JULIANA PIMENTEL VIANA
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem como escopo dissertar sobre a consagração da Defensoria Pública como Instituição que democratiza o acesso à justiça, função esta primordial num País miserável como o Brasil. Nesta toada, necessário detalhar a atuação institucional da Defensoria Pública, com base na previsão constitucional e legal, bem como evoluir o entendimento acerca de como ela fora inicialmente concebida, de modo a não ser encarada apenas como atuante em favor dos hipossuficientes econômicos, mas, também, em favor de grupos socialmente vulneráveis. Após a explanação sobre a dimensão do conceito de vulnerabilidade, ressaltou-se sobre o Código de Processo Civil de 2015, o qual, atendendo aos clamores da sociedade, instituiu a figura do custos vulnerabilis, cujo exercício se dá pela Defensoria Pública, nas ações possessórias multitudinárias, como expressão do equilíbrio da relação jurídico-processual. Neste contexto, apresenta-se o entendimento doutrinário acerca da aludida figura, com as controvérsias inerentes ao Direito. Por fim, apresentam-se as hipóteses legalmente previstas no Código de Processo Civil para a atuação da Defensoria Pública como “guardiã dos vulneráveis”.
Palavras-chave: Defensoria Pública; Vulnerabilidade; Custos Vulnerabilis; Ações Possessórias Multitudinárias.
1.INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 se mostrou como reflexo dos anseios de que a lei atendesse aos proclames de celeridade, a efetividade e a isonomia.
Diante de tal necessidade, o “Novo” Código de Processo Civil inaugurou diversas previsões que prestigiam o acesso à justiça isonômico e democrático.
Nesta toada, destacou-se a previsão legal da Defensoria Pública, a qual, até então, recebera regulamentação principalmente pela Constituição Federal e na LC 80/94, alterada pela LC 132/09.
Apresentando a evolução de entendimento acerca das atribuições da Defensoria Pública, o presente trabalho procurou evidenciar que a mera atuação em favor dos hipossuficientes econômicos, atualmente, não é suficiente para a identificação da relevância da Instituição.
Com efeito, o conceito de vulnerabilidade foi aprofundado, para chegar à figura do custos vulnerabilis, tema este que o presente trabalho pretendeu se aprofundar.
Por fim, foram elencadas as hipóteses expressamente previstas pelo Código de Processo Civil para a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis.
2.METODOLOGIA
A metodologia do presente trabalho está baseada em pesquisas bibliográficas, com a explanação de ampla fundamentação teórica, a fim de apresentar o conceito e a evolução de entendimento acerca do assunto aqui proposto.
A intenção é proporcionar ao leitor a contextualização do tema no decorrer do tempo e, a partir deste ponto de partida, convidá-lo a inserir o que fora narrado na sua prática de Operador do Direito.
3. DO CARÁTER CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA
Inevitavelmente, a melhor explanação a respeito da Defensoria Pública começa com a sua definição constitucional, onde o art. 134 dispõe que “a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.
A partir de tal definição, chega-se à conclusão de que a Defensoria Pública foi erigida a direito fundamental do indivíduo, na medida em que o art. 5, LXXIV da Constituição da República prevê que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
A relevância do que acima fora afirmado é traduzida na constatação de que a Defensoria Pública e, portanto, o acesso à justiça para os que comprovarem insuficiência de recursos, é cláusula pétrea, não podendo tal garantia, portanto, ser subtraída do arcabouço constitucional (art. 60, §4°, IV).
Num País como o Brasil, onde a maioria dos indivíduos não possui condições financeiras para manterem a si e a sua família de forma digna, é de extrema importância a Defensoria Pública ser considerada garantia fundamental, pois, do contrário, a população ficaria obstaculizada no seu direito de concretização de todos os seus direitos e liberdades constitucionais.
4.DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA
Tendo em vista a reserva de lei complementar exigida no §1° do art. 134 da Constituição Federal, foi editada a Lei Complementar 80/94, alterada pela LC 132/09, a qual, em seu art. 4, dispõe sobre as funções institucionais da Defensoria Pública. Vejamos:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;
II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;
III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;
IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;
VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;
IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução;
X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela;
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;
XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;
XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;
XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;
XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais;
XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas;
XIX – atuar nos Juizados Especiais;
XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos;
XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;
XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.
Não obstante este extenso rol de funções institucionais, tradicionalmente, a doutrina se preocupou em classificar as funções em típicas e atípicas.
Segundo Silvio Roberto Mello Moraes (1995, p. 24), “típicas seriam aquelas funções exercidas pela Defensoria Pública na defesa dos direitos e interesses dos hipossuficientes; e atípicas seriam aquelas outras exercidas pela Defensoria Pública, independentemente da situação econômica daquele ou daqueles beneficiados com a atuação da Instituição”.
Esta distinção está baseada na aparente constatação de que, quando o art. 134 da Constituição Federal menciona “necessitados” como os beneficiários da atuação institucional da Defensoria Pública, haveria a indicação única e exclusiva àqueles insuficiente de recursos financeiros.
No entanto, a realidade social contemporânea demonstra que a “necessidade” nem sempre se encontra relacionada à hipossuficiência econômica e, justamente por isso, através de uma interpretação teleológica da Constituição Federal, foram atribuídas à Defensoria Pública, através da LC 80/94, alterada pela LC 132/09, funções institucionais direcionadas à tutela dos direitos de indivíduos em situação de vulnerabilidade jurídica.
Entender de modo diverso seria tornar a Lei 11.448/07 inoperante, na medida em que foi atribuída legitimidade ativa para a Defensoria Pública ajuizar ação coletiva em favor de direitos difusos, os quais, muitas vezes, não beneficiam hipossuficientes econômicos.
Assim entendeu Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2009, p. 212): ”Não é necessário, porém, que a coletividade seja composta exclusivamente por pessoas necessitadas. Se fosse assim, praticamente estaria excluída a legitimação da Defensoria para a tutela de direitos difusos, que pertencem a uma coletividade de pessoas indeterminadas.”
Neste contexto, a Doutrina atualizou a classificação das funções institucionais da Defensoria Pública para aquelas tradicionais (ou tendencialmente individualistas) e não tradicionais (ou tendencialmente solidaristas).
Para José Augusto Garcia (2011, p. 37/38), “no primeiro grupo estariam inseridas as funções institucionais ligadas à atividade básica (ou mínima) da Defensoria Pública, classicamente associadas à carência econômica do indivíduo; no segundo grupo, por sua vez, estariam contidas as funções institucionais consideradas não tradicionais, que decorrem do solidarismo jurídico, dentre as quais se destacam as atribuições que tencionam a proteção concomitante de pessoas carentes e não carentes (ex: ação civil pública relativa a direitos difusos), as atribuições que repercutem em favor de pessoas carentes e também beneficiam de forma nominal pessoas não necessariamente hipossuficientes (ex: representação judicial de um casal abastado que visa à adoção de uma criança internada), as atribuições direcionadas a sujeitos possuidores de carência não econômicas e protegidos especialmente pela ordem jurídica (ex: portadores de deficiência) e as atribuições que objetivam a proteção de valores relevantes no ordenamento jurídico (ex: defesa do réu sem advogado na área criminal e atuação da curadoria especial na esfera cível).”
Justamente nesta classificação de “função institucional tendencialmente solidarista”, destaca-se o inciso VII do art. 4 da LC 80/94, alterado pela LC 132/09. In verbis:
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
Este é o fundamento jurídico para adoção do entendimento de que a Defensoria Pública não deve atuar somente em favor dos hipossuficientes econômicos, devendo a atuação da instituição ser encarada de uma forma mais ampla, constatação esta que permitiu o surgimento do instituto denominado custos vulnerabilis, objeto do presente trabalho.
5.DA DEFENSORIA PÚBLICA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
A Código Processo Civil de 2015 foi resultado de uma imperiosa reforma ampla, a fim de se adequar aos novos paradigmas da sociedade, uma vez que o Código de Processo Civil de 1973 clamava pela positivação de preceitos que prestigiassem a celeridade, a efetividade e a isonomia.
Segundo Gustavo Quintanilha Telles de Menezes (2015, p.427), “entre os novos valores erigidos a um patamar constitucional a alcançados a prioridades republicanas, o processo, como instrumento garantístico de acesso à justiça, foi aquinhoado com diversos princípios inseridos entre os direitos fundamentais”.
Neste contexto de possibilitar o maior acesso à justiça, desponta a relevância da Defensoria Pública que, no Novo Código de Processo Civil, mereceu um Título específico para tratar da sua atuação, dispondo o art. 185 que “a Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”.
O Novo Código de Processo Civil atendeu aos reclames da sociedade de consagração do solidarismo jurídico, de onde se extrai que deve ser ultrapassada a visão patrimonialista e individualista da sociedade, sendo o melhor entendimento aquele que prestigia que a Defensoria Pública tutela os interesses não apenas dos necessitados sob o ponto de vista econômico, mas, também, os vulneráveis em sentido amplo.
6.DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO CUSTOS VULNERABILIS
Inicialmente, cumpre asseverar que a tradução literal do latim para o português da expressão custos vulnerabilis significa “Guardião dos Vulneráveis”.
Para melhor se debruçar sobre o tema, há de se falar no conceito de “Vulnerabilidade”.
De uma forma breve e superficial, poder-se-ia dizer que os vulneráveis estariam ligados aos grupos minoritários. O problema desta afirmação é de que, no caso em espécie, estaríamos tratando de um grupo que é maioria numérica na sociedade, porém sem o status de dominância de poder.
O melhor entendimento acerca do conceito de vulnerabilidade está atrelado à vulnerabilidade social, que se posiciona além da ausência de renda financeira, atribuindo importância à maior fragilidade na proteção dos direitos.
Segundo a Doutrina de Raphael Maia Rangel (2022, p. 55), “a vulnerabilidade social está, sim, associada à pobreza e à exclusão social, mas não se limita apenas a isso, tornando-se uma manifestação comunitária multidimensional que está intimamente associada à presença de estereótipos sociais de inferioridade que acarretam a depreciação social, a fragmentação identitária, a ausência de autoestima e a fragilização intersubjetiva”.
Partindo desse pressuposto, firmou-se o entendimento de que o papel da Defensoria Pública seria a atuação em favor do socialmente vulnerável, que não é, necessariamente, vulnerável sob o ponto de vista econômico (vulnerabilidade econômica).
Tal afirmação está em total consonância com as atribuições institucionais de proteção aos direitos humanos formalmente expresso no art. 185 do Código de Processo Civil, e no art. 134 da Constituição Federal. In verbis:
Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal .
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
Levando o conceito de vulnerabilidade social ao Código de Processo Civil, exsurge o relevante conceito de vulnerabilidade processual, o qual é reflexo da preocupação na garantia de tratamento isonômico às partes, de modo que possa ser estabelecido um maior equilíbrio em termos de oportunidades processuais às partes.
Segundo Fernanda Tartuce (2015, p. 284), “a vulnerabilidade processual é a suscetibilidade do litigante que o impede de praticar atos processuais em razão de uma limitação pessoal involuntária; a impossibilidade de atuar pode decorrer de fatores de saúde e/ou ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional de caráter permanente ou provisório”.
Para facilitar a definição dos grupos titulares da vulnerabilidade, foram elaboradas as “Regras de Brasília” sobre o acesso à justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, tendo o capítulo I, seção 2, item 3 assim disposto:
Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especial dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Exsurge daí o conceito de custos vulnerabilis, papel exercido pela Defensoria Pública, que se tornou agente de equilíbrio das relações sociais, políticas e jurídicas em favor dos vulneráveis.
Semelhantemente ao que ocorre com o Ministério Público, quando atua como custos legis (fiscal da ordem jurídica), a atuação da Defensoria como custos vulnerabilis amplia o contraditório em favor da parte vulnerável, qualificando o diálogo jurídico, de modo a prestigiar a ampla participação democrática no processo.
Importante destacar que a atuação como custos vulnerabilis não usurpa as funções dos advogados das partes, mantendo-se intocada a capacidade postulatória deles.
O “Novo” Código de Processo Civil apresentou, de forma expressa, duas hipóteses em que a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, no art. 554, §1°, e art. 565, §2°, hipóteses das ditas ações possessória multitudinárias. In verbis:
Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.
Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.
7.DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS MULTITUDINÁRIAS
A ratio legis para a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis nas ações possessórias multitudinárias decorre da preocupação em regular os conflitos possessórios, onde o pólo passivo está ocupado por um grande número de possuidores para regular a judicialização dos graves conflitos sociais sobre a terra, em geral relacionados à pretensão de reforma agrária e ao direto de moradia.
Segundo Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva (2017, p. 414), “o tema da posse é alvo de grande sensibilidade no desempenho das funções institucionais da Defensoria Pública, sendo comum a existência de órgãos de atuação destinados a atuar em demandas desta natureza e obter a regularização fundiária, já que a moradia e a propriedade são direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos”
De acordo com José Aurélio de Araújo (2015, p. 531-532), por um lado, o objetivo é viabilizar a prestação jurisdicional requerida pelo autor considerando que a indefinição dos sujeitos passivos nas ações possessórias dificulta e provoca a demora na formação da relação jurídico processual (...) por outro lado, a norma protege os réus, pois transfere a intimação dos demandados da execução da ordem de reintegração para o início do processo de conhecimento, permitindo a efetiva participação em contraditório dos verdadeiros possuidores.
A seguir, serão abordados os dois dispositivos legais que mencionam, de forma expressa, a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis.
a) O art. 554, §1°, do Código de Processo Civil
Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.
Questão relevante a ser analisada diz respeito à natureza jurídica da atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis, no art. 554, §1° do Código de Processo Civil.
Diogo Esteves e Franklin Roger Alves Silva (2015, p. 415), entendem que a hipótese em questão diz respeito à legitimação extraordinária, “cabendo à Defensoria Pública atuar em nome próprio no interesse alheio, ou seja, dos ocupantes pessoalmente citados, bem como os demais ocupantes citados por edital, nos termos da disciplina estabelecida pelo novo código, que não deve ser confundida com a hipótese de curadoria especial prevista no art. 72, II.”
Em sentido contrário, porém, entende Daniel Assumpção Neves (2015, p. 360), que aponta que a Defensoria Pública exerceria sua função de representação jurídica das partes hipossuficientes: “Enquanto o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica, a Defensoria Pública defenderá o interesse dos hipossuficientes econômicos que não constituam advogado para a sua defesa”.
Data máxima vênia, o entendimento acima parece contrariar tudo o que neste trabalho foi exposto acerca da vulnerabilidade social, e a superação da atuação Defensoria Pública como mera defesa dos hipossuficientes econômicos.
Sem sombra de dúvidas, o melhor entendimento é aquele que considera merecedor da atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis aquele grupo que, independentemente da hipossuficiência econômica e da constituição de advogado particular nos autos, enfrenta dificuldade em se organizar para o exercício da defesa da sua posse.
Outra controvérsia apontada pela doutrina em relação à atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis no art. 554, §1° do Código de Processo Civil, subsume-se à posição que entende desnecessária a atuação como curador especial em favor dos demais ocupantes não identificados e citados por edital.
De acordo com Diogo Esteves e Franklin Roger Alves Silva (2015, p. 416), “com a atuação institucional coletiva em favor dos ocupantes, pouco importa se estes foram citados pessoalmente ou por edital, já que a atuação institucional, como legitimada extraordinária, alcançará esta universalidade, sem que isso signifique o exercício da curatela especial”.
b) O art. 565, §2°, do Código de Processo Civil
Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.
O dispositivo legal em comento trata do litígio coletivo pela posse de imóvel, decorrente de esbulho ou turbação, sendo determinada a intimação da Defensoria Pública sempre que a parte for beneficiária da gratuidade de justiça.
Aqui cabe crítica à redação legal, a qual previu a “gratuidade de justiça” como causa legitimadora da atribuição da Defensoria Pública, quando, na verdade, a melhor exegese seria aquela condizente com tudo o que fora afirmado sobre o papel da Instituição na assistência jurídica de defesa dos vulneráveis.
Até porque a gratuidade de justiça se distingue da assistência jurídica, embora sejam institutos frequentemente confundidos. A gratuidade de justiça diz respeito à dispensa de antecipação do pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios. Já a assistência jurídica, traduz-se na prestação não onerosa da orientação jurídica aos indivíduos hipossuficientes econômicos, papel este atribuído constitucionalmente à Defensoria Pública.
Configura-se, portanto, um retrocesso o Código de Processo Civil, no art. 565, §2°, fazer alusão à necessária intimação da Defensoria Pública no litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, e a parte for “beneficiária da gratuidade de justiça”.
Isto porque a atuação da Defensoria Pública no dispositivo legal em comento deveria se firmar na vulnerabilidade da parte, garantindo-lhe a assistência jurídica da Defensoria Pública, independentemente da hipossuficiência econômica.
Na verdade, há doutrina afirmando que não haveria autonomia entre os arts. 554 e 565 do Código de Processo Civil, tratando-se, na verdade, da mesma situação processual.
Assim entendem Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva (2017, p. 418): “Pouca é a doutrina que consegue apontar o propósito lógico entre os arts. 554, §1° e 565, §2°, do novo CPC. A nosso ver, acreditamos que a regra geral da atuação da Defensoria Pública nas ações possessórias é extraída do art. 554, §1°, do código. O que o art. 565, §2° regula é a realização da audiência com a presença da Defensoria Pública, cuja participação já seria extraída do art. 554.”
De acordo com parte da doutrina, portanto, o art. 565, §2° do Código de Processo Civil não apresentaria uma modalidade autônima de atuação da Defensoria Pública, mas, tão-somente, um reforço do dever de intimação, o qual já fora previsto no art. 186, §1°, do Código de Processo Civil.
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
§ 1º O prazo tem início com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, § 1º.
Todas as controvérsias apresentadas pela Doutrina facilitam o operador do direto a adotar a melhor tese, a depender da posição que ocupa na relação jurídico-processual.
8.CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil, em sua recente atualização (Lei 13.105/2015), se atentou ao avanço do solidarismo jurídico, prestigiando a vulnerabilidade jurídica e proteção a grupos organizacionalmente frágeis.
Nesta toada, pretendeu-se inaugurar a figura do custos vulnerabilis, de modo a possibilitar o acesso igualitário às partes no processo, através da atuação da Defensoria Pública nas ações possessórias multitudinárias.
Isto porque a Defensoria Pública é a instituição de atribuição constitucional de proteção dos vulneráveis, na medida em que a sua atribuição, conforme relatado no presente trabalho, extrapola a ideia inicial para a qual fora concebida de mera atuação em favor dos hipossuficientes econômicos.
O presente trabalho teve o condão de prestigiar a atuação finalística e institucional como instrumento da Democracia, homenageando a promoção dos direitos humanos e o acesso isonômico das partes vulneráveis no processo.
6. REFERÊNCIA
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DIDIER JR., Fredie. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo, Volume 4. 4ª edição. Editora Jus Podium, 2009.
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MENEZES, Gustavo Quintanilha Telles de. Coleção Repercussões do Novo CPC. Defensoria Pública. Volume 5. Coordenador Geral Fredie Didier Jr. Editora Jus Podium, 2015.
MORAES, Silvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
NEVES, Daniel Assunção. Novo CPC: Inovações, Alterações e Supressões Comentadas. Rio de Janeiro: Editora Método, 2015.
RANGEL, Raphael Maia. Defensoria Pública: Redimensionamento do seu Papel político-jurídico-social para efetiva proteção dos vulneráveis no campo da moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2022.
SOUSA, José Augusto Garcia. O Destino de Gaia e as Funções Constitucionais da
Defensoria Pública: ainda faz Sentido – sobretudo após a Edição da Lei Complementar 132/2009 – a Visão Individualista a Respeito da Instituição?, in Uma nova Defensoria Pública pede Passagem. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011.
TARTUCE, Fernanda. Coleção Repercussões do Novo CPC. Defensoria Pública. Volume 5. Coordenador Geral Fredie Didier Jr. Editora Jus Podium, 2015.
pós-graduanda em Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VAN-ERVEN, Ursula de Souza. A atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60700/a-atuao-da-defensoria-pblica-como-custos-vulnerabilis-no-processo-civil. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
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