MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO OIVEIRA DE SOUZA
(orientadora)
RESUMO: O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente e a restrição temporária dos direitos de propriedade originados na transmissão da herança, em prol da solidariedade familiar, não acarreta diminuição do patrimônio de quem é afetado por ela, nem tampouco o enriquecimento de quem as aproveite, uma vez que a lei brasileira já limita o direito de propriedade de várias formas, a exemplo dos minerais do subsolo que pertencem à União, enquanto o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente foi criado em prol de uma causa nobre, que é o da solidariedade familiar, espelhada no princípio da dignidade humana.
PALAVRAS-CHAVE: Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. Limitação do direito à propriedade. Desmistificando inverdades.
ABSTRACT: The surviving spouse's real right to housing and its reflection on the right to property, in the light of the theory of minimum patrimony, which aims to ensure the citizen's rights worthy of the dignity of the human person, including in relation to movable assets that furnish the housing, for through the exercise of the socio-environmental function of the property, with equal treatment of the Real Housing Right in relation to family assets, with the exception of sumptuous adornments and works of art.
KEYWORDS: Surviving Spouse. Real Right to Housing.
1 - INTRODUÇÃO
O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente e seu reflexo no direito à propriedade tem por objetivo garantir um mínimo de patrimônio ao indivíduo como forma de garantir-lhe a sua dignidade, por meio do exercício da função socioambiental da propriedade, mesmo em relação aos bens de família, o que faz muitos herdeiros atualmente questionarem esse direito, já que não podem dispor livremente desses bens, no momento da abertura da sucessão.
Os herdeiros coproprietários dos bens deixados por seus entes queridos, em sua maioria, desconhecem os institutos jurídicos que limitam, ainda que temporariamente, o direito de dispor livremente desses bens, e ao contrário do que muitos pensam, não se trata de ativismo judicial, mas de simples aplicação de leis que foram criadas ao longo de várias décadas, como complementação dos princípios consagrados na Constituição Cidadã de 1988.
Assim, este artigo se propõe a jogar uma luz sobre o tema, no sentido de proporcionar respostas aos herdeiros, ampliando as formulações teóricas a respeito do tema, pela análise da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência, de forma um tanto geral, sem maiores especificidades, considerando que se trata de um trabalho para conclusão de curso de bacharelado em direito, não tendo, ad exeplum, a pretensão de formular uma tese de Doutorado.
2 - O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, ao contrário do que muitos pensam, constitui apenas uma limitação temporária ao direito de propriedade originados na transmissão da herança ao impor restrições ao seu exercício pleno, porém, tal limitação não acarreta diminuição do patrimônio de quem é afetado por ela ou enriquecimento sem causa de quem as aproveite, mas simples implementação de políticas sociais em prol da solidariedade familiar, com forte regulamentação legal.
Quando da elaboração da Constituição Federal de 1988[2[i]], o legislador constituinte, por força do poder originário, resolveu impor à propriedade privada uma função que até então não existia no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a denominada “função social” da propriedade, sendo este princípio uma espécie de orientação para o legislador infraconstitucional regular a matéria.
Justen Filho define tal limitação ao direito de propriedade da seguinte forma:
Limitação administrativa à propriedade consiste numa alteração do regime jurídico privatístico da propriedade, produzida por ato administrativo unilateral de cunho geral, impondo restrição das faculdades de usar e fruir de bem imóvel, aplicável a todos os bens de uma mesma espécie, que usualmente não gera direito de indenização ao particular. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 514)[3[ii]]
O direito de propriedade do bem imóvel deve obediência à sua função social, estabelecida no art. 5º, XXIII, da CF/88, uma vez que se trata de uma limitação que é imposta ao proprietário por força do interesse coletivo.
Antes do advento da Constituição Federal de 1999, o exercício pleno do direito de propriedade acabava gerando muitas injustiças, principalmente na área rural, onde grandes extensões de terras eram compradas por especuladores que não produziam absolutamente nada, apenas para lucrarem com sua valorização e/ou usarem como garantia de empréstimos bancários para empreendimentos fora da propriedade, sendo muito corriqueira as vezes que famílias inteiras que moravam e cultivavam a terra há mais de 30; 40 anos, serem despejadas por Ordem Judicial por ação do proprietário e/ou seus herdeiros, sem falar nos “grileiros” de terras comum no Brasil.
Nesse sentido de limitação constituinte ao direito de propriedade, são as palavras de Alexandre Barbosa.
A perspectiva teleológica da propriedade contemporânea, constitucionalizada, assim, se realiza no cumprimento dos relevantes interesses (e necessidade) de proprietários e não proprietários, uma vez que, coexistindo solidariamente, fomentarão o maior aproveitamento das utilidades dos bens, especialmente dos imóveis. Esqueça-se, tão somente, do aspecto das propriedades coletivas. Nelas a convivência, o respeito e interação são indiscutíveis. Fala-se da propriedade em sua mais pura acepção, ou seja, a titularidade dominial e a ligação da pessoa com o bem. Na medida em que o proprietário respeita o não proprietário, e vice-versa, cada qual cumprindo adequadamente com suas participações, nas atividades jurídicas a que se comprometeram, a função social se verificará por si e a liberdade pretendida se efetivará. (SILVA, 2018,p.186) [4[iii]]
Isso porque o direito real de habitação do cônjuge supérstite pode ser classificado como ex vi legis, isto é, decorre da própria força da lei e, por isso, origina-se desde o preenchimento dos devidos pressupostos de materialização do art. 1.831 do Código Civil brasileiro, motivo pelo qual uma hipotética sentença proferida in juditio que o reconheça possui eficácia meramente declaratória, não havendo que se falar em “ativismo judicial”, como tantos tem alegado ultimamente.
Ademais, mesmo que não conste expressamente de escritura pública, não decai nem prescreve o referido direito, nem tampouco deixa de existir no mundo jurídico, já que sua origem remonta desde a abertura da sucessão, conforme a lição de José Carlos Teixeira Giorgis:
É sucessão anômala que derroga o princípio da unidade da sucessão e, como se trata de um legado ex lege, transmite-se ao cônjuge um direito real limitado quanto a objeto individualmente considerado, certo e determinado, separado do patrimônio hereditário para tal fim, caracterizando tipicamente uma sucessão a título singular. A especial natureza do direito real de habitação, como um verdadeiro legado e finalidade definida, impede que ele desocupe o imóvel; mas, ao contrário, tem dele posse imediata, exercida ainda que sobre a legítima dos descendentes e ascendentes, embora a metade do acervo pertença aos sucessores do autor da herança. (GIORGIS, 2005, p. 88-127, p. 124-125) [5[iv]].
Antes, porém, de acusar o cônjuge sobrevivente de usurpação do direito de propriedade dos coproprietários herdeiros do conjugue falecido, convém ressaltar que o referido direito não dá ao seu detentor o exercício pleno da propriedade, como por exemplo, o direito de alienar o bem, nem tampouco emprestá-lo à terceiros para estes venham a habitar o único imóvel, dado que se trata de direito personalíssimo e vitalício, que se extingue com a morte da viúva e apenas por ela pode ser exercido – o que não impede, entretanto, que a mãe resida com os filhos no lar conjugal (aliás, a conservação da unidade familiar constituída é justamente um dos objetivos do instituto). De toda sorte, como o próprio nome sugere, confere-se ao consorte sobrevivente apenas o poder de moradia, não se permitindo, por exemplo, que arbitre aluguéis ou explore economicamente o imóvel, sob pena de descaracterizar sua natureza protetiva da dignidade familiar.
Não se trata, contudo, de garantir apenas a mera moradia do cônjuge sobrevivente, pois o Código Civil brasileiro de 2002, em atenção ao princípio constitucional antes referido, veio para assegurar ao conjugue a residência no imóvel específico onde se materializou o casamento ou a união estável, considerando que o consorte sobrevivente guarda com ele vínculos afetivos em razão daquilo que viveu com o de cujus no local, de modo que, mais que um meio de não prejudicar a subsistência da viúva ou do viúvo que não possui outro local para morar, o direito real de habitação é, outrossim, inspirado por razões humanitárias e de proteção das memórias familiares vivenciadas desde o matrimônio.
Neste contexto, por força do princípio esculpido no Art. 226 da Constituição Federal de 1988 que textualmente diz: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” [6[v]], é que Paulo Lôbo justifica a intervenção do Estado ao impor uma limitação ao direito de herança.
O fim social da norma legal é assegurar ao cônjuge sobrevivente a permanência no local onde conviveu com o de cujus, que é o espaço físico de suas referências afetivas e de relacionamento com as outras pessoas. O trauma da morte do outro cônjuge não deve ser agravado com o trauma de seu desenraizamento do espaço de vivência. O direito do cônjuge sobrevivente à vivência ou ao processo de viver prevalece ou é mais relevante que a posse direta do bem adquirido pelos parentes do de cujus. (LÔBO, 2021, p. 62). [7[vi]]
Vê-se, pois, que o direito real de habitação não surgiu por invenção da Doutrina e muito menos por “ativismo judicial”, mas por efetiva aplicação de garantias de princípios constitucionais, previstas na Constituição Federal de 1988, e antes mesmo de ser elevado à categoria de direito social previsto no artigo 6º pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015, o consagrado art. 5º da Carta Magna já havia assegurado esse direito, na medida em que garantiu o direito de propriedade no inciso XXII, para logo em seguida, no inciso XXIII do mesmo dispositivo, limitar o pleno exercício desse direito ao acrescentar um fator subjetivo, que foi a polêmica função social da propriedade, veja-se a Lei:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [8[vii]]
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) [9[viii]]
A legislação infraconstitucional, por sua vez, especialmente o Código Civil de 2002 - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, prevê no seu artigo 1.225 [10[ix]], na mesma categoria dos direitos reais, tanto a propriedade como a habitação, in verbis:
Art. 1.225. São direitos reais:
I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
O Código Civil de 1916 previa tal direito somente em relação ao cônjuge sobrevivente que era casado pelo regime da comunhão universal. Com a vinda, em 2002, do novo Código Civil, que, aliás, já não é tão novo assim, esse panorama mudou. Atualmente, o cônjuge sobrevivente desfruta de tal prerrogativa independentemente do regime de bens adotado. É o que dispõe o § 2º do art. 1.611 do referido Diploma Legal [11[x]]:
Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascedentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. (Incluído pela Lei nº 4.121, de 1962) (grifei)
De acordo com o referido diploma legal, o Legislador já buscava corrigir distorções na sociedade em relação ao cônjuge desamparado pela morte do marido proprietário da residência do casal por meio da Lei nº 4.121, que previa que o cônjuge ou companheiro sobrevivente deverá utilizar o imóvel para a sua moradia, sendo defeso a ele utilizá-lo para fins de aluguel, ou mesmo emprestá-lo. Mais tarde, essa mesma limitação foi referendada pelo Art.1.414 do Código Civil / 2002 [12[xi]]:
Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.
Vê-se, pois, que meio desse dispositivo é transmitida a verdadeira finalidade do direito real de habitação, que nada mais é do que não deixar o cônjuge sobrevivente sem uma casa para morar. Muito embora trate-se de direito real sobre coisa alheia, uma vez que haverá a habitação gratuita no imóvel de propriedade alheia, não pode permitir que o direito de propriedade prevaleça sobre a habitação numa situação na qual, como disse anteriormente Paulo Lôbo: O trauma da morte do outro cônjuge não deve ser agravado com o trauma de seu desenraizamento do espaço de vivência.
Importante ressaltar que o direito real de habitação cessa, contudo, uma vez constatada que o seu beneficiário agiu contrariamente as disposições relativas ao usufruto, que são aplicáveis à habitação, conforme inteligência do art.1.416 do código civil / 2002 [13[xii]]:
Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.
Com a morte do usufrutuário, bem como em consequência de seu ato atentatório ao objeto do usufruto (venda e/ou deterioração do imóvel), há a extinção do usufruto e o consequente retorno da posse direta ao dono do imóvel e/ou seus herdeiros, não havendo que se falar em expropriação forçada e/ou usurpação do direito de propriedade, conforme inteligência do art. 1.410, I e VII, Código Civil [14[xiii]]:
Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;
(Omissis)
VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
Na interpretação dos dispositivos supramencionados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito real de habitação tem como finalidade principal garantir o direito constitucional à moradia ao cônjuge sobrevivente, tanto no casamento como na união estável, conforme consta dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça no EREsp 1.520.294; e no AREsp 1858382:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE DE TERCEIRO ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO. TÍTULO AQUISITIVO ESTRANHO À RELAÇÃO HEREDITÁRIA. 1. O direito real de habitação possui como finalidade precípua garantir o direito à moradia ao cônjuge/companheiro supérstite, preservando o imóvel que era destinado à residência do casal, restringindo temporariamente os direitos de propriedade originados da transmissão da herança em prol da solidariedade familiar. 2. A copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito. 3. Embargos de divergência não providos. (STJ - EREsp: 1520294 SP 2015/0054625-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 26/08/2020, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/09/2020);
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. POSSIBILIDADE. VIGÊNCIA DO ART. 7º DA LEI N. 9.278/96. PRECEDENTES. Não obstante o artigo 1.831, do Código Civil de 2002 atribuir o direito real de habitação somente ao cônjuge sobrevivente, a jurisprudência do STJ assentou o seu entendimento no sentido da possibilidade de arguição desse direito também à companheira, mesmo na vigência do Código Civil em vigor. Prova dos autos que atestou a existência de união estável entre a atual ocupante do imóvel, ora ré, e o falecido possuidor. Imóvel que, à época do óbito, era ocupado pelo casal. Direito real de uso e habitação conferido ao cônjuge supérstite. Direito que somente se extingue com a morte ou com o advento de novo casamento ou união estável. Fato não demonstrado nos autos. O direito de moradia é fundamental e inclui-se dentre aqueles que preenchem o valor da dignidade da pessoa humana, razão porque este se sobrepõe ao fato de que possa a apelada possuir outro imóvel de sua exclusiva propriedade além daquele em que residia na constância de seu casamento com o pai da apelante, devendo ser ressaltado que todos os herdeiros do falecido são maiores e possuem suas moradias. Do exposto, nego provimento ao agravo. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 31 de março de 2022. Ministro MARCO BUZZI Relator. (STJ - AREsp: 1858382 RJ 2021/0078736-5, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: DJ 04/04/2022)
Vê-se que a jurisprudência do STJ possui entendimento no sentido de que o direito real de habitação é vitalício e personalíssimo, ele emana diretamente da lei (artigo 1.831 do Código Civil de 2002 e artigo 7º da Lei 9.272/1996) e tem por objetivo assegurar moradia digna ao conjugue e/ou companheiro supérstite no mesmo local em que residia com o de cujus.
Ainda no precedente (EREsp 1.520.294), a do STJ declarou que o direito real de habitação é “instituto intrinsecamente ligado à sucessão, razão pela qual os direitos de propriedade originados da transmissão da herança sofrem um abrandamento temporário em prol da manutenção da posse exercida por um dos integrantes do casal”.
Para o STJ, o direito real de habitação deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrem filhos exclusivos do cônjuge falecido (REsp 1.134.387).
Além disso, devido à sua natureza, a referida Corte Superior tem decidido que, para o instituto produzir efeitos, é desnecessária a inscrição do bem no cartório de registro de imóveis, conforme consta do precedente do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.846.167:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO E ALIENAÇÃO DE IMÓVEL COMUM. INVIABILIDADE. ALUGUÉIS. DESCABIMENTO. JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Ação proposta em 06/04/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 28/06/2019 e atribuído ao gabinete em 07/01/2020. 2. O propósito recursal é dizer se a) houve negativa de prestação jurisdiciona; b) o direito real de habitação assegurado à companheira supérstite constitui empecilho à extinção do condomínio do qual participa com os herdeiros do de cujus e c) é possível a fixação de aluguel a ser pago pela convivente e por sua filha, também herdeira do falecido, em prol dos demais herdeiros, em consequência do uso exclusivo do imóvel. 3. O capítulo da sentença não impugnado em sede de apelação e, assim, não decidido pelo Tribunal de origem, impede o exame da matéria por esta Corte, em razão da preclusão consumativa. 4. Se o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte, inexiste ofensa ao art. 1.022. 5. O direito real de habitação é ex lege (art. 1.831 do CC/2015 e art. 7º da Lei 9.272), vitalício e personalíssimo, o que significa que o cônjuge ou companheiro sobrevivente pode permanecer no imóvel até o momento do falecimento. Sua finalidade é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna. 6. O advento do Código Civil de 2002 deu ensejo à discussão acerca da subsistência do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente. Essa questão chegou a este Tribunal Superior, que firmou orientação no sentido da não revogação da Lei 9.278/96 pelo CC/02 e, consequentemente, pela manutenção do direito real de habitação ao companheiro supérstite. 7. Aos herdeiros não é autorizado exigir a extinção do condomínio e a alienação do bem imóvel comum enquanto perdurar o direito real de habitação ( REsp 107.273/PR; REsp 234.276/RJ). A intromissão do Estado-legislador na livre capacidade das pessoas disporem dos respectivos patrimônios só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (203, I, CF/88), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles - in casu - dos direitos inerentes à propriedade, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, que na espécie é a proteção ao grupo familiar. 8. O direito real de habitação tem caráter gratuito, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel. Seria um contrassenso atribuir-lhe a prerrogativa de permanecer no imóvel em que residia antes do falecimento do seu companheiro, e, ao mesmo tempo, exigir dele uma contrapartida pelo uso exclusivo. 9. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi acolhida a tese sustentada pelas recorrentes, fica prejudicada a análise do dissídio jurisprudencial. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ - REsp: 1846167 SP 2019/0326210-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 09/02/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/02/2021)
Como se vê, o direito real de habitação pode sofrer interpretações em relação à sua aplicabilidade e, como qualquer outro direito, também é passível de sofrer limitações, mas jamais se pode afirmar que o direito de habitação subtraiu e/ou substitui o direito de propriedade.
Veja-se o caso em que o Cônjuge sobrevivente, sem a participação dos coproprietários herdeiros e sem autorização judicial, vende parte do imóvel que serviu de residência do casal, logo, ele perde o direito real de habitação.
É que, tivesse o Cônjuge sobrevivente algum direito de habitação sobre o imóvel pertencente ao seu falecido marido/esposa, do qual era apenas usufrutuário do imóvel agora pertencente ao espólio do falecido, seria sobre a parte do imóvel que ele e/ou ela vendeu, não havendo dúvida de que se beneficiou da venda, de modo que o imóvel que restou pertence exclusivamente aos herdeiros.
Com a morte do usufrutuário, bem como de seu ato atentatório ao objeto do usufruto (venda do imóvel), há a extinção do usufruto e o consequente retorno da posse direta ao dono do imóvel, conforme o já citado art. 1.410, I, Código Civil.
No caso de o Cônjuge ser apenas mero detentor do imóvel, ou seja, quando residia no imóvel como mero cuidador do bem, este por certo pertencente aos legítimos usufrutuários (herdeiros).
A Jurisprudência tem adotado esse entendimento:
TJ-PR - Apelação : APL 14072076 PR 1407207-6 (Acórdão)
DECISÃO: Acordam os integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento à apelação, a fim de anular a sentença, e, prosseguindo no julgamento por força do art. 515, § 3º, do CPC, julgar procedente o pedido, nos termos do voto do Relator. EMENTA: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO NOMINADA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ... AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TITULARIDADE DA PROPRIEDADE PLENA DEMONSTRADA PELA MATRÍCULA DO IMÓVEL E CERTIDÃO DE ÓBITO DO ANTIGO USUFRUTUÁRIO. IMÓVEL INDIVIDUADO. POSSE INJUSTA CONFIGURADA. CONCEITO QUE EQUIVALE À AUSÊNCIA DE MOTIVO JURÍDICO QUE LEGITIME A POSSE OU DETENÇÃO DO IMÓVEL PELO RÉU, NÃO SE CONFUNDINDO COM O ART. 1.200 DO CCB, APLICÁVEL APENAS ÀS AÇÕES POSSESSÓRIAS. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL OU REAL QUE TORNE LEGÍTIMA A POSSE DA RÉ SOBRE O IMÓVEL LITIGIOSO. SUPOSTO COMPANHEIRO DA RÉ (FALECIDO) ERA USUFRUTUÁRIO DE PARTE IDEAL DO TERRENO. IMÓVEL QUE ERA BEM EXCLUÍDO DA COMUNHÃO EM RELAÇÃO À ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INEXISTENTE. IRRELEVÂNCIA PARA O CASO DA DISCUSSÃO QUANTO À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.278/96 APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. NECESSIDADE DE QUE O IMÓVEL ONDE O CASAL HABITAVA ATÉ ENTÃO SEJA DE PROPRIEDADE (COMUM OU PARTICULAR) DO CONSORTE FALECIDO. SUPOSTO COMPANHEIRO DA RÉ QUE ERA APENAS USUFRUTUÁRIO DO IMÓVEL. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO REAL DE USUFRUTO. EXTINÇÃO COM A MORTE DO USUFRUTUÁRIO (ART. 1.410, I, DO CCB). CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PLENA EM FAVOR DAS ATÉ ENTÃO NUS- PROPRIETÁRIAS. BEM QUE NÃO INTEGRAVA O PATRIMÔNIO DO DE CUJUS NO MOMENTO DA ABERTURA DA SUCESSÃO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJPR. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
TJ-PR - Apelação APL 14072076 PR 1407207-6 (Acórdão) (TJ-PR). Data de publicação: 26/01/2016.
Destarte, com a morte do usufrutuário, bem como por conta de qualquer ato atentatório por parte do Conjugue sobrevivente ao objeto do usufruto (venda do imóvel), há a extinção do usufruto e o consequente retorno da posse direta ao dono do imóvel - (art. 1.410, I, Código Civil), não havendo que se falar em usurpação do direito de propriedade e/ou de “ativismo judicial”.
III - O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PARA O COMPANHEIRO SOBREVIVENTE.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mais especificamente, a norma esculpida no seu congado art. 5º, inciso XXIII, estabelece que as faculdades correlatas à propriedade do bem imóvel devem obediência à sua função social, que tal como antes mencionado, se trata de uma limitação que é imposta ao proprietário por força do interesse coletivo, sem que isso signifique expropriação de bem e/ou enriquecimento sem causa.
O processo de construção do Direito Real de Habitação não surgiu do dia para a noite, é resultado de anos de discussão de teses jurídicas enfrentadas por Juízes e Tribunais de todo o País, bem como por renomados doutrinadores, como por exemplo, com o advento do Código Civil de 2002, surgiu nos tribunais brasileiros a discussão acerca da subsistência do direito real de habitação para o companheiro sobrevivente.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, tal debate ocorreu porque a sucessão do companheiro foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 8.971/1994. Posteriormente, foi editada a Lei 9.278/1996, a qual consagrou o direito real de habitação ao convivente supérstite "enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento", conforme consta do já citado REsp 1.846.167.
No julgamento do AgRg no REsp 1.436.350, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino também destacou não terem sido revogadas as disposições da Lei 9.278/1996, "subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade".
Ressalte-se que o direito real de habitação é ex vi legis, ou seja, decorre por força da lei, isso porque ele é decorrente do direito sucessório (artigo 1.831 do CC/2002), portanto, pode ser exercido desde a abertura da sucessão, conforme ressaltou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, Luis Felipe Salomão, quando do julgamento do REsp 1.315.606:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. SUCESSÕES. CÓDIGO CIVIL DE 1916. ANTECIPAÇÃO DA LEGÍTIMA. DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE USUFRUTO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE QUE CONTINUOU NA POSSE. IMÓVEL. COLAÇÃO DO PRÓPRIO BEM (EM SUBSTÂNCIA). DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. A colação é obrigação imposta aos descendentes que concorrem à sucessão comum, por exigência legal, para acertamento das legítimas, na proporção estabelecida em lei, sob pena de sonegados e, consequentemente, da perda do direitos sobre os bens não colacionados, voltando esses ao monte-mor, para serem sobrepartilhados. 2. A doação é tida como inoficiosa, caso exceda a parte a qual pode ser disposta, sendo nula a liberalidade deste excedente, podendo haver ação de anulação ou de redução. Da mesma forma, a redução será do bem em espécie e, se esse não mais existir em poder do donatário, se dará em dinheiro ( CC, art. 2.007, § 2º). 3. É possível a arguição de direito real de habitação ao cônjuge supérstite em imóvel que fora doado, em antecipação de legítima, com reserva de usufruto. 4. Existem situações em que o imóvel poderá ser devolvido ao acervo, volvendo ao seu status anterior, retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha, abrindo, a depender do caso em concreto, a possibilidade de reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente. 5. Na hipótese, a partilha dos bens fora homologada em 18/5/1993, não havendo alegação de nulidade da partilha ou de resolução da doação, além de se ter constatado que o imóvel objeto de reivindicação não era o único bem daquela natureza a inventariar. 6. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1315606 SP 2012/0059158-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 23/08/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/09/2016)
A partir do momento da colação obrigatória, o cônjuge ou companheiro sobrevivente pode utilizar-se de instrumentos processuais próprios para garantir o seu exercício do direito de habitação, inclusive por meio de ação possessória para se defender de eventual Ação Reivindicatória movida pelos herdeiros, que é outro instituto de intervenção no direito de propriedade.
Como mencionado no tópico anterior, o direito real de habitação do cônjuge supérstite pode ser entendido como ex vi legis, isto é, decorre da própria força da lei e, por isso, origina-se desde o preenchimento dos devidos pressupostos de materialização do art. 1.831 do Código Civil, motivo pelo qual uma hipotética sentença proferida in juditio que o reconheça possui eficácia meramente declaratória, não envolvendo a condenação dos proprietários na perda da propriedade.
Ademais, mesmo que o direito real de habitação não conste expressamente de escritura pública devidamente averbada na matricula do imóvel, não decai nem prescreve o referido direito, nem tampouco deixa de existir no mundo jurídico, já que sua origem remonta desde a abertura da sucessão.
A polêmica em torno do instituto, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é se a cessação do estado de viuvez possui eficácia resolúvel quanto ao direito de habitação do conjugue sobrevivente. Isso aconteceu porque o Códex de 1916 expressamente previa sua extinção em tal hipótese, mas o Código Civil de 2002 deixou de fazê-lo, momento no qual surgiram as dúvidas sobre o tema, sendo que até hoje não há uma resposta segura acerca do problema, porém, não cabe aqui analisá-lo, por ora, já que foge da temática proposta pelo presente artigo.
A aplicação desse direito no caso concreto advém da hipótese muito corriqueira que acontece na vida de muitos casais, quando um deles acaba adquirindo a tão sonhada casa própria muito antes do casamento. Nessa hipótese, embora não haja a comunicação dos bens aulidos antes do casamento e/ou união estável, é certo que não se tratará apenas de um bem material como outro qualquer, mas da concretização de um desígnio comum que foi edificado pelo casal, por vezes, durante longos anos de planejamento. Há toda uma questão semiótica por trás do lar que foi escolhido para servir como núcleo da família, de forma que andou muito bem o legislador ao dispor na Lei n.º 10.406/2002 que o direito real de habitação em favor daquele que sobreviveu independe do regime de bens que fora eventualmente pactuado pelos consortes, pois se visa a proteger, sobretudo, a memória familiar.
É que o direito de propriedade no contexto familiar, ou seja, entre os conjugues, é influenciado pelo fenômeno conhecido na seara civilista contemporânea como “despatrimonialização” das relações jurídico-privadas, pois o viés patrimonial-imobiliário que era característico do modelo oitocentista do Código Civil de 1916, inspirado por ideologias liberais, deu lugar ao primado do princípio constitucional da dignidade humana (TEPEDINO, 1997, p. 17 [15[xiv]]), de modo que as mais variadas normas jurídicas, para além de simples postulados abstratos, devem ter por escopo não apenas a proteção pecuniária, mas a edificação do homem em sociedade enquanto pessoa e sujeito de direitos e deveres.
Nesse contexto, segundo o Ministro Luiz Edson FACHIN, o aspecto patrimonial e econômico das relações jurídico-privadas deixa de ter fim em si mesmo e incorpora a função de salvaguardar valores muito maiores (FACHIN, 2002, p. 108 [16[xv]]), razão pela qual, nesse mesmo contexto, segundo a lição de Sílvio RODRIGUES, o direito real de habitação não pode mais ser visto como apenas um meio de concretização da moradia prevista pela norma do art. 6º da Constituição Federal de 1988, mas sobretudo como um instrumento para preservar as condições de vida, o ambiente e as relações familiares do lar (RODRIGUES, 2002, p. 116 [17[xvi]]), permitindo que a viúva e seus filhos conservem a afetividade que fora construída no local.
Por conta exatamente disso que o cônjuge supérstite poderá habitar o imóvel com sua família de maneira gratuita, não se admitindo que os herdeiros necessários ou testamentários, por exemplo, arbitrem aluguéis em seu desfavor, nem tampouco exijam quaisquer tipos de valores ou contraprestações pela moradia.
No caso, o teor humanitário do instituto afasta esse tipo de pretensão, como aliás, já decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no multicitado REsp n.º 1846167/SP, que estendeu pela impossibilidade da cobrança de alugueres inclusive quanto à filha que também residia no imóvel com a viúva.
Destarte, é inegável a essência constitucional do direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivente nos moldes previstos pelo Código Civil de 2002, uma vez que se trata, sobretudo, de uma garantia de proteção de um bem não somente material, como também imaterial do núcleo familiar, de modo que o direito em análise transcende a função de moradia propriamente dita ao considerar a afetividade como um de seus aspectos basilares, evidenciando que o lar conjugal em si é um instituto que merece a devida tutela pelo Poder Público não apenas em seu sentido patrimonial por meio da figura do bem de família, mas também no que concerne aos valores sentimentais e afetivos que foram engendrados durante o convívio matrimonial entre a viúva e o de cujus.
3.1 - A POSSE DE OUTROS BENS NO PATRIMÔNIO PESSOAL DA VIÚVA.
Como mencionado ao norte, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, nos termos do artigo 1.831 do CC/2002, é garantido independentemente de ele possuir outros bens em seu patrimônio pessoal.
Foi justamente com base nesse fundamento, que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao REsp 1.582.178, que questionava a permanência de uma viúva no imóvel familiar com a alegação de que ela possuía outros imóveis. Veja-se a ementa da Decisão:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO DAS SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE OUTROS BENS. IRRELEVÂNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o artigo 1.831 do Código Civil, pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. 3. Os dispositivos legais relacionados com a matéria não impõem como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge/companheiro sobrevivente. 4. O objetivo da lei é permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges/companheiros com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. 5. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1582178 RJ 2012/0161093-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 11/09/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2018)
Vê-se, pois, que para Ministro Relator, a única condição que o legislador impôs para assegurar o direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal seja o único daquela natureza a inventariar. Nenhum dos mencionados dispositivos legais impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente, fundamentou.
Ainda na referida decisão, o Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA citou precedente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de 2013 (REsp 1.249.227), no sentido de que o direito real de habitação é conferido em lei independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser proprietário de outros imóveis.
O Ministro destacou que a parte final do artigo 1.831 faz referência à necessidade de que o imóvel seja "o único daquela natureza a inventariar", mas mesmo essa exigência não é interpretada de forma literal pela jurisprudência. "Nota-se que até mesmo essa exigência legal – inexistência de outros bens imóveis residenciais no acervo hereditário – é amplamente controvertida em sede doutrinária. Daí porque esta corte, em pelo menos uma oportunidade, já afastou a literalidade de tal regra", disse o Ministro.
Assim que, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente deve ser garantido independentemente de ele possuir outros bens em seu patrimônio pessoal.
3.2 - HERDEIROS NÃO PODEM COBRAR ALUGUEL.
Como esclarecido no tópico anterior, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o direito real de habitação tem caráter gratuito (artigo 1.414 do Código Civil), razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel, nem a extinção do condomínio e a alienação do bem enquanto perdurar esse direito.
Esse entendimento foi ratificado pela Terceira Turma no julgamento do já citado REsp 1.846.167. De acordo com a Ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso representativo da controvérsia, em seu voto condutor, esclareceu que o direito real de habitação reconhecido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente decorre de imposição legal, ou seja, não se trata de uma construção jurídica, mas decorre da própria Lei (artigo 1.414 do Código Civil), e foi além, disse que o instituto cria uma espécie de condomínio familiar, que tem natureza vitalícia e personalíssima, o que significa que ele ou ela podem permanecer no imóvel até a sua morte, sem qualquer ônus pelo uso do imóvel.
Dessa forma, na sucessão por falecimento do cônjuge ou companheiro sobrevivente, a extinção do condomínio em relação a imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação contraria a própria essência dessa garantia, que visa proteger o núcleo familiar.
Por causa exatamente dessa proteção constitucional e pelo caráter gratuito do direito real de habitação é que é possível exigir do cônjuge ou companheiro sobrevivente ocupante do imóvel qualquer contrapartida financeira em favor dos herdeiros que não usufruem do bem. "Sua finalidade é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna", afirmou a ministra Nancy Andrighi.
A Ministra Nancy Andighi defendeu a posição do Superior Tribunal de Justiça – STJ quanto a eventual alegação de “ativismo judicial”, dizendo que “a intromissão do Estado na livre capacidade das pessoas de disporem de seu patrimônio só se justifica pela proteção constitucional garantida à família.” Dessa forma, afirmou a Relatora, “é possível, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – relacionado aos direitos de propriedade – para assegurar o outro, a proteção do grupo familiar”.
Destarte, considerando que o direito real de habitação tem caráter gratuito, os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel, nem a extinção do “condomínio familiar” e a alienação do bem enquanto perdurar esse direito.
3.3 - COPROPRIEDADE COM TERCEIRO ANTERIOR À SUCESSÃO.
A copropriedade com terceiros anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge ou companheiro sobrevivente ocupante do imóvel, pois há titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito, segundo afirmou a Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião julgamento do já citado EREsp 1.520.294.
Nesse contexto, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, negou o pedido de uma viúva que pretendia ver reconhecido o direito real de habitação sobre o imóvel em que morava, que havia sido comprado pelo seu falecido marido em copropriedade com um filho dele, antes do casamento.
Em seu voto condutor, a Ministra relatora argumentou que, como o direito real de habitação já é uma exceção criada pelo legislador, não pode haver interpretação extensiva para incluir no mesmo tratamento situações não previstas em lei, no caso, na hipótese em que o imóvel seja objeto de copropriedade anterior com terceiros.
A mesma tese foi reafirmada recentemente no julgamento do AgInt no REsp 1.865.202, em 15/03/2021, sob a relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, da TERCEIRA TURMA, do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. IMÓVEL QUE NÃO ERA DE PROPRIEDADE EXCLUSIVA DO CÔNJUGE FALECIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO À LUZ DA SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1.021, § 1º, DO CPC/15. 1. Não deve ser conhecido o agravo interno no qual não se encontram especificamente impugnados os fundamentos da decisão agravada, nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/15. 2. Fundando-se a decisão agravada na Súmula 83/STJ, as razões do agravo interno devem apresentar julgados posteriores ou no mínimo contemporâneos àqueles mencionados na decisão hostilizada, de modo a demonstrar eventual inaplicabilidade do referido enunciado sumular. 3. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. (STJ - AgInt no REsp: 1865202 SP 2020/0053002-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2021)
O Ministro Relator reafirmou o entendimento esposado no REsp: 1865202 (Data de Publicação: DJ 03/12/2020) no sentido de que não há direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente quando o imóvel em que o casal residia não era de propriedade exclusiva do falecido, uma vez que não podem os demais condôminos se sujeitar a direito surgido apenas posteriormente, em decorrência da sucessão.
3.4 – NA HIPÓTESE DE DOAÇÃO DO IMÓVEL ANTES DO CASAMENTO.
No julgamento do REsp 1.315.606, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, negou a uma viúva o direito de continuar morando no imóvel onde tinha vivido com seu falecido marido, dado que, no caso, em 1953, antes de seu segundo casamento, o homem havia doado o bem aos filhos do primeiro casamento, em antecipação da legítima, por meio de contrato de doação com cláusula de usufruto, razão pela qual permaneceu no imóvel até sua morte.
A viúva recorreu ao STJ por meio do REsp 1.315.606 para permanecer na propriedade, alegando que o bem integrava o patrimônio do falecido.
Para o ministro relator, outras peculiaridades do caso – como o fato de o imóvel não ser o único bem daquela natureza a inventariar – impediram o exercício do direito de habitação pelo cônjuge sobrevivente.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. SUCESSÕES. CÓDIGO CIVIL DE 1916. ANTECIPAÇÃO DA LEGÍTIMA. DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE USUFRUTO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE QUE CONTINUOU NA POSSE. IMÓVEL. COLAÇÃO DO PRÓPRIO BEM (EM SUBSTÂNCIA). DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. A colação é obrigação imposta aos descendentes que concorrem à sucessão comum, por exigência legal, para acertamento das legítimas, na proporção estabelecida em lei, sob pena de sonegados e, consequentemente, da perda do direitos sobre os bens não colacionados, voltando esses ao monte-mor, para serem sobrepartilhados. 2. A doação é tida como inoficiosa, caso exceda a parte a qual pode ser disposta, sendo nula a liberalidade deste excedente, podendo haver ação de anulação ou de redução. Da mesma forma, a redução será do bem em espécie e, se esse não mais existir em poder do donatário, se dará em dinheiro ( CC, art. 2.007, § 2º). 3. É possível a arguição de direito real de habitação ao cônjuge supérstite em imóvel que fora doado, em antecipação de legítima, com reserva de usufruto. 4. Existem situações em que o imóvel poderá ser devolvido ao acervo, volvendo ao seu status anterior, retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha, abrindo, a depender do caso em concreto, a possibilidade de reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente. 5. Na hipótese, a partilha dos bens fora homologada em 18/5/1993, não havendo alegação de nulidade da partilha ou de resolução da doação, além de se ter constatado que o imóvel objeto de reivindicação não era o único bem daquela natureza a inventariar. 6. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1315606 SP 2012/0059158-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 23/08/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/09/2016)
No julgamento anterior, o Tribunal de Justiça de São Paulo (REsp: 1315606 SP 2012/0059158-7), ao rejeitar a pretensão da segunda esposa, havia entendido que ela ficou viúva de um usufrutuário do bem, e não do real proprietário, já que a doação tinha sido concluída antes do seu casamento. Para o ministro Salomão, tal entendimento do TJSP é discutível, pois a doação, feita como antecipação de herança, era passível de revisão futura: "Aquela simples doação de outrora, com cláusula de usufruto, não afastou, por si só, o direito real de habitação, uma vez que existem diversas situações em que o bem poderá ser devolvido ao acervo, retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha e permitindo, em tese, eventual arguição de direito real de habitação ao cônjuge", argumentou Salomão no REsp 1.315.606 (TJSP).
Embora por fundamentos jurídicos distintos, o ministro chegou à mesma conclusão da corte paulista pela improcedência do pedido da viúva: "Na hipótese peculiar em julgamento, não havendo nulidade da partilha ou resolução da doação, não há falar em retorno do imóvel ao patrimônio do falecido", declarou o relator Salomão no REsp 1.315.606 (TJSP).
3.5 - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ARGUIDO EM AÇÃO POSSESSÓRIA.
As garantias para proteção do direito real de habitação estão espalhadas por todo o ordenamento jurídico, até mesmo em sede de ação possessórias, hipótese na qual, mesmo que o companheiro ou companheira sobrevivente não tenha buscado em ação própria o reconhecimento da união estável antes da morte do companheiro (a), é admissível que invoque o direito real de habitação em ação possessória, a fim de ficar na posse do imóvel em que residia com o falecido.
Como demonstrado ao norte, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o cônjuge ou companheira sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido, onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil.
Com base em tais fundamentos, por decisão unânime no REsp: 1203144 RS, a Quarta Turma do STJ reconheceu ser possível a arguição do direito real de habitação para fins exclusivamente possessórios, independentemente de seu reconhecimento anterior em ação própria declaratória de união estável.
DIREITO DAS SUCESSÕES E DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. MANUTENÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1. É entendimento pacífico no âmbito do STJ que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil. Precedentes. 2. É possível a arguição do direito real de habitação para fins exclusivamente possessórios, independentemente de seu reconhecimento anterior em ação própria declaratória de união estável. 3. No caso, a sentença apenas veio a declarar a união estável na motivação do decisório, de forma incidental, sem repercussão na parte dispositiva e, por conseguinte, sem alcançar a coisa julgada (CPC, art. 469), mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes. 4. Ademais, levando-se em conta a posse, considerada por si mesma, enquanto mero exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, há de ser mantida a recorrida no imóvel, até porque é ela quem vem conferindo à posse a sua função social. 5. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1203144 RS 2010/0127865-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/05/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2014)
O Ministro relator do caso, Luis Felipe Salomão, salientou que a preferência do exercício da posse do imóvel após o falecimento do de cujus é do companheiro (a) sobrevivente.
Por isso, para o Ministro Luis Felipe Salomão, é "plenamente possível a arguição desse direito para fins exclusivamente possessórios, até porque entender de forma diversa seria negar proteção justamente à pessoa para quem o instituto foi desenvolvido e no momento em que ele é o mais efetivo".
Salomão acrescentou ainda, no caso sob análise, como a companheira era titular de direito real de habitação exercitável diretamente sobre o imóvel, a posse é inerente ao seu direito, pois, se assim não fosse, o direito não estaria assegurado: "Levando-se em conta a posse, considerada por si mesma, enquanto mero exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, há de ser mantida a recorrida no imóvel, até porque é ela quem vem conferindo à posse a sua função social", concluiu.
Por outro lado, no caso de empréstimo gratuito de imóvel por prazo indeterminado, os usuários do imóvel devem estar cientes da obrigação de restituir a posse quando solicitado pelos herdeiros do Cônjuge Falecido.
Nesse contesto, no caso do cônjuge sobrevivente se negar a restituir a posse, ela se tornou injusta, em razão da PRECARIEDADE e principalmente pelo ABUSO DE CONFIANÇA. Nesse sentido, a lição de TITO FULGÊNCIO:
“Precária é a posse que se origina do abuso de confiança: alguém recebe uma coisa por um título que o obriga à restituição, em prazo certo ou incerto, como por empréstimo ou aluguel, e recusa injustamente a fazer a entrega.” (FULGÊNCIO, 1997, p. 39) [18[xvii]]
No mesmo sentido é a lição de ARNOLDO WALD:
“Admite-se até que os interditos sejam utilizados pelo possuidor indireto contra o possuidor direto e por este contra aquele, no caso em que um dos possuidores viola a posse do outro. (…) O interdito também pode ser utilizado pelo comodante contra o comodatário que se recusa a devolver o objeto dado em comodato”. (WALD, 1995, p. 65.) [19[xviii]].
Assim Jurisprudência não destoa desse entendimento:
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL POR PRAZO INDETERMINADO. NOTIFICAÇÃO. ESBULHO CARACTERIZADO. Demonstrada a posse do imóvel e comprovado o seu empréstimo, a título gratuito, configurando comodato verbal, a sua não-desocupação caracteriza esbulho. Precária a posse, cabível a reintegratória. Hipótese em que a demandada residia no imóvel em razão do seu casamento com o filho do proprietário do bem, que deste se retirou após o término da relação conjugal. RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. ART. 744, PARÁGRAFO PRIMEIRO, INCISOS, CPC. Não merece amparo a pretendida indenização por benfeitorias, vez que estas não dispensam a prova de sua existência, conforme reza o artigo 744, parágrafo 1º, incisos, CPC, e deste ônus não se desincumbiu a demandada, vez que não comprovou qualquer desembolso a título de benfeitorias no imóvel. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70009479114, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 07/12/2004).
No caso em análise, tanto a data do esbulho quanto a perda da posse podem ser comprovadas pela recusa do usufrutuário em restituir a posse dos imóveis aos herdeiros, depois de pessoalmente notificado para tal.
Nos casos em que o esbulho é de mais de ano e dia e estando devidamente instruída a Inicial com documentos comprobatórios dos requisitos estabelecidos no art. 927 do CPC, é certo que não cabe o mandado liminar de reintegração de posse, na forma preconizada no art. 928 do CPC, porém, nada impede que a ordem de reintegração de posse seja concedida após regular citação dos réus e AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO.
4 - CONCLUSÃO
Vê-se, pois, de acordo com a lei e doutrina assente, pode-se dizer que o direito real de habitação consiste no direito de habitar gratuitamente casa alheia, utilizando-a como residência sua e de sua família. Porém, ao mesmo tempo em que limita temporariamente o pleno exercício do direito de propriedade dos coproprietários herdeiros, impõe severas restrições também para o uso desse direito pelo cônjuge e/ou companheiro sobrevivente, de modo que, ao contrário do que muita gente pensa, não acarreta diminuição do patrimônio de quem é afetado, nem tampouco o enriquecimento de quem as aproveite, o primeiro porque não perde o direito de propriedade e poderá recuperá-lo plenamente após o falecimento do conjugue sobrevivente, o segundo porque o beneficiário desse direito não poderá dispor dos plenos poderes da propriedade, como vender, alugar, doar.
O Direito Real de Habitação nada mais é do que a efetivação das garantias constitucionais atinentes à Dignidade da Pessoa Humana, pois não é moral e nem socialmente aceitável que o Autor da Herança, depois de cessada a sua condição de sujeito de direito com a sua morte, não possa proporcionar ao seu conjugue, pelo menos um lugar para morar.
Essas Garantias emanadas da Constituição Federal de 1988 estão espalhadas por todo o ramo do direito, encontrando no Estatuto do Idoso outro mecanismo de proteção, pois é dever da sociedade proteger e respeitar a vontade da pessoa idosa, que quando em vida, manifestou sua vontade em viver ao lado do Conjugue sobrevivente, seja por meio do casamento e/ou pela União Estável, não deve, portanto, o interesse hereditário prevalecer sobre o direito de habitação.
Não se trata, portanto, de “ativismo judicial”, mas de simples aplicação de diversas leis ordinárias criadas de acordo com princípios constitucionais, que tem a família como pilar da sociedade brasileira, sendo dever de todos, inclusive do Estado, a sua proteção. Daí porque, no choque entre os dois institutos, o direito real de habitação sobrepõe-se ao direito de propriedade, porque está intrinsicamente ligado ao princípio maior, que é o da dignidade humana.
5 - REFERÊNCIAS
[i] 2 Brasil, Constituição da República Federativa do BRASIL de 5 de outubro de 1988;
[ii] 3 JUSTEN FILHO, Marçal - Curso de Direito Administrativo - 4. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 514;
[iii] 4 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro. Curitiba: Juruá, 2018, p.186;
[iv] 5 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 88-127, p. 124-125;
[v] 6 Brasil, Art. 266 da Constituição da República Federativa do BRASIL de 1988;
[vi] 7 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Volume 6: Sucessões. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 62;
[vii] 8 Brasil, Artigo 5°, incisos XXII e XXIII da Constituição da República Federativa do BRASIL de 1988;
[viii] 9 Brasil, Artigo 6° da Constituição da República Federativa do BRASIL de 1988;
[ix] 10 Brasil, Art. 1.225 do Código Civil de 2002 - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
[x] 11 Brasil, § 2º do art. 1.611 do Código Civil de 1916 - Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916;
[xi] 12 Brasil, Art. 1.414 do Código Civil de 2002 - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
[xii] 13 Brasil, Art. 1.416 do Código Civil de 2002 - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
[xiii] 14 Brasil, incisos I e VII do Art. 1.410 do Código Civil de 2002 - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
[xiv] 15 TEPEDINO, Gustavo. 80 anos de Código Civil brasileiro: um novo Código atenderá às necessidades do país. Revista Del Rey: Belo Horizonte, a. 1, n. 1, p. 17, dez. 1997;
[xv] 16 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil à luz novo Código Civil Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 108;
[xvi] 17 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das sucessões. 25.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 116;
[xvii] 18 FULGÊNCIO, Tito. Da Posse e Das Ações Possessórias. 9ª ed. Ver. E atual. Por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Vol. I. P. 39.)
[xviii] 19 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: RT, 1995. Vol. III – Direito das Coisas. p. 65.
Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CLARINDO, Sara Raquel Coelho. O cônjuge sobrevivente e o direito real de habitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2022, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60489/o-cnjuge-sobrevivente-e-o-direito-real-de-habitao. Acesso em: 22 nov 2024.
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