Resumo: O presente trabalho trata do instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro. A proposta desta pesquisa é abordar o campo teórico conceitual, com base em fontes legais, doutrinárias e jurisprudenciais, recorrendo a metodologia dedutiva e qualitativa a partir de revisões bibliográficas, no intuito de analisar a aplicabilidade do instituto da colaboração premiada, utilizando-se para tal abordagem as inovações trazidas pela Lei 12.850/2013 e a sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro até os dias atuais. Destaca-se que a colaboração premiada é um dos meios de provas que refletem na sentença dada pelo Juiz, que tem a faculdade de atribuir-lhe eficácia, conferindo ou não as suas benesses ao colaborador.
Palavras-chave: Colaboração premiada. Ordenamento jurídico. Homologação.
INTRODUÇÃO
A temática envolvendo o instituto da colaboração premiada é, atualmente, um dos assuntos mais discutidos, seja no âmbito jurídico, seja no âmbito jornalístico. Um dos fatores que contribui para essa discussão é a necessidade de combater a criminalidade, principalmente, nos crimes relacionados a determinada camada da sociedade, como a Operação Lava Jato que contou com a colaboração premiada de vários investigados.
A aplicação da Lei Penal é imprescindível para a percepção social de segurança nos casos de crimes, especialmente aqueles complexos, cometidos por Organizações Criminosas. Logo, o Direito tem o dever de oferecer à sociedade respostas jurídicas condizentes com a sua função mais ilustrada, qual seja, promover a justiça.
Apesar de sua constante aplicação no ordenamento pátrio, há juristas que criticam o instituto da colaboração premiada por entenderem que o Estado está institucionalizando o “estelionato judicial” e fundamentando as condenações nas palavras de um traidor, que não deixa de ser também um criminoso, conforme será demonstrado no presente trabalho.
O instituto da colaboração premiada é um benefício legal concedido ao investigado caso ele colabore com a justiça, com informações úteis sobre a localização de bens e produtos do crime, os quais estão ocorrendo, no caso de sequestro, por exemplo, e entregando os seus comparsas.
A colaboração premiada deve ser um ato voluntário do agente, que agindo por espontânea vontade e de acordo com os benefícios ofertados, contribui com a persecução penal. Entretanto, o colaborador tem que fornecer informações relevantes capazes de desfazer toda a estrutura do crime, como destaca o ilustre Vladimir Aras (2015), que discute sobre a técnica da colaboração premiada: “[...] o colaborador deve oferecer informações minuciosas e precisas, inclusive sobre o modus operandi dos coimputados e o iter criminis.”
É por meio da colaboração premiada que o sujeito processual, chamado de “delator”, rompe com o seu silêncio e contribui para a elucidação do crime, evitando sua consumação e ajudando na manutenção da ordem pública.
Desta forma, o objetivo do presente trabalho visa abordar o instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro e a sua importância para a segurança pública, haja vista que há inúmeras críticas sobre a sua constitucionalidade, sendo de grande relevância a discursão de um tema tão debatido no país.
O presente trabalho foi divido em três capítulos, sendo que no capítulo inaugural abordará a evolução histórica e tratamento legal dentro do ordenamento jurídico brasileiro e o conceito da colaboração premiada. Posteriormente, o segundo capítulo discorrerá sobre os requisitos e homologação do acordo da colaboração premiada. Por fim, o terceiro capítulo versará sobre o instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, apresentando os posicionamentos contrários e favoráveis sobre a aplicabilidade do referido instituto na legislação Penal Brasileira para o desenrolar das investigações.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA
Preliminarmente, antes de tratar sobre o instituto da colaboração premiada, é necessário traçar um breve panorama para compreender sua origem e quais fatores contribuíram para formação do seu conceito.
Segundo Renato Brasileiro de Lima (2020), desde tempos mais antigos, a história é rica em apontar a traição entre os seres humanos, tendo a título de exemplificação, Judas Iscariotes que vendeu Cristo por 30 moedas, e Calabar que entregou os brasileiros aos holandeses. Para o referido autor, com o avançar das eras e o aumento da criminalidade, os ordenamentos jurídicos passaram a prever sobre a possibilidade de se premiar a traição, surgindo, assim, a colaboração premiada.
Na esteira de estudos de André Moreira de Abreu Luz et al.:
É, também, nesse momento histórico, conforme se pode contatar através da leitura dos textos (Bíblia Sagrada), que se tem o episódio da narrativa de “delação premiada” mais afamada no ocidente, quando Judas Iscariotes delata a identidade de Jesus de Nazaré ao Império Romano, em troca de 30 moedas de prata (LUZ et al., 2017, p. 179).
A origem histórica da colaboração premiada não é considerada tão recente, como afirma Renato Brasileiro: “[..] já era encontrada, por exemplo, no sistema anglo-saxão, do qual advém a origem da expressão crown witness, ou testemunha coroa” (LIMA, 2016, p. 520).
No mesmo sentido, o professor Guilherme Costa Câmara (2018) afirma:
Cumpre exprimir, logo de saída, que o direito penal premial não é nenhum novum. Nova, inegavelmente, é a alargada dimensão atual de seu emprego como instrumento político criminal de prospecção investigativa, orientado a outorgar um plus de eficácia à persecutio criminis, nomeadamente em uma faixa da criminalidade especialmente corrosiva ao tecido social (CÂMARA, 2018, p. 322).
Ainda segundo o autor “[...] nas Ordenações Filipinas (que vigeram do ano 1603 até à promulgação, em 1830, do Código Criminal do Império do Brasil), no Título CXVI, do Livro V, ostentava a seguinte rubrica: ‘Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão’ (CÂMARA, 2018, p. 322, grifo do autor).
Contudo, é no direito norte-americano que o instituto da colaboração premiada ganha mais destaque, como assevera Renato Brasileiro de Lima (2020):
É no direito norte-americano que a utilização da colaboração premiada sofre forte incremento, sobretudo na campanha contra a máfia. Por meio de uma transação de natureza penal, firmada por Procuradores Federais e alguns suspeitos, era prometida a estes a impunidade desde que confessassem sua participação e prestassem informações que fossem suficientes para atingir toda a organização e seus membros (LIMA, 2020, p. 524).
O instituto da colaboração premiada também está previsto em tratados internacionais que o Brasil aderiu, como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado (Convenção de Palermo ou UNTOC), a qual o Brasil aderiu em 15 de novembro de 2000. Também, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (Convenção de Mérida ou UNCAN), que foi assinada pelo Brasil em 09 de dezembro 2003, sendo ratificada pelo Decreto nº 5.687/2006, conforme preceitua Márcia Maria Vargas Rojas Bonoldi (2015):
Quanto ao seu caráter global e transnacional, está também previsto em tratados internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado (Convenção de Palermo ou UNTOC), à qual o Brasil aderiu em 15 de novembro de 2000, e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida ou UNCAC), assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003 e ratificada pelo Decreto nº 5.687/2006 (BONOLDI, 2015, p. 05).
A colaboração premiada consiste em um meio de prova por intermédio do qual o investigado, ao prestar suas declarações, coopera com a atividade investigativa, confessando crimes e indicando a atuação de demais pessoas envolvidas com a prática criminosa, recebendo em troca benefícios processuais, como destaca Mario Sérgio Sobrinho (2009):
a colaboração premiada é o meio de prova pelo qual o investigado ou acusado, ao prestar suas declarações, coopera com a atividade investigativa, confessando crimes e indicando a atuação de terceiros envolvidos com a prática delitiva, de sorte a alterar o resultado das investigações em troca de benefícios processuais (SOBRINHO, 2009, p. 47).
Nesse sentido, adverte Eduardo Araújo Silva (2014):
A colaboração premiada, também denominada de cooperação processual (processo cooperativo) ocorre quando o acusado, ainda na fase de investigação processual, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infracções venham a se consumar (colaboração preventiva) assim como auxilia concretamente a polícia na sua atividade de recolher provas contra os demais coautores, possibilitando as suas prisões (colaboração repressiva) (SILVA, 2014, p. 52).
Em outras palavras, a colaboração premiada pode ser definida como toda e qualquer espécie de colaboração em que o autor, coautor ou partícipe da infração penal, além de confessar sua participação no ilícito, abrindo mão do seu direito ao silêncio, fornece ao Estado, no exercício da atividade de persecução penal, informações pertinentes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, objetivando em troca da colaboração, benefícios penais previstos em lei, assim como destaca Renato Brasileiro de Lima (2020):
colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação (meio extraordinário de obtenção de prova) por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. Portanto, ao mesmo tempo em que o investigado (ou acusado) confessa a prática delituosa, abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio (nemo tenetur se detegere), assume o compromisso de ser fonte de prova para a acusação acerca de determinados fatos e/ou corréus. Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite sequer o recebimento de uma peça acusatória baseado única e exclusivamente na colaboração premiada (LIMA, 2020, p. 867, grifos do autor).
Quanto a natureza jurídica, a doutrina afirma que o instituto da colaboração premiada possui natureza jurídica de meio de obtenção de prova, como afirma Lima (2020) a despeito da redação confusa do art. 3º-A da Lei n. 12.850/13, incluído pela Lei n. 13.94/19 Art. 3º-A: “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupões utilidade e interesse públicos” (BRASIL, 2013).
Cumpre ressaltar que a colaboração premiada e delação premiada não são sinônimos, pois a delação é uma espécie de colaboração, como preleciona Teixeira (2017):
A doutrina aponta cinco espécies de colaboração premiada, quais sejam: a) delação premiada; b) colaboração reveladora da estrutura e do funcionamento da organização; c) colaboração preventiva; d) colaboração para localização e reparação de ativos; e) colaboração para libertação (TEIXEIRA, 2017, p. 80).
Nas lições dos ensinamentos de Vladimir Aras (2015):
Na modalidade “delação premiada”, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas no crime e seu papel no contexto delituoso, razão pela qual o denominamos de agente revelador. Na hipótese de “colaboração para libertação”, o agente indica o lugar onde está a pessoa sequestrada ou o refém. Já na “colaboração para localização e recuperação de ativos”, o autor fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos à lavagem. Por fim, há a “colaboração preventiva”, na qual o agente presta informações relevantes aos órgãos de persecução para evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita (ARAS, 2015, s/p).
No Brasil, a primeira lei que tratou expressamente da colaboração premiada foi a 8.072/90 - Lei dos Crimes Hediondos, que prevê em seu artigo 8º, parágrafo único que: “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços” (BRASIL, 1990). O referido dispositivo que está em vigor, aplica-se especificamente aos casos em que, os crimes de que tratam a lei, doravante por meio de associação criminosa, seja desfeita em razão de denúncia feita por um dos seus integrantes, como preleciona Renato Brasileiro de Lima (2020):
A primeira Lei que cuidou expressamente da colaboração premiada foi a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), cujo art. 8º, parágrafo único, passou a prever que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”. Este dispositivo legal, que permanece vigente e válido, a despeito da entrada em vigor da Lei nº 12.850/13, aplica-se exclusivamente aos casos em que, praticados os delitos de que cuidam a referida lei, doravante por meio de associação criminosa, esta seja desmantelada em razão de denúncia feita por um de seus integrantes. Logo, demonstrando-se que não havia uma associação criminosa para o fim de praticar crimes hediondos ou equiparados, ou seja, que um crime de tal natureza foi praticado em mero concurso eventual de agentes, não se admite o reconhecimento da delação premiada, mesmo que as informações prestadas pelo delator sejam eficientes para a identificação dos demais coautores e partícipes (LIMA, 2020, p. 872, grifos do autor).
Também havia a previsão do instituto da colaboração premiada na Lei 9.034/95, que dispunha sobre a utilização dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Posteriormente veio a Lei nº 9.080/95, que modificou a lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) e na lei que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei nº 8.137/90).
O instituto da colaboração premiada também está previsto em vários outros dispositivos do ordenamento pátrio: na Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98), há a possibilidade de colaboração premiada caso as informações fornecidas pelo agente sejam eficientes à apuração das infrações penais, identificação dos agentes, coautores e partícipes ou à localização dos bens; Na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), no seu artigo 41, caput que prevê que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime na recuperação total ou parcial produto do crime, no caso de colaboração terá pena reduzida de um terço a dois terços; Lei de Proteção às Testemunhas (Lei nº 9.807/990), dentre outras.
Contudo, embora a colaboração premiada exista desde a década de 1990, não havia um regramento específico que proporcionasse maior eficácia à colaboração premiada. Foi com o surgimento da Nova Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), que tem como objetivo tratar sobre a investigação criminal, as infrações penais e os meios de obtenção de provas, que a colaboração premiada ganhou maior abrangência.
Na esteira de estudos de Vinicius Gomes de Vasconcellos (2014):
Diversos diplomas legais abordaram o instituto (em resumo, Lei de Crimes Hediondos, Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha e Lei de Entorpecentes), porém sempre de modo deficitário, sem atentar ao aspecto procedimental, mas sim às suas consequências penais. Contudo, com o advento da Lei 12.850/13 tal cenário foi modificado em razão dos novos dispositivos legais introduzidos, que, embora direcionados à persecução penal de delitos relacionados a organizações criminosas, podem ser utilizados às delações premiadas em geral por analogia. (VASCONCELLOS, s/p, 2014).
A Lei nº 12.850/2013 foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro de forma mais clara, supriu algumas lacunas até então existentes, prevendo medidas contra o crime organizado, sem descuidar dos direitos e garantias do colaborador, como o artigo 4º, § 15 que requer a presença do defensor em todos atos de confirmação e negociação, senão vejamos: “Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor” (BRASIL, 2013).
A Nova Lei de Organizações Criminosas passou a conferir maior eficácia, principalmente, por regulamentar a celebração do acordo de colaboração premiada, dispondo sobre a legitimidade para a proposta, o conteúdo do acordo e necessária homologação judicial.
Destarte, a referida lei em comento determina os critérios para o balizamento do benefício: a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração (art. 4º, § 1º) (MENDRONI, 2014).
2. A HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA E OS SEUS REQUISITOS
A homologação dos acordos de colaboração premiada é imprescindível para garantir a legalidade e a segurança jurídica nos fatos mencionados e firmados entre as partes. É na fase de negociação que são apresentados ao colaborador as benesses pela sua contribuição na persecução penal.
Para Lima (2016), é a vinculação que o ato trará ao próprio Poder Judiciário, garantindo ao criminoso que optar por colaborar a aplicação das benesses legais que lhe fora negociado com o Ministério Público, agora lastreado numa homologação judicial.
Diante das informações prestadas, o colaborador será beneficiado com algumas vantagens, que vão desde a pena reduzida, substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, podendo obter até o perdão judicial, conforme preceitua Vladimir Aras (2015):
[..] o agente devidamente assistido pela defesa técnica, abdica do seu direito constitucional ao silêncio, decide falar e, caso sua colaboração seja efetiva, plena e voluntária terá sua pena reduzida (causa especial de redução de pena) ou será beneficiado por perdão judicial (causa extintiva da pubilidade) ou por acordo de imunidade. Há também a possibilidade de concessão de outros benefícios, como a aplicação de penas substitutiva ou a especificação de regime menos gravoso de execução penal, assim como a instituição de medidas pessoais de proteção (ARAS, 2015, s/p).
Essas benesses concedidas pelo Estado têm como objetivo desvendar os crimes ocorridos, principalmente aqueles complexos, cometidos por organizações criminosas. O artigo 4º da Lei nº 12.850/2013 traz os requisitos a serem observados para o reconhecimento da colaboração premiada, senão vejamos:
O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. (BRASIL, 2013).
Destarte, no art. 4º § 6º da Lei em comento destaca que o magistrado não participará do acordo da colaboração premiada, tendo em vista que este será realizado entre o acusado, defensor e o Ministério Público ou Delegado de Polícia, após ser ouvido o Ministério Público. Deste modo, vai bem o aludido diploma legal ao inferir a não participação do juiz, delimitando seu papel ao de garantia da legalidade e do respeito aos direitos fundamentais do acusado por meio do controle acerca da homologação da colaboração premiada (VASCONCELLOS, 2014).
Ao juiz caberá identificar somente se estão presentes os requisitos para a homologação do acordo de colaboração premiada, conforme o § 7º do referido dispositivo, vejamos:
Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:
I - regularidade e legalidade;
II - adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;
III - adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;
IV - voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares (BRASIL, 2013).
A homologação do acordo da colaboração premiada ocorrerá depois de encerrada a fase de negociação e após ter sido firmado o termo de colaboração, contendo todas as informações prestada pelo colaborador, juntamente com a cópia da investigação, que serão remetidas ao juízo competente.
Na homologação do acordo de colaboração premiada, não significa o que o juiz esteja de acordo com todo o seu conteúdo, mas que o acordo firmado entre as partes está de acordo com a lei. Assim como afirma Mendroni (2016), “[...] o juiz deverá se ater somente aos aspectos formais e legais do termo, não sendo sua competência discutir o conteúdo do acordado entre acusação e colaborador.”
Nesse sentido foi o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC.127483/PR, tendo como relator ministro Dias Toffoli no HC.127483/PR, publicado no DJE em 19/08/2015: “[...] A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador.”
Neste ato, o juiz irá verificar o temo e os elementos necessários a sua composição (veracidade das informações prestadas por parte do colaborador) e decidirá, então, pela homologação ou não do acordo. Assim, se o juiz perceber a ausência de requisitos legais, poderá recusar o acordo, sendo que essa recusa total ou parcial, como destaca Marson e Marçal (2017) no acordo de colaboração premiada de Alberto Youssef:
Foi precisamente o que fez o Min. Teori Zavascki (Pet.5.244/STF) –quando da homologação do acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e o colaborador Alberto Youssef - ao decota uma cláusula que indicava prévia e definitiva renúncia pelo investigado ao direito de recorrer, o que afrontaria o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, da CR/88) (MARSON; MARÇAL, 2017, p. 158).
O acordo de colaboração premiada não é uma obrigação apenas do colaborador, mas também do Estado, que com as informações fornecidas pelo acusado deve conceder os benefícios, pois um dos objetivos da homologação judicial é garantir o cumprimento do acordo, como bem destaca Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues da Silva (2015):
[o] acordo não pode gerar obrigações somente para o acusado colaborador. O Estado também assume obrigações, e uma delas é justamente conceder os prêmios nos moldes do que foi pactuado e devidamente homologado pelo juiz. Não haveria sentido à homologação se não vinculasse o Poder Judiciário. Aliás, a homologação judicial tem a finalidade de garantir futuramente o cumprimento do acordo pelo Estado juiz se alcançar os resultados (GOMES; SILVA, 2015, p. 283-284).
Se o acusado colaborou cumprindo todo o acordo, tendo sua cooperação sido determinante no alcance dos resultados lá previstos, será uma obrigação do juiz conceder os prêmios (GOMES; SILVA, 2015).
Aras (2015, s/p) aponta que “[...] quanto mais o investigado ou acusado colaborar com a Justiça, maiores serão os benefícios que lhe poderão ser deferidos pela autoridade judiciária, que ficará ciente de toda a extensão da cooperação [...]”.
3. COLABORAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não obstante, no ordenamento jurídico brasileiro, a colaboração premiada vem sendo lapidada e tratada de forma minuciosa por vários dispositivos. Há muitas críticas quanto a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois há parte da doutrina, como afirma Aury Lopes Jr., que pondera que:
É imprescindível muito cuidado por parte do juiz ao valorar essa prova, pois não se pode esquecer que a delação nada mais é do que uma traição premiada, em que o interesse do delator em ser beneficiado costuma fazer com que ele atribua fatos falsos ou declare sobre acontecimentos que não presenciou, com o inequívoco interesse de ver valorizada sua conduta e, com isso, negociar um benefício maior (LOPES Jr., 2016, p. 247).
Segundo Alexandre Morais da Rosa (2017), hodiernamente, as colaborações premiadas tornaram-se produtos de pressão e de arruinamento de reputações, diante da formação de pós-verdade, em detrimento de sua função original, de ser um instrumento de descoberta de informações. Para o autor, além de compreender, é necessário identificar aquilo que se chamou de “estelionato judicial”, quando um réu apresenta uma falsa delação, às vezes envolvendo agentes públicos para gerar maior interesse, somente para ganhar os benefícios acordados.
Para o ilustre professor Raúl Eugênio Zaffaroni:
A impunidade de agentes encobertos e dos chamados ‘arrependidos’ consitui uma séria lesão à eticidade do Estado, ou seja, ao princípio que forma parte essencial do Estado de Direito: o Estado não pode se valer de meios imorais para evitar a impunidade [...] o estado está se valendo da cooperação de um delinquente, comprada ao preço da sua impunidade para fazer ‘justiça’, o que o Direito Penal liberal repugna desde os tempos de Beccaria” (ZAFFARONI, 1996, p. 45).
Vários princípios constitucionais, especialmente no âmbito processual penal, estariam sendo violados pela forma como o instituto da colaboração premiada vem sendo aplicado, como afirma J.J Gomes Canotilho e Nunes Brandão:
Dado que, numa lógica utilitarista, o Estado admite negociar aqui a própria justiça, nomeadamente, a justiça penal que deveria reservar à conduta criminosa do colaborador, com o fim de perseguir criminalmente outras pessoas, afigura-se altamente problemática compatibilização deste meio de obtenção de prova com o cânone do Estado de direito e dos princípios constitucionais- penais e processuais penais, mas não só- que deve se projectam ou gravitam na sua órbita (CANOTILHO; BRANDÃO, 2017, p. 14).
Nas palavras de Alexandre Morais da Rosa (2017):
a colaboração premiada “é o mecanismo pelo qual o Estado autoriza, no jogo processual, por mecanismo de barganha, o estabelecimento de um ‘mercado judicial’, pelo qual o colaborador, assistido por um advogado, negocia com o Ministério Público, informações capazes de auto incriminar o agente e carrear elementos probatórios contra terceiros” (ROSA, 2017, p. 527, grifos do autor).
Em contrapartida, há parcela da doutrina que defende o instituto, como Cléber Masson. Para o referido autor, quem pensa contrário ao instituto da colaboração premiada pode estar padecendo da Síndrome de Alice, tão bem destacada por Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna (2009):
[...] é fundamental que o direito e o processo penal tenham maior efetividade no enfrentamento da criminalidade moderna. E isso não representa em hipótese alguma um discurso autoritário, arbitrário, como tende a entender certa parcela da doutrina, que, de forma generalizada, tacha de ‘neonazistas’, de retrógrados, de defensores do movimento de ‘lei e ordem’, do direito penal do inimigo, de antidemocráticos, de filhotes da ditadura etc. todos aqueles que advogam a restrição de algumas garantias processuais em casos limites de criminalidade grave, e isso quando é de conhecimento notório que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos. [...] Essa postura preconceituosa e antidemocrática de certa parcela da doutrina revela um comportamento típico de quem foi acometido, pode-se dizer, pela ‘síndrome de Alice’, pois mais parece viver num ‘mundo de fantasia’, com um ‘direito penal da fantasia’, onde não existem homens que – de forma paradoxal – são movidos por verdadeiro descaso para com a vida humana; um mundo no qual não existem terroristas, nem organizações criminosas nacionais e internacionais a comprometer as estruturas dos próprios Estados e, por conseguinte, o bem-estar da coletividade e a sobrevivência humana (BEDE JÚNIOR; SENNA, 2009, p. 26-28, grifos dos autores).
No mesmo sentido é o posicionamento de professor Renato Brasileiro de Lima. Para ele, a colaboração premiada é um meio de prova eficaz e necessário, senão vejamos:
A impossibilidade de se obter outras provas, em virtude da “lei do silêncio” que vige no seio das organizações criminosas; A oportunidade de se romper o caráter coeso das organizações criminosas (quebra da afectio societatis), criando uma desagregação da solidariedade interna em face da possibilidade da colaboração premiada (LIMA, 2014, p. 516).
Nessa toada, também defende o instituto da colaboração premiada o professor Gonçalves:
[..] a colaboração premiada é indispensável no âmbito da criminalidade organizada, e os ganhos que podem de aí advir superam largamente, os inconvenientes apontados pela doutrina. O instituo vem, em verdade na mesma linha da confissão, do arrependimento eficaz e da reparação do dano, nada havendo aí de imoral (GONÇALVES; BALTAZER JUNIOR, 2015. p. 694).
Segundo Aras (2015), é um grande equívoco, que não honra a honestidade intelectual, que deve balizar o exame crítico desse polêmico instrumento processual, útil para a sociedade e para as pessoas envolvidas em graves ocorrências criminais.
Cabe ressaltar que, em 2018, o Procurador Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5.508 perante o Supremo Tribunal Federal. Foi questionado na referida ADI sobre a legalidade do delegado de polícia conduzir acordos de colaboração premiada, alegando ferir vários preceitos constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV) e a moralidade administrativa (artigo 37, caput).
Porém, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente por maioria de votos. Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), embora o delegado de polícia proponha ao colaborador o benefício de redução da pena ou até mesmo o perdão judicial, para a concretização dessas benesses é necessário o pronunciamento do Poder Judiciário.
Nesse ínterim, também foi o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 84.609, ao qual afirmou que se presentes os requisitos para a colaboração premiada, sua incidência é obrigatória. Entretanto, cabe ressaltar que caberá ao juiz verificar qual a benesse cabível ao acusado por ter colaborado.
Se não houver o instituto da colaboração premiada, seria muito complicado às instituições encarregadas da apuração dos crimes localizarem os envolvidos nas práticas delituosas, principalmente porque se tratam de crimes complexos, como é o caso das organizações criminosas que estão cada vez mais bem estruturadas.
Além disso, o acordo de colaboração premiada é uma elaboração das partes que vai se aprimorando à medida que as informações e os fatos apontados pelo colaborador são reconhecidos, verificados e ratificados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo principal analisar o instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, bem como sua eficácia no combate ao crime organizado, em especial a partir da disposições trazidas pela Nova Lei de Organizações Criminosas – Lei nº 12.850/2013, que definiu o conceito de organização criminosa, regulamentou os meios de obtenção de provas, do mesmo modo que o seu procedimento criminal.
A partir da análise do instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, percebeu-se que vários dispositivos legais que abordaram e expandiram sucessivamente os mecanismos negociação na justiça criminal brasileira, percebeu-se que, até a introdução da Lei 12.850/13, a tratativa quanto a colaboração premiada se mostrava insuficiente e desordenado, especialmente em relação aos aspectos procedimentais da realização do acordo.
Apesar da análise crítica da colaboração premiada merecer trabalho específico, importante faz-se destacar que, diante de argumentos minoritários que criticam o instituto da coloração premiada, para a doutrina majoritária a colaboração premiada tem como objetivo ser um meio de obtenção de elementos de prova para proporcionar a apuração de crimes de maneira mais célere, com a aplicação das respectivas punições e benesses, quando se depare com crimes como o crime organizado, que cada vez mais se fortalece no Brasil.
É importante destacar que, a colaboração premiada trouxe um importante benefício ao Estado, qual seja colaborar no desenvolvimento das investigações criminais, tendo em vista que as organizações criminosas estão cada vez mais estruturadas e fortalecidas, dificultando o trabalho dos órgãos de investigação. Assim, a colaboração premiada se faz necessário no ordenamento jurídico brasileiro, sendo um meio eficaz no combate ao crime organizado, na prisão dos infratores na recuperação dos produtos dos crimes, etc., pois as informações obtidas durante a fase de investigação vêm dos próprios membros das organizações criminosas.
Desse modo, é inconcebível destacar que, para uma colaboração premiada eficaz, são necessárias provas documentais, periciais e técnicas, bem como outros depoimentos de fontes independentes, não bastando que o acusado apenas compareça em juízo e fale qualquer informação contra dos corréus ou partícipes dos crimes.
Daí, se mostra a importância da negociação dos termos da colaboração premiada entre o advogado ou defensor do acusado e o Ministério Público, de maneira que ao longo de vários encontros entres ambas as partes sejam reconhecidos os elementos indiciários e as provas que ratificarão as informações prestadas pelo colaborador, não cabendo ao magistrado interferir nesta etapa de negociação, sob pena de contaminar-se pelas provas colhidas, mantendo-se imparcial durante todo o procedimento.
Diante do exposto, constata-se que, o instituto da colaboração premiada é um importante instrumento para o combate ao crime organizado, consistindo em uma das medidas eficientes, na apuração dos crimes, uma vez que o delator só irá contribuir com a justiça em troca das benesses, devendo, contudo as informações prestadas serem relevantes.
Destarte, a colaboração premiada é constitucional, uma vez que contribui para a tutela da segurança pública, beneficiando, assim, toda a coletividade, porquanto a segurança pública é uma obrigação do Estado e direito da sociedade. Desta forma, é direito fundamental da pessoa humana, que está expresso tanto nos artigos 5º e 6º, caput, da Constituição de 1988, bem como no artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Por fim, com o advento da Lei de Organização Criminosa – Lei nº 12.850/13, houve uma mudança mais favorável em relação a segurança jurídica, consistindo a colaboração premiada como um importante instituto processual penal, que na busca da verdade real dos fatos ocorridos, desvela e combate às organizações criminosas no Brasil, especialmente as que estão ligadas aos crimes de colarinho branco.
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