou Executivo, ora como legislador positivo, o qual interpreta as normas e princípios e lhes atribuírem juízo de valor, assim, é conhecido no meio acadêmico como desafio contramajoritário.
No entendimento de SARMENTO, o ativismo judicial abre margem para o “decisionismo judicial”, haja vista que “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos”.
Para STRECK, “um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrados)”.
DWORKIN entende que “um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte (...) para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige”.
Diante de tais opiniões, o ativismo judicial implicaria em uma negativa a lei, se sobressaindo, portanto, as peculiaridades e convicções pessoais dos magistrados.
Por outro lado, importante apontar os argumentos que sustentam a importância e necessidade do ativismo judicial.
Os defensores do Ativismo Judicial declaram que o Poder Judicial possui legitimidade para invalidar decisões do Legislativo e do Judiciário.
Na visão de BARROSO, “o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem, contudo, invadir o campo da criação livre do Direito”.
Ainda conforme BARROSO, “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais”.
Nesse mesmo sentido, entende SILVA e WEIBLEN que:
"Não é papel do Judiciário criar novas medidas referentes a direitos sociais, o que consistiria em violação ao princípio da Separação dos Poderes, mas sim trazer uma real efetividade às políticas públicas já existentes, de modo a não permitir que um apego excessivo a formalidades acabe por obstar a concretização das metas principais do Estado Democrático de Direito".
Dessa forma, aos seus apoiadores, o ativismo judicial consistiria em uma última medida a ser tomada para assegurar direitos e garantias fundamentais quando há falha por parte do Estado em garanti-los.
1.2 Da origem do ativismo judicial
O ativismo judicial não surgiu repentinamente. Ele é consequência das mudanças ocorridas no pensamento a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, principalmente no que tange ao Direito Constitucional e da corrente de pensamento jurídico-filosófica denominada de Neoconstitucionalismo.
O Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo pós-moderno estabelece uma hierarquia entre as normas que, além de formal, é também axiológica e ainda busca promover a concretização dos direitos fundamentais, e possui os seguintes traços característicos: força normativa e valorização dos princípios; métodos abertos de raciocínio (argumentação jurídica, ponderação, método tópico etc.); constitucionalização do direito; reaproximação do Direito e da Moral; e expansão da jurisdição constitucional.
Dessa forma, os movimentos neoconstitucionalistas oportunizaram a origem e o desenvolvimento do ativismo judicial em diversos países do mundo, pois as Constituições fortaleceram o papel do Poder Judiciário, especialmente das suas Cortes Superiores que detêm a guarda dos objetivos e das disposições constitucionais.
Assim, a normatização dos princípios e os novos métodos hermenêuticos permitiram a extensão da atuação do Poder Judiciário em detrimento dos demais poderes, Legislativo e Executivo, mormente quando se está diante de um caso difícil (hard case).
O termo “ativismo judicial” foi utilizado pela primeira vez em 1947 pelo jornalística de Arthur M. Schlesinger, em seu artigo intitulado “The Supreme Court: 1947” publicado na revista Fortune.
O autor escreveu o artigo influenciado pelo cenário da época, contexto esse particularizado pelas disputas entre a Supreme Court Americana e o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt. Foi um período de grave crise econômica para o país e com vistas à recuperação da economia, o então presidente adotou uma série de medidas político-econômicas as quais, em seu conjunto, foram denominadas de New Deal. Entretanto, a Corte Suprema, claramente com tendências ideológicas contrárias, declarava inconstitucionais as leis favoráveis ao movimento.
Schlesinger cunhou o termo e o utilizou para descrever os membros da Suprema Corte Americana da época, classificando-os como:
“juízes ativistas com ênfase na defesa dos direitos das minorias e das classes mais pobres; juízes ativistas com ênfase nos direitos de liberdade; juízes campeões da autorrestrição, e juízes representantes do equilíbrio de forças, colocando o ativismo exatamente como oposto da autorrestrição judicial, em atenção à visão que os julgadores têm a respeito da função judicial”
Para Barroso (2009):
“o Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais [...] Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.
É indiscutível que a ruptura de paradigma que emergiu no pós-guerra com o surgimento do neoconstitucionalismo, marcado pela expansão da jurisdição constitucional e também por um novo axioma de interpretação das Constituições, contribuiu para o novo posicionamento do Poder Judiciário, que passou a assumir uma postura ativa visando a promoção do equilíbrio entre as funções do poder, interpretando as normas com mais flexibilidade e criatividade com base na Constituição e, também, invalidando atos legislativos ou administrativos emanados dos demais poderes.
1.3 Da influência do ativismo judicial no mundo
Atualmente, verifica-se o crescimento da influência do ativismo judicial ao redor do mundo, no qual, de forma geral, discute-se o empoderamento do Poder Judiciário em detrimento aos outros dois Poderes e a invasão do campo competencial dos últimos.
Assim como nos Estados Unidos, as Cortes Supremas de diversos países têm se tornado protagonistas diante de grandes controvérsias e embates internos de relevante interesse da coletividade.
Na Alemanha, o ativismo judicial se manifesta principalmente pela hermenêutica jurídica realizada pelo Tribunal Constitucional Alemão em relação aos direitos fundamentais. Isso porque há um efeito de irradiação desses direitos sobre todo o ordenamento jurídico, implicando no dever da interpretação conforme os princípios constitucionais, independente de qual for a matéria jurídica em apreço. Trata-se, portanto, de constitucionalização do direito.
Assim, a interpretação à luz dos princípios constitucionais deve ser exercida indistintamente por todos os poderes estatais, devendo ocorrer independentemente de qual seja a fase em que se encontre as atividades estatais e jurisdicionais, ou seja, tanto na criação como na interpretação ou na aplicação, deve-se a observância aos princípios constitucionais.
De acordo com SCHLINK:
“o Tribunal Constitucional Alemão já assumiu o papel de defensor súpero na promoção dos princípios constitucionais e que a própria Corte já “aceitou completamente esse papel ativista” bem como a função de “produzir e legitimar mudanças no sistema normativo e na ordem social”
Na Itália, muito se fala das sentenças aditivas, que são aquelas que possuem a função de se manifestar onde a lei é silente, ou seja, trata-se de um exercício de integração. Através dessas sentenças, com o decorrer dos anos, a Corte Italiana foi assumindo cada vez mais poder político-decisório.
A sentença aditiva pressupõe uma lacuna axiológica, o que faz com que o ativismo judicial, nesse contexto, acabe se revelando em seu aspecto de criação judicial do direito, no qual o Tribunal Italiano assume a atividade de legislador positivo.
Os governos democráticos na América Latina foram se sedimentando nas últimas duas décadas do século XX, impulsionados principalmente pelas promulgações das Cartas Constitucionais em seus países. Essas cartas foram consideradas inovadoras pela ampliação dos direitos fundamentais e pela inserção de direitos sociais ao plano constitucional. É nesse contexto que, simultaneamente, há o robustecimento das Cortes Constitucionais com o papel de promover e concretizar esses novos direitos.
No Canadá, o ativismo judicial é verificado a partir dos diálogos democráticos, que se refere à interpretação da constituição a ser realizada em conjunto pelo judiciário e outros sujeitos ligados ao plano constitucional.
A atividade ativista nesse país foi impulsionada pela promulgação da Canadian Charter of Rights and Freedom, de 1982, pois, diferente da Carta antecessora (Canadian Bill of Rights, de 1960), que era dotada de status de lei ordinária, a Carta de 82 alcança hierarquia superior, de Texto Maior. Ademais, novos e amplos poderes foram sendo conferidos ao Tribunal Constitucional que, a partir daquele momento, passou a julgar conflitos materialmente constitucionais e de grande interesse coletivo.
No território sul-africano, a Corte Constitucional tem um papel de extrema importância na reforma social pós-Apartheid, contribuindo para efetivação de direitos e garantias e vedando as discriminações. Destaca-se ainda, que a Corte Constitucional teve participação extraordinária na própria formação da Constituição de 1996.
No Brasil, a atuação do Judiciário somente se fortaleceu após um longo período de ditaduras e com a promulgação da Constituição de 1988, que trouxe em seu bojo uma série de princípios e normas programáticas a serem cumpridas pelo Estado.
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o fenômeno ativista já vinha sendo exercido em meio às cortes brasileiras, mas, até então, essa atuação dos magistrados não havia sido relacionada ainda ao ativismo judicial.
Desde a promulgação ou precisamente com a criação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os direitos sociais foram analisados na parte da judicialização da política. Havendo, portanto, uma democracia igualitária e um Estado mais ativo e participante ao qual garantisse ao cidadão os seus direitos efetivamente. Mais adiante, a judicialização na política vem de pautas questionadas pela sociedade nos anos 80, sendo que, mais tarde já com a carta magna em vigor passou de forma legitima nesse processo onde a judicialização da política normatizou-se.
De fato, é incontroverso que, no Brasil e no mundo, as cortes constitucionais tiveram seus poderes ampliados nas últimas décadas, o que contribuiu em muito para a maior disseminação do ativismo judicial. O poder judiciário tem tomado a liderança na condução de questões de repercussão geral e de grande interesse coletivo, ainda que se trate de questões políticas.
1.4 A Diferença entre judicialização e ativismo judicial
Ao falarmos de ativismo judicial é de suma importância falar da judicialização, pois são temas que se entrelaçam e algumas vezes se confundem.
O ativismo judicial é uma atitude, ou melhor, uma escolha de um modo específico e proativo que o Poder Judiciário possui de interpretar a Constituição, muitas vezes, expandindo seu sentido e seu alcance.
É uma tentativa do Poder Judiciário de ter uma participação mais ampla e intensa na concretização de fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros poderes.
Sob essa ótica, pode-se dizer que o ativismo judicial é um importante elemento no desenvolvimento dos direitos fundamentais no Brasil. Contudo, tal atividade deve estar balizada em critérios compatíveis com o princípio da divisão dos poderes, com as normas constitucionais e com o princípio democrático.
A judicialização, portanto, significa que algumas questões de grande repercussão política ou social estão sendo resolvidas pelo Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, como Congresso Nacional e Poder Executivo.
Assim, a judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política.
Importante destacar que na judicialização, o Poder Judiciário é devidamente provocado a se manifestar e o faz nos limites dos pedidos formulados. O tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento.
A judicialização não decorreu de uma opção ideológica ou filosófica do Judiciário, pois esse decide em cumprimento, de modo estrito, ao ordenamento jurídico vigente.
Em uma acepção mais ampla, a judicialização corresponde a um fenômeno complexo em que, além do elemento jurídico, estão envolvidos elementos políticos, institucionais, sociais, econômicos e também culturais, interagindo em diferentes níveis e de variadas maneiras em cada cenário, estabelecendo tendências de ampliação de normatização, expansão do espectro de questões passíveis de deliberação pelos juízes e tribunais e de adoção de métodos jurídicos e judiciais em outras esferas além das próprias esferas judiciais.
2 DA ATUAÇÃO ATIVISTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Conforme dito anteriormente, o fenômeno ativista já vinha sendo exercido em meio às cortes brasileiras antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, mas, até então, essa atuação dos magistrados não havia sido relacionada ainda ao ativismo judicial.
A Constituição Federal de 1988 foi o principal fator para que o ativismo se disseminasse e tornasse recorrente no país, dado que, além de outros fatores, a Carta Magna garantiu uma maior liberdade de atuação aos membros do Poder Judiciário.
A doutrina brasileira define um primeiro lapso temporal do ativismo judicial no Brasil correspondente ao período de 1909 a 1926, momento em que vigorava a Constituição de 1891. O contexto jurídico era de debate jurisprudencial acerca da temática do habeas corpus.
O instituto do habeas corpus sempre teve como objetivo a proteção do direito à liberdade de locomoção individual e, nesse sentido, era a disposição do art. 72, § 22, da Constituição de 1891. Esse dispositivo legal era responsável por regulamentar as hipóteses de cabimento do habeas corpus, ainda que de forma bem genérica, o que possibilitava uma interpretação extensiva do texto. Isso de fato ocorreu em 1909, quando os Ministros do Supremo Tribunal Federal realizaram uma interpretação extensiva da norma e expandiram as hipóteses de cabimento do habeas corpus.
Dessa forma, essa foi a origem da atuação ativista no Brasil, haja vista a atuação extraordinária dos magistrados na criação judicial do direito.
Nesse período, também se verifica uma atuação ativista da Corte na interpretação extensiva da tutela possessória para concessão dos interditos possessórios a direitos diversos aos direitos de posse. Assim, passou-se a se permitir que a tutela possessória fosse utilizada como salvaguarda de direitos pessoais, além dos direitos reais que já eram abrangidos por essa tutela. Logo, nessa perspectiva, a tutela possessória poderia ser concedida para resguardar o direito de cobrar tributo.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, assim como a aprovação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que regulamentou a reforma do Poder Judiciário, abriram novos espaços para a execução da função jurisdicional no Brasil.
O fenômeno do ativismo judicial foi gradualmente se intensificando durante o tempo. No período de 1988 a 2004, houve uma atuação ativista mais fraca até que, no último dia do ano de 2004, foi criada a súmula vinculante pela Emenda Constitucional nº 45, conferindo maiores poderes aos membros do Judiciário.
Após o ano de 2004, houve uma atuação mais veemente dos Ministros do STF, pois o Tribunal começou a julgar temas que, até então, conforme a tradição, eram dirimidos pelas autoridades de cargos eletivos, como os temas atinentes à Política, mais especificamente às políticas públicas. Os julgamentos judiciais avançaram para campos que ainda não haviam sido desbravados pelos magistrados.
A intensificação do ativismo judicial pós Constituição de 1988 estaria alicerçada também na inércia do Poder Público, na consecução de políticas públicas e pelo “suposto desprestígio dos poderes políticos observado na ordem constitucional vigente”.
Somatizado a isso, outra causa seria a “Síndrome da Inefetividade das Normas Constitucionais de eficácia limitada”, que significa uma ausência de regulamentação infraconstitucional das normas constitucionais que demandem complementação de seu texto pela via da legislação.
Nas palavras de LENZA, as normas constitucionais de eficácia limitada “são aquelas normas que [...] não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de norma regulamentadora infraconstitucional a ser editada pelo Poder, órgão ou autoridade competente, ou até mesmo de integração por meio de Emenda Constitucional [...]”.
Atualmente uma das principais críticas feitas ao fenômeno do ativismo judicial é a maneira em que o Poder Judiciário interfere nos outros poderes, o poder judiciário atualmente tem deixado de lado a função de apenas julgar de acordo com as leis passando a julgar e a legislar.
Todavia, não há de se negar a importância do ativismo judicial durante o ano de 2020, quando em meio à pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, denominado Coronavírus, a crise afetou diversos segmentos, dentre eles a saúde, a educação e a economia, demandando respostas ágeis dos governantes.
Com isso, o Judiciário apresentou-se como o Poder mais preparado para lidar com a questão, como aquele que possivelmente ofertaria a solução mais rápida e efetiva. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal atuou com veemência no combate da pandemia e inúmeras decisões conectadas ao tema foram proferidas pela Corte. Ressalta-se que não foi nula a atuação dos demais poderes de governo, mas as respostas trazidas por eles não foram capazes de tornar dispensável a atividade jurisdicional do STF.
3 DAS IMPLICAÇÕES DO ATIVISMO JUDICIAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Ainda que o Direito Penal seja um meio de controle social que legitima a intervenção estatal, não se pode olvidar que ele não só é composto por normas jurídico-penais que estipulam sanções em caso de violação de seus preceitos. Também abarca regras e princípios que estabelecem garantias ao cidadão diante do poder punitivo ao exigir uma série de condições para o exercício deste.
O Direito Penal não pode se libertar da política judicial, relacionando-se com o cotidiano, com a experiência e a mudança social, falando a linguagem viva, mutável e equívoca do sistema jurídico em geral. Por isso, ele também necessita de conceitos vagos. Ainda que seja importante deixá-lo claro e objetivo, o mais fechado possível como regra geral, isso nem sempre poderá acontecer, já que as relações sociais não são tão objetivas assim.
De acordo com CHEVALLIER, “a proliferação normativa no Direito Penal é fruto da insegurança que assola a sociedade contemporânea e decorre da fragilização dos mecanismos de autorregulação social”.
No ensejo de conter e suprir anseios e demandas sociais, o Poder Legislativo acaba criando e modificando normas de forma efêmera, sem a devida observância de princípios como o da fragmentariedade, da intervenção mínima, da ofensividade, entre outros de igual teor, tradicionalmente sedimentados.
A atuação do Poder Legislativo está cada vez mais política e menos jurídica que para uniformizar os discursos de setores sociais distintos promove intervenções penais despiciendas ou abusivas na tentativa de solver determinados riscos que, ao bem ver, sequer seria da seara penal.
Em uma sociedade onde a segurança pública e individual ainda não é uma realidade garantida pelo Estado assiste-se hoje a uma prolação desenfreada e desarrazoada de inúmeras leis penais e à majoração de seu poder punitivo.
Por isso, existem inúmeras normas penais incriminadoras que apresentam preceitos vagos e variáveis, além de seus naturais elementos objetivos e subjetivos. São os chamados elementos normativos do tipo, que dependem de um juízo de valor a ser exercido pelo magistrado diante de uma situação individual concreta
Muitas vezes a hipertrofia legislativa gera a falta de coerência no próprio sistema normativo penal, onde determinados bens jurídicos menos valorosos são protegidos com tipos e penas mais severos que outros bens jurídicos de ordem axiológica maior.
Não há uma estrutura lógica no sistema criminal, que apresenta inúmeras incongruências, conforme exemplifica MORAES:
“No caso brasileiro, essa irracionalidade legislativa é claramente exemplificada: (...)
A Lei 9.455/97 (Tortura), que permitiu a progressão de regime nos crimes que elenca, mesmo sendo tipificados como hediondos na Lei 8.072/90; a Lei 9.677/98 (Lei dos Remédios) que pune a adulteração e falsificação de cosméticos, com a mesma intensidade aplicada aos remédios propriamente ditos; a Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) que, em relação à data de vigência, permitiu a formação de quatro correntes jurisprudenciais e que, no tocante a algumas figuras típicas, veda a concessão de liberdade provisória, sem impor, por coerência lógica, um possível regime integral fechado; (...)
Impropriedades do Código de Trânsito brasileiro, como a hipótese de lesão corporal culposa na condução de veículos automotores com penas em abstrato completamente incongruentes e desproporcionais à lesão corporal culposa prevista no Código Penal; a injúria manifestada com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem punida com pena de reclusão e equivalente à pena de detenção do crime de homicídio culposo previsto no Código Penal; etc.”.
NUCCI afirma que há resquícios na legislação pátria da reunião na pessoa do juiz das funções de acusar, defender e julgar, típicas do sistema inquisitivo.
“Nosso sistema é “inquisitivo garantista”, enfim, misto. Defender o contrário, classificando-o como acusatório, é omitir que o juiz brasileiro produz prova de ofício, decreta a prisão do acusado de ofício, sem que nenhuma das partes tenha solicitado, bem como se vale, sem a menor preocupação, de elementos produzidos longe do contraditório, para formar sua convicção. Fosse o inquérito, como teoricamente se afirma, destinado unicamente para o órgão acusatório, visando à formação da sua opinio delicti, e não haveria de ser parte integrante dos autos do processo, permitindo-se ao magistrado que possa valer-se dele para a condenação de alguém”.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 adotou, ainda que implicitamente, o sistema acusatório ao fixar a separação das funções de julgar e acusar em seu artigo 129, inciso I:
“São funções institucionais do Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”
Estabeleceu ainda, expressamente, garantias processuais como presunção de inocência (art. 5º, LVII), devido processo legal (art. 5º, XXXVII e LIII) e a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LIV), típicas de um sistema acusatório.
O ativismo judicial que originalmente busca, através do Poder Judiciário, suplantar as deficiências dos demais poderes em propor políticas públicas e produzir leis eficazes para sanar os déficits sociais, acaba se vendo não pode conformar uma gestão probatória de ofício.
A atuação proativa que vemos atualmente nas decisões do Supremo Tribunal Federal reflete a existência de uma politização, de grau indefinido, do Judiciário que colocam os direitos fundamentais na berlinda, numa linha tênue entre sua salvaguarda e violação.
O que se tem visto na atuação proativa do Supremo Tribunal Federal é uma mistura argumentativa claramente no desígnio de eleger bens jurídicos que se deseja tutelar e para se justificar, muitas vezes foge à razoabilidade e proporcionalidade, ferindo de morte a segurança jurídica.
O constituinte ao elencar na Constituição Federal direitos e garantias fundamentais, o fez exatamente porque insculpidos no mais topo do ordenamento jurídico pátrio, diploma condutor de todas as ordens, eles estariam protegidos de oscilações jurídicas e políticas que fatalmente viriam com a evolução da sociedade.
Por ser um instituto jurídico pós-positivista há que se ressaltar o caráter teleológico do ativismo judicial, que surgiu para reavivar o valor das normas e a hegemonia da constituição frente inoperância dos outros poderes. Sua função originária é a louvável sedimentação do Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, a atuação da Suprema Corte desvincula-se dos preceitos originários que fundamentaram o ativismo judicial. Em um cenário de ineficácia do direito penal e processual penal, o fenômeno do ativismo judicial vem servindo de fundamentação para interpretações da lei que servem ao sabor de intenções veladas de quem lhes aplica, em rude ataque à Constituição e violação a tudo aquilo que deveria a priori ser protegido. É o ativismo judicial às avessas, que ao justificar a proteção, corrompe os baluartes da proteção de bens jurídicos essenciais tanto aos indivíduos quanto à sociedade.
3.1 Da declaração de inconstitucionalidade da proibição de progressão dos crimes hediondos
Apesar do debate acerca do assunto ter ocorrido nas duas casas Legislativa, entre os representes eleitos do povo, que editaram, por lei, a vedação à progressão de regime em casos de crimes hediondos, o Supremo Tribunal Federal - STF, alegando uma densa base principiológica, entendeu que tal vedação era inconstitucional.
Por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.
O assunto foi analisado no Habeas Corpus 82.959, impetrado por um condenado pelo crime de atentado violento ao pudor.
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
(STF - HC: 82959 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 23/02/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510)
Segundo o Plenário, caberá ao juiz da execução penal analisar os pedidos de progressão, considerando o comportamento de cada apenado — o que caracteriza a individualização da pena. O Plenário ressaltou, ainda, que a declaração de inconstitucionalidade não gerará consequências jurídicas com relação a penas já extintas.
A decisão ensejou na Súmula Vinculante 26:
Súmula Vinculante 26 – Progressão de regime
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Publicação - DJe nº 238/2009, p. 1, em 22/12/2009.
A inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos já vinha sendo discutida pelos especialistas, uma vez que a Lei trazia em seu bojo duas disposições de caráter processual (uma delas relacionada com a própria execução da pena), que não traduziam o espírito democrático ínsito à Constituição Federal: a proibição da liberdade provisória e a obrigatoriedade do cumprimento da pena no regime integralmente fechado (art. 2º, II e seu § 1º).
O artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, ao tratar dos crimes hediondos, impede, apenas e tão-somente, a fiança, a graça e a anistia, não se referindo à liberdade provisória.
Dessa forma, a lei infraconstitucional não poderia ir além, arvorando-se ao constituinte, proibindo também a possibilidade da liberdade provisória. Ademais, no processo penal a regra é a liberdade, admitindo-se excepcionalmente a prisão provisória em casos de extrema e comprovada urgência e necessidade, o que também remete ao princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição.
Observa-se ainda, que o mesmo dispositivo constitucional equipara, em termos de gravidade, os crimes hediondos, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo, concluindo-se que estes delitos, do ponto de vista constitucional, devem ser tratados com a mesma severidade, inclusive sob o aspecto processual.
Ressalta-se que a Lei 9.455/97, que tratou do crime de tortura e é posterior à Lei dos Crimes Hediondos, não proibiu a liberdade provisória, mas tão-somente a fiança, a graça e a anistia (art. 1º., § 6º.), obedecendo-se aos ditames constitucionais.
A lei 8.072/90 também obriga que o condenado pelo crime hediondo cumpra a pena em regime integralmente fechado, o que, além de um absurdo jurídico-penal, também afronta a Constituição, especialmente o seu artigo 5º, XLVI, que trata a respeito da individualização da pena.
A individualização da pena engloba não somente a aplicação da pena propriamente dita, mas também a sua posterior execução, com os benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre eles a progressão de regime.
O Código Penal em seu artigo 59 estabelece as balizas para a aplicação da pena, e prevê expressamente que o juiz sentenciante deve prescrever “o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade”, o que indica induvidosamente que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do conceito “individualização da pena”.
Dessa forma, não se pode admitir que um indivíduo seja condenado a cumprir a sua pena em regime integralmente fechado, vedando-se absolutamente qualquer possibilidade de progressão para o semiaberto ou aberto, ferindo, inclusive, as apontadas finalidades da pena: a prevenção e a repressão.
De acordo com Luiz Luisi:
“o processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou administrativo(...) Tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução(...) Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução. (...) Esta fase da individualização da pena tem sido chamada individualização administrativa. Outros preferem chamá-la de individualização executória. Esta denominação parece mais adequada, pois se trata de matéria regida pelo princípio da legalidade e de competência da autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente jurisdicionais.(...) Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que consiste a individualização da sanção penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Diferente será este tratamento se ao invés de se enfatizar os aspectos retributivos e aflitivos da pena e sua função intimidatória, se por como finalidade principal da sanção penal o seu aspecto de ressocialização. E, vice-versa.”
Assim, não restando dúvidas que a progressão de regime é parte integrante da individualização da pena, era inconstitucional este “dispositivo hediondo”. Aqui também se observa que a referida Lei de Tortura não determina o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, mas apenas no seu início.
Importante ainda mencionar a Súmula 698 do STF, a qual foi editada antes de todas as alterações jurisprudenciais e legislativas da lei dos crimes hediondos. Na época, a Lei de Tortura foi editada sem a menção ao regime integral fechado, o que criou muita polêmica e discussão a respeito da ampliação de seus efeitos a todos os crimes hediondos e equiparados.
Os especialistas pediam essa ampliação, o que levou o STF a editar essa súmula, para evitar novos pedidos no mesmo sentido e orientar a jurisprudência no mesmo caminho de interpretação. Apenas a Lei de Tortura, na época, admitia a progressão de regime de cumprimento de pena, ficando todos os demais crimes hediondos e equiparados sem essa possibilidade.
Nada disso hoje faz sentido, pois não mais existem, no Brasil, infrações penais passíveis de cumprimento de pena sem o sistema de progressão de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, incluindo todos os hediondos e os equiparados, alterando apenas o patamar de tempo de pena cumprido para a progressão: 2/5 para réus primários e 3/5 da pena cumprida para réus reincidentes em crimes hediondos e equiparados.
CONCLUSÃO
O presente estudo possibilitou a análise do ativismo judicial, desde sua origem até as consequências de sua influência no Direito mundial, considerando a atuação intervencionista do Poder Judiciário frente às demandas sociais não solucionadas pelos demais poderes.
O ativismo judicial decorre principalmente da vontade do órgão jurisdicional em substituir o ordenamento tal como desenhado, por um ordenamento tal como por ele idealizado, o que pode levar tanto à reconfiguração dos limites da atuação judicial em relação às demais esferas quanto à ressignificação das normas de direito material e processual trazidas no ordenamento no momento de sua aplicação pelo órgão jurisdicional.
Ao longo das últimas décadas, com a disseminação do ativismo judicial, o Poder Judiciário tem tomado a liderança na condução de questões de repercussão geral e de grande interesse coletivo, ainda que se trate de questões políticas.
Ao Poder Judiciário foi concedida a capacidade de se imiscuir nas fragilidades, incapacidades e insuficiências dos Poderes Executivo e Legislativo em cumprir as prestações sociais que lhe foram imbuídas, e por mecanismos endógenos instrumentalizar a consecução destes objetivos. Esse é um dos signos do novo estágio que vivencia o direito pátrio.
É fundamental que se chegue a um consenso sobre como o Direito deve ser interpretado e aplicado, o que, inclusive, favoreceria a segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
ATIVISMO Judicial. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 13, jan/mar 2009.
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.164.
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 10 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988.
Graduando no curso de Direito pelo Centro Universitário Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Kevehllyson Azevedo do. As implicações do ativismo judicial na aplicação de penas e progressão de regime em casos de crimes hediondos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60441/as-implicaes-do-ativismo-judicial-na-aplicao-de-penas-e-progresso-de-regime-em-casos-de-crimes-hediondos. Acesso em: 23 dez 2024.
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