Prof. Esp. GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN
(orientador)
Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso.
1 TEMA
Em tempos de sociedade da informação, a propagação de fatos criminosos ocorre de maneira imediata, repetida diariamente por inúmeros meios de comunicação em massa. Apesar de a função principal de tais mecanismos ser de informar o público, esta exerce certo poder, e uma reação social que influencia nos trâmites processuais criminais, tendo-se uma sociedade que começa a exigir maior rigor punitivo por parte do Estado nos crimes de maior repercussão.
Referida situação, entretanto, gera uma espécie de condenação preliminar pela sociedade, que em desrespeito a garantias constitucionais, em especial a presunção de inocência, clamam por uma punição severa do acusado sem aguardar o trâmite do julgamento, que detém instrumentos para fazer comprovar a autoria do delito, situação contrária da mídia, que almejando o lucro, produz matérias de natureza criminal sensacionalista, mesclando a realidade com fatos fictícios.
Nesta perspectiva é que estabelece o interesse pelo presente tema, no sentido de analisar a influência da mídia nas decisões criminais, tendo-se visualizado que a primeiro fomenta um verdadeiro show business com delitos de grande repercussão, desconsiderando o atropelo a direitos e garantias constitucionais, seja da vítima, que se torna exposta, e do suposto acusado, que sofre os estigmas sociais antes de uma eventual condenação.
Longe de esgotar o tema, a pesquisa busca contribuir para novos estudos acadêmicos e pesquisas voltadas à influência da mídia nos processos criminalizantes, demonstrando o impacto desta na sociedade contemporânea, e propriamente, na vítima e suposto acusado pelo delito fomentado pelo show business midiático.
Apoiando-se na criminologia crítica de Batista (2003), no universo midiático, os jornalistas e apresentadores, ao noticiar o cometimento de crimes bárbaros, que sabem chamar a atenção da sociedade e, consequentemente, aumentar seu lucro, assumem um papel quase que teatral, reproduzindo os trajetos e ações do crime, na tentativa de fazer com que os telespectadores acompanhem os desfechos da “trama” criminosa, fazendo um juízo pré-criminal de culpa do acusado, estigmatizando os envolvidos antes de qualquer manifestação do Poder Judiciário.
Nesta linha, a mídia inicia o escrutínio público sobre como um caso de alto perfil está sendo tratado no sistema de justiça criminal, podendo com isso influenciar o procedimento de julgamento do caso, que inclui o processo de coleta e apresentação de provas, bem como as testemunhas e demais elementos judiciais importantes em um julgamento.
O envolvimento da mídia em um julgamento pode operar em uma justiça criminal negativa ou positiva, a depender da situação em concreto, todavia, apesar da influência desta em vários casos criminais notórios, não houve, até o momento, estudos científicos estruturados sobre os efeitos que a mídia teve na justiça criminal, motivo pelo qual é perene a necessidade de mais pesquisas acadêmicas sobre a influência midiática em casos que estão sendo julgado no sistema penal brasileiro, podendo os resultados instigar em uma discussão mais aprofundada.
Afetando mais as crenças humanas do que a ciência, em todas as formas de se fazer notícia, os julgamentos criminais ocupam grande pauta das manchetes diárias, sendo, por diversas vezes, a “ordem do dia”, motivo pelo qual é necessário examinar como a mídia influência o sistema de justiça criminal do país.
Escudada pela garantia da liberdade de imprensa, instrumentalização da própria liberdade de expressão, tão dificilmente reconquistada no Brasil após grande período opressivo de Ditadura Militar, a mídia, utilizando-se do argumento de ser seu direito e função social transmitir e veicular informações, notícias ou opiniões sobre fatos relevantes, tem se apoiado em tamanho direito para legitimar a espetacularização de crimes bárbaros.
De outro lado encontra-se a sociedade, curiosa pela sua própria natureza humana, ávida para obter informações acerca dos acontecimentos ao seu redor, sendo a comunicação social um modo inclusivo e um meio de sobrevivência para o ser humano, facilitando a convivência de uns e outros nos diversos ambientes de interação social, como o lar, o trabalho, locais de lazer, dentre outros, para poder cumprir, de forma eficaz, seu papel como cidadão.
Desde os primórdios, existe por parte da sociedade uma grande fascinação nas estórias entre os estereótipos do herói e o vilão, a luta entre o bem e o mal, a torcida pela sucumbência do bandido pelo “bonzinho”. Atualmente, a mídia, dando continuidade a tal fascínio, aponta que o vilão é o criminoso, e a lei é a espada que deve ser utilizada pelo juízo penal para combatê-lo.
Neste diapasão, os jornais, as rádios, os programas de televisão, a internet, redes sociais, entre outros meios de comunicação, não contentes em noticiar os eventos delituosos, por vezes realizando simulações realísticas dos fatos, apontam os acusados de forma estigmatizada, visando à atenção dos telespectadores em busca de maiores índices de audiência, desconsiderando se aquele é realmente culpado pelo delito, realizando, de certo modo, um pré-julgamento sobre o indivíduo.
Atuando como um verdadeiro Tribunal, a mídia tem o condão de incitar a punição e culpabilidade do indivíduo, sem garantias a um processo criminal justo, respeitando os direitos de resposta e defesa, influindo na mentalidade da sociedade e daqueles que atuam no sistema criminal.
Nesta linha, considerando os possíveis impactos que a espetacularização midiática sobre crimes notórios tem sobre o juízo penal, é que o presente trabalho será guiado pelo seguinte questionamento: até que ponto a mídia influência na opinião da sociedade e reflete na imparcialidade do juízo criminal?
O objetivo geral do estudo é analisar a influência que a mídia exerce na opinião social, e os seus reflexos no Poder Judiciário e na imparcialidade do juízo criminal, examinando a relação entre sentenças e pré-julgamentos midiáticos. Há a necessidade de estabelecer objetiva e cientificamente de forma conclusiva como a mídia impacta nos processos de justiça criminal, sendo a pesquisa uma importante ferramenta para instigar discussões, bem como reforçar os perfis de intervenção.
§ Analisar os motivos e circunstâncias que fazem com que alguns casos recebam maior importância da imprensa do que outros, dando ênfase ao fenômeno da seletividade midiática nos processos criminalizantes;
§ Identificar os princípios de ordem constitucional que a mídia atinge e/ou viola;
§ Dispor no que consiste o direito ao esquecimento, e como acioná-lo diante de casos de alta repercussão midiática;
§ Apontar se é possível considerar a mídia como um quarto Poder de Estado.
O trabalho que se apresenta é resultado da inquietação sobre a relação entre o sistema penal e as mídias em geral, compreendidas como jornais, revistas, televisão, rádio e internet, consistindo tais meios de comunicação na forma mais eficaz e ágil de propagar ideias, sejam elas boas ou más.
O fato é que, na sociedade, os meios de comunicação se tornaram de extrema importância, não somente para informar, mas também para influenciar os aqueles que a recebem, existindo certa preocupação de como essa informação vai ser absorvida pelo destinatário, isto é, telespectador, leitor, ou ouvinte, moldando a perspectiva do que se passa ao seu redor e da vida em sociedade.
Sendo assim, a mídia, que tanto influência no cotidiano, também exprime suas vontades no meio jurídico, especificamente no sistema penal brasileiro, que sofre intervenção da opinião transmitida pelos meios de comunicação, gerando impactos na punição ou absolvição de indivíduos.
Considerando os possíveis reflexos da atuação midiática no sistema penal brasileiro, é que se justifica o interesse pelo presente tema em função da sistemática violação de garantias penais praticadas pelos meios de comunicação, os quais, não raras vezes, condenam antecipadamente pessoas, afrontando os princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, além dos sagrados direitos à liberdade, intimidade, à imagem e à honra, também assegurados constitucionalmente.
Dentre as hipóteses suscitadas ao longo do desenvolvimento destaca-se que a mídia, de forma indireta, propaga o medo e cultua a vingança na sociedade, punindo previamente o eventual agente delituoso antes de o Poder Judiciário e demais órgãos investigativos findarem com o ius puniendi, ocasionando uma desestabilização da vida privada e social do indivíduo.
Conforme será apontado ao longo do estudo, a mídia, estando em busca de lucro, utiliza de artimanhas sensacionalistas, mesclando os eventos reais com fictícios, em uma forma de telejornal e telenovela, vendendo o “produto” crime desde os primeiros indícios de sua ocorrência.
Buscando justificar a sua atuação, a mídia justifica erroneamente os seus atos no direito à liberdade de imprensa e na necessidade de informar a sociedade, deixando de visualizar que o seu modo de repassar a ocorrência dos delitos ocasiona uma verdadeira violação de outras tantas garantias da ordem constitucional, especialmente aquelas voltadas ao possível agente criminoso, punindo-o socialmente antes do próprio sistema criminal.
Neste sentido, a hipótese relacionada no trabalho é no sentido que a espetacularização midiática de crimes bárbaros no Brasil influencia não só a sociedade, como também interfere no processo criminal, agindo de maneira tal que exige que o Poder Judiciário condene o indivíduo para atender o clamor social.
6.1 A seletividade midiática nos processos criminalizantes
Atualmente, os instrumentos tecnológicos compõem uma necessidade natural do ser humano, que já não consegue mais viver sem o acesso a tais mecanismos, os quais, além de auxiliá-lo nas demandas de trabalho e no dia a dia, consistem em uma forma de mantê-lo informado sobre os acontecimentos regionais e mundiais.
A par dos avanços tecnológicos, a mídia tem se utilizado dos meios de comunicação em massa para propagar, diariamente, inúmeras notícias e outros acontecimentos, visando não apenas manter a sociedade informada, como também gerar lucros, utilizando, para tanto, de situações atrativas.
Dentre algumas atrações, destaca-se a abordagem do “produto” crime, campo fértil para captar audiência e aumentar o lucro dos meios de telecomunicação, os quais recorrem a critérios sensacionalistas e estigmatizantes de maneira consciente para manter o público interessado, realizando uma espécie de processo seletivo dos principais acontecimentos relacionados ao universo do crime, transformando as informações ou criando mais de uma versão, tornando o processo criminal um verdadeiro show business (DIAS, F. F.; DIAS, F. V.; MENDONÇA, 2013).
Através de um sensacionalismo impactante, e de instrumentos tecnológicos que mesclam a realidade dos fatos com a ficção, a mídia consegue gerar tensão e curiosidade na sociedade, além de influenciar na rotulação de determinados indivíduos, propriamente, na estereotipação das classes mais fragilizadas, tratando de maneira diferente o eventual criminoso de uma classe social mais baixa, do que outro com melhor qualidade de vida (CAMPOS, 2012).
Além de selecionar os estereótipos dos agentes criminosos, preferindo os mais marginalizados pela sociedade, a mídia também escolhe as vítimas, interessando aos programas as mais funcionais, com poder de fala e posicionamento, que conseguem encenar um discurso repressivo e vingativo, caso contrário, esta se tornará “desinteressante” para o meio social, fazendo com que o coletivo deixe de acompanhar os meios televisivos (SOUZA, 2017).
Em crítica, Souza leciona que, apesar de diariamente jovens serem vítimas em favelas, é como se a morte desses não valesse para a sociedade por não serem nada rentável:
Não interessa à criminologia midiática, consequentemente, a morte de um adolescente pobre em um bairro periférico. Muito mais interessante seria se ele fosse de classe social abastada e o homicídio ocorresse em uma zona nobre da cidade; a imagem da família desolada clamando por justiça seria incessantemente explorada.
Não importa quantos jovens são mortos todos os dias nas favelas e em bairros periféricos, vítimas da violência, do abuso do poder da polícia, vítimas do tráfico de drogas, balas perdidas [...]. Esses cadáveres não são funcionais, essas vidas não importam para a criminologia midiática. (SOUZA, 2017, p. 74).
Batista (2003), ao se debruçar sobre a lucratividade da mídia com os processos criminais, alude que os meios de comunicação em massa já estão cientes que a espetacularização do crime é algo altamente rentável, tanto é que, em uma análise do editorial O Globo de 2002, o autor constatou que 80% desta edição correspondiam a matérias criminais, expondo atos de violência, homicídios, terrorismo, entre outros.
A mercantilização do crime, entretanto, gera diversas consequências, estando à primeira delas ligadas ao fato de que, os meios de comunicação em massa são considerados os principais instrumentos formadores da opinião pública, o que consequentemente reflete no modo com o qual a sociedade irá lidar com determinado crime, podendo está se manifestar fervorosamente para que os Poderes de Estado tomem medidas que antes de ser verdadeiramente benéfica a eventual vítima, puna com o máximo rigor o ofensor, sem ao menos ter a certeza de que este é o real autor do delito (DIAS, F. F.; DIAS, F. V.; MENDONÇA, 2013).
Segundo Zaffaroni (2012), esta atitude por parte da mídia configura-se como uma espécie de criminologia midiática, onde os meios de comunicação propagam um discurso de neopunitivismo, cientes de que a sociedade visualiza na imposição da pena a forma mais certa de solucionar um crime, dispensando-se assim outros instrumentos que, a depender da gravidade do delito, poderiam trazer uma solução pacífica à vítima e ao ofensor.
Batista, de igual modo, também alude que pelo viés da criminologia crítica, a mídia coloca a pena como um rito sagrado da solução de conflitos, elucidando:
O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado de solução de conflitos. [...] Na há debate, não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas. Pouco importa o fracasso histórico real de todos os preventinismos capazes de serem submetidos à constatação empírica, como pouco importa o fato de um retribucionismo puro, se é que existiu, não passar de um ato de fé. (BATISTA, 2003, p. 3-4).
No Brasil, existem casos concretos que atestam a influência da mídia na condução dos processos criminais, os quais devido às ações delas exploram situações que sequer tenham acontecido de verdade, gerando condenações injustas e impactos na vida privada e social dos envolvidos.
A título de exemplo, cita-se o caso conhecido como “Escola Base”, ocorrido em São Paulo em março de 1994, em que, para além de ter demonstrado o despreparo da polícia judiciária em conduzir as investigações, é um símbolo marcante das ações da mídia na mercantilização do crime e do medo na sociedade (LOPES JÚNIOR, 2020).
A situação condutora do caso foi uma denúncia de abuso realizada por duas mães que alegavam que seus filhos, de cerca de quatro anos, participaram de orgias sexuais organizadas pelos proprietários da Escola de Educação Infantil, por uma professora e pelo motorista de transporte escolar (SANTOS, 2017).
A denúncia teve como base a narrativa de uma das crianças, que relatou ter tirado fotos em uma cama redonda com uma mulher que havia lhe beijado, tendo sido percebido pela mãe, em momento posterior, que o filho tinha fissuras na região anal, levando esta a crer que o menor tinha sido abusado sexualmente (LOPES JÚNIOR, 2020).
Apesar de o exame de corpo de delito do menor ser inconclusivo, ainda assim foi expedido mandado de busca e apreensão na Escola Base, cumprido com indevida publicidade policial e midiática, resultando no alastramento dos supostos abusos nos noticiários do país, desencadeando na pichação e depredação da Escola, assim como em falsas acusações pela mídia, que alegavam que as crianças teriam consumido drogas e sido contaminadas pelo vírus HIV (SANTOS, 2017).
Em certo momento, foi decretada a prisão temporária dos envolvidos, revogando-se esta depois de alguns meses, haja vista a falta de indícios de criminalidade, e posterior comprovação por parte da perícia de que as fissuras na região anal do menor estavam relacionadas a problemas intestinais, e não a abusos (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2019).
Tendo a mídia responsabilizado previamente os envolvidos no caso Escola Base antes da finalização de qualquer trâmite processual penal, estes ingressaram com pedidos de indenização perante o Poder Judiciário, pedindo a condenação de jornais, revistas e emissoras que divulgaram de maneira distorcida os fatos, prejudicando a vida privada e a intimidade dos acusados à época (SILVA, 2018).
Na ocasião, a emissora Rede Globo, envolvida no escândalo midiático, foi condenada a pagar mais de R$ 1 milhão aos acusados pela exposição e danos materiais e extrapatrimoniais causados as partes (SILVA, 2018).
Outra situação que demonstra o interesse da mídia em propagar casos de natureza criminal e influenciar na opinião social, é o programa “Linha Direta” televisionado pela Rede Globo no final da década de 1990, que reunia dois aspectos que gerava maior audiência a emissora, qual seja, o telejornalismo e a telenovela, caracterizado por Batista como uma agência executiva do sistema penal:
[...] Perguntávamo-nos aqui no Instituto: quem matou a Marcos “Capeta”? Um grupo de policiais baianos, fascinados pela fama ao alcance do dedo, ou o jornalista Marcelo Rezende – quer dizer, a TV Globo? Parecia-nos que a agência de comunicação social, dispondo dramaticamente sobre fatos e personagens reais, inclusive e especialmente policiais pautados para aquela caçada, estava assumindo um papel próprio das agências executivas do sistema penal; pela primeira vez, cogitava-se da hipótese de “executivização” daquelas agências. (BATISTA, 2013, p. 18).
Nesta linha de ideias, para além da influência que a mídia exerce não só na sociedade, como eventualmente no âmbito do Tribunal do Júri e da imparcialidade do magistrado, é preciso evidenciar que a repercussão midiática dos processos criminalizantes, feita normalmente antes de qualquer conclusão investigativa, afronta princípios constitucionais, traduzindo como ações de natureza inconstitucional, portanto, passíveis de serem confrontadas por parte do ordenamento pátrio.
Para tanto, segue-se o estudo propondo a analisar a (in) violabilidade dos princípios constitucionais por parte da exposição midiática relacionadas ao processo criminal, utilizando-se deste para, além de propagar o medo na sociedade, e induzir na necessidade de novos instrumentos de repreensão criminal, lucrar com a dupla vitimização, marcando ainda a vida do eventual acusado antes de uma sentença.
6.2 Da (in) violabilidade dos princípios constitucionais
Na procura por audiência, os meios de comunicação em massa buscam no “produto” crime uma forma de manter a sociedade interessada, realizando com isso uma espetacularização do processo penal ao englobar situações reais com fictícias, trazendo os pormenores do delito sem se preocupar no pré-julgamento, e nos eventuais direitos e garantias que corrompe ao se subjugar como um Tribunal social.
Apesar de referidos meios gozarem do direito à liberdade de imprensa, como assim prega o art. 220, caput da Constituição Federal de 1988, ao prever que “[...] a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, este não pode ser considerado uma garantia absoluta face à dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988, n. p.).
Deste modo, em um primeiro ponto, é possível aludir que a espetacularização do processo criminal pela mídia configura-se, inicialmente, como uma afronta a dignidade da pessoa humana, guia valorativo do ordenamento pátrio, e uma garantia real a todo e qualquer indivíduo, sendo esta irredutível, insubstituível e irrepetível.
Em virtude da dignidade da pessoa humana é que se proíbe qualquer ato contrário à natureza humana, que configure uma violação a integridade física ou psíquica dos indivíduos, ou a direitos personalíssimos e aqueles relacionados a este, como a honra, a moral, à vida privada, intimidade, dentre outros que uma vez afrontados, atingem a essencialidade do sujeito (MIRANDA, 2014).
Sob o viés da propagação midiática do crime, a exposição desenfreada do processo criminal, repercute na esfera da dignidade da pessoa humana ao proceder com a acusação preliminar do eventual agente criminoso, fazendo com que a sociedade e o próprio Poder Judiciário, já o rotule como réu e culpado no caso, afetando toda uma cadeia da vida privada, refletindo nas possíveis oportunidades de emprego, nas relações familiares e afetivas, desencadeando uma punição estatal violenta antes da manifestação do órgão investigativo e jurisdicional, dificultando assim a própria ressocialização do sujeito.
No mais, nas ações da mídia sobre determinado crime, existe uma clara afronta ao contraditório e a ampla defesa, que consiste na garantia do devido processo legal, com a função de impedir com que qualquer indivíduo seja levado ao cárcere sem antes poder se defender das acusações, preservando-se, para a tanto, a supremacia da liberdade (NUCCI, 2020).
Com as repercussões na mídia, especificamente o então acusado, torna-se alvo direto da sociedade, sem ter a oportunidade de proceder com tais garantias face ao Tribunal social, podendo tal situação afetar no poder decisório do Estado-juiz, assim como na impressão inicial que eventual júri possa ter sobre ele, refletindo na questão da imparcialidade dos julgamentos.
Como consequência da violação do contraditório e da ampla defesa, a mídia influência ainda na presunção de inocência do acusado, também denominado de presunção de não culpabilidade, princípio este que reforça a proteção a liberdade do indivíduo, estando previsto no art. 5º, LVII da Constituição Federal de 1988, que prevê que “[...] ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, n. p.).
Referido princípio compõe-se como uma garantia a um processo penal justo, sendo este essencial para defender o ser humano das possíveis arbitrariedades estatais, colocando-se como indisponível, irrenunciável, e inata a todo e qualquer indivíduo, sendo uma forma de garantir a segurança jurídica no tramitar dos procedimentos (FERRAJOLI, 2010).
Coadunando-se com o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana, Lopes Júnior (2020), aponta que enquanto garantia de ordem essencial, a presunção de inocência tem o condão de proteger o indivíduo da publicidade abusiva e da exposição midiática desnecessária, as quais geram uma estigmatização precoce do sujeito antes da própria sentença condenatória, devendo este ser suscitado pelo acusado para se defender do “bizarro” espetáculo propagado pelos de meios de comunicação em massa, in verbis:
[...] verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência. Também na perspectiva de norma de tratamento, a presunção de inocência repudia o uso desnecessário de algemas e todas as formas de tratamento análogo ao de culpado para alguém que ainda não foi condenado definitivamente. (LOPES JÚNIOR, 2020, p. 142).
Para Grotti e Linhares (2021, p. 314), apesar de a mídia ser uma forma de manter a sociedade informada, tratando-se da vinculação de casos criminais, a transmissão dos acontecimentos origina, geralmente, em acusações sociais que acarretam prejuízo ao sujeito, deixando uma mancha em sua imagem, impedindo-o de ser reinserido na sociedade “[...] ante a atuação da mídia no exórdio do processo, momento em que a culpabilidade do réu não é certa.”
Na visão de Nucci (2020), apesar de a publicidade ser um corolário do Estado de Direito, a transmissão de julgamentos através dos meios de comunicação, gera uma ingrata exposição da imagem da vítima, acusado e até das testemunhas, lesando a dignidade da pessoa humana, gerando um desequilíbrio na imparcialidade do magistrado e, eventualmente, do Tribunal do Júri.
Nesta concepção, o autor reforça que, não sendo os princípios constitucionais absolutos, é preciso haver uma interpretação conciliatória e harmoniosa entre todos, confrontando a dignidade da pessoa humana com a publicidade e liberdade de imprensa, evitando que o processo criminal se torne um “[...] evento público de divertimento” (NUCCI, 2020, p. 1245).
Como bem chegou a enfatizar o Ministro Eros Grau, quando do julgamento do Habeas Corpus 84.078-7/MG em 2009 no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde se debatia a inconstitucionalidade da prisão antecipada sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, no Estado Democrático de Direito, os eventualmente tachados como criminosos, também devem ser considerados sujeitos de direitos, ainda quando seja comprovada a sua autoria em determinado delito, não podendo este se converter como um mero objeto processual, sem fruição de direitos e garantias (BRASIL, 2009).
Cita-se:
[...] Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. (BRASIL, 2009, p. 12).
Partindo desta perspectiva, evidencia-se que todo e qualquer acusado, ainda que reste comprovado quando do prosseguimento das investigações e da persecução criminal de que este é o verdadeiro autor do delito, goza de direitos que não podem ser flexibilizados por parte da mídia e da sociedade, antecipando o julgamento deste no âmbito social, constituindo-se, portanto, uma obrigação dos meios de massa o respeito à dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal e, sobretudo, a presunção de inocência quando da propagação de notícias com o condão de manter o coletivo informado.
Deste modo, ainda que a mídia goze do direito à liberdade de imprensa, este deve ser limitado quando confrontando com outros de maior carga valorativa, tal como a liberdade de locomoção do indivíduo, tendo-se por base a dignidade da pessoa humana, cujo fundamento impede a propagação de discursos de ódios midiáticos que segreguem os indivíduos antes do trânsito em julgado.
Em termos teóricos, apesar de se repudiar qualquer exposição midiática que cause embaraços ao regular processo criminal, retirando o direito do acusado em ser julgado de forma justa, o ordenamento pátrio, ciente de que, na prática, com o avanço dos meios de comunicação em massa, torna-se difícil de fiscalizar as ações por parte da imprensa, recepcionou um instrumento que possibilita as vítimas e acusados que tenham repercutido na mídia e, tenham consequências em sua vida privada por conta desta situação, a requererem a retirada de informações relacionadas ao seu nome, concebendo-se o direito ao esquecimento.
6.3 Direito ao esquecimento: um caminho para cessar a exposição midiática
Na ocorrência de crimes bárbaros, a mídia, interessada em lucrar com o acontecimento, cria um espetáculo para a sociedade utilizando-se dos mais diferentes mecanismos tecnológicos, fazendo com que o acusado, ainda em processo de investigação, seja condenado pelo Tribunal Popular, antes da sentença penal, gerando uma espécie de morte moral e social no indivíduo (LEHNEN, 2021).
Tamanha publicidade excessiva, para além de afrontar os princípios constitucionais de ordem processual, gera na revitimização da vítima e de seus familiares, que fica sob os holofotes da mídia, obrigando-os a constantemente relembrar a ocorrência do suposto fato delituoso, além, propriamente, da exposição do acusado, que antes do julgamento, já é condenado pela sociedade, situação que reflete em direitos mínimos, sendo este segregado do coletivo, mantendo-se em uma espécie de prisão sem grades.
Diante da estigmatização midiática e, consequentemente, social das partes envolvidas em processo criminal, surge à possibilidade de se atribuir o direito ao esquecimento, o qual permite o indivíduo de, por mais que não possa apagar da memória determinado fato, ao menos este deixe de ser lembrado pelos meios de comunicação em massa, impedindo-o de reviver eventos traumáticos, vexatórios ou desagradáveis que ocorreram no passado, e ainda assim, afetam direitos de personalidade no presente (SARLET; FERREIRA NETO, 2019).
Referido direito encontra amparo no art. 5º, X da Constituição Federal de 1988 que dispõe ser “[...] invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, assim como no Enunciado n.º 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) que previu que “[...] a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, traduzindo este em uma forma de o indivíduo deixar de sofrer e lidar com os reflexos dos acontecimentos gerados no passado (BRASIL, 1988; BRASIL, 2013, n. p.).
No âmbito do ordenamento pátrio, atrela-se o surgimento do direito ao esquecimento as exposições midiáticas das condenações criminais, as quais, por intermédio das novas tecnologias, têm causado danos, sobretudo, ao acusado, retirando deste a ressocialização, a possibilidade de ser reinserido na sociedade sem carregar integralmente as mazelas do sistema punitivo criminal, o qual por si só já estigmatiza o indivíduo (BRASIL, 2013).
Sob o enfoque da sociedade contemporânea, esta é diariamente instigada pelos mecanismos tecnológicos a buscar informações acerca de determinado fato, existindo uma infinidade de meios à sua disposição, destacando-se a internet, onde toda situação consegue ser retransmitida em diversos canais a curto prazo de tempo. Com o desenvolvimento da internet, qualquer fato delituoso se tornou ao alcance de um clique, expondo a situação a nível global, fazendo com que os envolvidos no processo criminal revivam um passado ocorrido há anos atrás.
Partindo destas circunstâncias, é que se debate a possibilidade de aplicação do direito ao esquecimento aos casos criminais expostos na mídia, sendo que este não será concedido a toda e qualquer situação, haja vista a possível afronta a publicização das informações, devendo, entretanto, serem considerados alguns critérios para a sua concessão.
Apoiando-se em Sarlet e Ferreira Neto (2019), em um primeiro momento, para que o indivíduo goze do direito ao esquecimento, é preciso que exista um direito individual que se coloque como obstáculo a disseminação desproporcional das informações, as quais tenham se prolongado no tempo e refletido na esfera da pessoalidade e personalidade do sujeito, trazendo consequências ao psíquico e a questões comportamentais e sociais.
Somado a isto, tem-se ainda que a situação pretérita, objeto do direito de esquecimento, deve ser aquela cuja tamanha repercussão midiática gere um dano real ou potencial ao sujeito, afetando a dignidade da pessoa humana, não podendo ser um mero capricho ou desejo do indivíduo (SARLET; FERREIRA NETO, 2019).
Para aferição do dano real ou potencial da informação propagada, deve se considerar o nível de exposição pública a qual o indivíduo está habituado, ou seja, visualizará a publicidade do indivíduo; a ocupação de cargo público; assim como a sua notoriedade e reconhecimento social, registrando-se, neste sentido que, sendo o indivíduo uma figura pública, o direito ao esquecimento estará inviabilizado, dado a papel que estas assumiram na vida social (SARLET; FERREIRA NETO, 2019).
Além destes critérios, Sarlet e Ferreira Neto (2019) aludem a questão da necessidade de ausência de contemporaneidade da informação, ou seja, é preciso que o fato já não tenha mais repercussão na atualidade, assim, na ausência de interesse recente à informação ou de circunstâncias que tenham o condão de reavivar a situação pretérita, o indivíduo possui o direito ao esquecimento.
Por fim, em último ponto, tem-se como critério determinante, a ausência de interesse público e de historicidade do acontecimento criminal, ou seja, existem determinados eventos que não podem ser esquecidos pelo tempo diante do significativo valor social e histórico que possuem, fazendo este parte da memória do coletivo, ainda que “[...] gravemente penosos para o indivíduo afetado ou para seus herdeiros e mesmo que um longo período de tempo já tenha transcorrido desde a data de sua ocorrência” (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 196).
Acerca da historicidade de determinados casos criminais, que impedem o sujeito de fazer gozo do direito ao esquecimento, destaca-se o julgamento do Recurso Especial 1.736-803/RJ, proferido em 2020 no STJ, onde se discutia o direito ao esquecimento cumulado com pedido de indenização por danos morais em situação envolvendo Paula Thomaz, uma das responsáveis pela morte da atriz Daniella Perez na década de 1990 (BRASIL, 2020).
O leading case ocorreu em virtude de matéria jornalística da Revista “ISTO É” que publicava semanalmente crimes de homicídio que chocaram a sociedade brasileira, inserindo o caso da Daniella Perez como um deles, trazendo fotografias da cena do crime, as características dos acusados, Paula Thomaz e seu ex-cônjuge, Guilherme de Pádua, assim como detalhes do julgamento, além de apontar detalhes da vida destes na atualidade, com descrição das rotinas, seus hábitos, descrevendo, inclusive, quem são seus filhos e companheiros na atualidade (BRASIL, 2020).
Em pedido, Paula Thomaz, requeria o reconhecimento do direito ao esquecimento para assim poder se restabelecer no convívio social em condições de igualdade, sem ter a sua intimidade e a de seu cônjuge e filhos afetadas por um crime no qual já havia sido sentenciada, e cumprido a pena, arbitrando a título de indenização moral o importe de R$ 3 milhões, considerando o faturamento da revista com a venda dos exemplares (BRASIL, 2020).
Iniciado o julgamento, o Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, apesar de reconhecer que a publicação semanal do cotidiano da ex-acusada Paula Thomaz, acarretaria violação do direito à reabilitação e retorno ao convívio social de egressos do sistema penal, entendeu ser inviável acolher a tese do direito ao esquecimento pelo fato de o crime ocorrido ter marcado a história do país, e gerado movimentos sociais iniciados pela mãe da vítima, a escritora de telenovela Gloria Perez, que ensejaram em mudanças na Lei n.º 8.072/1990, ao tornar o homicídio qualificado como um crime hediondo (BRASIL, 2020).
Neste sentido, o Ministro fixou que:
[...] Diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio BRASIL. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.736.803-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de julgamento: 28/04/2020, n. p.).
Com relação aos eventuais danos causados a prole e ao cônjuge de Paula Thomaz, o Ministro Ricardo Villas Bôas sustentou que, apesar de não haver direito ao esquecimento no caso destes, haja vista a ausência destes na vida da autora do delito na época dos fatos, a matéria jornalística em questão representava uma ofensa ao princípio da intranscendência da pena (ex vi art. 5º, XLV da Constituição Federal de 1988), haja vista que ao expor na mídia a vida da egressa, esta acabava estendendo os eventos do crime a eles, o que poderia ocasionar, sobretudo, aos menores, que se encontra em estado de desenvolvimento, fixando como indenização o valor de R$ 30 mil e R$ 20 mil (BRASIL, 2020).
Nesta linha, é possível evidenciar que só gozaram do direito ao esquecimento os fatos que, para além de atingirem a dignidade humana e direitos personalíssimos, não se traduzam como um evento que faça parte da memória do coletivo, tal como o assassinato da atriz Daniela Perez, e as repercussões midiáticas que ainda giram em torno deste delito, independentemente do fato de os acusados já terem respondido ao processo, bem como já ter se passado 30 anos do evento criminoso.
Por outrora, há que se ressaltar a influência na mídia no transcurso de tais delitos, sobretudo os crimes bárbaros, no qual os meios de comunicação em massa conseguem gerar tamanha influência a ponto de influenciar na opinião e movimentos sociais clamando pela punição severa dos atos no âmbito do Poder Judiciário.
6.4 Espetacularização do processo criminal: a mídia como quarto Poder
Em face de todo ato criminoso, existe uma reação, seja esta por conta da vítima, do Poder Judiciário e órgãos a ele interligados, assim como uma reação social, que pode ser mais enfatizada a partir das informações disponibilizadas pela mídia acerca de determinado fenômeno criminal, expondo os pormenores do delito, fazendo surgir no coletivo o desejo de vingança privada, de aniquilação do mal, daquilo que é estranho e não pactua com a passividade social (ANDRADE, 1995).
Andrade (1995), à luz da Criminologia contemporânea, assevera que a partir das transformações históricas e sociais, constitui-se na atualidade um novo paradigma aos delitos, qual seja, o da reação social (social reation approach), que designa o etiquetamento do indivíduo por meio de processos sociais, in verbis:
[...] o desvio e a criminalidade não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica preconstituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social; isto é, de processos formais e informais de definição e seleção. (ANDRADE, 1995, p. 28).
Neste sentido, a criminalidade não possui uma natureza ontológica, mas sim, social, onde se cataloga o crime e, propriamente, o autor do delito, por intermédio de um controle social formal, onde se tem as figuras dos Poderes de Estado, qual seja, Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como o sistema penitenciário e demais órgãos de natureza investigativa realizando uma criminalização primária, como também um controle social informal, promovendo uma criminalização de ordem secundária, destacando-se o papel da mídia (ANDRADE, 1995).
Em tempos de sociedade da informação, a reação social ao evento criminoso recebe forte influência dos meios massivos de comunicação, os quais, na pretensão de propagarem o conhecimento ao público, indiretamente exercem controle sobre a sociedade, fomentando o ideal de punitivismo estatal ao estabelecer que a pena é o caminho para a solução da criminalidade no país.
Para além de servirem como um instrumento informativo, a mídia, recorrendo ao crime como um espetáculo teatral, extrapola o limite da liberdade de imprensa, estigmatizando o acusado e antecipando a condenação em uma espécie de Tribunal Popular, onde os meios de comunicação são os principais condutores de um processo sem garantias constitucionais (CORREA; SILVA, 2017).
Referida situação gera o que Schreiber (2008) denominou de trial by media, que consiste em uma manifestação por parte dos meios de comunicação que influenciam no resultado do julgamento, em virtude da atuação imediata desta já no momento da instauração do inquérito policial, prosseguindo até o julgamento definitivo, e em casos mais céleres, repercutindo durante anos.
A exposição midiática e, sobretudo, preliminar dos casos criminais, para além de realizar uma condenação social dos indivíduos, também influência na decisão dos jurados em sede do Tribunal do Júri, ao estabelecer a cultura do medo nestes, assim, por receio de futuras retaliações, aqueles que deveriam julgar conforme a livre convicção e imparcialidade são contaminados pelo sensacionalismo da mídia (AQUINO; CASTRO; QUEIROZ, 2020).
De igual modo, a sociedade, indiretamente, torna-se vítima de uma mídia sem respeito a termos éticos, que propaga o medo e alimenta o sub-inconsciente do coletivo a se preocupar e ter receio de se tornar a próxima vítima (CALLEGARI; ENGELMANN; WERMUTH, 2016).
Tamanha é a influência da mídia nos processos criminalizantes, que no julgamento do caso Isabella Nardoni, com então cinco anos, jogada do sexto andar de um edifício de São Paulo por seu pai, com a colaboração da madrasta, os meios de comunicação, que transmitiram de forma massiva o homicídio, promoveram tamanho espetáculo que a sociedade passou a clamar por uma condenação máxima do casal, situação esta que resultou em uma sentença determinando uma pena longa aos acusados, diante da repercussão do caso na sociedade brasileira, visando com isto atender ao apelo social (AQUINO; CASTRO; QUEIROZ, 2020).
Na conjuntura dos impactos da mídia nos processos criminais, a doutrina vem empregando ser esta uma espécie de quarto Poder, no qual, para além das funções respectivas do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, realiza uma forma de controle sobre estes, exigindo, por meio de pressões punitivistas, com o auxílio da população, a aplicação de penas severas aos crimes com maior repercussão midiática, sem se importar com as garantias constitucionais cabíveis as partes e, inclusive, com a possível inocência do réu, expondo-o desde as primeiras repercussões sobre o delito (DIAS, F. F.; DIAS, F. V.; MENDONÇA, 2013).
Neste sentido, alude Vieira:
O investigado ou acusado desde a prisão em flagrante delito, ou mesmo antes de serem iniciadas as investigações, até o momento do efetivo cumprimento da pena é submetido a situações vexatórias pela mídia, como se tivesse perdido a dignidade, a intimidade, a privada. Tem sua vida particular devassada, posta a descoberto; pessoas, até então respeitáveis, deixam de sê-lo porque a imprensa relata o crime e os motivos sórdidos e imorais que ela supõe terem existido. (VIEIRA, 2003, p. 155).
Para Zaffaroni (2012), é preciso repensar as ações da mídia, não cabendo, entretanto, proceder-se com uma censura prévia as ações desta, mas o estabelecimento de uma nova cultura dos meios de comunicação, de modo que a criminalidade e aqueles envolvidos nela, sejam ressignificados, cabendo apenas a mídia o papel de informar, e não influenciar e sensacionalizar situações que atinjam a dignidade da pessoa humana e, especialmente, os direitos de personalidade e a liberdade de locomoção dos indivíduos.
Neste sentido, conclui-se que, apesar de a liberdade de imprensa constituir uma garantia constitucional, esta, assim como qualquer outro direito, não pode ter valor absoluto, devendo ser sopesado quando houver clara afronta a dignidade da pessoa humana, sendo um direito das partes responderem um processo justo, estando à vítima longe dos holofotes midiáticos, e o potencial acusado, distante de uma condenação social.
Servindo como mecanismo auxiliar ao pesquisador, a metodologia quando bem definida tem o condão de explicar a quem se utiliza do estudo, de que modo o autor chegou às devidas conclusões, quais foram às principais fontes utilizadas, entre outras, como bem define Pereira et al., ao colocar que o método científico parte da:
[...] observação organizada de fatos, da realização de experiências, das deduções lógicas e da comprovação científica dos resultados obtidos. Para muitos autores o método científico é a lógica aplicada à ciência. O método científico é um trabalho sistemático, na busca de respostas às questões estudadas, é o caminho que se deve seguir para levar à formulação de uma teoria científica. É um trabalho cuidadoso, que segue um caminho sistemático. (PEREIRA et al., 2018, p. 27-28).
Em questão, o método utilizado foi o descritivo, centralizando-se em bases teóricas com vistas a sustentar os objetivos traçados, optando-se, consequentemente, como técnica pela pesquisa de natureza bibliográfica e documental, que consiste em uma fonte de coleta de dados acerca do tema, abrangendo “[...] toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses”, entre outras, cujo objetivo é de validar cientificamente aquilo que foi escrito (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 183).
Para o presente estudo, dentre os materiais selecionados para a pesquisa bibliográfica estão: livros físicos e e-book, artigos científicos extraídos da base de dados do Google Acadêmico, teses e dissertações na área da Criminologia, Direito Penal e Processual Penal.
Na condução da realização da pesquisa, inseriram-se as seguintes palavras-chave nos instrumentos de busca, sendo elas: influência da mídia; espetacularização midiática; a mídia como quarto Poder; e criminologia midiática. Selecionando os materiais, o estudo optou por aqueles publicados em língua portuguesa ou traduzidos para esta, dando-se preferência para autores renomados como Zaffaroni, Sarlet e Ferreira Neto, e Batista.
Tendo identificado que o debate acerca da influência da mídia no processo penal não é de todo recente no ordenamento jurídico, o estudo selecionou materiais e doutrinas publicadas majoritariamente, dentro de um lapso temporal de 20 anos, mesclando as mais antigas com entendimentos atuais acerca do show business realizados pela mídia sobre os casos emblemáticos relacionados ao crime.
Por fim, para atestar na prática de determinadas circunstâncias propagadas pela mídia, o estudo recorreu a casos reais repercutidos na sociedade brasileira, limitando o estudo a quatro casos, a saber: o leading case Escola Base, envolvendo falsas acusações de abuso sexual e responsabilização da mídia; polêmica acerca do programa Linha Direta, revestido de certo sensacionalismo midiático; julgamento proferido pela Corte Superior envolvendo direito ao esquecimento da assassina da atriz Daniela Perez; e ainda, de maneira breve, a cobertura midiática realizada no caso da morte da menor Isabella Nardoni.
A escolha por tais casos está ligada ao fato destes terem sido amplamente debatidos na mídia, caracterizados como casos de grande repercussão nacional e internacional, tendo a sua exposição afetado ainda que de maneira indireta na tomada de decisões por parte do júri popular, de modo a atender o clamor social.
ANO 2022/2023 |
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ATIVIDADES |
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Pesquisa bibliográfica e documental |
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Definição dos capítulos e subcapítulos do TCC |
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Revisão ortográfica, gramatical e formatação |
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Encadernação e entrega do TCC |
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ANDRADE, V. R. P. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Sequência, Estudos Jurídicos e Políticos, v. 16, n. 30, jun. 1995. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15819. Acesso em: 13 nov. 2022.
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graduando em Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis/SP. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Arildo de. A influência da mídia nas decisões judiciais: sistema penal e o show business Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jan 2023, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60750/a-influncia-da-mdia-nas-decises-judiciais-sistema-penal-e-o-show-business. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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