Resumo: Este artigo tem por objeto desenvolver uma análise da Dimensão Liberdade, por meio de um estudo de seu surgimento, implicações ocorridas pela modernidade e contemporaneidade, bem como trazer, no âmbito doméstico, o tratamento atribuído pelo Estado Brasileiro à luz da Constituinte de 1988. Trata-se de uma análise descritiva e exploratória, realizada com base em pesquisa bibliográfica, doutrinária e legal, de método indutivo. Questiona-se os impactos da dimensão liberdade e os eventos históricos notadamente reconhecidos, que permearam sua correlação com as dimensões dignidade e fraternidade, e a recepção da liberdade à luz da Constituinte, enquanto direito humano.
Palavras-Chave:Dimensão Liberdade. Dignidade. Constituição de 1988. Fraternidade.
Abstract:This article aims to develop an analysis of the Freedom Dimension, through a study of its emergence, the implications of modernity and contemporaneity, as well as to bring, in the domestic sphere, the treatment given by the Brazilian State in light of the 1988 Constitution. a descriptive and exploratory analysis, based on bibliographical, doctrinal and legal research, using an inductive method. It questions the impacts of the freedom dimension and the historical events that permeated it, its correlation with dignity and fraternity, and the reception of freedoms in the light of the Constituent Assembly, as a human right.
Keywords:Freedom Dimension. Dignity. 1988 Constitution. Fraternity.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo desenvolve a análise da Liberdade enquanto primeira Dimensão de Direitos Humanos e realiza uma linha entre sua origem até a modernidade, bem como os reflexos desta dimensão, surgida sob a égide das grandes revoluções, sobre a conceituação da Liberdade em âmbito nacional, e como sua acepção foi recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
Para a perfeita compreensão do tema, iniciamos com um breve resgate dos aspectos evolutivos da conceituação de liberdade, passando pela concepção dos povos antigos e alcançando eventos importantes para sua conformação como dimensão de direitos, cujo marco teórico remonta às grandes revoluções, com enfoque no Estado Moderno, na Revolução Francesa e demais teorias surgidas a partir do Constitucionalismo.
Também, realiza um estudo sobre os instrumentos de afirmação das liberdades, bem como, das declarações de direitos humanos como uma narrativa, por meio do Direito, do momento histórico vivenciado pelos povos e seu tempo.
Tem-se por premissa debater conceitos da Dimensão Liberdade e de que modo a Sociedade moderna tem encontrado métodos de conformação teórica desta dimensão, sob a égide da Dignidade Humana.
Isso porque, ao longo dos tempos, por muitas vezes a humanidade deixou de lado a Dimensão Liberdade, como modelo de desenvolvimento. É o caso das tiranias e da violência suprema provocada pela escravidão, eventos em que a Paz foi turbada, a fim de que povos fosse, pela força da violência, privados de liberdades [1].
Por fim, debatemos o exercício desta dimensão no Brasil, tendo como marco teórico a Constituição Federal de 1988 e situações emblemáticas em torno das liberdades, reflexo dos modelos econômicos atuais, sobretudo do capitalismo.
Abordamos a estas questões emblemáticas, atualmente vivenciadas pela sociedade brasileira, e por fim, a proposta de conformidade da dimensão Liberdade, sob a ótica do Fraternidade, como um valor supremo, tal como defendido na doutrina Jushumanista do Capitalismo Humanista, proposta por Sayeg e Balera[2], esta enquanto verdadeiro caminho para o alcance, no âmbito deontológico, dos conceitos preconizados pela Dimensão Liberdade, sob a perspectiva ontológica.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1 LIBERDADE, ETIMOLOGIA E ORIGEM FRENTE AOS POVOS ANTIGOS E MEDIEVAIS
Jean Paul Sartre[3], ao divagar sobre a liberdade dos pássaros, refletiu que, sob a ótica filosófica, o voo de um pássaro não é dotado de liberdade, mas sim, de mero senso comum.
Isso porque, como explica o filósofo, os pássaros são fundamentalmente condicionados pelo determinismo biológico. E, sendo o determinismo biológico quebrado pela racionalidade, só o homem possui essa liberdade de escolher ‘ser’ quem é, dentro do universo de possibilidades, pois só ele pode compreender, ou seja, ter capacidade de autodeterminação.
A humanidade já vislumbrou os mais diversos conceitos do que é a Liberdade, de acordo com cada época, curso da história humana.
Castanhato[4], aborda que o homem contemporâneo, em razão da cultura hedonista e das mudanças aceleradas na sociedade – do espetáculo- teve muito da essência de outrora subtraída, tornando-se objetificado, sendo o direito um importante meio de transformação desse mundo.
E, remonta, em contraposição ao olhar atual, o conceito de liberdade para os povos antigos,como algo que não se assemelha à percepção adquirida pelos modernos, posto que a Sociedade antiga também não tinha similaridade em sua dinâmica e funcionamento.
Isso porque, a Sociedade para os antigos era vista como um organismo, cuja harmonia dependia da coexistência do todo. Assim, justamente por isso, a totalidade era mais importante que o individual.
É somente no âmbito privado, sendo este o espaço pessoal da casa e do ambiente familiar, é que a existência tinha a característica do ser ‘ individual’, mas isso tão somente voltada à continuação da espécie, sob a tutela de uma figura despótica, o ‘chefe de família’.
De modo que a liberdade para o exercício das singularidades encontrava-se disposta na vida privada, prevalecendo este conceito por toda a visão do mundo antigo.
Castanhato[5], ao dispor sobre a vivência e percepção dos povos antigos, atribui que o Estado Grego era marcado pela concepção e respeito das liberdades quanto aos espaços das elites, que poderiam participar intensamente das decisões do Estado.
De modo que, ainda quando o se estivesse no âmbito de uma democracia, tão somente esta era exercida por aqueles reconhecidamente ‘cidadãos’. Já no âmbito privado, estas relações eram bastante reduzidas, sobretudo no âmbito das manifestações individuais de vontade.
Situação bastante similar, narra Castanhato[6], acontecia aos povos do Estado Romano, uma vez que, por séculos, a participação direta do governo era permitida ao povo, porém a concepção de povo, por ser restrita, compreendia tão somente uma estreita faixa da população.
Ou seja, a liberdade não era um atributo inerente reconhecido a todo ser humano, mas apenas àqueles capazes de serem reconhecidos como parte da sociedade e, ainda assim, de uma forma completamente diferente da perspectiva do individual.
2.2 A DIMENSÃO LIBERDADE E A MODERNIDADE
Dalmo de Abreu Dalari[7]aponta que o aparecimento do Estado Medieval surge, com a influência do Cristianismo, justamente em razão de combater a percepção de superioridade do povo romano, base fundante do Estado Romano.
O advento do Cristianismopassa a influenciar diretamente sobre os conceitos e a percepção de livre arbítrio e, por conseguinte, do que é a liberdade. De modo que o Cristianismo, sendo a base da universalidade, vem a superar a ideia de que pessoas podem ter valores diversos, de acordo com suas origens, que era parte do entendimento dos povos antigos.
De modo que, a questão do arbítrio e da igualdade passa a ser aquela que dá ao ser humano, como indivíduo, como ‘ser’. Este novo olhar sobre as condições o valor humano, doutrina Cristã defendida por São Tomás de Aquino, é que estimula as teorias que promoveriam as revoluções ocorridas durante o Século XVIII.[8]
A visão da liberdade ganha novo viés com o surgimento da era conhecida com o ‘acender da era das luzes’[9].
O surgimento do Estado Moderno, com enfoque no Iluminismo, gera um novo marco nas percepções sobre o que é Liberdade. Isso porque, com o advento do Estado Moderno, nascem importantes concepções sobre as relações do indivíduo para com a sociedade, a exemplo do Constitucionalismo, que tem a sua origem através dos acontecimentos que culminaram com a promulgação da Magna Carta Libertatum – 1215 e outros que historicamente se sucederam, como a PetitionofRights (1628), o Habeas Corpus Act (1679), e o Bill OfRights (1688).
As revoluções burguesas ampliam a voz do povo e valores como a dignidade, enquanto fruto das grandes modificações sociais a geradas a partir deste movimento[10], tal como trazido por Castanhato[11]:
O Renascimento Cultural, a Reforma Protestante, a contrarreforma e o desenvolvimento científico derrubam pouco a pouco os poderes da Igreja. Sai-se do Império de Deus para o império da Razão. Descontentes, os burgueses aliam-se ao povo; e embasados nos ideais liberais da época [...] promovem as revoluções iluministas dos séculos XVII e XVIII”
Bobbio[12], ressalta a relevância da Revolução Francesa para a chamada ‘Era dos Direitos’, sendo está um acontecimento de natureza política que exerceu grande poder sobre o imaginário da humanidade, uma vez que promoveu a ruptura de um curso histórico e assinalou o fim de uma época e o início de outra.
Com o lema ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, a Revolução Francesa apresentou-se como um meio de contraposição ao absolutismo e, a fim de unificarem os franceses, fortaleceram o conceito de Nação.
Ainda[13] ressalta que, a ausência de aliança entre o Estado Francês e a Igreja, fortaleceram o caráter universal da Declaração Universal dos Direitos do homem e do Cidadão, de 1789, sem as amarras das lutas religiosas, de modo a reafirmar que, os princípios fundamentais que foram firmados na Declaração de 1789 – entre eles, a Liberdade – possuem forte influência até os tempos atuais.
Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1789, passa a influenciar conceitos e processos fundamentais, tais como os de liberdade e dignidade, e ainda, traz reflexos substanciais a todo processo de constitucionalismo subsequente.[14]
Rocha de Vilhena[15], ressalta que a declaração de 1789 conceitua liberdade em seu artigo 4º como:
Artigo 4º - A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites apenas podem ser determinados pela lei.
Aos poucos, da concepção até então individual de sociedade, a humanidade passa a um novo estágio, o do reconhecimento da cidadania como um direito humano universal[16]e das múltiplas autonomias do indivíduo, sendo estas reconhecidas na esfera pública e privada.
Também, reconhece a autonomia pública ou do cidadão e autonomia privada ou do indivíduo, enquanto mecanismos regulatórios da vontade humana, sendo a autonomia privada a capacidade individual de autodeterminação e escolha, desde que esta não desrespeite ou viole direito alheio; e autonomia pública a autonomia frente às dimensões sociais, do cidadão, sendo estes coautores das decisões estatais.[17]
2.3 LIBERDADE E CONTEMPORANEIDADE: A GUERRA COMO UMA LIMITADORA DAS LIBERDADES E NOVOS PARADIGMAS EM DIREITOS HUMANOS
A humanidade vivencia um novo marco teórico, na contemporaneidade, acerca da concepção de liberdade, isto gerado pelo momento vivenciado no pós-segunda guerra mundial, em que a humanidade estava aterrorizada pelos horrores vindos daquele período.
Essa é a razão, como apontado por Dallari,[18] do surgimento neste século, de uma nova Declaração de Direitos, que surgiu fruto dos graves descumprimentos aos direitos da humanidade vivenciados na guerra.
Isso porque, após a primeira guerra mundial, o liberalismo e a industrialização, a promoção de pessoas que não possuíam nada, senão força de trabalho e a existência de desníveis sociais significativos e injustos, favoreceram a organização do movimento proletariado enquanto força política.
Assim, com o advento da segunda guerra mundial, os horrores do holocausto e os desníveis sociais e econômicos mundiais, o enfoque sobre os direitos fundamentais da pessoa tornou a ter nova luz.
Assim, à data de 26 de junho de 1945, foi aprovada a Carta das Nações Unidas, isso com a finalidade de auxiliar à conjuntura e unicidade dos Estados, para a proteção da paz mundial.
Neste sentido, com 30 artigos, além do preâmbulo, a Declaração proclama os direitos fundamentais. A expressão ‘proclamação’ contida no texto tornaclaro que a declaração não é um reconhecimento de surgimento de direitos, mas sim, reconhecimento de sua existência, ainda que sem qualquer tipo de formalidade[19].
Com esse novo momento vivenciado pela história da humanidade, a liberdade, na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, é vista sob múltiplos enfoques, nos 30 (trinta) artigos contidos no instrumento.
A liberdade instrumental, como atributo inafastávelda pessoa humana, já aparece como elo essencial, no art. 1º, e também, no art. 2º, vejamos:
Art. I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade [...]
Art. III. Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Mas não apenas a liberdade em seu formato amplo, enquanto ato inerente ao ser desde seu nascimento, mas também está em seus múltiplos aspectos sociais foi prevista na Declaração, como aLiberdade de locomoção e proibição da prisão arbitrária, prevista no artigo IX e XII, ou a liberdade de defesa, prevista no artigo X e a liberdade das autonomias privadas, prevista no art. XII, ou ainda a liberdade de propriedade (art.XV) ou a de expressão e religião (XVIII).
Outras liberdades, tais como a liberdade de expressão e opinião, prevista no artigo XIX, de reunião e associação, determinado no artigo XX, e de participação pública e política, prevista no artigo XXI e a de liberdade de participação na vida comunitária ensejam o leque de novos reconhecimentos de direitos do homem.
Novas garantias também se encontram previstas, neste cenário pós-guerra, como a proibição da tortura, no art.V, o direito a um recurso efetivo e a presunção de inocência, prevista no artigo XI.[20]
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, outros instrumentos sobrevieram, no âmbito internacional, sobretudo com a finalidade de assegurar a garantia da dignidade humana, sendo esta compreendida como “é um valor espiritual e moral, inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida [...]”.[21] Constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.
Muitos foram os instrumentos e as modificações históricas que promoveram sobre o homem moderno uma nova concepção de liberdade. Mas, decerto, nenhum período foi de maior relevância para a formação de uma nova visão sobre as múltiplas liberdades e o conceito de dignidade humana do que o cenário pós-guerra, na contemporaneidade.
Balera[22] em sua obra “A Paz é possível’, relembra a liberdade como elemento essencial à paz e ressalta que a paz exige a verdade como fundamento, a justiça como norma, o amor como motor e a liberdade como clima, na mais perfeita consonância do que trouxe a Declaração de 1948.
Pontuamos que outros instrumentos precederam a esta, tais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) e a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969)[23], em um claro reflexo do novo marco provocado pela Declaração Universal.
Lima[24] ressalta que a ausência da preservação dos direitos humanos durante a segunda guerra mundial, tais como o respeito à democracia, direitos humanos e paz, foram um verdadeiro retrocesso para a história da humanidade.
Tais registros e a expectativa de um mundo melhor foram descritas na poética frase, “No próximo Século Eu Tocarei Teu coração”, livre tradução da expressão“ ImnächstenJahrhundertwerdeichdeinHerzberühren!”, que, segundo Menna Barreto[25] foi encontrada grafada nos muros de Berlim Ocidental, no período pós guerra-fria, a fim de demonstrar parte dos horrores impostos pelas guerras da contemporaneidade, sobretudo remanescentes da segunda guerra mundial.
Mais do que uma gravura em um muro, mas uma expressão social, cuja Declaração de 1948 vem como um garantia da aspiração humana por uma liberdade que seja alcançada, tal como preconizado por Sayeg[26], na fraternidade e no amor.
2.4 A DIMENSÃO LIBERDADE NO ESTADO BRASILEIRO, SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A QUESTÃO DA EFETIVIDADE
A Constituição Federal de 1988, verdadeiro marco histórico da redemocratização do país, conhecida como constituição cidadã, inaugura, no título de Direitos e Garantias Fundamentais, artigo 5º, o direito à liberdade, garantindo de pronto que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...][27]
Ingo Sarlet[28]ressalta que, quanto aos direitos fundamentais protegidos, a Constituição Federal de 1988 contempla diversas dimensões, em perfeita consonância com a Declaração Universal de 1948.
Destaca ainda o autor que, outros direitos não explícitos podem estar dentro do contexto da Constituição Cidadã, isto porque, o artigo 5º deixa claro o caráter analítico e não taxativo dos direitos fundamentais.
Não se descura da beleza estética e poética da Constituição Federal de 1988, que, na busca da mais ampla liberdade humana, reconheceu de pronto, dentro desta, todas as liberdades contidas na Declaração de 1948 e, ainda, deixou em aberto o leque de direitos fundamentais.
Mas, historicamente, as desigualdades sociais e econômicas no país têm sido alvo de amplos debates acerca do alcance de uma liberdade que jamais poderá ser, em sua essência, apenas formal.
Isso porque, tal como trazido por Bobbio[29], a farta gama de Direitos, reconhecidos através das grandes revoluções históricas vivenciadas pela humanidade, ainda padecem da necessidade de consonância e efetividade.
Neste mesmo sentido, Amartya Sen[30], ao correlacionar liberdade e dignidade, preceitua que o desenvolvimento tem que ser entrelaçado ao aumento da qualidade de vida e das liberdades que podemos desfrutar.
Sayeg e Balera[31], em aprofundamento do tema, correlacionam a liberdade à autoderminação, sendo esta a condição que lhe confere dignidade, que, tal como sustentado por Guerra Filho[32], só é alcançável pela redução das desigualdades, através da solidariedade humana.
Assim, as dificuldades de conformação entre a liberdade formal e material, mormente quando se trata de questões relativas à livre iniciativa e a ordem econômica no país, ainda são um desafio para o Estado Brasileiro.
Se, por um lado, na afirmação das liberdades, a Constituição cidadã, adotou a liberdade e a igualdade como princípios indissociáveis, por outro, estipulou a livre iniciativa enquanto fundamento da ordem econômica vigente.
De modo que, os desafios de uma constituição garantista, que caminha sob a sombra de uma economia de terceiro mundo preocupam e são objeto de estudos sequenciais sobre o problema da efetividade – aquele levantado por Bobbio, na ‘era dos direitos’.
Não é possível negar que a pobreza e a desigualdade social do país demonstram a necessidade de maior esforço por parte de todos, a fim de ampliar os espaços das liberdades, a fim de que se possa viver sob a égide de uma sociedade efetivamente fraterna.
A este respeito, Cecília Meireles[33] diz, no poema ‘liberdade’,
São essas coisas tristes que contornam sombriamente aquele sentimento luminoso da LIBERDADE. Para alcançá-la estamos todos os dias expostos à morte. E os tímidos preferem ficar onde estão, preferem mesmo prender melhor suas correntes e não pensar em um assunto tão ingrato. Mas os sonhadores vão para a frente, soltando seus papagaios, morrendo em seus incêndios, como as crianças e os loucos. E cantando aqueles hinos, que falam de asas, de raios fúlgidos, linguagem de seus antepassados [...].
Rocha de Vilhena[34]argumenta que o direito veio dar humanidade à economia e atribuir matrizes sociais à liberdade natural, posto que, se atribuiu ‘o trabalho humano e a livre iniciativa’, por outro constituiu estes valores como preceitos indissociáveis.
Balera[35] entende que “A fraternidade na ordem econômica é a proposta de solução entre liberdade e igualdade, repensando o episteme dos movimentos iluministas do século XVIII e os que se seguiram”.
E, neste mesmo sentido, dispõe Lima[36] que, no curso da história, resta a comprovação de que homens não são, desde seu nascimento, livres e iguais em direitos, uma vez que a liberdade e a igualdade são edificadas por meio de uma sociedade politicamente organizada, seja nos Estados, seja em âmbito internacional, de modo a exercer suas autonomias políticas no âmbito político e jurídico.
Rocha de Vilhena[37]ainda pondera que, se essa condição de liberdade enquanto autodeterminação, de fato, nos permitir viver da maneira que entender nossa consciência, nesta deve ser encontrado os mecanismos necessários à concretização, para que não sejamos carcereiros de nossa consciência e alma.
Encerramos esta análise com a defesa de uma liberdade que, tal como trazida por Castanhato[38], não venha a ser o encontro tão somente de uma liberdade formal, mas dotada de emoção humana, capaz de dialogar com as dimensões de direitos humanos e promover a dignidade humana, tendo o amor como um fenômeno jurídico.
Isto tudo, tendo por base a doutrina jusfilosófica do Capitalismo Humanista, proposto por Sayeg[39], como resposta na equalização necessária entre a dimensão liberdade e a dimensão igualdade, através de um novo olhar sobre os movimentos iluministas do século XVIII e dos que seguiram, estes cunhados na fraternidade, recepcionada também pela ordem econômica.
3.CONCLUSÃO
A maior aspiração humana é o pleno exercício da Liberdade. Não à toa é a primeira dimensão dos direitos humanos. Os avanços do alcance do que esta representa para o homem é um enigma que vem sendo discorrido pelas mais diversas áreas de estudo e que muda de acordo com estas e com o tempo que a humanidade vivencia.
Ainda que, historicamente, a humanidade tenha reconhecidos avanços em torno da conceituação do que é Liberdade, desde os povos antigos às modernas concepções do homem, da dignidade e da fraternidade, enquanto dimensões de Direitos Humanos, o problema da efetividade ainda é fator preponderante na Sociedade atual, sobretudo no que diz respeito ao exercício das liberdades dispostos na Constituição Federal de 1988.
Isso porque, as Dimensões de Direitos Humanos, mais do que meros ‘halos’ aleatórios, necessitam coabitar, para o efetivo gozo de suas esferas, e para que, muito além do que direitos reconhecidos e dispostos, sejam indissociáveis e nunca negados ao Ser.
A Liberdade, sobretudo no que diz respeito à conformação com as demais dimensões, como garantidores da Dignidade - esta, como parâmetro de exercício dos Direitos Humanos - e os desafios da comunidade internacional e da Sociedade brasileira, são de grande relevância para a consolidação de um estado democrático de direito.
De outro modo, avançamos com a belíssima missão de fazer concretizar conquistas de direitos que historicamente são constituídos às custas de trágicas lições, que relembram que, mesmo a institucionalização das liberdades enquanto garantias são, de fato, um avanço para a história do pensamento jurídico.
Se, por um lado, temos os desafios de um mundo em constante conflito entre a consolidação e conformação de direitos aparentemente em colisão em razão de suas condicionantes históricas, econômicas e culturais, por outro, temos, através de históricas lutas e revoluções, a consolidação de leis, que são o recurso mais precioso de uma organização social.
Ainda que distantes da aspiração do alcance de uma liberdade que possa permear o Direito e a humanidade, no campo formal e da efetividade, é certo que a Sociedade caminha na aspiração, na compreensão e nos questionamentos necessários para o alcance desta que é a primeira Dimensão.
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[1] BALERA, Wagner. A paz é possível. 1ª Ed- Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2016.
[2]SAYEG, Ricardo. Balera, Wagner. Fator Caph.Capitalismo Humanista. A dimensão econômica de Direitos Humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 2019. p. 143 – 152.
[3]SARTRE, J. P. Sartre no Brasil: A conferência de Araraquara. São Paulo: Paz e Terra: UNESP. 1987.
[4]CASTANHATO, Camila. Liberdade - Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2016.
[5]Ibid., p. 97.
[6]Ibid., p. 98.
[7]DALLARI, Dalmo de Abreu. Teoria Geral do Estado: elementos de Teoria Geral do Estado.33Ed. 2016, p.57 – 5.8
[8] CASTANHATO, op. cit., p. 98.
[9]Expressão cunhada pela Prof. Dra. Carolina Alves de Souza Lima. Cidadania, Direitos Humanos e Educação.São Paulo: Almedina, 2019.
[10] SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetória e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 325.
[11] CASTANHATO, op. cit., p. 54.
[12]BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1992. p. 11.
[13]Ibid., p. 12.
[14]TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2006, p.397.
[15]VILHENA, Josimary Rocha. Direito Humano à Oportunidade. 2016, p.77.
[16] BOBBIO, op. cit., p. 4.
[17] SARMENTO, op. cit., p. 140.
[18] DALLARI, op. cit., p. 178.
[19]Ibid., p. 178.
[20] DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2021.
[21]MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 2004, p.60.
[22]BALERA, Wagner. A paz é possível. 1ª Ed – Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2016.
[23]CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa Rica. 1996. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 02 dez. 2021.
[24]LIMA, Carolina Alves de Souza. Cidadania, Direitos Humanos e Educação. São Paulo: Almedina, 2019.
[25] BARRETO, José Menna. Deixa eu falar. São Bernardo dos Campos – SP. 2006.
[26] SAYEG, op. cit., p. 13.
[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional no 105/2019. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2020. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/566968/CF88_EC105_livro.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2021.
[28] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 84
[29] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1992. p. 11.
[30]SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. 3ª Reimpressão: Câmara Brasileira do Livro, 1999
[31] SAYEG, op. cit., p. 61.
[32]GUERRA FILHO, Willis Santiago. A Norma Constitucional e sua eficácia diante do neoconstitucionalismo e uma teoria fundamental do Direito. In: QUARESMA, Regina; OLIVEIRA, Maria Lúcia de Paula; OLIVEIRA, Farlei Martins Riccio de. Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro,2009, p.141.
[33]MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho: Crônicas Editora Record, Rio de Janeiro, 2002, p. 07.
[34] VILHENA, op. cit., p. 79.
[35] BALERA, op. cit., p. 45.
[36] LIMA, op. cit., p. 37.
[37]VILHENA, Josimary Rocha de. Direito humano à oportunidade. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016. p. 78.
[38] CASTANHATO, op. cit., p. 195.
[39] SAYEG, op. cit., p. 13.
Discente do curso de Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILHENA, Jacileia Rocha de. Dimensão liberdade: Origem, evolução e conformação na Constituição da República de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 fev 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61051/dimenso-liberdade-origem-evoluo-e-conformao-na-constituio-da-repblica-de-1988. Acesso em: 24 nov 2024.
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