RESUMO: O reconhecimento a paternidade é um instituto protegido pela legislação constitucional e civil, tendo como finalidade primordial a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, entretanto, podendo ser reconhecido ainda para pessoas maiores de idade. Cabe destacar ainda que a norma prevê o reconhecimento da paternidade para os filhos consanguíneos, mas também para qualquer outro tipo de paternidade. Além disso, a paternidade pode ser reconhecida quando tanto quando o ente paterno estiver em vida ou de maneira póstuma. Assim, o presente trabalho tem como finalidade realizar um estudo acerca do reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, apresentando o entendimento legal e jurisprudencial contemporânea a respeito da matéria.
PALAVRAS-CHAVE: paternidade; afetividade; direito de família; post mortem.
SUMÁRIO: 1 ASPECTOS INICIAIS; 2 A EVOLUÇÃO DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO; 2.1 O RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE DE ACORDO COM AS NORMAS CONTEMPORÂNEAS;2.2 DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NA LEGISLAÇÃO ATUAL; 2.3 DA POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE AFETIVA POST MORTEMDE ACORDO COM O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL; 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 4 REFERÊNCIAS
1 ASPECTOS INICIAIS
Inicialmente é relevante destacar que a sociedade brasileira encontra-se em constante evolução, devendo o legislador acompanhar estas mudanças sociais para que a norma tenha, cada vez mais, efetividade perante os cidadãos. Uma destas normas nas quais encontra-se em constante evolução é o direito de família, principalmente a questão da formação da família e, consequentemente, reconhecimento de direitos sobre seus componentes.
Dentre este tema encontra-se o reconhecimento da paternidade que, com base na legislação contemporânea, possui como finalidade assegurar o direito das crianças, dos adolescentes e ainda daqueles maiores de idade que não tiveram seu direito reconhecido judicialmente ou extrajudicialmente, conforme será demonstrado a seguir.
2 A EVOLUÇÃO DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Analisando sistematicamente a evolução histórica do reconhecimento da paternidade na legislação brasileira é relevante destacar que seus primeiros indícios foram apresentados no Código Civil de 1916, momento em que traz a distinção entre os filhos considerados legítimos, ilegítimos e legitimados. De acordo com o artigo 337, daquela norma, traz o entendimento de que são considerados legítimos “os filhos concebidos na constancia do casamento, ainda que annullado (art. 217), ou mesmo nullo, se se contrabiu de boa fé”[1]
Esta mesma norma ainda trazia o entendimento acerca da diferenciação entre os filhos legítimos e os legitimados, sendo que, os primeiros, conforme já destacado pelo artigo 337, do Código Civil de 1916, traz o entendimento de que são aqueles que eram concebidos ao longo do casamento, mesmo que anulado, sendo que a concepção foi adquirida de boa-fé, enquanto a filiação legitimada encontrava-se prevista entre os artigos 353 e 355, da norma civilista de 1916, consiste dos filhos adquiridos pelos pais em momento anterior ao casamento, sendo que seus direitos são os mesmos daqueles que são considerados legítimos.
Entretanto, os filhos considerados ilegítimos pela norma civilista de 1916, eram filhos que, perante a norma, eram alvos de diversas discriminações, como sendo aqueles que eram fruto de incestos ou adultérios, sendo que, mesmo reconhecido por um dos cônjuges, não poderiam residir no mesmo lar conjugal sem o consentimento do outro e ainda não poderiam ser subordinados a condição de filho, conforme se infere dos artigos 355 a 367, da norma acima mencionada.
Alguns anos mais tarde, mais precisamente em 1942, foi editado Decreto-Lei nº 4737, e que foi um grande marco para o reconhecimento da paternidade sobre os filhos naturais, tendo em vista que estes últimos, que foram havidos fora do matrimônio, poderiam pleitear o reconhecimento da paternidade após o desquite.
Já no ano de 1949, mais precisamente no dia 21 de outubro, foi sancionada a Lei 883, que tinha como finalidade o reconhecimento dos filhos considerados ilegítimos pela norma civilista até então em vigor, quando houver dissolvida a sociedade conjugal, sendo que, no parágrafo primeiro da mesma norma ainda trazia o posicionamento de que, mesmo durante o matrimônio, qualquer um dos cônjuges poderia realizar o reconhecimento da paternidade, aprovado antes ou depois da concepção do infante, sendo que, neste último caso, era considerado pela norma como irrevogável.[2]
Importante se faz frisar que, no ano de 1977 foi editada a Lei 6.515, também conhecida como a Lei do Divórcio, que trouxe importantes alterações a respeito da filiação, como por exemplo, alterou o artigo 51, da Lei 883/1949, no sentido de reconhecer o filho que foi concebido extraconjugal mediante testamento cerrado, bem como reconhecendo o direito de herança em igualdade de condições com os filhos considerados legítimos, excetuando apenas nos casos de serem autores ou cúmplices de crime de homicídio tentado ou consumado contra o genitor, bem como se praticar qualquer tipo de infração de calúnia em Juízo ou acusar por infração contra a honra, além de praticar qualquer ato de fraude ou violência contra o autor da herança, com a finalidade de dispor dos bens ou testamento, conforme previsão do artigo 1.595 e seus incisos, do Código Civil de 1916, bem como se praticar contra o ascendente ofensas físicas, injúria grave, desonestidade da filha que vive na residência paterna, ter relações íntimas com a madrasta ou padrasto ou ainda praticar qualquer tipo de desamparo contra ascendente em alienação mental ou grande enfermidade, previstos no artigo 1.744, da mesma norma acima mencionada.[3]
No ano de 1984, a Lei 883/1949 sofreu nova alteração, desta vez através da Lei Ordinária 7.250, no sentido de acrescentar o parágrafo segundo, do artigo 1º, com o intuito de permitir que, mediante decisão judicial transitada em julgado, o filho ilegítimo poderá ser reconhecido pelo cônjuge separado há mais de cinco (05) anos ininterruptos.[4]
2.1 O reconhecimento de paternidade de acordo com as normas contemporâneas
Cabe destacar que o direito de filiação se encontra previsto tanto na esfera constitucional quanto na esfera infraconstitucional, mais precisamente através do Código Civil vigente e de leis ordinárias, conforme serão apresentados a seguir.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira norma brasileira a prever a igualdade entre os filhos havidos ou não do matrimônio, quebrando, pela primeira vez, os paradigmas, até então existentes entre os filhos legítimos, ilegítimos e legitimados, acrescentando, inclusive, o direito sobre os filhos concebidos por adoção, conforme se infere do artigo 227, parágrafo sexto, da Constituição Federal e que abaixo se segue:
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.[5]
Nesta esteira ainda deve destacar as palavras do renomado jurista Carlos Roberto Gonçalves a respeito da mudança legislativa em 1988:
A Constituição de 1988 (art. 227, §6º) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916.[6]
Dois anos após a entrada em vigor da Constituição Cidadã, mais precisamente em 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de regulamentar a proteção sobre as crianças e adolescentes, sendo que, o artigo 27 da referida norma traz o entendimento de que decorre da criança ou adolescente o direito de reconhecimento da filiação, sendo este imprescritível, personalíssimo e indisponível.
Algum tempo mais tarde, mais precisamente no dia 29 de dezembro de 1992 entrou em vigência a Lei 8.560, regulamentando o direito de investigação de paternidade dos filhos que foram concebidos fora do casamento. Cabe destacar que, com o advento da referida norma, os incisos do artigo 1º remonta que os filhos podem ser reconhecidos da seguinte maneira:
Art. 1° O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro de nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.[7]
Assim, pode-se verificar que o reconhecimento da paternidade após o advento da Constituição Federal de 1988 conferiu garantias ao filho considerado ilegítimo pelo Código Civil de 1916, tendo em vista que a Lei 6.515/1977 alterou o artigo 51, da Lei 883/1949 informava, até então, que o filho havido fora do relacionamento conjugal apenas poderia ser reconhecimento através de testamento cerrado, enquanto o advento da Lei 8.560/1992 ampliou as formas de reconhecimento da paternidade dos filhos concebidos fora do casamento, conforme já destacado acima.
Alguns anos mais tarde, mais precisamente no dia 10 de janeiro de 2003 entrou em vigor o novo Código Civil brasileiro, instituto no qual trouxeram diversas inovações a sociedade brasileira, revogando diversos institutos que se encontravam arcaicos para a época e que estavam presentes no Código Civil anterior. Uma destas inovações se deu com relação ao reconhecimento da paternidade, no sentido de coibir completamente a discriminação existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos, mas sim recepcionando o artigo 227, parágrafo sexto, da Constituição Federal, ilustrando o mesmo junto ao 1.596, cuja descrição assim se segue:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.[8]
Cabe destacar ainda que, apesar dos filhos havidos fora do relacionamento conjugal gozar dos mesmos direitos que aqueles adquiridos durante o matrimônio, caso não tenha sido reconhecido dentro da legalidade, é necessário que o interessado faça o requerimento da paternidade para assegurar seus direitos e garantias.
2.2 Do reconhecimento da filiação socioafetiva na legislação atual
Com análise sistemática sobre o artigo 1.596, do Código Civil brasileiro é possível verificar que, na parte final do referido texto normativo, o legislador informou que não haverá qualquer tipo de ato discriminatório relativo à filiação.
Ocorre que o instituto da filiação não se encontra conceituado perante a lei, mas apenas junto a doutrina. Assim, necessário se faz destacar as palavras e Silvio Rodrigues a respeito da filiação, destacando o sentido amplo do presente instituto:
Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos. Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos.[9]
Com isso, a doutrina entende que a filiação pode acontecer de três maneiras: a filiação jurídica, a filiação biológica e a filiação socioafetiva. A primeira delas corresponde aquela filiação decorrente da lei, no caso o filho da mulher casada com seu marido, demonstrando, assim, que não há que se discutir a sua existência, tendo em vista que é presumida por força de lei. Com isso é relevante destacar o entendimento do artigo 1.597, do Código Civil brasileiro e que abaixo se segue:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.[10]
Por outro lado, existe a filiação biológica, que consiste naquela paternidade que é comprovada mediante comprovação do material genético entre as partes. Neste caso não precisa haver a comprovação qualquer de vínculo afetivo entre pai e filho, mas sim a comprovação consanguínea de que o interessado é filho da pessoa que almeja. Atualmente a comprovação da filiação biológica se dá através de um exame de DNA em laboratórios especializados para verificar se os materiais genéticos entre as partes são similares ou não, para caracterização do reconhecimento da paternidade.
Importante se faz destacar que o próprio Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento acerca da recusa da realização do exame de DNA durante o procedimento de investigação de paternidade, editando a súmula 301, momento em que ficou expresso que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”[11]
Por fim, a paternidade socioafetiva encontra-se prevista no ordenamento jurídico brasileiro, cujo instituto reconhece a paternidade não por questões consanguíneas, mas sim em razão da aproximação fraternal existente entre as partes, caracterizando um liame entre pai e filho que os aspetos consanguíneos não conseguem alcançar. O artigo 1.593, do Código Civil contemporâneo, em sua parte final, vem amparando esta forma de filiação, eis que é relatado o entendimento de que “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”[12]
Cabe destacar ainda que a filiação socioafetiva se encontra pacificada junto a I Jornada de Direito Civil, realizada entre os dias 11 e 13 de setembro de 2002 e que, através dos enunciados 103 e 108, reconheceram, mais uma vez, o referido instituto, cujo teor segue abaixo:
Enunciado 103. O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.[13]
Enunciado 109. No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva.[14]
Por fim, cumpre salientar ainda que o estado de filiação socioafetiva consiste em algo que não é imposto por ninguém, mas sim algo que acontece de maneira natural, em que uma parte aceita o encargo de pai, enquanto a outra consente em ser o filho de seu genitor.
2.3 Da possibilidade de reconhecimento da paternidade afetiva post mortem de acordo com o entendimento jurisprudencial contemporâneo
Comprovada a existência da paternidade socioafetiva na legislação brasileira, é necessário destacar os momentos em que são possíveis o reconhecimento da paternidade post mortem, ou seja, mesmo após a morte do pai afetivo. Apesar de o referido instituto tratar-se de um entendimento bem recente, o Supremo Tribunal Federal a já vem proferindo decisões no sentido de permitir o reconhecimento da paternidade afetiva, sem prejudicar a paternidade sanguínea, conforme se aduz do entendimento do Tema 622, no Recurso Extraordinário 898.060, de relatoria do Ministro Luiz Fux, datado do dia 21 de setembro de 2016.[15]
Neste caso, o Ministro, ora Relator, sustentou em seu entendimento a necessidade de reconhecimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em prol do postulante, previsto no artigo 1°, inciso III, da Carta Magna de 1988, tendo como eixo central a família, bem como a busca pela felicidade, sendo que este elemento encontra-se implícito ao preceito anteriormente identificado, eis que o indivíduo permanece livre para escolher seus próprios objetivos de vida, inclusive para formação de sua entidade familiar.
Na mesma oportunidade, o próprio Ministro ainda enfatizou que a compreensão de família exige a ampliação da norma em relação ao vínculo parental, podendo a mesma decorrer do casamento, que detém presunção de veracidade, em razão de descendência biológica ou pela afetividade, permitindo, assim, que a paternidade afetiva seja reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Fundamentou-se ainda, o nobre relator na ementa do presente recurso, acerca da possibilidade de “dupla paternidade”, mediante a aplicação do direito comparado, no qual mencionou o posicionamento da jurisprudência americana, mais precisamente da Suprema Corte do Estado da Louisiana, que desde a década de 1980 permite o reconhecimento da paternidade socioafetiva com o intuito de proteger o princípio mor do melhor interesse da criança.
Por fim, na própria ementa do julgado supra mencionado foi destacada a tese que deverá ser utilizada em casos semelhantes ao discutido, com os seguintes dizeres:
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.[16]
Em razão de tais fatos, os Tribunais de Justiça dos estados estão seguindo o entendimento de que, se é possível o reconhecimento da paternidade afetiva, consequentemente é permitido que este direito seja concedido mesmo que um dos genitores esteja falecido e, assim, o deferindo o pedido na condição post mortem, sendo que, podemos exemplificar tal fato através do julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo, através de Apelação Cível AC: 10024263120188260068 SP 1002426-31.2018.8.26.0068, de relatoria da Desembargadora Maria do Carmo Honorio, cujo julgamento e publicação ocorreram no dia 09 de novembro de 2021 junto a 6ª Câmara de Direito Privado, cuja ementa permaneceu registrada da seguinte maneira:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA "POST MORTEM". VÍNCULO AFETIVO DEMONSTRADO. PARTE QUE ERA VISTA E TRATADA PELO FALECIDO COMO FILHO. DESENTENDIMENTOS QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE AFASTAR OS VÍNCULOS CRIADOS ENTRE AS PARTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Tendo o conjunto probatório demonstrado que o autor sustentava posse de estado de filho do falecido desde a infância, que ele era assim reconhecido pela sociedade e que entre eles foi mantido forte vínculo de afeto e amor, é de rigor o reconhecimento da paternidade socioafetiva. (TJ-SP - AC: 10024263120188260068 SP 1002426-31.2018.8.26.0068, Relator: Maria do Carmo Honorio, Data de Julgamento: 09/11/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/11/2021).[17] (grifo nosso)
Não obstante, analisando o entendimento da jurisprudência contemporânea é possível vislumbrar que o reconhecimento da paternidade afetiva post mortem pode ocorrer até mesmo entre parentes consanguíneos, nos quais autorizou a paternidade socioafetiva entre avô e neto, conforme se aduz do entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através da Apelação Cível APL: 00136199820118190036, tendo como relatora a Desembargadora Sandra Santarém Cardinali, cujo julgamento se sucedeu no dia 08 de julho de 2021 e sua publicação no dia seguinte, através da Vigésima Sexta Câmara Cível, tendo como um dos fundamentos o princípio da afinidade, devidamente implícito ao princípio mor da dignidade da pessoa humana, cuja ementa segue abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO PARCIAL DE REGISTRO DE NASCIMENTO C/C DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM DO AVÔ DE CRIAÇÃO MATERNO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA VONTADE DE RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO PATERNA POR PARTE DO AVÔ MATERNO POR AFINIDADE, E NA EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO ENTRE OS ENVOLVIDOS - PARENTESCO POR AFINIDADE EM LINHA RETA ASCENDENTE, SENDO QUE O ARTIGO 42 § 1º DO ECA IMPEDIRIA O RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DA REQUERENTE. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA, BUSCANDO A PROCEDÊNCIA DO PLEITO EXORDIAL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE TEM MITIGADO A APLICAÇÃO DO ARTIGO 42 § 1º DO ECA, E ADMITIDO A ADOÇÃO POR AVÓS, EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS, DESDE QUE ATENDIDOS OS INTERESSES DOS ADOTANDOS ( REsp. 1.587.477/SC). AUTORA CAPAZ, ATUALMENTE COM 56 ANOS DE IDADE, QUE RECONHECE SEU AVÔ MATERNO POR AFINIDADE COMO PAI. DEPOIMENTO PESSOAL NO SENTIDO DE QUE SEMPRE SE SENTIU FILHA DO AVÔ DE CRIAÇÃO, QUE EXERCEU AS FUNÇÕES DE PAI DESDE O NASCIMENTO, E TUTOR (TENDO SIDO TITULAR DE SUA GUARDA, CONFORME DOCUMENTO LAVRADO EM 04/04/1967), ATÉ O MOMENTO EM QUE ELE VEIO A FALECER, OCASIÃO EM QUE A AUTORA POSSUÍA POUCO MAIS DE SEIS ANOS DE IDADE. BREVE CONVÍVIO QUE, TODAVIA, SE MOSTROU SUFICIENTE PARA A CONSTRUÇÃO DE LAÇOS PROFUNDOS DE AFEIÇÃO, E DE CONHECIMENTO PÚBLICO, CONFORME DEPOIMENTOS PRESTADOS EM SEDE JUDICIAL. REGISTRO ORIGINAL DA AUTORA QUE NÃO CONTINHA A FILIAÇÃO PATERNA, ESTA POSTERIORMENTE INSERIDA EM CARTÓRIO, MEDIANTE MERA DECLARAÇÃO DA MÃE DA REQUERENTE, CONSTTUINDO "ADOÇÃO À BRASILEIRA" PELO PADRASTO, TAMBÉM FALECIDO, COM QUEM A DEMANDANTE AFIRMA NÃO POSSUIR QUALQUER VÍNCULO AFETIVO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PATRIMONIAL. NENHUM DOS ENVOLVIDOS DEIXOU BENS A INVENTARIAR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO NO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA PRETENDIDA. MANIFESTAÇÃO DA CURADORIA ESPECIAL, REPRESENTANDO OS INTERESSES DOS HERDEIROS DO AVÔ POR AFINIDADE, CITADOS POR EDITAL, NO SENTIDO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, EM PROL DO DIREITO À FELICIDADE. GARANTIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ARTIGO 1º, III CRFB/88), QUE TRAZ EM SEU BOJO O DIREITO À IDENTIDADE BIOLÓGICA E PESSOAL. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO. (TJ-RJ - APL: 00136199820118190036, Relator: Des(a). SANDRA SANTARÉM CARDINALI, Data de Julgamento: 08/07/2021, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/07/2021).[18] (grifo nosso)
Com isso, diante dos argumentos acima mencionados é possível destacar que, após o julgamento do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a paternidade socioafetiva, os Tribunais Superiores entenderam que é possível o reconhecimento da paternidade afetiva post mortem, ou seja, mesmo que o responsável pelo interessado tenha falecido, os julgadores entendem que o direito do postulante ainda permanece, reconhecendo, assim, tal benesse.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando sistematicamente os estudos acima mencionados é possível vislumbrar que a sociedade brasileira encontra-se em constante evolução, ao passo em que, muitas das vezes, a legislação em vigor não consegue alcançar a velocidade que as mudanças ocorrem, razão pela qual a jurisprudência surge como mola propulsora para auxiliar na aplicação eficaz da norma vigente.
Dentre os elementos acima mencionados está a conquista do direito de reconhecimento do direito da paternidade socioafetiva junto ao Supremo Tribunal Federal e, como se não bastasse tal vitória, os Tribunais Superiores dos estados tem reconhecido que esta paternidade afetiva pode acontecer até mesmo após o falecimento do responsável de fato do interessado, tendo como principal fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1°, inciso III, da Carta Magna de 1988.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 103. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 108. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/740>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/l0883.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Lei nº 3071, de 1° de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Lei nº 7250, de 14 de novembro de 1984. Acrescenta parágrafo ao art. 1º da Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, que dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7250.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8560.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 301. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula301.pdf. Acesso em: 14 mar. 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 898.060. Relator: Ministro LUIZ FUX. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 28 out. 2022.
GONÇALVES, Carlos Roberto. DIREITO CIVIL – PARTE GERAL. 9. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2011, 1 v, p. 320.
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível APL: 00136199820118190036. Relator: Des(a). SANDRA SANTARÉM CARDINALI. Data de Julgamento: 08/07/2021. VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL. Data de Publicação: 09/07/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/1283310567>. Acesso em: 28 out. 2022.
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[1]BRASIL. Lei nº 3071, de 1° de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[2]BRASIL. Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/l0883.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[3]BRASIL. Lei nº 3071, de 1° de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[4]BRASIL. Lei nº 7250, de 14 de novembro de 1984. Acrescenta parágrafo ao art. 1º da Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, que dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7250.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[5]BRASIL. Constituição Federal de 1988. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[6]GONÇALVES, Carlos Roberto. DIREITO CIVIL – PARTE GERAL. 9. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2011, 1 v, p. 320.
[7]BRASIL. Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8560.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[8]BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[9] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. rev. e atual. Francisco José Cahali; de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002). São Paulo, SP: Saraiva, 2004, 6 v, p. 223
[10]BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[11]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 301. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula301.pdf. Acesso em: 14 mar. 2021.
[12]BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[13]BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 103. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[14]BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 108. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/740>. Acesso em: 14 mar. 2021.
[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 898.060. Relator: Ministro LUIZ FUX. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 28 out. 2022.
[16] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 898.060. Relator: Ministro LUIZ FUX. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 28 out. 2022.
[17] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. AC: 10024263120188260068 SP 1002426-31.2018.8.26.0068. Relator: Maria do Carmo Honorio. Data de Julgamento: 09/11/2021. 6ª Câmara de Direito Privado. Data de Publicação: 09/11/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1338013817>. Acesso em: 28 out. 2022.
[18] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível APL: 00136199820118190036. Relator: Des(a). SANDRA SANTARÉM CARDINALI. Data de Julgamento: 08/07/2021. VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL. Data de Publicação: 09/07/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/1283310567>. Acesso em: 28 out. 2022.
Advogado. Graduado em bacharelado em Direito pelo Centro Universitário São Camilo. Pós Graduado em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduado em Direito Eleitoral pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado em Licenciatura em Filosofia pela UFES – Universidade Federal do Espírito Santo. Graduando em Letras/Português pelo IFES – Instituto Federal do Espírito Santo. Corretor e Avaliador de Imóveis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOLINI, Ricardo Benevenuti. O reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2022, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60643/o-reconhecimento-da-paternidade-socioafetiva-post-mortem-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 dez 2024.
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