Resumo: O presente artigo busca analisar viabilidade jurídica de penhora de direitos aquisitivos do devedor fiduciante sobre imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia, à luz da Lei 8.009/1990 e da teoria do patrimônio mínimo.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Direito Constitucional. Impenhorabilidade. Bem de família. Direitos aquisitivos sobre imóvel. Teoria do patrimônio mínimo. Lei 8.009/1990. Lei 9.514/1997.
Sumário: 1. Delimitação e contextualização do tema; 2. Teoria do patrimônio mínimo e direito à moradia; 3. Penhora e impenhorabilidade; 4. Da impenhorabilidade do bem de família da Lei 8.009/1990; 5. Da constrição dos direitos aquisitivos e sua interpretação conforme à Constituição Federal (CPC, art. 835, XII); 6. Conclusões; 7 Referências.
1. Delimitação e contextualização do tema
Objetiva-se, com o presente artigo, analisar a viabilidade jurídica de penhora sobre os direitos aquisitivos do devedor fiduciante sobre imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária em garantia, à luz da Lei 8.009/1990 e da teoria do patrimônio mínimo.
Não se desconhece que o Código de Processo Civil (CPC), em seu art. 835, inciso XII, possibilita a penhora sobre direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia.
Com efeito, a alienação fiduciária imputa ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta do imóvel, tornando o adquirente devedor fiduciante um mero depositário e possuidor direto.
Na dicção da Lei 9.514/1997, a alienação fiduciária consiste no contrato pelo qual “o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel" (Lei 9.514/1997, art. 22, caput). Como consectário deste negócio, há o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel" (Lei 9.514/1997, art. 23, parágrafo único). Assim sendo, o negócio em tela resolve-se pelo adimplemento integral da dívida garantida.
Como se vê, até o pagamento integral do débito, o devedor fiduciante tem apenas direitos aquisitivos sobre o bem imóvel, e não sua propriedade, motivo por que se discute se tais direitos podem, ou não, ser penhorados se advierem do único bem imóvel do devedor e sua família (Lei 9.514/1997, art. 25).
Nessa linha de raciocínio, tratando-se de direitos aquisitivos sobre o único imóvel da pessoa, é possível franquear a proteção da impenhorabilidade como se bem de família fosse?
Essa é a questão que este artigo busca responder.
2. Teoria do patrimônio mínimo e direito à moradia
Sabe-se que a Constituição Federal (CF) tem por fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, II e II), objetivando construir uma sociedade livre, justa e solidária, com o fim de erradicar a pobreza e a marginalização, assim como se busca a redução das desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º)
Por sua vez, os direitos fundamentais incidem não só nas relações jurídicas entre Estado e indivíduo, mas também nas relações entre particulares. Em outras palavras, há a eficácia horizontal de tais direitos, a evidenciar “a vinculação de outros particulares aos direitos fundamentais”[1].
Observa-se, então, que a eficácia horizontal caracteriza-se “por defender a ideia de que os direitos fundamentais estariam aptos a vincular imediatamente os agentes particulares, independentemente de intermediação legislativa” [2]. Sendo assim, a eficácia horizontal dos direitos e objetivos fundamentais insculpidos na CF a todos vinculam, de tal sorte que constitui um dever fundamental de todos, Estado e indivíduos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º).
Sobre o tema, e suas implicações no direito civil, Daniel Sarmento e Cláudio Souza abordam que:
As consequências deste novo “olhar” constitucional sobre o Direito Civil envolvem o reconhecimento da chamada “eficácia horizontal” direta dos direitos fundamentais. A nova ótica se traduz, ainda, nas tendências à personalização e à despatrimonialização deste ramo do ordenamento. Em outras palavras, trata-se de reconhecer, a partir dos princípios constitucionais, a prioridade dos valores existenciais sobre os valores meramente patrimoniais no âmbito jurídico-privado[3].
É nesse estado da arte que se insere a teoria do patrimônio mínimo. Em obra doutrinária, Luiz Edson Fachin sublinha a diferença entre patrimônio e propriedade, de modo a pautar a análise do direito privado na pessoa concreta, com o abandono de uma perspectiva patrimonialista então vigorante no direito civil brasileiro[4].
Com base nessa distinção, o autor desenvolve a teoria do patrimônio mínimo, isto é, aquele estabelecido conforme os “parâmetros elementares de uma vida digna e do qual não pode ser expropriada ou desapossada. Por força desse princípio, independente de previsão legislativa específica instituidora dessa figura jurídica, e, para além de mera impenhorabilidade como abonação, ou inalienabilidade como gravame, sustenta-se existir essa imunidade juridicamente inata ao ser humano, superior aos interesses dos credores”[5].
Nota-se, portanto, que a teoria do patrimônio mínimo busca dar funcionalidade à solidariedade social, obrigando o aplicador da norma a se preocupar com a dignidade da pessoa[6].
Nesse panorama, Teresa Negreiros ensina que os bens econômicos cumprem uma função social, qual seja, a promoção da dignidade da pessoa humana, de modo que algumas coisas são indeclináveis para a conservação do padrão mínimo de dignidade de quem as necessita[7].
A propósito do tema, a Constituição Federal (CF), em seu art. 170, caput, positiva que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, terá por escopo “assegurar a todos existência digna”, consoante os ditames da “justiça social”. Na mesma direção, o Estado brasileiro tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, tendo por finalidade “impedir que o ser humano seja utilizado como objeto”[8].
Daí afirmar Peter Häberle que a dignidade da pessoa humana é a “sustentação de um Estado e Poder Público comprometidos e limitados em sua atuação, tratando a dignidade humana como premissa antropológico-cultural”[9].
Nesse contexto, o direito à moradia não se confunde com o direito de propriedade, na medida em que morada é o lugar onde se habita, de sorte que poderá ser, ou não, de propriedade do morador[10]. Esse direito à moradia deve ser exercido em consonância com sua função social, vale dizer, com o propósito de promoção da dignidade humana e do direito à morada como emanação do patrimônio mínimo a ser franqueado a toda e qualquer pessoa que esteja no território brasileiro.
Em suma, o direito à moradia, expressamente previsto na CF, art. 6º, caput, está intimamente ligado ao direito de propriedade, igualmente positivado na CF, art. 5º, caput, embora com ele não se confunda, integrando o mínimo existencial do indivíduo, ou seja, o plexo de direitos e garantias da pessoa humana para lhe assegurar uma sobrevivência digna.
De igual modo, o direito à moradia tem previsão em tratados internacionais, especificamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) datada de 1948, no seu art. 25:
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Na seara dos direitos humanos, segundo o Comentário nº 4 do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o direito à moradia abrange, dentre outras, as liberdades de (i) proteção contra remoção forçada, destruição arbitrária e demolição da casa, (ii) não interferência à privacidade e (iii) de escolha da própria residência[11].
Demais disso, o referido comentário inclui entre as garantias do direito à moradia a (i) segurança da posse, (ii) restituição da moradia, (iii) acesso igualitário e não discriminatório e, ainda, (iv)a participação, em níveis internacional e comunitário, na tomada de decisões referentes à moradia[12].
Finalmente, o direito à moradia abrange a proteção contra remoção forçada, elemento importante à efetivação do direito à habitação adequada[13].
Observa-se, por conseguinte, que o direito à moradia tem natureza autônoma e ligação direta com a teoria do patrimônio mínimo, razão pela qual sua análise deve ser sempre à vista de sua função social, materializada nos termos do comentário geral acima referido, isto é, com o fim de franquear às pessoas o direito à moradia adequada.
3. Penhora e impenhorabilidade.
De início, sabe-se que o CPC, em seu art. 789, traz à baila a responsabilidade patrimonial do executado, de sorte que o “devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei” (CPC, art. 789, caput).
Renato Montans de Sá ensina que a execução é processo que objetiva à satisfação do crédito exequendo, de modo que, em nosso sistema, a execução mais comum é a denominada por sub-rogação, isto é, aquela em que “o Estado invade a esfera patrimonial do executado para que ele possa proceder à apreensão dos bens e à conversão em renda para o credor (que pode ser obtida com o produto da venda por alienação, a adjudicação, entre outros)”.[14]
Em continuação, Renato Montans de Sá esclarece que se mostra imprescindível a existência de “patrimônio suficiente do executado, de modo a responder pela obrigação. E mais, que esse patrimônio seja suscetível de constrição”[15]. Por isso, a responsabilidade patrimonial consiste na “sujeição do patrimônio do responsável (executado ou terceiro) para com o processo (CPC/2015, art. 789; CC, art. 391), independentemente de esses bens estarem ou não em poder do devedor (CPC/2015, art. 790, III)”.[16]
Em arremate, Renato Montans de Sá conclui que o ordenamento jurídico brasileiro “não admite exceção: o atual estágio em que se encontra o sistema processual brasileiro não autoriza, como se fazia no período romano, o esquartejamento, a morte ou escravidão do devedor”.[17]
Nessa toada, Humberto Theodoro Júnior diz que “a responsabilidade patrimonial consiste apenas na possibilidade de algum ou de todos os bens de uma pessoa serem submetidos à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante ou estranha ao negócio jurídico substancial”.[18]
Entre os instrumentos para a satisfação do crédito no contexto de um processo executivo, destaca-se a penhora. Com efeito, a penhora consiste no ato executivo que define, judicialmente, o bem sobre o qual recairão os atos executivos, isto é, a penhora particulariza aquilo que, até então, era abstratamente visto como responsabilidade executiva patrimonial. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior,
A penhora, ato típico e fundamental da execução por quantia certa, tem como objetivo imediato destacar um ou alguns bens do devedor para sobre eles fazer concentrar e atuar a responsabilidade patrimonial. A partir da penhora, portanto, começa-se o procedimento expropriatório por meio do qual o órgão judicial obterá os recursos necessários ao pagamento forçado do crédito do exequente[19]
Logo, a penhora é o ato processual por meio do qual são separados bens do devedor, que serão utilizados, se for o caso, para a satisfação do crédito executado em juízo.
Nesse cenário, a penhora possui efeitos materiais e efeitos processuais. Em relação aos materiais, têm-se (a) a transferência da posse do bem do executado para o depositário, salvo quando o próprio executado é nomeado depositário do bem; e (b) a ineficácia, perante o exequente, dos atos de alienação ou oneração do bem penhorado (fraude à execução). Por sua vez, quanto aos efeitos processuais da penhora, têm-se (a) garantia do juízo, pois viabiliza o prosseguimento da execução; (b) individualização do bem sobre o qual recairá a execução; e, por fim, a constituição de direito de preferência ao exequente em caso de pluralidade de penhoras em execuções diferentes[20].
Nota-se, pois, que o ordenamento jurídico tem por regra a penhora, a qual, como visto, impõe graves efeitos.
Assim sendo, a regra é que o devedor responda pela execução da obrigação com todos os seus bens, presentes e futuros, ressalvados, entretanto, aqueles que a Lei torna imunes à atividade executiva, assim denominados de bens impenhoráveis[21].
Segundo Alexandre Freitas Câmara, há três regimes de impenhorabilidade no direito processual civil brasileiro, quais sejam, o (a) da impenhorabilidade absoluta, o (b) da impenhorabilidade relativa e o (c) regime especial da impenhorabilidade do imóvel residencial[22].
Em primeiro lugar, “bem absolutamente impenhorável àquele que não pode ser penhorado em hipótese alguma (art. 833), ressalvada apenas a execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive a contraída para sua aquisição (art. 833, § 1o)”[23]. Em segundo lugar, “bens relativamente impenhoráveis aqueles que poderão ou não ser penhorados conforme a capacidade patrimonial do executado. É que o art. 834 indica bens que só podem ser penhorados se o executado não tiver outros capazes de garantir a satisfação do crédito exequendo”[24]. Por fim, o “[r]egime de impenhorabilidade distinto dos dois anteriores é o estabelecido pela Lei no 8.009/1990 para o imóvel destinado a uso residencial” [25]
4. Da impenhorabilidade do bem de família da Lei 8.009/1990
Inicialmente, cumpre esclarecer que não se trata aqui da denominação “bem de família” empregada para designar o instituto previsto no Código Civil (CC), arts. 1.711 a 1.722 do CC.
O objeto deste artigo reside no instituto previsto na Lei 8.009/1990.
Com efeito, diz o art. 1º da Lei 8.009/1990 que o “imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam."
Observa-se, com isso, que a impenhorabilidade em tela exige que a propriedade seja do casal ou da entidade familiar, na medida em que se fala em imóvel residencial próprio. Em outras palavras, os termos da Lei poderiam levar à conclusão de que apenas os imóveis de propriedade da entidade familiar gozariam de impenhorabilidade, e não aqueles utilizados para moradia.
Em análise mais acurada sobre o tema, Rita de Cássia Corrêa Vasconcelos diz que a proteção legal tem por objetivo proteger também o imóvel utilizado para moradia, isto é, “não só a propriedade é protegida pela impenhorabilidade legal; também a posse é abrangida pelo benefício. (...) A expressão 'imóvel residencial próprio', vale dizer, compreende também o imóvel que está sendo adquirido, desde que incontroverso e devidamente registrado o compromisso de compra e venda”.[26]
Alexandre Freitas Câmara, com sua perspicácia, diz que:
Não é preciso, para que o imóvel seja tido por impenhorável, que nele efetivamente resida o executado. Basta que seja o imóvel que assegura a moradia. Basta pensar no caso de o executado ser proprietário de um imóvel em uma cidade e o alugar para, com o valor recebido a título de aluguel, pagar ele próprio o aluguel de outro imóvel, em outra cidade, onde reside. Fica claro que o imóvel que lhe pertence – e onde não reside – é o que lhe assegura a moradia, já que com seus rendimentos é que custeia o aluguel do lugar em que mora. Neste caso, o imóvel que lhe pertence (onde não reside, mas que lhe assegura moradia) será considerado impenhorável, nos termos da Lei no 8.009/1990[27].
Vê-se, pois, que a melhor interpretação é aquela que dá uma interpretação mais elástica ao termo “imóvel residencial próprio”, de modo a abranger os conceitos de moradia e posse, institutos que têm relação direta com o negócio jurídico de alienação fiduciária de coisa imóvel.
Dito de outro modo, sua proteção pode ser estendida para o direito à moradia e à posse oriundos de compromisso de compra e venda ou de financiamento de imóvel para fins de moradia, porquanto a impenhorabilidade deve ser funcionalmente interpretada, de modo a proteger o patrimônio mínimo da pessoa humana.
5. Da constrição dos direitos aquisitivos e sua interpretação conforme à Constituição Federal (CPC, art. 835, XII)
A controvérsia consiste em definir se os direitos aquisitivos do devedor fiduciante sobre imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia estão albergados pela impenhorabilidade da Lei 8.009/1990.
Sem dúvida, o CPC/2015, art. 835, XII, possibilita a constrição de direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia. Trata-se de inovação empreendida pelo legislador de 2015, visto que o CPC/1973, em seu art. 655 do CPC/1973, não fazia expressa referência aos direitos aquisitivos em tela.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou sua jurisprudência no sentido de que se afigura impossível a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário. Entretanto, permitia a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.
A propósito do tema, “[o] STJ firmou o entendimento de que o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos” (STJ, REsp 1.646.249/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/4/2018, DJe 24/5/2018).
Todavia, a situação ganha contornos diferentes quando há a possibilidade concreta de se violar a proteção ao bem de família legal, especificamente quando o bem imóvel, objeto de alienação fiduciária em garantia, é o único imóvel da entidade familiar.
Com efeito, se o imóvel alienado fiduciariamente é o único bem do devedor, destinado à sua residência, a proteção da impenhorabilidade deve incidir, pois a CF, ao erigir o direito à moradia à categoria de direito fundamental, objetivou tutelar a garantia do patrimônio mínimo necessário à subsistência da família (CF, arts. 1º, III, e 3.º, I e III).
Em suma, à vista da CF, assegurar o patrimônio mínimo da parte devedora implica sua proteção como ser humano, ultrapassando as fronteiras dos direitos de personalidade para buscar, nos direitos patrimoniais, a proteção funcionalizada da pessoa humana.
A interpretação proposta, então, consiste em outorgar a proteção do bem de família quando a res immobiles se destina à moradia da entidade familiar, razão pela qual a exegese do CPC, art. 835, XII, torna possível a penhora dos direitos aquisitivos de imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia, desde que não seja bem de família. Em arremate, a hipótese em foco não se encontra entre as exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei 8.009/1990, as quais devem ser interpretadas restritivamente.
No mesmo sentido é o entendimento recente do STJ sobre a questão, segundo o qual “[o]s direitos que o devedor fiduciante possui sobre o contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia estão afetados à aquisição da propriedade plena do bem. E, se este bem for o único imóvel utilizado pelo devedor fiduciante ou por sua família, para moradia permanente, tais direitos estarão igualmente afetados à aquisição de bem de família, razão pela qual, enquanto vigente essa condição, sobre eles deve incidir a garantia da impenhorabilidade à que alude o art. 1º da Lei 8.009/90, ressalvada a hipótese do inciso II do art. 3º da mesma lei".(STJ, REsp 1629861/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 08/08/2019 – destacou-se).
Em resumo, o imóvel alienado fiduciariamente à instituição financeira, embora não faça parte do patrimônio do devedor, gozará da proteção dada ao bem de família pelo art. 1º da Lei 8.009/1990, que se refere ao "imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar". Isso porque a intepretação finalística do instituto abrange igualmente imóvel em aquisição. Em outras palavras, apesar de o imóvel ainda não estar quitado, por ser objeto de alienação fiduciária, ele está tutelado pelo instituto do bem de família (impenhorabilidade), quando preenchidos os pressupostos da Lei 8.009/1990.
6. Conclusões
Viu-se que a dignidade da pessoa humana é princípio estruturante da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III), informando a interpretação de todo o ordenamento jurídico, de modo que os institutos devem ser analisados funcionalmente.
Nessa linha de raciocínio, abordou-se a teoria do patrimônio mínimo e o paradigma da essencialidade dos bens jurídicos, todos direcionados para a promoção do ser humano em sua dimensão existencial.
Com isso, buscou-se uma interpretação finalística da impenhorabilidade do bem de família, a qual objetiva a proteção do lar da entidade familiar, em franca ligação com o direito fundamental à moradia e ao princípio estruturante da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, caracteriza-se o bem de família aquele que serve, efetivamente, à morada familiar.
Em síntese, cuidando-se do único imóvel utilizado pelo devedor fiduciante e por sua família, para moradia permanente, os direitos aquisitivos estarão protegidos, por consectário, com a impenhorabilidade da Lei 8.009/1990, quando no contexto de processo executivo movido por terceiro. Vale dizer: a alienação fiduciária não infirma a garantia se for o único imóvel do devedor, utilizado para sua moradia e/ou de sua família, aplicando-se a impenhorabilidade sobre os direitos aquisitivos.
7 Referências
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______, STJ, REsp 1.646.249/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/4/2018, DJe 24/5/2018
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______, Lei 9.514/1997, de 20 de novembro de 1997
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[1] NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro - Ed. 2017. Editor: Revista dos Tribunais. CAPÍTULO 1. O CONSTITUCIONALISMO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/123448227/v1/document/123497448/anchor/a-123497448> . Acesso em 27/03/2023
[2]TAVARES, André Ramos Curso de direito constitucional / André Ramos Tavares. – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017.p. 385
[3] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. – Belo Horizonte : Fórum, 2ª edição, 3ª reimpressão, 2017. p. 27
[4]FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 44
[5] Op. Cit. P.1
[6] Op. Cit. P. 50
[7] NEGREIROS, Teresa de Abreu Trigo Paiva de. Teoria dos contratos: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.p. 503
[8] NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro - Ed. 2017. Editor: Revista dos Tribunais. CAPÍTULO 1. O CONSTITUCIONALISMO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/123448227/v1/document/123497448/anchor/a-123497448 . Acesso em 27/03/2023
[9] Apud. NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro - Ed. 2017. Editor: Revista dos Tribunais. CAPÍTULO 1. O CONSTITUCIONALISMO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/123448227/v1/document/123497448/anchor/a-123497448 . Acesso em 27/03/2023
[10] MEDINA, José Miguel. Constituição Federal Comentada - Ed. 2022 Editor: Revista dos Tribunais Constituição Federal comentada. Título II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Capítulo II. Dos Direitos Sociais. Art. 6º. Página RL-1.4. https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/93667770/v7/page/RL-1.4 Acesso em 27/03/2023
[11]BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Direito à moradia adequada. – Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013.p. 13
[12] Op. Cit. P. 14
[13] Op. Cit. P. 15
[14] In ASSIS, Araken. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Processo de Execução e Cumprimento da Sentença - Ed. 2022. Editor:Thomson Reuters Brasil PARTE IV - RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL 29. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO EXECUTADO E OS ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA EXECUÇÃO Página RB-29.1. Por RENATO MONTANS DE SÁ. https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/263327545/v2/page/RB-29.1 Acesso em 27/03/2023
[15] In ASSIS, Araken. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Processo de Execução e Cumprimento da Sentença - Ed. 2022. Editor:Thomson Reuters Brasil PARTE IV - RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL 29. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO EXECUTADO E OS ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA EXECUÇÃO Página RB-29.1. Por RENATO MONTANS DE SÁ. https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/263327545/v2/page/RB-29.1 Acesso em 27/03/2023
[16] Ibdem.
[17] Ibdem.
[18] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III / or. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.p. 405
[19] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III / or. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.p. 482
[20] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Penhora vs Efeitos Materiais vs Efeitos Processuais. https://www.buscadordizerodireito.com.br/dodpedia/detalhes/865dfbde8a344b44095495f3591f7407?palavra-chave=%28penhora%29+%28efeitos+materiais%29+&criterio-pesquisa=e Acesso em 27/03/2023 No mesmo sentido, cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III / or. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. P. 562 a 565.
[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.p. 302
[22] Op. Cit. P. 302
[23] Op. Cit.p. 302
[24] Op. Cit. P. 305
[25] Op. Cit. P. 305.
[26] VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 48
[27] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.p. 305
Promotor de Justiça do Estado do Amapá (PORTARIA N° 1609/2024 - GAB-PGJ/MP-AP, de 29 de agosto de 2024). Pós-graduado em Direito Público pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (ESMA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KUHLMANN, Júlio Luiz de Medeiros Alves Lima. (Im)penhorabilidade dos direitos aquisitivos sobre imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia: uma leitura à luz da teoria do patrimônio mínimo. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2023, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61304/im-penhorabilidade-dos-direitos-aquisitivos-sobre-imvel-objeto-de-alienao-fiduciria-em-garantia-uma-leitura-luz-da-teoria-do-patrimnio-mnimo. Acesso em: 23 dez 2024.
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