DRA. NEIDE APARECIDA RIBEIRO
(orientadora)
RESUMO: A pesquisa tem como objetivo conhecer a família monoparental feminina, entidade composta pela mãe e por seus filhos, pensando no importante valor deste arranjo familiar pelo seu protagonismo nas mais diversas expressões da questão social. Evidencia a necessidade do olhar do pesquisador visando o exercício dos seus direitos e o acesso às políticas públicas. Para tanto, analisou-se inicialmente a entidade familiar à luz do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que muitas mulheres não possuem informação sobre seus direitos, sobretudo, pelos entraves enfrentados por este núcleo no cotidiano. Outrossim, para o desenvolvimento do trabalho foi utilizado como metodologia a pesquisa exploratória, com análise da legislação e doutrina. Ao final será possível perceber a importância desses núcleos familiares para a sociedade.
Palavras-chave: Família. Mulheres. Legislação. Direitos.
ABSTRACT: The following research aims to know the female single-parent family, an entity composed by a mother and her children, thinking about the important value of this family arrangement for its protagonism in the most diverse expressions of the social issue. It highlights the need for the researcher's gaze aiming at the exercise of their rights and access to public policies. Therefore, it was initially analyzed, the family entity in the light of the Brazilian legal system, since many women do not have information about their rights, especially because of the obstacles faced by this nucleus in daily life. Moreover, exploratory research was used as a methodology for the development of the work, with analysis of legislation, doctrine and jurisprudence. In the end it will be possible to realize the importance of these family nuclei for society.
Keywords: Family. Women. Legislation. Rights.
Como bem pontua Alves (2015, p.1), a expressão família monoparental tem tido relevância em estudos acadêmicos a partir do século XX, em decorrência da intensificação da atuação do movimento feminista e, particularmente, no âmbito das análises de gênero pelas ciências sociais.
A família pode ser compreendida como o meio em que a o indivíduo se forma. Os grupos familiares representam uma união: por laços sanguíneos, convivência ou afeto, partindo desse pressuposto são originados os núcleos familiares e uma delas é a família monoparental.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) se preocupou com o tema de maneira a regulamentar o seu conceito jurídico. Nesse sentido, preceitua o Art. 226, § 4º, da Carta Cidadã, que a “entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”. (BRASIL, 1998)
Os núcleos familiares, passaram por transformações ao longo dos tempos, ao ponto do modelo arcaico de constituição familiar heteronormativa ser ultrapassado, dando espaço à pluralidade familiar. O conceito em análise, se disseminou ao longo da história, de modo a originar os mais diversos tipos de arranjos familiares, nos quais para Dias (2022), a mulher tem perdido o medo de deixar sua casa e de terminar um casamento incerto.
Houve a percepção que, para ter um filho, não precisava mais de um companheiro, o que culminou no surgimento do que hoje se entende como entidade monoparental feminina. Ainda, segundo Dias (2022), a família como unidade conservadora foi extinta, uma vez que, após a revolução industrial, foi preciso mais mão de obra, o que levou à necessidade de a mulher adentrar no mercado de trabalho, modificando a estrutura familiar, que migrou do campo para a cidade, tornando-se mais unida afetivamente.
É mister destacar de acordo com o censo 2015, do Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE, 2015), a chefia feminina corresponde a 26,8% das famílias monoparentais. Nada obstante, a mulher chefe de família enfrenta inúmeros problemas em razão do gênero, como a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e o preconceito ainda existente com o arranjo monoparental feminino.
O surgimento da família monoparental feminina pode ocorrer com o falecimento do cônjuge, pelo divórcio, mediante adoção ou reprodução assistida levando-se em consideração, inclusive, o planejamento familiar (DIAS, 2022).
Para presente pesquisa, foi utilizado a metodologia de revisão de literatura em caráter exploratório que consiste em buscar na legislação, doutrina e preceitos jurisprudenciais. Conforme Patah e Abel (2022), por definição, a pesquisa exploratória tem como função preencher as lacunas que costumam aparecer em um estudo.
Cabe salientar que essa entidade familiar assim como a entidade familiar tradicional possui direitos, e precisa ter sua dignidade assegurada. Ao ponto que é necessário analisar os direitos que visam proteger e cuidar desses núcleos familiares importantes para a sociedade e ordenamento jurídico, pois o legislador tem tentado se adaptar e sanar as lacunas existentes.
Dentro dessa perspectiva, o questionamento levantado diz respeito as ações de resguardo desses núcleos: Quais ações de resguardo para essas famílias existem no ordenamento jurídico para garantir dos direitos e de que forma elas são efetivadas? É sabido que a legislação existe e que possui uma dinâmica em seu bojo, entretanto, para muitos núcleos familiares ela não é aplicada satisfatoriamente.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DO TERMO FAMÍLIA
Segundo Engels (1984, p. 61), “a origem etimológica da palavra família, vem do latim famulus, quer dizer escravo doméstico, e então, família é o conjunto dos escravos pertencentes e dependentes de um chefe ou senhor”.
A família passou por inúmeras transformações no decorrer dos séculos considerando ainda que um dia foi considerada apenas aquela que possui um casamento indissolúvel fugia da realidade, pois existem outras entidades familiares que saem desse padrão como por exemplo a família monoparental a qual tem apenas um provedor (a) e sua prole.
Neste artigo será tratado mais especificamente sobre a entidade monoparental feminina, um arranjo familiar onde a mãe cuida sozinha de seus filhos. A lei vigente contempla a entidade monoparental em seu Art. 226, § 4º da Lei Maior, porém não se trata de casos específicos, como o Código Civil, Constituição Federativa do Brasil, Consolidação das leis do trabalho, entre outras que procuram se adaptar à realidade feminina como chefe e mantenedora do lar.
Para Masson (2021), é preciso esclarecer que os direitos sociais são notados como espécie do gênero direitos fundamentais, sendo diferente apenas em sua aplicabilidade. Neste mesmo sentido, é importante ressaltar que a entidade monoparental feminina é portadora de dignidade e direitos conforme expresso na constituição pátria.
De acordo com Fontenelle e Madeira (2021):
A família contemporânea é o todo de várias transformações sociais, representando as mudanças comportamentais sociais, o conceito de família atual estende-se para além do delimitado em algumas décadas, visando pôr para trás o comportamento arcaico e abraçando todas as formas de afeto existentes em uma família (FONTENELLE E MADEIRA, p. 347).
Continuando o raciocínio dos autores, vale lembrar que, para Dias (2022, p.42), “a família é meio socializadora do ser humano. Somente com a passagem do estado da natureza para o estado da cultura foi possível a estruturação da família’’. Imperioso, de igual modo, pontuar que, para Gonçalves (2021, p.15) “a noção de ‘família monoparental’, ainda aguardando integral definição, estruturação e limites pela legislação infraconstitucional”.
Ademais, segundo Gonçalves (2020, p.16) “uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva, a não discriminação de filhos e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar”.
Conforme Dias (2022) a unidade familiar deixou o antigo modelo patriarcal e ficou regida por laços de afeto, assim, para Fontenelle e Madeira (2021, p. 347) a família abandonou a compreensão dogmática e imutável, dando lugar aos mais variados tipos de formações familiares, que é sustentada pelo afeto, dessa forma, aumentou o âmbito do que é considerado família abrindo várias possibilidades para sua constituição como a entidade monoparental. Nesse sentido como bem elucida Tartuce (2021, p.2600):
Também de acordo com o voto condutor do Ministro Roberto Barroso, a Constituição Federal reconheceu expressamente como entidades familiares o casamento, a união estável entre o homem e a mulher e a família monoparental. Afirma-se o pluralismo das entidades familiares, sendo o rol previsto no art. 226 do Texto Maior meramente exemplificativo ou numerus apertus. Destaca-se a visão civil-constitucional do ordenamento jurídico, com a valorização da dignidade da pessoa humana e da repersonalização do Direito Civil: “a consagração da dignidade da pessoa humana como valor central do ordenamento jurídico e como um dos fundamentos da República brasileira (art. 1.º, III, CF/1988). (Tartuce, 2021, p.2600)
Tendo em vista a pluralidade familiar, a família monoparental passou a ser aceita e descrita na Carta Magna de modo a regulamentá-la, outrossim, promovendo dignidade a esta entidade familiar.
3.COMO É DESCRITA A FAMÍLIA MONOPARENTAL FEMININA
Insta destacar que nem toda família se origina da forma tradicional e patriarcal, como a temática dessa pesquisa: a família monoparental feminina, é dirigida por uma mulher, uma mãe que por um acaso ou por escolha está ali, por seus filhos. Conforme bem pontua Beauvoir (1970), ser mãe solteira era motivo de escândalo e vergonha para as mulheres.
Em paralelo ao exposto, segundo Berquó (2001), as chefias femininas crescem no país, é um fenômeno tipicamente urbano, a maioria é do tipo monoparental, destacam-se as mulheres mais jovens, separadas, negras, mais pobres e com baixo grau de escolaridade.
É possível analisar em que classes estão localizadas a maioria das famílias monoparentais femininas. Como visto anteriormente, a chefia feminina é de maior grau em mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade social, não têm escolas para recorrer e deixar seus filhos, sendo obrigadas a deixar de trabalhar e consequentemente vivendo com uma renda muito inferior e em situação de vulnerabilidade social (BERQUÓ, 2001).
Nessa mesma linha de raciocínio, explica Lenza (2021, p. 1213), “o Estado deverá assegurar proteção especial para as mães solteiras, a comunidade de pai ou mãe separados ou divorciados e eventuais filhos, as famílias instituídas por inseminação artificial, produção independente e entre outras”.
Vale destacar que o Código Civil de 1916 mantinha elementos que definiam a subordinação da mulher. Após incontáveis lutas e movimentos de mulheres, vários abusos foram eliminados da nova lei, defendendo-se, por exemplo, o direito à integridade ao corpo (ALVES, 2015, p. 2)
A família tradicional pode sofrer transformações na sua estrutura, devido a fenômenos sociais apontados por Diniz (2002, p.11) como: o divórcio, óbito de um dos cônjuges, adoção de crianças por uma só pessoa, o não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor. Para Mendes (2002) as dificuldades na sociedade, problemas financeiros e violências mostram como existe uma face difícil da condição da mulher em vulnerabilidade social. No entanto, há que se considerar, conforme Brito, ao citar Barroso & Bruschini (1981), que:
É preciso não esquecer que as mulheres chefes de família costumam ser também mães-de-família: acumulam uma dupla responsabilidade, ao assumir o cuidado da casa e das crianças juntamente com o sustento material de seus dependentes. Essa dupla jornada de trabalho geralmente vem acompanhada de uma dupla carga de culpa por suas insuficiências tanto no cuidado das crianças quanto na sua manutenção econômica. É verdade que essas insuficiências existem também em outras famílias, e igualmente é verdade que ambas têm suas raízes nas condições [1]geradas pela sociedade. Porém, esses fatores sociais são ocultados pela ideologia que coloca a culpa na vítima, e o problema se torna mais agudo quando a, s duas vítimas são encarnadas por uma só pessoa (apud, BRITO, 2009, p. 69).
A mulher que integra uma família monoparental possui uma jornada exaustiva de trabalho, é dona de casa, enfrenta os mais diversos tipos de desgastes emocionais por não ter ajuda e por além de precisar suprir o financeiro, tenta suprir a ausência paterna.
Os arranjos monoparentais femininos ainda são maioria em comparação às famílias monoparentais masculinas, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2009, Das famílias chefiadas por mulheres 49,3% são monoparentais.
Segundo o site da D’or Consultoria (2020), uma pesquisa feita pela seguradora no mês da mulher com o propósito informativo, mostra que geralmente, mesmo sendo responsáveis pelo sustento de suas famílias, as mulheres brasileiras ganham cerca de 27% a menos do que os homens, de modo que além de ter a sobrecarga de ser mãe solo, ela precisa aceitar salários inferiores para a manutenção de seu lar.
A desigualdade entre os gêneros se intensifica mais em famílias em que a mulher é a mantenedora do lar, pois a luta é ainda maior visto que a mulher precisa aceitar salários menores para conseguir manter as despesas de casa. Conforme Ermisch (1991, p. 22), "é importante o fato de que a monoparentalidade feminina é, historicamente, mais comum que a masculina. Na Grã-Bretanha nos anos 1980, por exemplo, cerca de 90% das famílias monoparentais eram chefiadas por mulheres”.
Vale destacar que, segundo Santos & Santos (2008), além de executar as tarefas maternas, a mulher precisa em muitos casos suprir a ausência paterna e executar suas atividades laborais. Assim, essas mulheres têm um enorme desgaste emocional para manter seus filhos sem nenhum tipo de ajuda externa. Sendo assim, a solidão e a depressão são problemas costumeiros deste grupo, quando decorrentes de divórcios e separações, devido ao momento anterior ter vínculos conjugais e afetivos.
Ainda, a saúde fisiológica das mulheres nessas condições é influenciada por fatores psicológicos, problemas graves como o estresse e ocasiona inclusive problemas psicológicos.
As famílias estão se transformando, o que no passado poderia parecer algo impossível na estrutura familiar, hoje, no entanto já é uma realidade. As mulheres estão tornando-se chefes de família no lar mesmo com a presença do homem, os casais estão aderindo à união estável ao invés do casamento civil, as famílias monoparentais estão crescendo a cada dia; enfim classificar o que é ou não família é algo muito complexo e difícil. (SANTANA,2022, p.6).
Esses elementos de mudança acabam sendo relevantes, para o redimensionamento dos papéis na unidade domiciliar. Outrossim, muitas vezes poderão apontar para as mulheres mais trabalho e sobrecarga redobrada, mas podem também significar estratégias de empoderamento que vão se formando com o tempo como o acesso a informação.
Nessa perspectiva de empoderamento, Dias (2005, p. 42), relata que:
Agora o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. Cada vez mais, a ideia de família se afasta da estrutura do casamento (DIAS, 2021, p.42).
Foi só a partir da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que foi definido que “entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”, entrando em questão também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em relação ao assunto tratado, leciona Diniz (2002, p.11):
A família monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor, produção independente etc. (DINIZ 2022, p.11).
A autora complementa que a família monoparental migra a ideia de um casal com seus filhos, formando uma família liderada por um genitor e sua prole. Portanto, a família monoparental é originada pelo divórcio, na adoção unilateral, pela reprodução assistida, dentre outras modalidades.
4. MEIOS PROVENIENTES DA FAMÍLIA MONOPARENTAL FEMININA
A família monoparental feminina pode surgir de várias formas, inclusive desde a concepção do seu filho por uma mulher. Como bem acentua Maria Berenice Dias:
Alguns dos grandes marcos civilizatórios que mudaram a história do mundo foram a eclosão dos direitos humanos, o movimento feminista e a revolução sexual. Com direito ao voto, a mulher adquiriu acesso ao estudo e ao trabalho. Abandonou o papel de coadjuvante e o dever de obediência ao marido. Rompeu-se o tabu da virgindade, verdadeiro véu de pureza que a envolvia, como um atributo qualificador. O livre exercício da sexualidade deixou de desqualificá-la. E, de objetos de desejo, as mulheres tornaram-se sujeitas de direitos. (DIAS, 2022, p.3).
Dias (2022), observa que a queda do patriarcalismo e a mulher inserida no mercado de trabalho, a mulher passou a ter mais autonomia. Em virtude disso as famílias constituídas por um dos pais aumentaram. E até novo nome: família solo. Como a maioria das famílias monoparentais segundo inclusive dados no IBGE de 2015 são constituídas por mulheres.
A monoparentalidade feminina pode vir da morte do genitor, da adoção realizada por uma pessoa solteira, assim como, o uso da reprodução assistida. Uma mulher solteira pode procurar um centro de adoção pois é considerado melhor um pai no que nenhum ou procurar uma clínica de reprodução assistida visando ter um filho mesmo sem a presença do companheiro.
Com o divórcio e afastamento do genitor do lar origina-se para a mulher um vínculo monoparental. Conforme Dias (2022, p. 666), as separações já apresentam uma monoparentalidade “o fim da coabitação dos genitores não enseja o afastamento de um dos pais dos encargos decorrentes do poder familiar. Somente a falta de impedimento de um deles, transfere ao outro o exercício com exclusividade do poder familiar”.
Para Beirão (2022, p. 96), “o divórcio era um ato que ridicularizava a mulher, uma vez que o casamento era considerado uma instituição protegida pelo governo e regularizado pelas doutrinas aplicadas pela classe dominante’’. Isso implicava que a mulher era obrigada a permanecer em um casamento incerto para manutenção da família patriarcal.
O divórcio é o rompimento legal e definitivo do vínculo do casamento civil. Esse tipo de separação foi instituído oficialmente no Brasil com a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977. Com o advento da Lei do Divórcio no Brasil, a primeira mulher a se divorciar foi uma juíza da paz chamada Arethuza Figueiredo. Naquela época, o Brasil se encontrava em plena ditadura militar e foi um choque para todos, fazendo com que, naquele momento, a figura da mulher passasse a se sentir mais liberta e autônoma. (MIGALHAS, 2021).
A mulher passou a ter direito a viver sozinha e por uma família monoparental e visando não mais permanecer em um casamento incerto e zelando pelo bem-estar de seus filhos. Isso posto, encarou as dificuldades de ser mãe e pai ao mesmo tempo e a necessidade de sustentar seu lar (BEIRÃO, 2022).
4.2. Da adoção
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a única limitação para adotar é que existam 16 anos de diferença entre o adotante e o adotado conforme expressa o Artigo 42, § 3º “O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando” (BRASIL,1990). Ou seja, a legislação vigente autoriza que uma mulher conduza uma adoção legal sozinha. É preferível existir um só genitor do que a criança ou adolescente não ter ninguém ou viver em um abrigo.
Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (BRASIL,1990).
Prezando pelo melhor interesse da criança, a adoção é um dos melhores meios para uma criança órfã ser conduzida a uma família. Para Dias (2022), é conhecida como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes são considerados aptos para tal a mãe ou pai que tiver condições de cuidar, dar afeto, comida e educação para a criança.
Segundo dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ/DFT), em uma pesquisa realizada no ano de 2021 com os adotantes de crianças e adolescentes de Brasília e Distrito Federal, das 65 adoções, quatro foram feitas por pessoas solteiras, o que equivale a pouco mais de 6%, na maioria dos casos, por mulheres.
Infelizmente, a mulher chefe de família adotante ainda enfrenta inúmeros preconceitos por optar por ser mãe sem um cônjuge, porém, faz-se necessário que o legislador dê mais atenção a ela, de forma que ela se sinta amparada nesse viés e incentivada a adotar considerando ainda que:
No conceito de família extensa (ECA 25 parágrafo único): parentes próximos quando existir vínculo de afinidade e afetividade, não está definida sua estrutura. Pode ser uma pessoa, um casal ou até mais de um parente. O pressuposto para a identificação da família extensa é a comprovação de já existir, por parte da criança prévia vinculação de afetividade com alguém de sua família. (DIAS, 2022, p. 670).
No que diz respeito a adoção, é melhor que uma só pessoa adote, de forma que a criança ou adolescente passe a ter uma família e uma referência de família, tornando a possibilidade de adoção por somente uma pessoa uma opção preferível a ficar sob a tutela do Estado.
4.3 A opção de utilizar a reprodução assistida como meio gerador
Com o avanço da medicina e modernidade a conjunção carnal deixou de ser o único meio para ter um filho, ou seja, é possível por meio da reprodução assistida gerar um filho sem um pai definido. O fato é tão marcante para as mulheres pois agora, elas não precisam mais estar casadas ou ter um companheiro para engravidar.
Insta destacar que, para Dias (2022, p. 672):
Existem duas formas de inseminação artificial: homóloga e heteróloga. Na inseminação homóloga, o material genético pertence ao parceiro. É utilizada nas situações em que o casal possui fertilidade, mas não é capaz de provocar a fecundação por meio do ato sexual. A gravidez de mulher casada decorrente de inseminação artificial leva à suposição de que o marido é o cedente do espermatozoide, pois gera a presunção de paternidade (CC 1.597). Mesmo depois do falecimento do cônjuge, persiste a presunção de paternidade, quando são usados embriões excedentários (CC 1.597 IV). Na inseminação heteróloga, o esperma é doado por terceira pessoa. É utilizado nos casos de esterilidade do marido ou companheiro. Tendo havido prévia autorização, se estabelece a presunção pater est (CC 1.597 V), presunção absoluta, uma vez que o cônjuge ou companheiro concordou de modo expresso com o uso da inseminação artificial. Ele assume a condição de pai do filho que venha a nascer. (DIAS, 2022, p.672)
A formação de famílias monoparentais a técnica mais utilizada é a inseminação heteróloga com o uso de material genético de uma terceira pessoa, contudo, há casos que o parceiro deixou o material genético congelado e que se este falece, a viúva pode utilizar deste material para ter seu filho, neste caso, é a reprodução assistida homóloga.
5. A PROTEÇÃO ÀS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS EM LEGISLAÇÕES ESPARSAS NO BRASIL
O legislador tem o dever de criar leis que protejam as mulheres chefes de uma família monoparental feminina, que esforçaram muito para que direitos fossem conquistados, porém, ainda há muito a se fazer. Para Santana (2014), é possível que o número de famílias monoparentais cresça ao longo do tempo em virtude das mudanças sociais.
Insta destacar que, para Sampaio e Pereira (2022, p. 517), no viés na monoparentalidade, as leis só começaram a mudar incluindo as mães solteiras e suas proles com o Decreto n.º 3.200/1941, que permitiu a guarda do filho natural e biológico.
Com a alteração legislativa, a Lei n° 6.515 de 1977, que regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos passou a aceitar a dissolução do matrimônio sem autorização do cônjuge como estabelece em seu Art. 2°:
Art 2º - A Sociedade Conjugal termina:
I - Pela morte de um dos cônjuges;
Il - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - Pelo divórcio.
Parágrafo único - O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. (BRASIL, 1997)
No contexto trabalhista, o legislador viu a necessidade de criar mecanismos de equiparação entre os gêneros a partir da Consolidação das Leis do Trabalho, estendendo assim à mãe adotiva o direito à licença-maternidade e ao salário-maternidade, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991:
Art. 2º.A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo:
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o.
§ 1o No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias.
§ 2o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias.
§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias. (BRASIL,1943).
Obtendo a possibilidade da licença maternidade para mães adotantes, tornou-se possível para a mulher que possui uma família monoparental a possibilidade de cuidar de seus filhos de forma digna do mesmo modo que as mulheres que portam uma família tradicional.
A pandemia de Coronavírus (COVID-19) no entendimento de Araújo (2022), registrou o desligamento contínuo de mulheres da força de trabalho, porque elas assumiram demandas de cuidados em seus domicílios. Dessa forma, muitas mulheres viram a necessidade do afastamento do ambiente laboral primeiramente buscando a proteção de sua prole.
Não obstante, surgiram dificuldades financeiras, e o governo brasileiro, para controlar a crise existente, implementou o auxílio emergencial. Segundo Arthur Lyra (2022), Presidente da Câmara dos Deputados, está em tramitação no Congresso Nacional um auxílio que foi proposto pelo Projeto de Lei n. 2.099 de 2020, que visa prever auxílio permanente à mulher provedora de família monoparental, no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) mensais, além de dar outras providências. Insta ressaltar que o referido Projeto já foi aprovado pela Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, em Brasília. Júnior (2022), explica que a proposta atualmente aguarda parecer do relator de seguridade social e família.
Por fim, existe a Lei Estadual nº 20.341, de 27 de novembro de 2018, que tornou possível em Goiânia-GO que as mulheres que chefiam suas famílias tenham prioridade em programas habitacionais:
Art. 1º Nos programas habitacionais promovidos pela Administração direta ou indireta do Estado de Goiás, a mulher responsável pela unidade familiar ou doméstica gozará de preferência na seleção, como critério de elegibilidade.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - Família monoparental feminina aquela formada por: a) mulher sem cônjuge com pelo menos um(a) filho(a) ou enteado(a), desde que sob condição de dependência econômico-financeira daquela;
b) mulher sem cônjuge com pelo menos um(a) filho(a) ou enteado(a) e pessoa na condição de parente, desde que todos estejam sob condição de dependência econômico-financeira daquela;
II - Programas habitacionais: todas as ações da política habitacional do Estado diretamente por ele executadas com recursos próprios ou mediante parceria com outros entes públicos ou privados (GOIÁS, 2018).
Dessa forma, a prioridade habitacional vale do raciocínio que é a dificuldade feminina de prover uma família, considerando a necessidade de fazer o papel de dois genitores. Cabe ao legislador buscar mecanismos de apoio para os núcleos familiares com o objetivo de melhorar a qualidade de vida desses grupos.
É possível concluir que a família monoparental feminina é uma realidade cada vez mais frequente na estrutura social brasileira. A crescente presença destes núcleos familiares, que abdicam de boa parte de seu tempo em favor do futuro de seus descendentes traz mudanças substanciais na sociedade.
Em um primeiro momento, buscou-se evidenciar que a família é o meio no qual a pessoa se forma e adquire suas caraterísticas. Este ideal, que um dia foi considerado uma unidade patriarcal e imutável composta por pais e seus filhos, atualmente é regido por afeto. Entretanto, a família como todos os núcleos sociais, passaram por transformações. Como consequência disso, foram originadas outras estruturas de famílias capazes de aumentar a pluralidade familiar.
Por outro lado, a história carrega contextos importantes de transformações sociais para a igualdade feminina, obtendo consigo, um importante conquista de direitos que podem impactar nas mudanças do ordenamento jurídico brasileiro.
O destaque destes novos núcleos é a família monoparental feminina, composta por uma mãe e seus filhos. Apesar deste aumento na presença das chefias femininas, o ordenamento normativo brasileiro não acompanhou este fenômeno ao não proteger e não garantir tratamento equitativo a estes familiares.
Apesar da existência de leis que podem servir como amparo a essa modalidade familiar como por exemplo: auxílio emergencial em dobro e prioridades em programas sociais, ainda são insuficientes para suprir as necessidades da família monoparental feminina.
Por fim, conclui-se que a família monoparental feminina é uma entidade singular, pois enfrenta desafios que outras famílias não precisam passar. Possui peculiaridades que fazem surgir a necessidade de um amparo maior do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual não seria a resposta ideal para todos os problemas que essa modalidade familiar possui, mas seria um caminho inicial a ser trilhado para a implementação de políticas públicas adequadas.
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[1] Na antiga lição de Hungria, mulher honesta é "não somente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral, é irrepreensível, senão também aquela que ainda não rompeu com o minimum de decência exigido pelos bons costumes" (Comentários ao Código Penal, v.8, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.139).
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALDANHA, Maria Ivone Aires. A entidade monoparental feminina: uma realidade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2023, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60859/a-entidade-monoparental-feminina-uma-realidade-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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