RESUMO: O presente estudo visa realizar um levantamento sobre o remédio constitucional do Mandado de Segurança, previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, através de revisão de literatura, esclarecendo os requisitos necessários para sua concessão, bem como o objeto tutelado, fazendo-se uma ponderação com as decisões dos Tribunais de Justiça pátrios sobre o tema, bem como investigando quais são seus efeitos jurídicos. Com isso, a intenção é buscar compreender quais são as hipóteses de cabimento à luz da doutrina e jurisprudência sobre o tema.
Palavras chaves: Mandado de segurança; Direito líquido e certo; Efeitos jurídicos; Tribunais superiores.
ABSTRACT: The present study aims to carry out a survey on the constitutional appeal of the Writ of Mandamus, provided for in article 5, item LXIX, of the Federal Constitution of 1988, clarifying the necessary requirements for its granting, as well as the protected object, making a weighting with the decisions of the Brazilian Courts of Justice on the subject, as well as to investigate what are their legal effects. With this, the intention is to seek to understand what are the appropriate hypotheses in the light of doctrine and jurisprudence on the subject.
Keywords: Writ of Mandamus; Liquid and certain law; Legal effects; Higher courts.
1. INTRODUÇÃO
Consoante se depreende do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Com efeito, o mandado de segurança exige prova pré-constituída do alegado direito líquido e certo, porque não comporta, em seu rito especial, dilação probatória, motivo pelo qual a utilização desta via, quando insuficientes elementos probatórios, afigura-se inadequada.
A ação é de natureza constitucional. Além do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, foi editada uma lei que trata especialmente de todos os detalhes sobre o instrumento do mandado de segurança, a Lei 12.016 de 2009.
Direito líquido e certo é aquele que não suscita dúvidas. A lei 12.016/2009 ainda diz que o direito que se pretende tutelar não pode ser amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, outros dois tipos de ação que visam a proteger a liberdade e a informação, respectivamente. Assim, quando são esses os direitos em questão, não há que se utilizar mandado de segurança.
O mandado de segurança comporta medida liminar, quando presentes os pressupostos necessário a sua concessão, sendo eles o “fumus boni iuris” (fumaça do bom direito, expressão utilizada quando o caso concreto demonstra que o pedido está imune de qualquer irregularidade) e o “periculum in mora” (expressão que serve para assinalar que a demora em conceder o direito pode levar à degeneração ou destruição do que se pede).
Existente em nosso ordenamento desde 1934, o mandado de segurança é essencial à vida de um Estado Democrático de Direito, por dar ao coletivo uma leve certeza de justiça com respeito total ao direito existente em nossa sociedade.
2. CONCEITO
O Título II da Lex Fundamentalis consagra os direitos e garantias fundamentais que, conforme a doutrina constitucional majoritária, tem aplicação imediata. Ainda, agora conforme a teoria clássica, aquele título consagra disposições declaratórias, seja “medidas assecuratórias que defendem a observância dos direitos reconhecidos pelo Estado, limitando seu poder” (MESSA, 2010, p. 377).
Também sobre tal diferença, citamos LENZA (2010, p. 671)
Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.
Por fim, diferenciar as garantias fundamentais dos remédios constitucionais. Estes últimos são espécie do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex: habeas corpus, habeas data etc). Em determinadas situações a garantia poderá estar na própria norma que assegura o direito. Vejamos dois exemplos: 1) é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos – artigo 5º VI (direito) - , garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas garantias (garantia); 2) direito ao juízo natural (direito) – artigo 5º, XXXVII, veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção (garantia).
“O Mandado de Segurança é, ao mesmo tempo, garantia e remédio constitucional”, pois é uma instituição que visa proteger a efetividade e gozo dos direitos individuais previstos no artigo 5º da Lei Fundamental. (BULOS, ano 2011, p. 735).
Os conceitos vigentes de Mandado de Segurança estão dispostos no inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal (no capítulo de direitos e deveres individuais e coletivos) e artigo 1º da Lei 12.016/09:
Art. 5º, CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Portanto, percebe-se que a própria norma constitucional traz o conceito do remédio constitucional do mandado de segurança, indicando os pressupostos necessários para a sua concessão.
3. NATUREZA JURÍDICA
Com relação à natureza jurídica do Mandado de Segurança, a maioria da doutrina o classifica como ação constitucional de natureza civil. Mas surge a dúvida de quando o Mandado de Segurança é impetrado no âmbito criminal, qual seria sua natureza? Observemos o entendimento de BONFIM (2010, p. 864):
No âmbito criminal, o writ constitucional é meio hábil sobretudo para impugnar atos jurisdicionais (despachos, decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos), revelando-se como verdadeira garantia contra as arbitrariedades de Estado, uma vez que somente poderão ser agentes do ato abusivo ou ilegal as autoridades públicas, representadas nas figuras dos juízes e dos membros dos tribunais.
No que diz respeito à natureza jurídica, o mandado de segurança é ação constitucional e, mesmo quando utilizado no âmbito do processo penal, conserva sua natureza civil. Inclui-se, portanto, entre as ações autônomas de impugnação, a exemplo do habeas corpus.
Sobre o Mandado de Segurança em matéria penal, BULOS, (2011, p. 736) coaduna o entendimento de sua natureza civil:
A natureza civil da segurança não impede o seu ajuizamento no âmbito criminal. Nesse sentido já decidiu o Pretório Excelso: o “Mandado de segurança é ação civil, ainda quando impetrado contra ato de juiz criminal, praticado em processo penal. Aplica-se, em consequência, ao recurso extraordinário interposto na decisão que julga, o prazo estabelecido no Código de Processo Civil” (STF, rtj 83:255). No mesmo sentido: RT: 505:287.
E, por fim, destaca-se o entendimento do renomado processualista penal TÁVORA, (2012, p. 1211):
O Mandado de Segurança, em essência, não é ação penal, mais ação de natureza cível. A ideia que norteia o Mandado de Segurança é de que tenha rito abreviado. Em matéria penal, o writ of mandamus servirá como sucedâneo recursal. Vale dizer, nas hipóteses em que não houver recurso específico e que não seja possível habeas corpus – especialmente quando a lei não preveja em abstrato pena privativa de liberdade para o crime apurado -, terá lugar a impetração do mandado de segurança. Rege-se, desse modo, pelo princípio da subsidiariedade (ou residualidade).
A doutrina ainda classifica o Mandado de Segurança como ação de conhecimento. Nessa categoria, seria declaratória, constitutiva, condenatória ou mandamental? Sobre as modalidades de cognição, cita-se THEODORO JÚNIOR, (2009, p. 470):
A ação de cognição, que provoca a instauração de um processo de conhecimento, busca um pronunciamento de uma sentença que declare entre os contendores quem tem razão e quem não tem, o que se realiza mediante determinação da regra jurídica concreta que disciplina o caso em que formou o objeto do processo. Pode a ação de cognição ser desdobrada em:
a) Ação condenatória: a que busca não apenas a declaração do direito subjetivo material do autor, mas também a formulação de um comando que imponha uma prestação a ser cumprida pelo réu (sanção). Tende à formação de um título executivo;
b) ação constitutiva: a que, além da declaração do direito da parte, cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica material;
c) ação declaratória: aquela que se destina apenas a declarar a certeza da existência ou inexistência da relação jurídica, ou de autenticidade ou falsidade de documento (artigo 4º). Podem essas ações ser manejadas em caráter principal (artigo 4º) ou incidental (artigo 5º). No último caso, representa uma cumulação sucessiva de pedidos, para ampliar o alcance da coisa julgada, levando sua eficácia também para a questão prejudicial que se tornou litigiosa após a propositura da ação principal.
Já a ação mandamental é conceituada por GONÇALVES, (2011, p. 237):
São ações mandamentais aquelas em que o juiz, ao condenar o réu, emite uma ordem, um comando, que permite, sem necessidade de um processo autônomo, tomar medidas concretas e efetivas, destinadas a proporcionar ao vencedor a efetiva satisfação do seu direito. São exemplos de tutela mandamental as sentenças proferidas em mandado de segurança e nas ações que tenham por objeto obrigação de fazer o não fazer, previstas nos artigos 461 e 461-A, do CPC. Descumprida a ordem, o juiz pode determinar providências que pressionem o devedor, como fixação de multa diária, chamada “astreinte”. Caso a desobediência persista, pode tomar providências que assegurem resultado prático equivalente ao do descumprimento.
A maioria da doutrina aduz que o mandado de segurança é ação de conhecimento e dependendo de seu objeto, pode ser classificado como uma das ações supramencionadas. DONIZETTI, (2010, p. 08), dirime a dúvida:
Assim, o mandado de segurança é ação constitucional típica e, como ação, tem natureza cognitiva e será classificada de acordo com o pedido formulado na inicial.
No que tange ao rito, sob a perspectiva proposta por Alfredo Buzaid, o que distingue o mandado de segurança das demais ações é a índole do direito que visa tutelar. Assim, porque o mandado de segurança se presta a proteger direito líquido e certo, há de ter rito sumário e célere com necessidade de menor número de atos e termos. Ante a certeza e liquidez do direito demonstradas pro meio da prova pré-constituída, o legislador limitou ao indispensável o número de atos, o que faz o mandado se segurança uma ação de rito sumário.
Não podemos nos olvidar, por oportuno, que o mandado de segurança exige prova pré-constituída do alegado direito líquido e certo, porque não comporta, em seu rito especial, dilação probatória, motivo pelo qual a utilização desta via, quando insuficientes elementos probatórios, afigura-se inadequada.
4. REQUISITOS PARA PROPOSITURA DA DEMANDA
Os requisitos indispensáveis para que haja possibilidade de impetração do writ brasileiro é: direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data; lesão ou ameaça de lesão; ato comissivo ou omissivo de autoridade pública ou particular que age por delegação do Poder Público; e ilegalidade ou abuso de poder.
4.1. Direito líquido e certo
Antes de colar comentários do conceito de direito líquido e certo, vale tecer o histórico de tal requisito. Da constitucionalização do Mandado em 1934 até a Constituição de 1946, era necessário que houvesse “direito certo e incontestável” para concessão da segurança. Era esta a nomenclatura utilizada pelo legislador.
No entanto, os juristas sentiam dificuldade em definir tal nomenclatura, como se vê no seguinte trecho de uma sentença proferida pelo Juiz Federal Cunha Melo, em 11 de agosto de 1934 menos de um mês após a criação do instituto, citada em BARBI, (2009, p. 49):
Colhe-se da pesquisa feita nos Anais da Suprema Justiça Federal o conceito correntio do que, na técnica jurídica, se chama direito certo e incontestável: é aquele contra o qual se não podem opor motivos ponderáveis e sim meras e vagas alegações cuja improcedência do magistrado pode reconhecer imediatamente, sem necessidade de detido exame – Acórdãos ns. 5.051, 5.090 e 8.108, HC no Diário Oficial de 18 de abril de 1920, 19 de novembro de 1919 e 4 de setembro de 1922.
O direito líquido e certo foi inserido na Constituição de 1946 e perdura até a presente data. Podemos dizer que, atualmente, a liquidez e certeza de uma prova ocorre quando ela convence o julgador já na peça inicial. Segundo BULOS, (2011, p. 737):
É aquele que se prova, documentalmente, logo na petição inicial. Uma pesquisa na jurisprudência do STF mostra que a terminologia está ligada à prova pré-constituída, a fatos documentalmente provados na exordial. Não importa se a questão jurídica é difícil, complexa ou intricada. Isso não configura empecilho para a concessão da segurança (Súmula 625 do STF: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança”). O que se exige é o fato apresentar-se claro e induvidoso, pois o direito é certo se o fato que lhe corresponder também o for. Mas, se os fatos forem controversos, será descabido o writ. Pois inexistirá a convicção de sua extrema plausibilidade. Portanto, meras conjecturas, suposições infundadas, argumentos que dependam de comprovação, não dão suporte ao mandado de segurança.
Válido constar também o conceito de direito líquido e certo de LENZA, (2009, p. 733), porquanto sintetiza bem as suas características principais:
O direito líquido e certo é aquele que poder demonstrado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Trata-se de direito manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento de sua impetração. Importante lembrar a correção feita pela doutrina em relação à terminologia empregada pela Constituição, na medida em que todo direito, se existente, já é líquido e certo. Os fatos é que deverão ser líquidos e certos para cabimento do writ.
Por outro lado, MEIRELES, (2008, p. 37), critica tanto o direito líquido e certo quanto a antiga expressão direito certo e incontestável:
A atual expressão “direito líquido e certo” substitui a precedente, da legislação criadora do mandado de segurança, direito certo e incontestável. Nenhuma satisfaz. Ambas são impróprias e de significação equívoca, como procuraremos demonstrar no texto. O direito, quando existente, é sempre líquido e certo; os fatos é que podem ser imprecisos e incertos, exigindo comprovação e esclarecimento para propiciar a aplicação do Direito invocado pelo postulante.
Pode-se falar, então, que dado seu caráter subsidiário, o direito líquido e certo do impetrante não pode ser amparado por habeas corpus (artigo 5º, LXVIII CF) ou habeas data. Ou seja, o direito violado ou ameaçado tem de ser distinto da liberdade ambulatória (ir e vir) e também no que concerne a exibição, retificação, conhecimento de informações ou dados constantes em registros de caráter público. TÁVORA, (2012, p. 1212), infere:
A menção a direito líquido e certo tem íntima relação com a cognição e rito estreitos do Mandado de Segurança. É que o autor deve, no ato de interposição, demonstrar, por prova documental pré-constituída, a lesão ou a ameaça de lesão a direito seu. Se existir necessidade de instrução, o writ não será a via adequada. Essa noção de direito líquido e certo, entendida corretamente: o impetrante comprova de imediato o fato que alega na petição em seu favor.
Vale citar, também, a doutrina minoritária. Com visão distinta das supramencionadas, DANTAS, ano 2004, p. 332, aduz que “a existência de direito líquido e certo não constitui requisito para que se exerça a ação do mandado de segurança”, pois isso envolve “o próprio mérito da segurança”.
A lesão ocorre quando já houve um prejuízo causado a um bem, sendo facultado a impetração de mandado de segurança repressivo. A ameaça de lesão é a potencialidade danosa que enseja o mandado de segurança preventivo quando há justo receio ou indícios de eventual lesão. Sobre o requisito em comento, colacionamos um trecho de ALEXANDRE DE MORAES, (2003, p. 2.556-2.557):
O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo um verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política.
O mandado poderá ser repressivo de uma ilegalidade já cometida, ou preventivo, quando o impetrante demonstrar justo receio de sofrer uma violação a direito líquido e certo por parte da autoridade impetrada. Nesse caso, porém, sempre haverá a necessidade de comprovação de um ato ou uma omissão concreta que esteja pondo em risco o direito do impetrante, ou no dizer de Caio Tácito, “atos preparatórios ou indícios razoáveis, a tendência de praticar atos, ou omitir-se a fazê-lo, de tal forma que, a conservar-se esse propósito, a lesão de direito se torne efetiva”.
4.3. Ato (comissivo ou omissivo) de autoridade ou particular que age por delegação do Poder Público
O ato, passível de mandado de segurança, deve ser praticado por autoridade pública ou agente que exerce função delegada pelo poder público. Sobre a prática de ato comissivo ou omissivo citado, vejamos trecho do Curso de Direito Constitucional de BULOS, (2011, p. 738):
A autoridade pública (titular do poder decisório) ou pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias), podem praticar ato comissivo ou omissivo, ensejando a impetração do mandado de segurança quando: (i) inexistir balizamento legal para sua consecução; (ii) contrariar lei expressa, regulamento ou princípios constitucionais positivos; (iii) usurpar ou invadir funções; (iv) calcar-se em desvios de competência, forma, objeto, motivo e finalidade; e (v) manter-se em desconformidade com norma legal ou em conformidade com norma ilegal ou inconstitucional.
DONIZETTI, (2010, p. 28), acentua que nem todo agente público pode ser considerado autoridade coatora:
Distingue-se as figuras da autoridade pública e do mero agente público. A primeira consiste na pessoa física investida de poder de decisão, a segunda, a seu turno, apenas pratica atos executórios e não pode ser considerada autoridade coatora para fins de impetração do mandado de segurança. Com efeito, somente aquele que detém algum poder decisório é quem pode ser tido como coator.
Não somente os atos de autoridade integrante da Administração Direta são passíveis de controle por meio de mandado de segurança. Como bem salientado por Sérgio Ferraz, “onde o Estado coloque a mão, onde o interesse público se revele preponderante, aí existe campo para uso do mandado de segurança”. O sentido amplo do vocábulo autoridade para fins de impetração também é revelado pelo artigo 1º § 1º da Lei n. 12.016/09 (…)
Somente os particulares que exercem atividade por delegação em nome do Poder Público que poderão constar no pólo passivo da ação assecuratória. GRECO FILHO, (ano 2010, p. 16), define as autoridades a que se refere o artigo 1º, § 1º desta lei:
O mandado de segurança, como deflui do texto constitucional, tem por objeto a correção de ato de autoridade. Não cabe mandado de segurança contra ato de particular, enquanto particular.
Autoridade é todo agente do Poder Público e também aquele por delegação do Poder Público e também aquele que atua por delegação do Poder Público, usando do poder administrativo. Pode, pois, ser sujeito passivo do mandado de segurança o agente público diretamente ou particular que exerça função delegada, por exemplo, o concessionário de serviço público. Todavia, nesta última hipótese, o mandado será meio hábil para correção de ilegalidade, na medida em que o particular atue como Poder Público e no que concerne essa delegação. Quando age ut singuli, como particular, aos atos do concessionário não são passíveis de exame por meio do writ constitucional. Daí o § 2º deste artigo, que esclarece não caber impetração contra atos de gestão comercial praticados por administradores de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de concessionárias de serviço público. Não há referência de exclusão a atos de administração de autarquias ou fundações públicas, porque todos estão sujeitos ao controle do mandado de segurança por serem entidades de Direito Público e, portanto, todos os seus atos são atos de autoridade, respeitando-se, é evidente, o requisito de que venham a ferir direito líquido e certo, como consta do § 1º. Igualmente, por equiparação, são passível de mandado de segurança os atos praticados por representantes ou órgãos de partidos políticos.
4.4. Ilegalidade ou abuso de Poder
“O ato ilegal é aquele contrário ao direito” (FONSECA MORAES, ano 2008, p. 113). Para maioria da doutrina, o conceito de ilegalidade abrange o abuso de poder. Nesse sentido, BULOS (2011, p. 738) firma:
Ilegal é o ato que não se submete à lei (lato sensu) e aos princípios cardeais do ordenamento. O abuso de poder, por sua vez, contém-se na ideia de ilegalidade. Basta que a autoridade, no exercício de suas atribuições, transcenda ou distorça os limites de sua competência, alegando agir com fundamento nela, para configurar a hipótese.
GRECO FILHO, (2010, p. 17), aduz que a ilegalidade está ligada aos elementos do ato administrativo, nota-se:
A finalidade do mandado de segurança é correção de ato de autoridade quando estiver viciado pela falta de alguns de seus elementos, que são: competência, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei, motivo e finalidade. Não é possível, todavia, o exame do mérito do ato administrativo, isto é, o exame de suas razões de oportunidade e conveniência, que escapam, aliás, em qualquer caso, da apreciação do Poder Judiciário, dado o princípio constitucional da separação de poderes.
Por outro lado, a simples existência de ilegalidade não gera a legitimidade para a ação. É preciso que essa ilegalidade ou abuso de poder cause violação de direito líquido e certo de determinada pessoa para que se torne legitimada para agir. Esta é a legitimação ativa ordinária.
O entendimento de DONIZETTI, (2010, p. 29), é no seguinte sentido:
Por derradeiro, cumpre observar que a ilegalidade ou abuso de poder constituem condição específica da ação de mandado de segurança. Mas, veja bem, não é a existência de ilegalidade ou abuso de poder em si a condição específica da ação, mais sim a possibilidade de se evidenciar dita ilegalidade desde logo por meio de prova documental pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória, sob pena de o feito ser extinto sem resolução do mérito. Se, depois de admitida a ação e apresentadas as informações, a presunção de legitimidade de que goza o ato de autoridade impugnado permanecer incólume, o juiz deverá proferir sentença de improcedência com fundamento na inexistência de ilegalidade, analisando o mérito da questão.
O abuso de poder poderá ocorrer sob duas formas, desvio de finalidade e excesso de poder. “O desvio ocorre quando o ato administrativo, embora seja praticado por autoridade competente, não atende a sua finalidade. O excesso advém do ato praticado por autoridade que não possui atribuições.” (GUERRA, ano 2010, p. 132). A anulação dos atos administrativos, nesse caso, é conceituada por FONSECA MORAES, (2008, p. 104):
Anulação é o desfazimento de ato eivado de nulidade (ilegalidade), ou seja nulo. O ato nulo é aquele que apresenta vício em um ou mais dos requisitos de validade do ato administrativo. É caso do ato praticado por autoridade incompetente (competência); com desvio de finalidade ou abuso de poder, sem atender ao interesse público (finalidade); por meio diverso daquele previsto em lei (vício de forma); quando recair em objeto ilegítimo ou ilícito ou vedado por lei (objeto); e, quando o motivo inexistente, falso ou forjado (motivo). (…)
O ato administrativo pode ser anulado pelo Poder Judiciário no exercício do controle externo da Administração Pública, o que se dá mediante provocação. A anulação retroage (ex tunc)e atinge o ato ilegal em sua origem. Caso o ato faça parte do itinerário de um procedimento, a anulação atingirá todos os atos posteriores., mesmo que legais.
5. EFEITOS
Visto o seu conceito, sua natureza e suas condições de procedimento do mandado de segurança, abordaremos os seus efeitos jurídicos, entrar-se-á no objeto deste trabalho, que se limita aos efeitos jurídicos do mandado de segurança individual.
5.1. Corrigir ou anular atos ilegais ou abusivos
É o efeito mais comum da ação estudada. Como descrito na Constituição Federal, o Mandado de Segurança contra ato daquele “responsável pela ilegalidade ou abuso de poder” que possa causar lesão a direito líquido e certo do Impetrante (artigo 5º, LXIX, CF). Desta feita, o Poder Judiciário anula o ato ilegal ou praticado com abuso de poder quando concede a ordem. É o primeiro efeito jurídico a ser analisado.
No Capítulo II, aduziu-se a redundância que constitui “ilegalidade ou abuso de poder”, pois os Administrativistas afirmam que o ato ilegal abrange o abusivo. Desvio de poder está relacionado com finalidade do ato administrativo, e excesso de poder, no vício em sua competência.
O Efeito Anulatório ou Corretivo no Ato impugnado visa resguardar o direito líquido e certo do Impetrante que se utiliza da ação mandamental. A propósito:
EMENTA: Concurso público. Exclusão ilegal do candidato. Requisitos cumpridos devidamente. Constitui ofensa a direito líquido e certo, passível de correção via mandado de segurança, o ato da autoridade coatora que nega posse a aprovado em concurso para provimento de vagas para cargo de nível médio, sob o simples fundamento de que o candidato possui curso superior. É incabível o ato emanado pela autoridade coatora que exclui candidato que na verdade estaria mais do que qualificado para o certame. A sua qualificação além do exigido não se configura óbice para sua nomeação, incorrendo assim em ato ilegal e lesivo ao direito líquido e certo do impetrante. Processo n. 100.001.2006.017565-5 Reexame Necessário
Portanto se vê que o efeito anulatório pode ser considerado o mais importante do Mandado de Segurança, pois declara a ilegalidade ou abusividade do ato impugnado, evitando atitudes despóticas do Poder Público em detrimento dos direitos individuais.
5.2. Reprimir as omissões de autoridades
Outro efeito do Mandado de Segurança é a repressão das omissões das autoridades. É até comum a Administração Pública manter-se inerte em suas obrigações. Apontando tal premissa, analisar-se-á a possibilidade de ataque, através desta ação mandamental, aos atos omissivos das autoridades.
Exemplo típico de omissão foi configurada no MS n. 24.660-0 julgado pelo STF no dia 03 de fevereiro de 2011, impetrado por candidato de concurso público para provimento de cargo de Promotor de Justiça Militar, contra ato do Procurador-Geral da República e Procuradora-Geral da Justiça Militar, cuja ementa firma o seguinte:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROMOTOR DE JUSTIÇA MILITAR. NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE CARGOS VAGOS. OMISSÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. ALCANCE DO VETO AO ARTIGO 2º DA LEI N. 8.975/1995. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O veto ao artigo 2º da Lei n. 8.975/1995 não alcançou o artigo 3º da mesma lei, sendo quarenta e dois cargos de Promotor de Justiça Militar da carreira do Ministério Público Militar (artigo 119 da Lei Orgânica do Ministério Público da União). Não havendo veto implícito ou tácito no direito constitucional brasileiro. 2. Prova pré-constituída que evidencia a existência de cargo vago, criado por lei específica, na data da impetração e a resistência ilegal dos Impetrados em efetivar a promoção de promotores para impedir a nomeação do Impetrante, caracterizando o seu direito líquido e certo. 3. Mandado de segurança concedido.
No caso em tela, a Impetrante provou que havia cargos disponíveis de Promotor de Justiça Militar, conforme a Lei 8.975/1995, e que o tempo para expirar o prazo do concurso público estava se extinguindo, motivo pelo qual havia “intenção da Administração Pública de preteri-la, ao deixar expirar a validade de dois anos previsto na Constituição sem a sua nomeação”.
A Impetrante comprovou também que o Ministério Público da União já havia aprovada portaria para promover um novo concurso para o cargo pleiteado. Em informações a Procuradora-Geral da Justiça Militar afirmou que não haveria vaga para a Impetrante. No entanto, o Procurador-Geral da República reconheceu a “omissão ilegítima e ofensiva a direito líquido e certo da impetrante”.
O Supremo, por maioria, concedeu a ordem tendo em vista que mesmo a candidata não ter sido aprovada dentro do número de vagas, candidatos na mesma situação tomaram posse e havia disponibilidade de vagas para sua nomeação.
O episódio citado mostra que a concessão da segurança também possui o efeito declaratório, reprimindo a omissão do Poder Público e, por consequência, condenatória, pois impôs a Autoridade Coatora o direito de nomeação da Impetrante.
5.3. Proteção de direitos fundamentais
Durante todo o trabalho, fala-se que a concessão da segurança visa proteger o direito líquido e certo. Lopes, ano 2009, p. 08, preceitua que o Brasil adotou a Teoria dinâmica da prova no Mandado de Segurança, fazendo com que “o juiz há de exigir a prova da parte que está em melhores condições de produzi-la, ainda que tal elemento seja utilizado na formação de convicção contrária a seus interesses”.
O Direito líquido e certo, já conceituado anteriormente, é aquele de existência evidente desde a inicial, a prova plausível, inequívoca e na forma documental, pois o Mandado de Segurança não admite a dilação probatória.
Feitas essas considerações, o mandamus, tanto na redação da Lei Fundamental como do artigo 1º da Lei 12.016/2009 busca proteger o direito líquido e certo. Essa proteção é, igualmente, um dos efeitos (declaratório e talvez condenatório) da concessão da segurança.
Antes de explicar a incidência mandamental no amparo dos direitos fundamentais, compreender-se-á o seu significado. BULOS, (2011, p. 515), preleciona:
Seu fundamento reside na proteção da dignidade da pessoa humana, sendo a Constituição a sua fonte de validade. (...) Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição economia ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.
Na p. 516, o doutrinador considera que os direitos fundamentais com “direito de defesa e instrumentais”. Confira:
Como direitos de defesa, permitem o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os Poderes Públicos de invadirem a esfera privada dos indivíduos. (...) No posto de direitos instrumentais, consagram princípios informadores de toda a ordem jurídica (legalidade, isonomia, devido processo legal etc.), fornecendo-lhes os mecanismos de tutela (mandado de segurança, habeas corpus, ação popular etc.). A finalidade instrumental das liberdades públicas permite ao particular reivindicar do Estado o cumprimento das prestações sociais, a proteção contra atos de terceiros e a tutela contra discriminações.
Logo se vê que a doutrina informa que o Mandado de Segurança alcança a proteção dos direitos fundamentais e constitui também um direito fundamental. É um direito fundamental buscando a conservação de outro direito fundamental.
Nessa linha, colacionar-se-á o Mandado de Segurança de n. 005616-1 de 2007, impetrado contra ato do Secretário de Saúde do Distrito Federal. Veja, a priori, a Ementa de concessão da segurança por unanimidade:
MANDADO DE SEGURANÇA – FORNECIMENTO GRATUITO DE MATERIAL E MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO – DEVER DO ESTADO – OBEDIÊNCIA AOS PRECEITOS ESTABELECIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL – ORDEM CONCEDIDA.
1. É dever do Estado prestar assistência farmacêutica e garantir o acesso da população aos materiais e medicamentos necessários à recuperação de sua saúde.
2. Uma vez prescrito por médico responsável pelo tratamento da paciente/impetrante, a jurisprudência pátria reconhece que os portadores de moléstias graves têm o direito de receber gratuitamente do Estado os materiais e medicamentos de comprovada necessidade.
3. Ordem concedida, balizando-se o fornecimento pelo tempo que for necessário ao tratamento da impetrante e nos termos do relatório médico e prescrição colacionada ao “mandamus”, pois a obrigação constitucional de acesso à medicação não tem prazo para terminar.
A Impetrante, portadora de Diabetes Mellitus do tipo 01, sofria com graves convulsões, seguidas de paralisias que acarretavam sua imediata internação. No procedimento do mandamus provou-se que um tratamento que fora pago uma vez pela Impetrante, poderia minimizar as crises de sua doença.
A impetração fez-se por conta de ato omissivo do Secretário de Saúde do DF que, alegando não haver realizado licitação para compra do remédio pleiteado pela Impetrante, o Estado não dispunha do medicamento, pois “o tratamento não é padronizado no âmbito de sua pasta, razão pelo qual não há estoque”.
É certo que tal decisão poderia ser alcançada pela via de ação ordinária, regida nos termos do CPC, inclusive com a devida antecipação de tutela. Mas o que se quer valorizar neste trabalho é que a via mandamental constitui um instrumento cujo os efeitos (seja constitutivo, declaratório ou condenatório) são alcançados de modo infinitamente mais céleres do que a via comum.
Ademais, o Mandado de Segurança é ação em que não há necessidade de seu autor/impetrante providenciar sua execução, pois a sua constituição constitui um comando a ser cumprido pela Autoridade Coatora ou a pessoa jurídica a qual esta vinculada, a verdadeira legitimada passiva ad causan.
No caso em tela, o Tribunal a quo decidiu pela carência da ação, falta de adequação no interesse de agir, pois a decisão do juiz criminal (autoridade coatora) deveria ser atacada por apelação. No entanto, o STJ, no acórdão citado, aduziu que o Impetrante tem direito líquido e certo de ter a posse do seu bem, concedendo a segurança.
O direito reconhecido pela Ministra Laurita Vaz (Relatora) consistiu na restituição do bem, por direito constante no artigo 120 do Código de Processo Penal. Ademais, pode-se dizer que a cúpula do direito objetivo federal procurou proteger o direito fundamental a propriedade insculpido, inclusive, na Lei Fundamental (artigo 5º, caput da CF).
Conforme o artigo 1.228 do Código Civil “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Caso semelhante julgado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte no dia 06 de julho de 2011 no MS n. 39.926:
EMENTA: PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TERCEIRO PREJUDICADO. SÚMULA 202 STJ. ADMISSIBILIDADE DO MANDAMUS. ARRESTO DE BENS. BEM DE PROPRIEDADE DO IMPETRANTE, ESTRANHO A LIDE INCLUÍDO NA MEDIDA CONSTRITIVA. DEVOLUÇÃO DO BEM. CONCESSÃO DA ORDEM.
O Impetrante demandou contra o ato ilegal do juiz que concedeu liminar de arresto de bens. No cumprimento da ordem judicial, o demandado da ação cautelar estava com o veículo do impetrante, não havendo nenhuma relação entre este com o autor da ação antecedente. O Tribunal concedeu a segurança determinando liminarmente a devolução de seu automóvel, protegendo seu direito fundamental a propriedade.
5.4. Suprir lacunas legislativas
O Mandado de Segurança pode ser impetrado quando não há recurso para impugnar as decisões judiciárias ou inexistência de qualquer medida para impugnar o ato administrativo. Para exemplificar, DONIZETTI (2010, p. 310), aduz:
Os despachos, porque desprovidos de conteúdo decisório, de regra, não têm aptidão para causar lesão às partes. Por isso, nos termos do artigo 504, deles não cabe recurso. Se causarem gravame, podem ensejar correição parcial (recurso anômalo previsto nas leis de organização judiciária) ou mandado de segurança. Designação de audiência para data distante, de forma a comprometer a garantia razoável do processo (CF, artg. 5º LXXVIII), afronta direito líquido e certo dos litigantes, dando azo à impetração de mandado de segurança.
Logo se vê que o Mandando de Segurança conduz, também, a integração do ordenamento jurídico brasileiro, atacando decisões em que o legislador não previu medida cabível em caso de ofensa a direito líquido e certo. DONIZETTI, (2011, p. 15), descreve ainda:
Ocorre que em 2005 a disciplina do agravo de instrumento tornou a ser modificada. Entre tais alterações, destaque especial há de ser dado ao caráter excepcional do agravo de instrumento e à possibilidade de conversão em retido caso não estejam presentes os requisitos legais. Depreende-se da leitura do parágrafo único do artigo 527 do CPC que, da decisão que converte o agravo de instrumento em retido não cabe recurso. O STJ, analisando esse dispositivo, passou a entender, então, que, havendo a conversão em agravo retido, a parte prejudicada poderá perfeitamente valer-se do mandado de segurança para combater a lesividade do ato judicial impugnado, por inexistência de recurso hábil para tanto.
Inexistindo recurso ou medida cabível para decisões judiciais ou de qualquer autoridade, pública ou privada, esta no exercício de atividade delegada, que causem prejuízo a direito individual, o lesado pode valer-se do Mandado de Segurança para rechaçar a arbitrariedade.
Em matéria criminal, a impetração do Mandado de Segurança é legítima por advogado que tenha acesso negado aos autos do inquérito policial, mesmo que sigiloso, ante a falta de medida cabível. Segue a Ementa do MS n. 100120000409, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, julgado em 29 de fevereiro de 2012:
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL. SÚMULA VINCULANTE 14 DO STF. INVESTIGAÇAO SIGILOSA. SIGILO INOPONÍVEL AO PATRONO DO SUSPEITO OU INVESTIGADO. ELEMENTOS DOCUMENTADOS. ACESSO AMPLO. GARANTIA CONSTITUCIONAL ASSEGURADA.
1.Descabe indeferir o acesso da defesa aos autos do inquérito, ainda que deles constem dados protegidos pelo sigilo. Súmula vinculante 14 do STF.
2.O advogado tem a prerrogativa de ter acesso aos autos de inquérito, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia, da qual não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo.
3. A Constituição Federal, assegura ao investigado, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito.
4. O acesso pela parte ao inquérito se restringe às informações já documentadas nestes autos.
5. Segurança concedida, assegurando aos advogados constituídos pelos ora impetrantes acesso às informações já documentadas nos autos do Inquérito policial nº 113/2011, bem como nos autos dos inquéritos decorrentes do referido procedimento, possibilitando-lhes, inclusive, a extração de cópias. (TJES, Classe: Mandado de Segurança, 100120000409, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data da Publicação no Diário: 09/03/2012)
Em suma, o Juiz Criminal (Autoridade Coatora) negou o acesso dos advogados (Impetrantes) aos autos do Inquérito Policial aduzindo que “tendo em vista a natureza das medidas assecuratórias tomadas no curso das investigações e também diante da ausência de previsão de contraditório na fase extrajudicial da persecutio criminis.”
No entanto, o Tribunal reconheceu o direito líquido e certo (examinar em qualquer repartição policial autos de inquéritos) dos Impetrantes descritos explicitamente no artigo 7º, XIV do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) e teor do artigo 5º, LVIII da Lei Fundamental, que consiste em ter acesso amplo aos inquéritos policiais, mesmo que correm em sigilo, porque a Lei citada não condicionou tal prerrogativa aos patronos.
6. MANDADO DE SEGURANÇA INTERPOSTO CONTRA DECISÃO JUDICIAL
Os Tribunais Superiores há muito consolidaram suas jurisprudências no sentido de ser inviável a impetração de mandado de segurança contra ato judicial, seja porque o remédio constitucional não se presta a substituir o recurso cabível contra o ato impugnado, tampouco não pode ser impetrado como sucedâneo recursal.
Nesse sentido, o excelso Supremo Tribunal Federal editou enunciado de súmulas assentando o posicionamento que não cabe mandado de segurança contra decisão transitada em julgado[1], tampouco contra ato judicial passível de recurso ou correição[2].
Demais disso, tal posicionamento aqui adotado é pacífico e remansoso na jurisprudência dos Tribunais Superiores, conforme ementas a seguir:
MANDADO DE SEGURANÇA - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE - DECISÃO RECORRÍVEL – SÚMULA 267/STF - AUSÊNCIA DE RECURSO - TRÂNSITO EM JULGADO - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA - HIPÓTESE DE CABIMENTO DE RESCISÓRIA - SÚMULA 268/STF. 1. Não cabe mandado de segurança contra decisão recorrível (Súmula 267/STF). 2. Não pode ser considerado terceiro quem é citado e apresenta defesa no processo. 3. Não cabe mandado de segurança contra decisão transitada em julgado (Súmula 268/STF), sendo o pleito mandamental hipótese de ação rescisória. 3. Recurso ordinário não provido. (Segunda Turma, RMS 27.505/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe de 26.5.2009).
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL. IMISSÃO NA POSSE. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CABÍVEL. SÚMULA 267/STF. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 202/STJ NO CASO. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 267/STF: "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". 2. "A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, o que faz a admissão do writ encontre-se condicionada à natureza teratológica da decisão combatida, seja por manifesta ilegalidade, seja por abuso de poder" (RMS 28.737/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 24/2/2010). 3. Impossibilidade também de concessão do writ, pois o feito não se enquadra no disposto na Súmula 202/STJ, segundo a qual "a impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso". 4. Recurso ordinário desprovido. (Quarta Turma, RMS 34.052/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 19.6.2013).
AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO IMPUGNADA. ART. 5º, III, DA LEI 12.016/2009 E SÚMULA 268/STF. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado, a teor do contido no art. 5º, inciso III, da Lei nº 12016/2009 e no enunciado nº 268 do Supremo Tribunal Federal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (Corte Especial, AgRg no MS 21.227/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 24.9.2014).
Nesse sentido, a recente decisão do c. Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO PRÓPRIO. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. NÃO CABIMENTO. SÚMULAS 267 E 268 DO STF. NÃO CABIMENTO. 1. Incabível o mandado de segurança contra ato judicial passível de impugnação por meio próprio, visto não ser sucedâneo de recurso. 2. Da mesma forma, não se presta a ação mandamental para combater decisão judicial transitada em julgado. 3. O mandado de segurança substitutivo contra ato judicial vem sendo admitido com o fim de emprestar efeito suspensivo quando o recurso cabível não o comporta, mas tão somente nos casos em que a decisão atacada seja manifestamente ilegal ou eivada de teratologia, circunstância não identificada na hipótese presente. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no RMS 58.056/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 13/12/2019).
Ressalta-se, por oportuno, que essa regra admite exceções, quando o remédio constitucional do mandado de segurança for interposto em face de decisão judicial em de flagrante ilegalidade ou para corrigir a ocorrência de teratologia, conforme precedente acima transcrito.
7. CONCLUSÃO
Depreende-se, assim, que o mandado de segurança é um remédio constitucional com previsão no artigo 5º, inciso, LXIX, da Constituição Federal de 1988 e Lei 12.016/2009 que destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, contra ato (ou omissão) marcado de ilegalidade ou abuso de poder, de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, inc. LXIV da Constituição Federal). Não admite em seu rito especial a dilação probatória, uma vez que exige prova pré-constituída do direito líquido e certo, possuindo natureza jurídica de ação mandamental e inegável instrumento de acessibilidade ao Poder Judiciário (art. 5, XXXV, CF/88), que reforma a formação de um Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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BUENO, Cássio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança – Comentários Sistemáticos à Lei 12.016/09. 2. ed. Editora Saraiva, 2010.
CERVO, Amado L; BERVIAN, A. Pedro. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
DE COMAIN, Pedro Roberto. Mandado de segurança – tradicional, novo e o polêmico na Lei12.016/09. Editora Dialética, 2009.
FILHO, Vicente Greco. Novo mandado de segurança. Editora Saraiva, 2010.
LOPES, Mauro Luís Rocha. Comentários à nova lei do mandado de segurança. Editora Impetus, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes; MENDES, Gilmar Ferreira; WALD, Arnold. Mandado de segurança e Ações constitucionais. 33. ed. Editora Malheiros, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. Editora Atlas, 2011.
RAMPAZZO, Lino. Metodologia científica para alunos dos cursos de graduação e pós graduação. Editora Loyola, 2002.
SILVA, José Afonso da Silva. Comentários contextuais à Constituição. 7. ed. Editora Malheiros, 2010.
Servidor Público no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, graduado em direito pela Faculdade Católica de Rondônia, mestrando em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça - DHJUS pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEIXOTO, PEDRO GRAZIEL FILGUEIRA. O mandado de segurança e seus efeitos jurídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2023, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61294/o-mandado-de-segurana-e-seus-efeitos-jurdicos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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