RESUMO: A competência consultiva da Corte Interamericana desempenha um importante papel na construção dos Direitos Humanos, no âmbito do sistema protetivo regional. Nesse contexto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre "Abordagens diferenciadas às pessoas privadas de liberdade”. Foi emitido o Parecer OC 29/22, em que a Corte Interamericana se pronunciou sobre o contexto de extrema vulnerabilidade das pessoas pertencentes a grupos de riscos nas prisões da região - em razão da idade, sexo, gênero, etnia, orientação sexual e identidade e expressão de gênero -, que decorrem das deploráveis condições de detenção, mas, principalmente, do impacto desproporcional causado pela falta de proteção diferenciada. A Corte Interamericana ainda forneceu diretrizes para que os Estados cumpram adequadamente suas obrigações. Este trabalho estuda as abordagens diferenciadas aplicáveis às gestantes, às mulheres em trabalho de parto, às puérperas e às lactantes privadas de liberdade, bem como a importância da função interpretativa do Tribunal Interamericano, através da análise da citada opinião consultiva. Palavras-Chave: Corte Interamericana. Parecer OC 29/22. Proteção Diferenciada. Mulheres.
ABSTRACT: The advisory competence of the Inter-American Court plays an important role in the construction of Human Rights within the framework of the regional protection system. In this context, the Inter-American Commission on Human Rights, on the basis of Article 64.1 of the American Convention, submitted a request for an Advisory Opinion on "Differentiated Approaches to Persons Deprived of Liberty." OC Opinion 29/22 was issued, in which the Inter-American Court ruled on the context of extreme vulnerability of people belonging to risk groups in prisons in the region - due to age, sex, gender, ethnicity, sexual orientation, and gender identity and expression - which stem from the deplorable conditions of detention, but mainly from the disproportionate impact caused by the lack of differentiated protection. The Inter-American Court also provided guidelines for States to adequately fulfill their obligations. This paper studies the differentiated approaches applicable to pregnant women, women in labor, puerperal women and breastfeeding women deprived of liberty, as well as the importance of the interpretative function of the Inter-American Court, through the analysis of the aforementioned advisory opinion. Keywords: Inter-American Court. Opinion OC 29/22. Differentiated Protection. Women.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A função consultiva da corte interamericana de direitos humanos e da competência da comissão para solicitação.2. O Parecer Consultivo OC 29/22. 2.1 Considerações gerais sobre a necessidade de adotar medidas diferenciadas para determinados grupos de pessoas privadas de liberdade. 2.2 Enfoques diferenciados aplicáveis às mulheres grávidas, às mulheres em trabalho de parto, pós-parto e lactantes, bem como às principais cuidadoras primárias, privadas de liberdade. a) Prioridade no uso de medidas alternativas na aplicação e execução da punição no caso de mulheres no curso da gravidez, durante o parto e no período pós-parto e lactação, bem como quando são cuidadoras primárias. b) Princípio da separação entre mulheres e homens e instalações apropriadas para mulheres grávidas, pós-parto e lactantes, bem como quando são cuidadoras primárias. c) Proibição de medidas de isolamento e coerção física. d) Acesso à saúde sexual e reprodutiva sem discriminação. e) Nutrição adequada e cuidados de saúde física e psicológica especializados durante a gravidez, parto e pós-parto. f) Prevenção, investigação e erradicação da violência obstétrica no contexto prisional. g) Acesso à higiene e vestuário adequado. h) Garantia de que os laços das mulheres ou cuidadores primários privados de liberdade sejam desenvolvidos em um ambiente apropriado com seus filhos fora dos muros. Conclusão. Referências
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é um órgão judicial autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) que tem como objetivo principal promover e proteger os direitos humanos na região das Américas.
A Corte IDH tem sede na Cidade de San José, na Costa Rica, e é composta por sete juízes eleitos pelos Estados membros da OEA. Estes juízes são responsáveis por julgar casos de violações de direitos humanos apresentados por indivíduos ou organizações da sociedade civil à Comissão, bem como por emitir pareceres consultivos sobre questões relacionadas aos direitos humanos.
O poder da Corte Interamericana consiste essencialmente em interpretar e aplicar a Convenção Americana ou outros tratados sobre os quais tenha jurisdição para, consequentemente, determinar, de acordo com as normas internacionais, convencionais e consuetudinárias, a responsabilidade internacional do Estado em conformidade com o Direito Internacional.
Contudo, à diferença da sua função contenciosa, no desempenho no exercício da competência consultiva, não há "partes" envolvidas no procedimento e não há disputa a ser resolvida. O objetivo central da função consultiva é obter uma interpretação judicial de uma ou mais disposições da Convenção ou de outros tratados relativos à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos, nos termos do artigo 62 da Convenção Americana, que dispõe:
1. Qualquer Estado Parte poderá, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação ou de adesão à presente Convenção, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como vinculativa por direito e sem convenção especial a competência do Tribunal sobre todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da presente Convenção. [...]
3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições da presente Convenção que lhe sejam submetidas, desde que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam tal jurisdição, quer por declaração especial, conforme indicado nos parágrafos anteriores, quer por convenção especial.
É importante ressaltar que as opiniões consultivas da Corte IDH não são vinculantes, ou seja, não têm força de lei, mas são consideradas autoritativas, pois têm um impacto significativo na prática jurídica e na política dos países da região.
Destarte, as opiniões consultivas da Corte IDH são fundamentais para o fortalecimento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, pois fornecem orientações importantes para governos, organizações da sociedade civil, advogados e juízes que trabalham na defesa dos direitos humanos.
No uso dessa competência interpretativa já foram exarados 29 pareceres de importância para a construção de um sistema regional de proteção dos Direitos Humanos, sendo o mais recente denominado de opinião consultiva de número 29, de 30 de maio de 2022 – OC 29/22.
Este parecer resultou de pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 64.1 da Convenção Americana[1], para que a Corte IDH emitisse parecer sobre as abordagens diferenciadas a serem adotas pelos Estados membros para as pessoas privadas de liberdade, em razão de vulnerabilidades relacionadas a questões de idade, de identidade e expressão de gênero, de etnia e de orientação sexual.
Na decisão da Corte foram apresentados os questionamentos específicos, gerando a subdivisão do parecer do seguinte modo: em primeiro lugar, foram feitas considerações gerais sobre a necessidade de adoptar medidas ou abordagens diferenciadas em relação a certos grupos de pessoas privadas de liberdade, entre estes as gestantes, as mulheres em trabalho de parto, pós-parto e lactação, bem como aos principais cuidadores, privados de liberdade; e, posteriormente, foram realizadas interpretações relativamente a cada um dos grupos levados a consulta.
A divisão temática adotada pelo Parecer OC 29/22 será seguida no presente trabalho, com a apresentação de considerações gerais sobre a necessidade da adoção de medidas ou de abordagens diferenciadas em relação a certos grupos de pessoas privadas de liberdade e, posteriormente, com o estabelecimento de interpretações relativas às gestantes, às mulheres em trabalho de parto, pós-parto e lactação privadas de liberdade.
1.A FUNÇÃO CONSULTIVA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E DA COMPETÊNCIA DA COMISSÃO PARA SOLICITAÇÃO.
A Corte IDH possui dois planos de competência atribuídos pela Convenção Americana: um contencioso e outro consultivo, conforme previsão dos artigos 62[2] e 64[3].
O primeiro é acionado pelos Estados signatários, que tenham aceitado a jurisdição da Corte, em face de casos concretos. Já o segundo é interpretativo, servindo a Corte como órgão de consulta para questionamentos relativos à correta aplicação da Convenção e de outros tratados de Direitos Humanos.
No que diz respeito à sua competência ratione materiae, a Corte IDH já decidiu que a sua função consultiva lhe permite interpretar qualquer norma da Convenção Americana, inclusive as de natureza processual[4], bem como qualquer disposição relativa à proteção dos direitos humanos de qualquer tratado internacional aplicável nos Estados americanos, independentemente de ser um tratado bilateral ou multilateral, ou de serem partes Estados fora do Sistema Interamericano[5].
A Corte, conforme previsão do artigo 72 de seu Regulamento, ainda pode emitir pareceres opinativos sobre a compatibilidade entre qualquer das leis internas dos Estados membros e os mencionados instrumentos internacionais, o que pode ser considerado como um controle de convencionalidade.
Percebe-se, assim, a amplitude da competência consultiva da Corte IDH, pois esta pode analisar não somente questões referentes à Convenção, como também outros tratados e disposições de direitos humanos, demonstrando, assim, o verdadeiro escopo desse órgão jurisdicional, que é o de assegurar as garantias e os direitos inerentes à condição humana.
Registre-se, nesse ponto, que a Corte já consagrou o entendimento de que a tais consultas, nada obstante possuírem caráter abstrato, deve corresponder uma provável aplicação concreta, para atraírem o interesse da região, como forma de garantir eficácia social às decisões.
O procedimento para solicitação da opinião consultiva está previsto no Título III do Regulamento da Corte que trata dos requisitos formais para o requerimento e a apreciação de pareceres consultivos pela Corte Interamericana.
Os artigos 70[6] e 71[7] do referido título basicamente impõem ao Estado ou ao organismo requerente os seguintes requisitos: i) formular as questões com precisão; ii) especificar as disposições a interpretar; iii) indicar as considerações que a originam e iv) fornecer o nome e o endereço do agente ou delegado.
No que tange à legitimidade para formular pedidos de opinião à Corte IDH, existe um número maior de legitimados na competência consultiva do que na contenciosa, pois nesta somente os Estados signatários da Convenção, que reconheçam expressamente a competência da Corte, e a Comissão Interamericana podem submeter casos à decisão do Tribunal. No contexto consultivo, contudo, todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) possuem titularidade, não importando se ratificaram a Convenção ou não.
O artigo 64.1 da Convenção Americana dispõe que são legitimados para a propositura de uma opinião consultiva, além dos Estados membros da OEA, todos os órgãos presentes no Capítulo X da Carta da OEA, observe-se:
Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação da presente Convenção ou de outros tratados relativos à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também pode ser consultado, no que lhes diz respeito, pelos órgãos enumerados no Capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, conforme alterada pelo Protocolo de Buenos Aires.
A Carta da Organização dos Estados Americanos prevê, entre os órgãos descritos no seu artigo 53[8], a Comissão como órgão principal e autônomo da OEA, fato que o habilita, portanto, a solicitar um parecer consultivo à Corte IDH.
Ademais, a principal função da Comissão é "promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização nessa área"[9], de modo que é evidente a existência de interesse institucional legítimo da Comissão nas consultas que tratam da interpretação e do alcance de várias disposições de direitos humanos no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
Importante registrar que, dentre os órgãos listados no artigo 53, somente a Comissão e os Estados membros da OEA podem formular consultas de forma livre, uma vez que os outros órgãos apenas poderão requerer pareceres relacionados com suas prerrogativas funcionais[10].
No tocante à admissibilidade do pedido de parecer consultivo, a Corte Interamericana, nos Pareceres OC 16/99 e OC 28/21, desenvolveu critérios jurisprudenciais relativos à admissibilidade e pertinência para o processamento ou não de um pedido de parecer consultivo, a saber: i) não encobrir um caso contencioso ou obter uma decisão prematura sobre um tema ou assunto que possa eventualmente ser submetido à Corte por meio de um caso contencioso; ii) não obter uma decisão indireta sobre um assunto em disputa a nível interno; iii) não ser instrumento de debate político interno; iv) não abranger, exclusivamente, questões sobre as quais a Corte já se pronunciou em sua jurisprudência e, v) não buscar a resolução de questões de fato, mas procurar desvendar o significado, a finalidade e a razão do direito internacional dos direitos humanos e, acima de tudo, ajudar os Estados membros e os órgãos da OEA a cumprir plena e efetivamente suas obrigações internacionais.
Quanto aos efeitos das opiniões consultivas, estas, ao contrário das decisões no contexto da competência contenciosa, não são vinculantes, embora possuam efeitos morais tanto no direito interno como internacional, com impacto significativo na prática jurídica e na política dos países da região.
2. O PARECER CONSULTIVO OC 29/22
Em 25 de novembro de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana e em conformidade com o disposto nos artigos 70.1 e 70.2 do Regulamento Interno, apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre "Abordagens Diferenciadas às Pessoas Privadas de Liberdade".
A Comissão expôs as considerações que deram origem à consulta, observando:
Em um contexto de extrema vulnerabilidade das pessoas pertencentes a grupos de risco especial – derivado não apenas das deploráveis condições de detenção que caracterizam as prisões da região, mas também do impacto desproporcional causado pela falta de proteção diferenciada – é pertinente e oportuno que a Corte Interamericana se pronuncie sobre essas questões e forneça diretrizes para que os Estados cumpram adequadamente suas obrigações na matéria. Em particular, neste pedido, a [Comissão] analisará os principais efeitos enfrentados pelas pessoas pertencentes aos grupos abrangidos pelo presente pedido, que decorrem do fato de o tratamento que recebem ser geralmente o mesmo que o dado ao resto da população prisional. Nesse sentido, além das deficiências e dificuldades gerais a que as pessoas privadas de liberdade estão sujeitas, há aquelas que decorrem de sua própria condição - em razão da idade, sexo, gênero, etnia, orientação sexual e identidade e expressão de gênero - e a consequente falta de uma abordagem diferenciada. Isso implica afetações que geram um impacto desproporcional em sua prisão, o que, além de impedir o gozo dos direitos humanos, pode colocar as pessoas sujeitas a esse pedido em uma situação que coloca em risco suas vidas e integridade pessoal.
Neste contexto, a identificação dos direitos em causa e o respectivo desenvolvimento de normas que garantam o princípio da igualdade e da não discriminação em relação às pessoas sujeitas ao presente pedido revestem-se da maior relevância para a sua proteção. Isso permitirá abordar as particularidades dos respectivos grupos e garantir que, por meio de uma abordagem diferenciada do escopo das obrigações do Estado envolvidas, eles tenham igual acesso durante sua privação de liberdade a todos os serviços e direitos aos quais outras pessoas têm acesso.
[...] O escopo do presente pedido, [...] centra-se principalmente na privação de liberdade que ocorre no sistema prisional, sob as autoridades prisionais e que se caracteriza pela permanência prolongada da prisão. Este pedido de Parecer Consultivo, portanto, não abrange situações de privação de liberdade que ocorram em centros de detenção policial, sob autoridades administrativas que, em geral, são de caráter transitório. Em especial, os grupos de risco especial relativamente aos quais a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie no contexto do presente pedido consistem em: i) gestantes, puérperas e lactantes; (ii) pessoas LGBT; (iii) pessoas indígenas, (iv) idosos e (v) crianças que vivem com suas mães na prisão. [...] Além disso, em muitos casos, essas pessoas podem pertencer a mais de um grupo de risco especial, o que se traduz em múltiplas necessidades especiais e maior vulnerabilidade. Portanto, normas e práticas que ignoram esse impacto diferenciado fazem com que os sistemas prisionais reproduzam e reforcem os padrões de discriminação e violência presentes na vida em liberdade. [...] Neste contexto, para que os Estados cumpram o seu dever especial de proteger as pessoas sob a sua custódia e, em particular, de garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, a Comissão entende que é uma obrigação inevitável adotar medidas que respondam a uma abordagem diferenciada que tenha em conta as condições particulares de vulnerabilidade e os fatores que podem aumentar o risco de atos de violência e discriminação no país em contextos de encarceramento, como gênero, etnia, idade, orientação sexual e identidade e expressão de gênero. Da mesma forma, essas medidas devem levar em conta a frequente interseccionalidade dos fatores acima mencionados, o que pode acentuar a situação de risco em que as pessoas encarceradas se encontram.
[...] Consequentemente, com base no diagnóstico da situação anteriormente realizado no âmbito de suas funções de monitoramento, a Comissão considera que é imperativo ter uma interpretação da Corte que lhe permita desenvolver e aprofundar, à luz das normas interamericanas, as obrigações mais específicas que os Estados têm nessa área, com o objetivo de ajudá-los a fornecer uma resposta eficaz e mais abrangente para a proteção nesses países das pessoas privadas de liberdade, em pé de igualdade com o resto da população carcerária. Isto, tendo em conta a abordagem diferenciada que deve existir devido à situação especial de risco enfrentada por estas pessoas num contexto de privação de liberdade e do dever de fiador do Estado em relação às pessoas que se encontram sob a sua guarda.
Destarte, com base nas considerações expostas, a Comissão submeteu à Corte Interamericana as seguintes consultas acerca das mulheres grávidas, puérperas e lactantes em situação de privação de liberdade:
I. No que diz respeito à proteção dos direitos das pessoas em situação particularmente vulnerável, como as mulheres grávidas, puérperas e lactantes, é possível justificar, nos artigos 24º e 1º, n. 1[11], da Convenção, a necessidade de medidas ou abordagens diferenciadas para garantir que as suas circunstâncias específicas não afetem a igualdade de condições com outras pessoas privadas de liberdade, tanto em termos das suas condições de detenção como em relação aos recursos disponíveis para proteção dos seus direitos no contexto da privação de liberdade? Em caso afirmativo, que implicações concretas tem o conteúdo dos direitos envolvidos em tais artigos sobre o âmbito das obrigações correlatas dos Estados neste domínio?
II. Sobre mulheres grávidas, pós-parto e lactantes:
II.I À luz dos artigos 1.1., 4.1, 5, 11.2, 13, 17.1 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[12], do artigo 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher[13] e outros instrumentos interamericanos aplicáveis: que obrigações específicas têm os Estados de assegurar que as mulheres grávidas, no pós-parto e os bebês privados de liberdade têm condições de detenção adequadas às suas circunstâncias particulares? Em particular: a) Que obrigações específicas têm os Estados em termos de alimentação, vestuário e acesso a assistência médica e psicológica? b) Que condições mínimas deve o Estado garantir durante o trabalho de parto e durante o parto? c) Que medidas de segurança o Estado pode tomar ao transferir mulheres grávidas para torná-las compatíveis com suas necessidades especiais? e d) Qual é o alcance do direito de acesso à informação, no contexto da privação de liberdade, das mulheres grávidas, puérperas e lactantes, no que diz respeito à informação sobre o seu estatuto especial?
III. Nos casos de mulheres privadas de liberdade com crianças na primeira infância que estão fora da prisão, que medidas específicas os Estados devem tomar para garantir que mãe e filho mantenham um vínculo estreito e proporcional às suas necessidades especiais?
2.1 Considerações gerais sobre a necessidade de adotar medidas diferenciadas para determinados grupos de pessoas privadas de liberdade
A Corte IDH inicia a sua decisão a partir do argumento de que a Convenção Americana reconhece expressamente, no artigo 5º, o direito à integridade pessoal, física e mental, cuja violação "é de um tipo que tem várias conotações de grau e [...] cujas sequelas físicas e psicológicas variam em intensidade de acordo com os fatores endógenos e exógenos que devem ser demonstrados em cada situação concreta"[14].
E ainda, de acordo com os artigos 5.1 e 5.2 da Convenção[15], toda pessoa privada de liberdade tem o direito de viver em condições de detenção compatíveis com sua dignidade pessoal. Assim, o Estado – como responsável pelos centros de detenção – encontra-se em uma posição especial de garante dos direitos de qualquer pessoa sob a sua custódia[16].
Isso implica no dever de o Estado fornecer às pessoas sujeitas à sua custódia direitos essenciais para o desenvolvimento de uma vida digna, dado que as características do confinamento, associadas ao forte controle exercido pelas autoridades, prisionais impedem que as pessoas privadas de liberdade sejam capazes de satisfazer por si próprias as suas necessidades básicas.
Ademais, é preciso levar em conta a seletividade do sistema penal, na medida em que aqueles que são submetidos a medidas de custódia são em sua maioria homens jovens, com condições socioeconômicas precárias[17] e sem condições de proverem, quando privados de liberdade, suas necessidades básicas de existência, por seus próprios meios ou por suas famílias.
No caso das mulheres, estudos mostram que muitas delas têm histórico de vitimização prévia e são chefes de família, de modo que, antes de sua prisão, eram as únicas responsáveis por suas tarefas domésticas e assistenciais[18].
É por isso que o Estado é obrigado a garantir todos os direitos das pessoas privadas de liberdade sob sua custódia, especialmente o direito à vida e à integridade pessoal, bem como o acesso a serviços básicos essenciais para uma vida digna.
E mais que isso, o Estado é responsável por salvaguardar o bem-estar dos reclusos e de assegurar, especialmente, que a forma e o método de privação de liberdade não excedam o nível de sofrimento inerente à detenção.
Nesse contexto, a Corte Interamericana recorda que a interdependência entre a democracia, o Estado de Direito e a proteção dos Direitos Humanos é a base de todo o sistema em que a Convenção é parte e que um dos principais objetivos de uma democracia deve ser o respeito pelos direitos das minorias[19], mormente dos direitos das pessoas privadas de liberdade.
Assim, quando a qualidade democrática de um Estado é elevada, são instituídas políticas penais e prisionais que se concentram no respeito aos direitos humanos, de modo a proporcionar as condições mínimas compatíveis com a dignidade humana em centros de detenção, a fim de proteger e garantir o direito à vida e à integridade pessoal.
Neste ponto, salienta a Corte IDH que os Estados não podem invocar a privação econômica para justificar condições de detenção que não atendam aos padrões internacionais mínimos nessa área e não respeitem a dignidade do ser humano, impondo-se, assim, obrigações positivas aos Estados, uma vez que as características do confinamento impedem as pessoas privadas de liberdade de satisfazerem por conta própria certos direitos ou necessidades básicas que são essenciais para o desenvolvimento de uma vida digna[20].
Na mesma linha, o Comitê de Direitos Humanos afirmou que, no que diz respeito às condições de detenção em geral, qualquer que seja o nível de desenvolvimento do Estado Parte em causa, devem ser observadas certas regras mínimas, tais como[21]:
a) Existência de superfície de ar e um volume mínimos para cada prisioneiro;
b) Existência de instalações sanitárias adequadas;
c) O vestuário não deve de modo algum ser degradante ou humilhante;
d) Existência de uma cama de solteiro; e
e) Dieta com valor nutricional suficiente para a manutenção de saúde e força.
Quanto à proibição e à prevenção da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a Corte IDH também observa que certos grupos e indivíduos estão mais expostos à tortura e à violência sexual no contexto prisional, pois embora todos os detidos estejam em situação de vulnerabilidade, diversas condições podem agravá-la, como ser mulher, jovem, membro de minorias, estrangeiro ou estrangeiro, ou pessoa com deficiência, com doenças médicas ou psicológicas agudas ou formas de dependência.
Portanto, há uma demanda específica para combater todas as formas de tortura e maus tratos de certas pessoas minoritárias ou marginalizadas dentro do contexto prisional.
Ademais, a Corte IDH interpreta, à luz do artigo 5.6 da Convenção[22] e do artigo 10.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [23], que a execução de penas privativas de liberdade deve garantir que a pessoa condenada possa ser reintegrada à liberdade em condições de coexistência com o resto da sociedade, sem prejudicar ninguém, ou seja, em condições de se desenvolver nela de acordo com os princípios da convivência pacífica e com respeito à lei[24].
Isso implica, em primeiro lugar, no comprometimento dos Estados com a premissa de que o sistema prisional não deve deteriorar a pessoa, para além do efeito inevitável de qualquer institucionalização e que, além disso, deve-se tentar minimizar ou neutralizar o máximo possível as suas consequências nocivas.
Nesta medida, as autoridades judiciárias ou administrativas, devem ter em conta, no tratamento destinado aos reclusos, a necessidade de adoção de uma abordagem diferenciada, considerando a diversidade das populações privadas de liberdade em resposta às suas necessidades específicas.
Em suma, a Corte considera que o Estado é obrigado a adotar certas medidas positivas, concretas e direcionadas para garantir não apenas o gozo e o exercício dos direitos cuja restrição não é uma consequência inevitável da situação de privação de liberdade, mas também para assegurar o cumprimento da finalidade da execução da pena privativa de liberdade, que é a reintegração na sociedade das pessoas condenadas, mitigando as barreiras e obstáculos enfrentados, decorrentes dos efeitos nocivos produzidos pelas atuais condições de privação de liberdade e pela estigmatização e deterioração associadas ao encarceramento que podem causar ostracismo tanto a nível familiar como comunitário[25].
A este respeito, a Corte IDH sublinhou que as autoridades judiciárias devem realizar ex officio ou a pedido do interessado, um controle judicial para verificar a garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade[26], destacando que a proteção judicial contra atos que violam os direitos humanos constitui um dos pilares básicos não apenas da Convenção Americana, mas do próprio Estado Democrático de Direito[27].
Na mesma linha, o Princípio VI dos Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelece que:
o controle da legalidade dos atos da administração pública que afetem ou possam afetar direitos, garantias ou benefícios reconhecidos a favor das pessoas privadas de liberdade, bem como o controle judicial das condições de privação de liberdade e a fiscalização da execução ou cumprimento de penas, devem ser periódicos e estar a cargo dos juízes e tribunais competentes, independentes e imparciais. Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos garantirão os meios necessários para o estabelecimento e a eficácia dos órgãos judiciais de controle e execução das sentenças e terão à sua disposição os recursos necessários ao seu bom funcionamento.
Sobre este ponto, a Corte considera imperativo que os Estados estabeleçam uma regulamentação processual e substantiva adequada dessas jurisdições especializadas e: i) lhes forneçam os recursos necessários para desempenhar suas tarefas com total independência e imparcialidade; ii) garantam a livre defesa das pessoas condenadas durante a execução das penas, e iii) promovam a coordenação dos operadores da justiça com a administração penitenciária.
Ademais, relembra a Corte que uma administração que não considera a necessidade de um tratamento diferenciado destinado aos diversos grupos de pessoas privadas de liberdade, fere o artigo 1.1 da Convenção[28], norma geral que prevê a obrigação dos Estados Partes de respeitar e garantir o pleno e livre exercício dos direitos e liberdades nele reconhecidos sem qualquer discriminação[29].
Isso porque a Corte IDH tem sustentado que o direito à igualdade e à não discriminação engloba duas concepções: a primeira é uma concepção negativa, relacionada à proibição de criar diferenças arbitrárias de tratamento; a segunda é uma concepção positiva, relacionada à obrigação de os Estados criarem condições de igualdade real em relação a grupos historicamente excluídos ou que correm maior risco de serem discriminados[30].
Da concepção negativa, resulta, em primeiro lugar, que o respeito pela dignidade das pessoas privadas de liberdade deve ser garantido nas mesmas condições aplicáveis às outras pessoas que compõem a sociedade e sem qualquer tipo de discriminação, para além das inevitáveis restrições.
Nesse sentido, a Regra 24.1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos - Regras de Nelson Mandela, concretiza a dimensão negativa do direito à igualdade e à não discriminação. Veja-se:
Regra 24 - 1. A prestação de serviços médicos aos reclusos é da responsabilidade do Estado. Os reclusos devem poder usufruir dos mesmos padrões de serviços de saúde disponíveis à comunidade e ter acesso gratuito aos serviços de saúde necessários, sem discriminação em razão da sua situação jurídica.
Em segundo lugar, em nível interno nas unidades prisionais, o princípio da não discriminação exige que não haja um tratamento diferenciado injustificado ou arbitrário por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
A esse respeito, cabe lembrar que a Corte entendeu que, a partir da cláusula "qualquer outra condição social" contida no artigo 1.1 da Convenção, fica claro que categorias como idade[31], deficiência[32], orientação sexual[33], identidade de gênero e expressão de gênero[34], são protegidas pela Convenção Americana.
No tocante à dimensão positiva do direito à igualdade e à não discriminação, esta relaciona-se ao dever de os Estados adotarem medidas para reverter ou alterar situações discriminatórias existentes em suas sociedades, em detrimento de um determinado grupo de pessoas.
Isso implica o dever especial de proteção que o Estado deve exercer em relação às ações e às práticas de terceiros que, sob sua tolerância ou aquiescência, acreditem, mantenham ou favoreçam situações discriminatórias, sendo importante a realização de distinções de tratamento, baseadas em desigualdades de fato, para fim de que constituir um instrumento de proteção daqueles que devem ser protegidos, considerando a situação de maior ou menor desvantagem em que se encontram[35].
Nessa linha, reconhece a Corte que, no contexto da privação de liberdade, os sistemas de dominação social vigentes nas sociedades americanas, como o patriarcado, a homofobia, a transfobia e o racismo, também são reproduzidos e exacerbados no ambiente penitenciário. Assim, certos grupos de pessoas privadas de liberdade, em razão de seus traços de identidade, de expressão de gênero, orientação sexual, etnia, entre outros, sofrem maior vulnerabilidade ou risco para a sua segurança, proteção ou bem-estar em resultado da privação de liberdade e da sua pertença a grupos historicamente discriminados.
Isso obriga o Estado a adotar medidas adicionais e particularizadas destinadas a satisfazer suas necessidades específicas na prisão e impedir com que sofram maus-tratos, tortura ou outros atos contrários à sua dignidade.
Destarte, a Corte IDH recorda que não basta que os Estados se abstenham de violar direitos, mas que é imperativo adotar medidas positivas, determináveis de acordo com as necessidades particulares de proteção do sujeito de direito, seja por causa de sua condição pessoal, seja por causa da situação específica em que ele se encontra. A adoção dessas medidas específicas não pode, em caso algum, ser considerada discriminatória.
Nesta linha, a Regra 2 das Regras Nelson Mandela especifica essa projeção do princípio da não discriminação, nos seguintes termos:
Regra 2 - 1. Estas Regras devem ser aplicadas com imparcialidade. Não deve haver nenhuma discriminação em razão da raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, património, nascimento ou outra condição. É necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso.
2. Para que o princípio da não discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem ter em conta as necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em situação de maior vulnerabilidade. As medidas tomadas para proteger e promover os direitos dos reclusos portadores de necessidades especiais não serão consideradas discriminatórias.
A Regra 1 das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras - Regras de Bangkok estabelece que, para implementar o princípio da não discriminação, " (...) as necessidades e realidades específicas de todos os reclusos, incluindo mulheres presas, devem ser tomadas em consideração na sua aplicação"[36].
Por sua vez, o princípio 5.2 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão determina que medidas especiais destinadas a proteger os direitos e a condição especial da mulher, especialmente da mulher grávida e da mãe com crianças de tenra idade, das crianças, dos adolescentes e idosos, doentes ou deficientes, não são consideradas medidas discriminatórias[37].
Além disso, os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelecem no Princípio II que as medidas destinadas a proteger exclusivamente os direitos das mulheres, em especial as mulheres grávidas ou as mães lactantes; das crianças; dos idosos; das pessoas doentes ou com infecções, como o HIV/AIDS; das pessoas com deficiência física, mental ou sensorial; bem como dos povos indígenas, afrodescendentes e minorias não serão consideradas discriminatórias. Acrescenta que "as medidas serão aplicadas no âmbito do direito interno e internacional dos direitos humanos e estarão sempre sujeitas a revisão por um juiz competente e imparcial ou outra autoridade".
Em suma, levando em conta todas as fontes apresentadas e em resposta à abordagem da Comissão Interamericana, a Corte IDH considera que a aplicação de uma abordagem diferenciada da política prisional permite identificar como as características do grupo populacional e do ambiente prisional condicionam a garantia dos direitos de certos grupos de pessoas privadas de liberdade, determinando os riscos específicos de violação de direitos, e permite definir e implementar um conjunto de medidas concretas que visem a superação da discriminação (estrutural e interseccional) que os afeta. E, ainda, a não adoção de uma abordagem diferenciada da política prisional resultaria na violação, por parte dos Estados, às disposições do Artigo 5.2 da Convenção Americana e de outros tratados específicos, e poderia resultar um tratamento contrário à proibição da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
2.2 Enfoques diferenciados aplicáveis às mulheres grávidas, às mulheres em trabalho de parto, pós-parto e lactantes, bem como às principais cuidadoras primárias, privadas de liberdade
Historicamente, as mulheres constituem uma pequena parcela da população carcerária, sendo as prisões tradicionalmente concebidas, projetadas e estruturadas a partir de uma visão androcêntrica, ou seja, voltadas para uma população masculina jovem e marginalizada, privada de liberdade por crimes violentos.
Em termos globais, as mulheres representam uma parcela entre 2% e 9% da população privada de liberdade. Na América Latina, o perfil das mulheres no sistema prisional corresponde à prática de atos não violentos, principalmente ligados ao tráfico de drogas, com penas de curta duração[38]
A esse respeito, a Comissão Interamericana constatou que a grande maioria dessas mulheres está presa por crimes não violentos relacionados à pobreza e à violência a que estão expostas. Em geral, são mulheres em situação de pobreza, com poucos anos de escolaridade, responsáveis pelo cuidado de seus filhos ou de outros familiares dependentes de cuidados, e que foram expostas a diversas formas de abuso e violência.
Nos últimos 20 anos, contudo, o percentual de mulheres encarceradas aumentou mais de 50%, três vezes mais do que o dos homens[39].
Todo esse contexto levou à adoção universal, em 2011, de um conjunto de regras complementares às Regras Nelson Mandela, que levam em conta as necessidades particulares das mulheres privadas de liberdade: as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e as Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras - as Regras de Bangkok.
Isso porque, além do incremento numérico da população encarcerada feminina, as origens históricas do sistema prisional - tradicionalmente vocacionado à população masculina – tem impactado no tratamento dado às mulheres na prisão, a exemplo da falta de infraestrutura adequada que atenda às necessidades femininas, da falta de assistência médica especializada pré e pós-natal, da falta de protocolos adequados de parto, inclusive com o uso inadequado de algemas; bem como da falta de vestuário e de nutrição adequados, além da privação de contato entre mães detidas com seus filhos ou com outras pessoas sob seus cuidados.
Relembra-se, assim, que o princípio da igualdade e da não discriminação, expresso no artigo 1.1 da Convenção, exige que os Estados, por meio do sistema de justiça criminal e das administrações prisionais, empreguem uma abordagem diferenciada quando se trata de mulheres privadas de liberdade, de modo que não seja reproduzindo o tratamento dispensado à população masculina.
Ademais, deve-se reconhecer que certas condições especiais, como estar grávida, em trabalho de parto, no pós-parto e no aleitamento materno, colocam as mulheres em situação agravada de vulnerabilidade no contexto prisional, uma vez que sua vida e integridade podem estar em maior risco.
Assim, a Corte já reconheceu a situação de especial vulnerabilidade das gestantes privadas de liberdade[40], não apenas porque necessitam de serviços específicos de assistência à saúde, mas, especialmente, porque podem ser submetidas a práticas nocivas e formas específicas de violência, maus-tratos e tortura, como verificou a Corte no Caso Manuela et al. v. El Salvador[41].
Portanto, no direito internacional dos direitos humanos, a situação das detentas gestantes, durante o parto, no pós-parto e no aleitamento materno constitui um aspecto de atenção especial que requer uma abordagem diferenciada para garantir a proteção de seus direitos[42].
Devido aos efeitos adversos que a privação de liberdade pode ter sobre as mulheres durante a gravidez, durante o parto e no período pós-parto e lactação, bem como sobre as crianças, filhas de mães detidas, que vivem com suas mães na prisão durante a primeira infância, foi levantada a necessidade de reconfigurar a política penal e penitenciária em relação a esses grupos de mulheres.
Em particular, o direito internacional dos direitos humanos promove a priorização do uso de medidas alternativas, considerando o perfil das mulheres que atualmente estão submetidas ao sistema penal – que, em sua maioria, cometem crimes não violentos e representam um baixo risco para a segurança cidadã –, e considerando o fato de que a privação de liberdade pode causar sérios danos às crianças, se separadas de suas mães detidas ou se presas com elas.
Assim, as Regras de Bangkok, enquanto orientações específicas sobre a matéria, preveem na Regra 64 que:
Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado.
E, ainda, a Regra 2.2 traz a possibilidade de suspensão da medida privativa de liberdade, levando em consideração o melhor interesse das crianças, veja-se:
Antes ou no momento de seu ingresso, deverá ser permitido às mulheres responsáveis pela guarda de crianças tomar as providências necessárias em relação a elas, incluindo a possibilidade de suspender por um período razoável a medida privativa de liberdade, levando em consideração o melhor interesse das crianças.
Na mesma linha, a Corte considera que, no caso de mulheres privadas de liberdade que estejam grávidas, no pós-parto e amamentando ou com responsabilidades de cuidado, deve ser dada preferência à adoção de medidas alternativas à detenção ou, na falta disso, a formas mitigadas de detenção, tais como a prisão domiciliar ou a utilização de tornozeleiras eletrônicas, tendo em conta a baixa gravidade do crime
Destarte, a privação da liberdade só deve ser prevista em casos excepcionais, em vista do baixo risco que as mulheres infratoras representam para a sociedade, bem como para o superior interesse das crianças.
Registre-se, ainda, que a Corte reafirma que, ao fornecer medidas alternativas ou substitutivas para mulheres grávidas ou mulheres com filhos pequenos, os Estados também devem garantir que as necessidades básicas de alimentação, trabalho, saúde e educação possam ser atendidas, fornecendo acesso a programas específicos de assistência social, para fins de se aumentar as oportunidades de reintegração, bem como mitigar situações de possível repetição criminal e reverter barreiras socioeconômicas e legais que possam ter um impacto adverso na implementação efetiva desse tipo de medidas, como pobreza, opções de trabalho remunerado e responsabilidades de cuidado.
No entanto, quando, devido às circunstâncias particulares do crime cometido, não for possível decretar medidas alternativas à prisão e, portanto, uma medida de privação de liberdade é ordenada, o artigo 5.5 da Convenção Americana estabelece o princípio da separação dos locais de detenção entre homens e mulheres.
Da mesma forma, as Regras Nelson Mandela especificam que:
Regra 11 - As diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento prisional, tendo em consideração o respetivo sexo e idade, antecedentes criminais, razões da detenção e medidas necessárias a aplicar. Assim: a) Homens e mulheres devem ficar detidos em estabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, todos os locais destinados às mulheres devem ser completamente
separados;
A este respeito, a Corte IDH considera que todas as mulheres privadas de liberdade devem ser alojadas fisicamente separadas dos homens e, além disso, em alas ou secções menos restritivas e de baixa segurança que satisfaçam o baixo nível de risco que representam e com espaço suficiente para satisfazer as suas necessidades específicas.
Da mesma forma, a Corte enfatiza que, de acordo com as exigências internacionais, o pessoal de vigilância deve ser do sexo feminino.
Em particular, no que diz respeito às mulheres grávidas, às mulheres no período pós-parto e em amamentação, assim como às cuidadoras primárias, há normas abundantes no direito internacional dos direitos humanos que pedem aos Estados que garantam espaços de acomodação diferenciados adaptados às suas necessidades – módulos mãe-filho –, com celas que permanecem abertas e com acesso a espaços ao ar livre e recreativos[43].
Os Estados também devem incorporar instalações especiais e adaptadas que sejam apropriadas para o cuidado de crianças que vivem na prisão, como creches, garantindo que esses espaços não tenham aparência de prisão e que favoreçam seu desenvolvimento integral[44].
Em suma, a Corte considera necessário que os Estados regulem e implementem na prática espaços de alojamento diferenciados adaptados às necessidades das gestantes e das mulheres no período pós-parto e amamentação, bem como das cuidadoras principais vivendo com suas crianças na prisão, o que também incluem espaços para as atividades oferecidas pelo estabelecimento penitenciário, a exemplo de trabalho remunerado e de formação educacional em horários diferenciados, e de atividades culturais, esportivas e recreativas.
O artigo 5.2 da Convenção Americana proíbe a tortura e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes[45]. Isso implica que qualquer medida restritiva ou sanção disciplinar que infrinja esta regra deve ser considerada proibida e contrária à Convenção.
A este respeito, a Regra 43 das Regras Nelson Mandela especifica uma série de práticas que são proibidas, incluindo a) confinamento solitário indefinido; b) isolamento prolongado; c) confinamento numa cela escura ou permanentemente iluminada; d) castigos corporais ou redução de alimentos ou água potável.
A definição de confinamento solitário e de confinamento solitário prolongado encontra-se expressa na Regra 44 que os descreve respectivamente: isolamento do recluso por 22 horas ou mais, por dia, sem contato humano significativo e confinamento solitário por um período superior a 15 dias consecutivos.
Por sua vez, o artigo 45 das Regras Nelson Mandela estabelece que:
1. O confinamento solitário deve ser somente utilizado em casos excecionais, como último recurso e durante o menor tempo possível, e deve ser
sujeito a uma revisão independente, sendo aplicado unicamente de acordo
com a autorização da autoridade competente. Não deve ser imposto em
consequência da sentença do recluso.
2. A imposição do confinamento solitário deve ser proibida no caso de
o recluso ser portador de uma deficiência mental ou física e sempre que
essas condições possam ser agravadas por esta medida. A proibição do uso
do confinamento solitário e de medidas similares nos casos que envolvem
mulheres e crianças, como referido nos padrões e normas da Organização
das Nações Unidas sobre prevenção do crime e justiça penal[46], continuam a
ser aplicáveis.
No caso das mulheres, a norma da Organização das Nações Unidas que proíbe o confinamento solitário e medidas semelhantes está expressa na Regra 45.2 das Regras de Bangkok, que afirma: não se aplicarão sanções de isolamento ou segregação disciplinar a mulheres gestantes, nem a mulheres com filhos/as ou em período de amamentação.
Da mesma forma, os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, no Princípio XXII proíbe medidas de isolamento para mulheres grávidas; mães que vivem com seus filhos em prisões de privação de liberdade, com o objetivo de evitar causar complicações de saúde àquelas que estão grávidas ou punir seus filhos separando suas mães na prisão.
Por conseguinte, no que diz respeito às mulheres adultas em geral, o direito internacional determina que o confinamento solitário só pode ser ordenado como medida de recurso final na sequência de infrações disciplinares relativamente graves e quando não existem outros meios menos prejudiciais.
Para tanto, deve ser o resultado de um procedimento administrativo realizado com garantias do devido processo legal. Além disso, o isolamento não deve exceder 15 dias ou ser indefinido.
A este respeito, a Corte recorda que, através da sua função contenciosa, se pronunciou sobre os efeitos do confinamento solitário sobre os reclusos e indicou, entre outras coisas, que “o isolamento prolongado e o confinamento solitário coercivo são, em si mesmos, um tratamento cruel e desumano, lesivo da integridade psicológica e moral da pessoa e do direito ao respeito pela dignidade inerente ao ser humano”[47].
Assim a Corte IDH afirma que a aplicação de medidas de isolamento, por meio de sanções disciplinares ou para qualquer outro fim, para mulheres grávidas, puérperas ou lactantes, bem como para mães com filhos é contrária ao artigo 5.2 da Convenção Americana, sendo ainda inconvencionais a aplicação de medidas disciplinares que consistam na proibição de visitas a gestantes ou crianças[48].
Nesse sentido, no caso de Manuela et al. v. El Salvador, a Corte reconheceu que o uso de algemas ou outros dispositivos similares como instrumentos de coerção física de mulheres privadas de liberdade que deram à luz é contrário ao Artigo 5.2 da Convenção Americana[49].
O Relator Especial sobre tortura e outros tratamentos ou punições cruéis observou que "o uso de algemas em mulheres grávidas durante e imediatamente após o parto é absolutamente proibido e ilustra a incapacidade do sistema prisional de adaptar protocolos a situações que afetam exclusivamente as mulheres"[50].
Da mesma forma, o Relator Especial sobre a violência contra as mulheres, suas causas e consequências apontou que essa prática pode constituir violência contra as mulheres e outras violações de direitos humanos[51].
Em decorrência do exposto, a Corte ressalta que há um amplo consenso internacional quanto à proibição absoluta do uso de algemas em gestantes para transferência para centros médicos, bem como antes, durante e imediatamente após o parto. Isso se deve, em grande parte, aos impactos negativos que o uso desses mecanismos pode ter na saúde física e mental das mulheres e à ausência de motivos razoáveis para imobilizar as mulheres que se encontram nessas delicadas condições de saúde[52].
Destarte, a Corte considera que uso de instrumentos de coerção sobre as mulheres antes, durante ou após o parto constitui violência e discriminação de gênero, podendo constituir um ato de tortura e/ou tratamento cruel, desumano e degradante.
Portanto, é imperativo que os Estados, por meio da adoção de medidas legislativas ou outras apropriadas, erradiquem o uso de medidas de restrição em relação às mulheres privadas de liberdade que estão perto do parto, em trabalho de parto ou que deram à luz recentemente.
A Corte Interamericana considera que a saúde sexual e a saúde reprodutiva constituem uma componente do direito à saúde que tem implicações particulares para as mulheres devido à sua capacidade biológica para a gravidez e o parto.
Relaciona-se, assim, com a autonomia e a liberdade reprodutiva, em termos do direito de tomar decisões autônomas sobre o seu plano de vida, os seus corpos e a sua saúde sexual e reprodutiva, livres de toda a violência, coerção e discriminação.
Por outro lado, refere-se ao acesso aos serviços de saúde reprodutiva, bem como à informação, à educação e aos meios para exercer seu direito de decidir livre e responsavelmente o número de filhos que se deseja ter e o intervalo de nascimento entre eles[53].
Dessa forma, a Corte reitera o caráter instrumental do direito de acesso à informação no campo da saúde, uma vez que se trata de um meio essencial para a obtenção do consentimento informado e, portanto, para a efetivação do direito à autonomia e à liberdade em matéria de saúde reprodutiva.
Nessa medida:
"o consentimento informado consiste em uma decisão prévia de aceitar ou submeter-se a um ato médico em sentido amplo, obtido livremente, ou seja, sem ameaças ou coerção, ou indução indevida, manifestada após a obtenção de informações adequadas, completas, confiáveis, compreensíveis e acessíveis, desde que essas informações tenham sido verdadeiramente compreendidas, que permitirá o pleno consentimento do indivíduo"[54].
Assim, a Corte entende que direito à saúde sexual e reprodutiva deve atender aos elementos de disponibilidade, aceitabilidade, qualidade e acessibilidade. Quanto ao conceito de acessibilidade é crucial que se incorpore a ideia de acessibilidade física e informacional para garantir adequadamente esse direito às pessoas privadas de liberdade, ou seja, que os bens e serviços estejam disponíveis a uma distância física e geográfica segura para as mulheres privadas de liberdade, para que possam receber serviços e informações oportunas e sem custos, bem como possam procurar, receber e divulgar informações e ideias relacionadas com questões de saúde sexual e reprodutiva em geral, e também receber informações específicas sobre o seu estado de saúde.
Dessa forma a Corte considera que o Estado tem a obrigação reforçada de garantir o acesso, sem discriminação, à saúde sexual e reprodutiva de boa qualidade para as mulheres privadas de liberdade e de adotar medidas para erradicar os obstáculos práticos à sua plena realização. Isso inclui: i) exame médico após a admissão por funcionários do sexo feminino, que identifique qualquer tipo de abuso sexual e outras formas de violência que a mulher possa ter sofrido antes da admissão e determine as necessidades de saúde sexual e reprodutiva[55]; ii) informações e cuidados necessários em matéria de saúde sexual e reprodutiva em geral, incluindo o acesso a serviços de saúde preventiva específicos em função do gênero, o acesso e a disponibilização de métodos contraceptivos gratuitos, o planeamento reprodutivo e a prevenção e tratamento de infeções sexualmente transmissíveis; iii) atendimento integral e oportuno às vítimas de violência e estupro, incluindo acesso a terapias profiláticas, contracepção de emergência e atenção psicossocial[56]; e iv) informações sobre a gravidez e o estado de saúde do feto, bem como sobre os controles médicos recomendados e seus resultados, os quais devem atender aos requisitos de privacidade, confidencialidade e dignidade.
A Corte já afirmou que os direitos à saúde e à alimentação são reconhecidos pelo artigo 26 da Convenção Americana, e que a alimentação e a nutrição adequadas estão entre os determinantes básicos do direito à saúde.
Diversos instrumentos especializados reconhecem esses direitos básicos, indicando que as mulheres grávidas, puérperas ou lactantes têm necessidades particulares de saúde e nutrição que devem ser adequadamente atendidas pelo Estado, em sua posição de garantidor especial dos direitos das pessoas privadas de liberdade[57].
Além disso, a Corte IDH decidiu que "os Estados devem (...) tomar medidas especiais para garantir que as mães, especialmente durante a gravidez, o parto e a amamentação, tenham acesso a serviços de saúde adequados"[58].
Isso porque a nutrição materna é um determinante do crescimento fetal, peso ao nascer e morbidade dos bebês. Destarte, uma vez que as mulheres estão sob o controle total das autoridades prisionais, é obrigação do Estado evitar danos irreparáveis aos direitos à saúde física e mental, à integridade pessoal e à vida das mulheres na gestação, no parto e no pós-parto.
Há que se considerar, ainda, que, de acordo com o princípio da igualdade e da não discriminação, os cuidados pré-natais, de parto e pós-natais prestados às mulheres detidas no sistema prisional devem ser equivalentes aos disponíveis fora da prisão.
Por outro lado, o Estado tem o dever especial de garantir que o acesso à alimentação das mulheres privadas de liberdade durante a gravidez, durante o parto, no período pós-parto e durante a amamentação seja ajustado às necessidades de cada uma dessas etapas e às condições particulares, considerando as necessidades médicas e nutricionais das reclusas.
A este respeito, a Corte IDH considera que as pessoas grávidas, puérperas e lactantes privadas de liberdade têm o direito de receber planos nutricionais especializados criados por pessoal médico qualificado para atender às suas necessidades específicas.
Assim, para a Corte, é de especial importância que os Estados levem em conta as abundantes diretrizes e critérios em termos de atenção especializada em saúde física e psicológica durante a gravidez, parto e pós-parto, como obrigações internacionais mínimas, que devem orientar a ação e a implementação de políticas prisionais nessa área e que impõem aos Estados:
a) A adoção de medidas especiais para garantir tratamento digno e acesso adequado a serviços médicos especializados para as mulheres privadas de liberdade "especialmente durante a gravidez, o parto e o período de [pós-parto e] amamentação"[59];
b) A garantia da presença de um médico qualificado ou o fácil acesso a pediatra e obstetra, 24 horas, no centro de detenção que abriga mulheres grávidas e crianças;
c) A garantia de informação plena às mulheres grávidas, puérperas e lactantes sobre a sua condição médica, bem como garantia de acesso a informações precisas sobre a saúde reprodutiva e materna, baseadas em provas científicas, emitidas sem preconceitos, livres de estereótipos e discriminação, incluindo o plano de parto perante a instituição de saúde que atenderá o parto e o direito ao contato materno-filial;
d) A garantia de consentimento livre, informado e voluntário antes de qualquer exame ou procedimento médico relacionado à saúde sexual e reprodutiva[60];
e) A garantia de privacidade, para que os hospitais ou centros de saúde não recebam informações sobre os motivos da detenção e o status processual das mulheres;
f) A garantia de que as mulheres grávidas sejam transferidas o mais rapidamente possível para hospitais civis para o trabalho de parto. Se isso não for possível, o parto deve ser assistido por um médico especialista, em instalações adequadas para o nascimento de um bebê. Em qualquer caso, se for necessária a presença de pessoal de segurança não médico, esse pessoal deve ser do sexo feminino e vestido com roupas civis[61];
g) A garantia de que a transferência de mulheres durante a gestação, o trabalho de parto, o parto e o período pós-parto seja realizada sem algemas, com custódia por pessoal feminino e em transporte adequado para esse fim que atenda às medidas de higiene e manutenção necessárias[62];
h) A adoção de serviços de assistência ao parto sensíveis às práticas culturais;
i) A garantia de presença e do acompanhamento de uma pessoa de confiança e escolha durante todo o processo de nascimento;
j) A garantia do contato permanente entre a mulher e o recém-nascido, principalmente nos primeiros momentos após o nascimento;
k) O fornecimento de planos nutricionais especializados criados por pessoal médico qualificado para atender às necessidades específicas de cada fase da gravidez e facilitar a amamentação[63];
l) A realização, no âmbito dos serviços prisionais, de cursos de parto, de aleitamento materno e de assistência ao recém-nascido para todas as mulheres privadas de liberdade que se encontrem no último trimestre de gravidez;
m) A garantia de atendimento psicológico especializado e apoio, bem como de cuidados especializados e programas de apoio para uso abuso de drogas para mulheres[64];
n) A promoção de formação do pessoal judicial e prisional sobre o tema;
o) A promoção de um mecanismo simples, eficaz e independente para a apresentação de reclamações relativas ao não cumprimento destes requisitos[65].
Assim, na opinião da Corte, para que os critérios acima mencionados sejam eficazes na prática, é essencial que os Estados forneçam um marco regulatório e protocolos operacionais com relação à assistência médica especializada pré-natal, parto e pós-natal, que garanta às mulheres grávidas privadas de liberdade, de forma efetiva e gratuita, o fornecimento de bens e serviços relacionados com a saúde reprodutiva, incluindo exames de rotina pré e pós-natais e cuidados psicológicos.
Isso porque é um dever específico do Estado monitorar e regular efetivamente o acesso a serviços básicos em prisões e outros centros de detenção, para garantir que o direito à saúde sexual e reprodutiva não seja prejudicado ou violados.
A Corte ressalta, ao final, a importância de garantir o direito das crianças, nascidas em penitenciárias, o registro de seu nascimento e o direito à nacionalidade, de modo que o respectivo registro deve ser realizado sem demora, excluindo os dados do centro penitenciário em que ocorreu o nascimento.
Levando em consideração as diversas conceituações acerca da violência obstétrica como violação de direitos humanos[66], a Corte IDH considera que a violência contra a mulher durante a gestação, o trabalho de parto e após o parto constitui uma forma de violência de gênero, particularmente a violência obstétrica, contrária à Convenção de Belém do Pará.
Isso implica a obrigação dos Estados de prevenir e abster-se de cometer atos que constituam violência de gênero durante o acesso aos serviços de saúde reprodutiva, com um dever acentuado no caso das mulheres privadas de liberdade.
Nessa linha, a Corte enfatiza que as gestantes privadas de liberdade são especialmente vulneráveis a sofrer violência obstétrica, de modo que os Estados devem fortalecer as medidas para prevenir tal violência nos serviços de saúde obstétrica prestados a essa população.
Para este fim, a OMS recomenda a adoção de uma abordagem que mantenha a dignidade, a privacidade e confidencialidade das mulheres grávidas, garanta a integridade física e o tratamento adequado e contínuo durante o trabalho de parto. Os cuidados de saúde também devem envolver uma comunicação efetiva entre cuidadores e mulheres em trabalho de parto, utilizando métodos simples e culturalmente aceitáveis[67].
Da mesma forma, a Corte ressalta a necessidade de garantir o acesso à justiça para as mulheres vítimas de violência obstétrica, inclusive aquelas privadas de liberdade, especificamente por meio da criminalização dessa violência e do acesso a recursos administrativos e judiciais, bem como reparações efetivas e transparentes por violações do direito à saúde sexual e reprodutiva[68].
Em particular, é necessário dotar as mulheres detidas de meios de comunicação seguros, disponibilizando os recursos e as condições necessárias de confidencialidade e proteção, que devem ser devidamente informadas às mulheres reclusas.
A Corte reitera que as mulheres têm necessidades particulares em relação aos bens relacionados à higiene pessoal, que devem ser cobertos pelos Estados na qualidade de garantidor dos direitos das pessoas privadas de liberdade.
A este respeito, as Regras de Bangkok estipulam que as instalações e os artigos necessários para satisfazer as necessidades de higiene específicas de gênero, incluindo absorventes higiênicos gratuitos e o fornecimento permanente de água para os cuidados pessoais de crianças e mulheres, particularmente, mulheres grávidas e aquelas que estão amamentando ou no período menstrual [69] .
Por conseguinte, a Corte Interamericana é de opinião que a administração do estabelecimento penitenciário deve garantir às pessoas privadas de liberdade durante o período menstrual, o acesso e o abastecimento de água para higiene pessoal, bem como o livre acesso a produtos de higiene pessoal na quantidade e frequência necessárias, incluindo absorventes higiênicos, tampões, copos menstruais, e curativos pós-parto, entre outros.
Do mesmo modo, será necessário assegurar a prestação de higiene para crianças que vivem na prisão, como fraldas e lenços umedecidos. Isso é ainda mais essencial para as mulheres de baixa renda ou que não recebem regularmente visitas familiares.
No que diz respeito ao vestuário, as Regras 19 e 20 das Regras Nelson Mandela preveem que, no caso de pessoas condenadas, estas podem usar as suas próprias roupas ou vestir-se com uniformes, em conformidade com as regulamentações nacionais. No entanto, em nenhum caso eles podem ser de alguma forma degradantes ou humilhantes.
Para além disso, todas as roupas, incluindo as roupas de cama, devem ser mantidas limpas e em boas condições, a fim de assegurar condições higiênicas compatíveis com a dignidade.
No caso das mulheres grávidas, a Corte considera que, de acordo com parâmetros comumente aceitos, estas devem ser autorizadas a usar vestuário adaptado ao seu estado, o qual satisfaça as necessidades específicas relacionadas com a sua condição, incluindo as que minimizem os acidentes e os riscos de tropeçar e cair. Da mesma forma, as crianças pequenas que vivem com suas mães detidas nunca devem usar uniformes e as autoridades prisionais devem garantir que elas recebam roupas adequadas à idade e ao clima.
A Corte considera importante que o contato físico entre mãe e filhos que amamentam seja privilegiado, devido à importância do vínculo materno-filial e da nutrição com o leite materno. Tal como anteriormente desenvolvido, nestes casos, a aplicação de medidas alternativas ou atenuadas prossegue prioritariamente.
Se tal não for possível, as crianças que amamentam devem ser autorizadas a permanecer com as suas mães, desde que esta decisão seja, no caso específico, no interesse superior da criança, para o que devem estar disponíveis instalações separadas adequadas às necessidades das crianças e das suas mães.
Deve-se ainda assegurar o contato das mulheres presas com os outros progenitores e adultos significativos, como as avós e os avós e a família ampliada. Se tal não for possível e apenas como último recurso, devem ser tomadas disposições para a prestação alternativa de cuidados a crianças por familiares ou pessoas qualificadas que devem assegurar a manutenção da ligação com a mãe.
Neste último caso, a Corte considera que deve ser garantido que as mulheres sejam privadas de liberdade em locais próximos do grupo familiar[70], devendo ser disponibilizados os meios necessários para que o contato das mulheres mães com os seus filhos possa ser mantido e que sejam adotadas as medidas necessárias para evitar práticas irregulares de adoção.
A este respeito, a Corte IDH enfatiza que o contato das mulheres presas com o mundo exterior, e especialmente com seus filhos, filhas e parentes, é crucial para reduzir o impacto negativo do encarceramento e da separação no bem-estar das mulheres, bem como para facilitar sua reintegração social.
No caso do Presídio Miguel de Castro v. Peru, a Corte enfatizou que é:
“(...) obrigação dos Estados levar em consideração a atenção especial que as mulheres devem receber por razões de maternidade, o que implica, entre outras medidas, garantir que sejam realizadas visitas apropriadas entre mãe e filho"[71].
Além disso, como já mencionado, as sanções disciplinares ou medidas restritivas não podem incluir a proibição de contato com a família. Os meios de contacto familiar só podem ser restringidos por um período limitado e na medida em que sejam exigir a manutenção da segurança e da ordem[72].
Mais especificamente, as Regras de Bangkok preveem que:
As visitas que envolvam crianças devem ser realizadas num ambiente propício, incluindo no que diz respeito ao comportamento do pessoal, e devem permitir o livre contato entre a mãe e o seu filho ou filhos. Se possível, devem ser encorajadas visitas que permitam uma estadia prolongada com eles.[73]
Os Estados devem, portanto, assegurar que as visitas regulares das crianças às suas mães ou cuidadores primários que estejam privados de liberdade sejam feitas com a frequência e com o tempo necessário para manter o vínculo e em condições apropriadas que respeitem a dignidade e a privacidade das crianças[74].
Nessa linha, seguindo as diretrizes e critérios estabelecidos em várias fontes de direito internacional, a Corte considera que é essencial que os seguintes aspectos sejam assegurados para não violar os direitos das crianças às visitas familiares e para manter o contato com suas mães ou cuidadores primários privados de liberdade:
a) fornecimento de informações claras e precisas sobre a organização das visitas, requisitos, objetos que são permitidos para entrar, entre outras questões. Nesse sentido, deve ser possível que as crianças participem de visitas em dias e horários que interfiram o mínimo possível em suas atividades diárias;
b) facilitação da entrada de jogos e elementos recreativos que favoreçam o vínculo entre as crianças e suas mães durante as visitas;
c) garantia de que, em hipótese alguma, as crianças menores de idade que vão visitar seus pais em uma prisão sejam submetidas a revistas corporais intrusivas ou que violem sua dignidade, priorizando o uso de equipamentos tecnológicos;
d) garantia de condições materiais e de higiene adequadas nos espaços de espera e visita. Esses locais devem respeitar o direito à privacidade, ser apropriados e amigáveis para a permanência das crianças, permitir o contato físico e ter jogos e materiais recreativos que gerem um espaço confortável e agradável para a reunião familiar;
e) promoção do vínculo familiar em espaços fora das prisões, seja em suas próprias residências ou em estabelecimentos governamentais ou não governamentais apropriados para esse fim, com livre contato mãe-filho.
Por último, no caso das mulheres estrangeiras, a Corte observa que a regra 53 de Bangkok indica que, sempre que existam acordos bilaterais ou multilaterais, será ponderada a possibilidade de transferência de prisioneiros estrangeiros não residentes para o seu país de origem o mais rapidamente possível, em especial se tiverem filhos nesse país e o solicitarem.
Neste sentido, a Corte considera que devem ser procurados os acordos necessários para facilitar o reagrupamento familiar. Entretanto, a utilização de chamadas telefônicas e de vídeo deve ser facilitada para garantir a comunicação entre as mães ou os principais cuidadores e os seus filhos.
A crescente judicialização internacional da temática dos direitos humanos, notadamente nos sistemas protetivos regionais, consolidou a Corte Interamericana de Direitos Humanos no cenário americano como a principal instituição garantidora de tais direitos, que tem como principal marco jurídico a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
Conforme já destacado, a estrutura da Corte permite que esta possua dois âmbitos de competência: um contencioso e outro consultivo. Sendo o primeiro acionado diante de um caso concreto de violação de direitos humanos em face de um Estado.
Quanto à função consultiva, esta lhe permite interpretar qualquer norma da Convenção Americana, inclusive as de natureza processual, bem como qualquer disposição relativa à proteção dos direitos humanos de qualquer tratado internacional aplicável nos Estados americanos, independentemente de ser um tratado bilateral ou multilateral, ou de serem partes Estados fora do Sistema Interamericano.
Diante de tal competência, em 25 de novembro de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana, apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre "Abordagens Diferenciadas às Pessoas Privadas de Liberdade".
Este artigo limitou-se a consulta acerca das mulheres grávidas, puérperas e lactantes em situação de privação de liberdade. Com base nos métodos clássicos de interpretação e à luz dos documentos e normas internacionais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos opinou no sentido de que se faz necessária a adoção de medidas ou de abordagens diferenciadas para garantir que os Estados cumpram o seu dever especial de proteger as pessoas sob a sua custódia e, em particular, para garantir o respeito ao princípio da igualdade e da não discriminação.
Isso porque, as normas e práticas que ignoram o impacto diferenciado do encarceramento sobre os grupos minoritários fazem com que os sistemas prisionais reproduzam e reforcem os padrões de discriminação e violência presentes na vida em liberdade.
Destarte, a Corte IDH entende que é uma obrigação inevitável adotar medidas que respondam a uma abordagem diferenciada que tenha em conta as condições particulares de vulnerabilidade e os fatores que podem aumentar o risco de atos de violência e discriminação no país em contextos de encarceramento, como gênero, etnia, idade, orientação sexual e identidade e expressão de gênero.
A Corte IDH afirmou ainda que obrigações específicas têm os Estados de assegurar que as mulheres grávidas, no pós-parto e os bebês privados de liberdade tenham condições de detenção adequadas às suas circunstâncias particulares.
Destarte, o presente parecer reflete e concretiza a importância da competência consultiva da Corte para o fortalecimento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, pois forneceu orientações importantes para os Estados Americanos, organizações da sociedade civil, advogados e juízes que trabalham na defesa dos direitos das mulheres privadas de liberdade.
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, Inside the Prisons of Latin America and the Caribbean: A Look at the Other Side of the Bars, Estados Unidos da América, 2019, p. 13, disponível em: https://publications.iadb.org/es/dentro-de-las-prisiones-de-america-latina-y-el-caribe-una-primera-mirada-al-otro-lado-de-the-bars.
COMISSÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA, Relatório e recomendações do dia do debate geral sobre os filhos de pais presos, 30 de setembro de 2011.
COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS, Comentário Geral Nº 21, 44ª Sessão, ONU Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 em 176, 1992.
COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS, Albert Womah Mukong v. Camarões, Comunicação No. 458/1991, ONU Doc. CCPR/C/51/D/458/1991 (1994).
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Brasília: CNJ, 2016.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Brasília: CNJ, 2016.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Mandela: regras mínimas padrão das Nações Unidas para o tratamento de presos. Brasília: CNJ, 2016.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Mandela: regras mínimas padrão das Nações Unidas para o tratamento de presos. Brasília: CNJ, 2016.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CORTE IDH). Caso "Instituto para a Reeducação de Menores" v. Paraguai. Sentença de 2 de setembro de 2004. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_112_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Atala Riffo e crianças vs. Chile. sentença de 24 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_239_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Castillo Páez c. Peru. Sentença de 3 de novembro de 1997. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_43_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Chinchilla Sandoval et al. v. Guatemala. Sentença de 29 de fevereiro de 2016. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_312_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa c. Paraguai, Sentença de 29 de março de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_146_esp2.pdf
__________ (CORTE IDH). Caso de Artavia Murillo et al. (Fertilização In Vitro) v. Costa Rica. Sentença de 28 de novembro de 2012. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_257_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso de Bedoya Lima et al. v. Colômbia. Sentença de 26 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_431_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso de Cuscul Pivaral et al. v. Guatemala. Sentença de 14 de maio de 2019. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_378_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso dos Irmãos Gomez Paquiyauri v. Peru. Sentença de 8 de julho de 2004. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_110_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Furlan e Parentes v. Argentina. Sentença de 31 de agosto de 2012. Sentença de 8 de julho de 2004. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_246_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Guachalá Chimbo et al. v. Equador. Sentença de 26 de março de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_423_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso I.V. v. Bolívia, parágrafo 157, sentença de 30 de novembro de 2016. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_336_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Juan Humberto Sánchez v. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_102_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Loayza Tamayo c. Peru. Sentença de 17 de setembro de 1997. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_60_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso López Álvarez v. Honduras. Sentença de 1º de fevereiro de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_141_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso López et al. v. Argentina, Sentença de 25 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_396_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Manuela et al. v. El Salvador. Sentença de 27 de julho de 2022. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_461_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Miguel Castro Castro Prisão, Sentença de 2 de agosto de 2008. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_181_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Montero Aranguren et al. (Catia Hold) v. Venezuela. Sentença de 5 de julho de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_150_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Neira Alegría et al. v. Peru. Sentença de 19 de janeiro de 1995.
__________ (CORTE IDH). Caso Poblete Vilches et al., c. Chile. Sentença de 8 de março de 2018. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_349_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Vélez Loor v. Panamá. Sentença de 23 de novembro de 2010. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_218_esp2.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Vicky Hernández et al. c. Honduras. Sentença de 26 de março de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_422_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Casos Comunidade Xákmok Kásek c. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_214_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). A Condição Jurídica e os Direitos dos Migrantes Indocumentados. Parecer Consultivo OC-18/03. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_18_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil. Medidas provisórias. Despacho da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018, considerando 88. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_06_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). “Outros tratados" objeto da função consultiva da Corte (Art. 64 da Convenção Americana de Direitos Humanos). Parecer consultivo OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_01_esp1.pdf.
__________ (CORTE IDH). Identidade de Gênero, Igualdade e Não Discriminação a Casais do Mesmo Sexo. Parecer Consultivo OC-24/17. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). Direitos à liberdade de associação, à negociação coletiva e à greve, e sua relação com outros direitos, com perspectiva de gênero. Parecer Consultivo OC-27/21 de 5 de maio de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_27_esp1.pdf.
__________ (CORTE IDH). Direitos e Garantias de Crianças no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção Internacional. Parecer Consultivo OC-28/21. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_21_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). Violência e discriminação contra mulheres, meninas e adolescentes: boas práticas e desafios na América Latina e no Caribe. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 233. 14 de novembro de 2019.
ONU, Relatório do Grupo de Trabalho sobre a Questão da Discriminação contra as Mulheres na Lei e na Prática, A/HRC/32/44, 8 de abril de 2016.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADO AMERICANOS (OEA), Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), Carta da Organização dos Estados Americanos, 1967.
PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
TEDH, Processo Alexandru Enache c. Roménia, n.º 16986/12. Sentença de 3 de outubro de 2017.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE JAVERIANA, COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV) NA COLÔMBIA E CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E DOCÊNCIA ECONÔMICAS (CIDE), Mulheres e prisões na Colômbia. Desafios para a política criminal a partir de uma perspectiva de gênero, Bogotá, D.C., Colômbia, dezembro de 2018.
UNODC, Guia Introdutório para a Prevenção da Reincidência e Reintegração Social dos Infratores, 2013.
[1]Artigo 64. - 1. Os Estados-Membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.
[2] Artigo 62 - 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.
[3] Artigo 64 - 1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. 2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.
[4] Artigo 55 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Parecer Consultivo OC-20/09 de 29 de setembro de 2009. Parecer Consultivo OC-28/21 de 7 de junho de 2021.
[5] Parecer consultivo OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Parecer Consultivo OC-27/21 de 5 de maio de 2021.
[6] Artigo 70. Interpretação da Convenção - 1. As solicitações de parecer consultivo previstas no artigo 64.1 da Convenção deverão formular com precisão as perguntas específicas em relação às quais pretende-se obter o parecer da Corte. 2. As solicitações de parecer consultivo apresentadas por um Estado membro ou pela Comissão deverão indicar, adicionalmente, as disposições cuja interpretação é solicitada, as considerações que dão origem à consulta e o nome e endereço do Agente ou dos Delegados. 3. Se o pedido de parecer consultivo é de outro órgão da OEA diferente da Comissão, deverá precisar, além do indicado no inciso anterior, de que maneira a consulta se refere à sua esfera de competência.
[7] Artigo 71. Interpretação de outros tratados - 1. Se a solicitação referir-se à interpretação de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos, tal como previsto no artigo 64.1 da Convenção, deverá identificar o tratado e suas respectivas partes, formular as perguntas específicas em relação às quais é solicitado o parecer da Corte e incluir as considerações que dão origem à consulta. 2. Se a solicitação emanar de um dos órgãos da OEA, deverá indicar a razão pela qual a consulta se refere à sua esfera de competência.
[8] Artigo 53 - A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: a) Da Assembléia Geral; b) Da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; c) Dos Conselhos; d) Da Comissão Jurídica Interamericana; e) Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; f) Da Secretaria-Geral; g) Das Conferências Especializadas; e h) Dos Organismos Especializados.
[9] Artigo 106 - Haverá uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos que terá por principal função promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria. Uma convenção interamericana sobre direitos humanos estabelecerá a estrutura, a competência e as normas de funcionamento da referida Comissão, bem como as dos outros órgãos encarregados de tal matéria.
[11]Artigo 24. Igualdade perante a lei - Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos - 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
[12] Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos - 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Artigo 4. Direito à vida - 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Artigo 5. Direito à integridade pessoal - 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade – (...) 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Artigo 17. Proteção da família - 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
Artigo 24. Igualdade perante a lei - Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
[13] Artigo 7 - Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.
[14] Caso Loayza Tamayo c. Peru. Sentença de 17 de setembro de 1997. Série C nº 33, parágrafo 57, e Caso de Bedoya Lima et al. v. Colômbia. Sentença de 26 de agosto de 2021. Série C nº 431, para. 100.
[15] Artigo 5. Direito à integridade pessoal - 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
[16] Caso Neira Alegría et al. v. Peru. Sentença de 19 de janeiro de 1995. Série C No. 20, parágrafo 60; Caso dos Irmãos Gomez Paquiyauri v. Peru. Sentença de 8 de julho de 2004. Série C nº 110, para. 98; Caso Juan Humberto Sánchez v. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003. Série C n.º 99, n.º 111; Caso "Instituto para a Reeducação de Menores" v. Paraguai. Sentença de 2 de setembro de 2004. Série C n.º 112, n.º 154; Caso López Álvarez v. Honduras, supra, parágrafo 105; Caso Montero Aranguren et al. (Catia Hold) v. Venezuela. Sentença de 5 de julho de 2006. Série C nº 150, paras. 85 e 87; e Caso Vélez Loor v. Panamá. Sentença de 23 de novembro de 2010. Série C nº 218, parágrafo 198.
[17] De acordo com um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 92% dos detidos são jovens que não concluíram o ensino médio e são, em sua maioria, privados de liberdade por crimes de roubo e homicídio. Além disso, "na última década, a população feminina encarcerada aumentou 52%, mais do que o dobro do que a população total encarcerada cresceu". As sub-regiões onde se observou maior aumento são o Caribe (85%) e o Cone Sul (63%). Cf. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Inside the Prisons of Latin America and the Caribbean: A Look at the Other Side of the Bars, Estados Unidos da América, 2019, p. 13, disponível em: https://publications.iadb.org/es/dentro-de-las-prisiones-de-america-latina-y-el-caribe-una-primera-mirada-al-otro-lado-de-the-bars.
[18] Pontifícia Universidade Javeriana, Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia e Centro de Investigação e Docência Econômicas (CIDE), Mulheres e prisões na Colômbia. Desafios para a política criminal a partir de uma perspectiva de gênero, Bogotá, D.C., Colômbia, dezembro de 2018, p. 45.
[20] O Comitê de Direitos Humanos em seu Comentário Geral nº 21 considerou que: "Cuidar de todas as pessoas privadas de liberdade com humanidade e respeito por sua dignidade é uma norma fundamental de aplicação universal. Portanto, tal regra, no mínimo, não pode depender dos recursos materiais disponíveis no Estado Parte. Esta regra deve aplicar-se sem distinção de qualquer género, como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social; patrimônio, nascimento ou qualquer outra condição". Comitê de Direitos Humanos, Comentário Geral Nº 21, 44ª Sessão, ONU Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 em 176, 1992, parágrafo 4
[21] Comitê de Direitos Humanos. Albert Womah Mukong v. Camarões, Comunicação No. 458/1991, ONU Doc. CCPR/C/51/D/458/1991 (1994), parágrafo 9.3.
[22] Artigo 5. Direito à integridade pessoal - 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
[23] Artigo 10 - 1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. 2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada. b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível. 3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.
[24] Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil. Medidas provisórias. Despacho da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018, considerando 88. Da mesma forma, as Regras Nelson Mandela preveem na Regra 91: "O tratamento das pessoas condenadas a uma pena ou medida de privação de liberdade deve ter por objetivo, na medida em que a duração da pena o permita, inculcar nelas a vontade de viver de acordo com a lei e manter-se com o produto do seu trabalho e criar nelas a capacidade de o fazer. Esse tratamento destina-se a promover o autorrespeito e a desenvolver o seu sentido de responsabilidade."
[25] UNODC, Guia Introdutório para a Prevenção da Reincidência e Reintegração Social dos Infratores, 2013.
[26] Caso Chinchilla Sandoval et al. v. Guatemala. Objeção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29 de fevereiro de 2016. Série C nº 312, parágrafo 188.
[27] Caso Castillo Páez c. Peru. Sentença de 3 de novembro de 1997. Série C nº 34, parágrafo 82, e Lagos del Campo v. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017. Série C nº 340, parágrafo 174.
[28] Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos - 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
[29] Caso Xákmok Kásek Indigenous Community c. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010. Série C nº 214, parágrafo 268.
[30] Caso Furlan e Parentes v. Argentina. Sentença de 31 de agosto de 2012. Série C nº 246, parágrafo 267.
[31] Parecer Consultivo OC-18/03, n.° 101 (relativo aos menores), e Caso Poblete Vilches et al., c. Chile. Sentença de 8 de março de 2018. Série C n.º 349, n.º 122 (para pessoas idosas).
[32] Caso Guachalá Chimbo et al. v. Equador. Sentença de 26 de março de 2021. Série C nº 423, parágrafo 79, e Vera Rojas et al. v. Chile. Sentença de 1º de outubro de 2021. Série C nº 439, parágrafo 101.
[33] Caso Atala Riffo e Girls v. Chile. Sentença de 24 de fevereiro de 2012. Série C nº 239, parágrafo 93, e Parecer Consultivo OC-24/17, parágrafo 78.
[34] Parecer Consultivo OC-24/17, e Caso Vicky Hernández et al. c. Honduras. Sentença de 26 de março de 2021. Série C nº 422, parágrafo 67.
[35] A exemplo da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no processo Alexandru Enache c. A Roménia, em que foi alegada uma diferença de tratamento discriminatória estabelecida na legislação, uma vez que permitia a possibilidade de obter uma suspensão da execução da pena de prisão apenas a mães condenadas de crianças com menos de um ano de idade. O Tribunal concluiu que não tinha havido violação das normas do Tratado. Em especial, considerou que o tratamento diferenciado destinado a ter em conta situações pessoais específicas, como as das mulheres grávidas, das mulheres no pós-parto e dos lactentes detidos, não deve ser considerado discriminatório. TEDH, Processo Alexandru Enache c. Roménia, n.º 16986/12. Sentença de 3 de outubro de 2017, parágrafo 77.
[36] As Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos 16 se aplicam a todos os reclusos sem discriminação; portanto, as necessidades e realidades específicas de todos os reclusos, incluindo mulheres presas, devem ser tomadas em consideração na sua aplicação. As Regras, adotadas há mais de 50 anos, não projetavam, contudo, atenção suficiente às necessidades específicas das mulheres. Com o aumento da população presa feminina ao redor do mundo, a necessidade de trazer mais clareza às considerações que devem ser aplicadas no tratamento de mulheres presas adquiriu importância e urgência.
[37] Princípio 5 - l. Os presentes princípios aplicam-se a todas as pessoas que se encontram no território de um determinado Estado, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicções religiosas, opiniões políticas ou outras, origem nacional, étnica ou social, fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação. 2. As medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusivamente destinadas a proteger os direitos e a condição especial da mulher, especialmente da mulher grávida e da mãe com crianças de tenra idade, das crianças, dos adolescentes e idosos, doentes ou deficientes, não são consideradas medidas discriminatórias. A necessidade de tais medidas, bem como a sua aplicação, poderá sempre ser objeto de reapreciação por parte de uma autoridade judiciária ou outra autoridade.
[38] Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Inside the Prisons of Latin America and the Caribbean: A Look at the Other Side of the Bars, Estados Unidos da América, 2019, p. 12, disponível em: https://publications.iadb.org/es/dentro-de- as-prisões-da-américa-latina-e-do-Caribe-um-primeiro-olhar-para-o-outro-lado-das-barras. Em 2013, um relatório do Relator Especial da ONU sobre Violência contra a Mulher, suas Causas e Consequências, analisou as principais causas para o encarceramento de mulheres e identificou as seguintes: presença de violência, coerção, aborto, crimes morais, ter fugido de suas casas, proteção (geralmente em casos de violência) ou reabilitação, políticas antidrogas, atividade política, prisão preventiva e detenção de migrantes. Relatório do Relator Especial da ONU sobre a violência contra as mulheres. Causas, condições e consequências da prisão para as mulheres, Rashida Manjoo, A/68/340. Disponível em: https://undocs.org/es/A/68/340
[39] A este respeito, a Lista Global de Mulheres na Prisão, que compila informações atualizadas até 2017, indica que a população de mulheres privadas de liberdade tem crescido de forma constante em todos os continentes desde 2000, em aproximadamente 53%. Este aumento não se explica pelo aumento da população mundial (segundo dados das Nações Unidas o aumento da população mundial é de cerca de 21% entre meados de 2000 e meados de 2016), nem pelo aumento da população prisional total, se considerarmos que desde 2000 o aumento da população masculina está próximo dos 20%. Estudo da plataforma World Prison Brief e do Institute for Criminal Policy Research, "World List of Women in Prison", quarta edição. Disponível em: http://fileserver.idpc.net/library/world_female_prison_4th_edn_v4_web.pdf.
[40] Caso Miguel Castro Penal c. Peru, supra, parágrafos 275, 300 e 322; Caso Gelman v. Uruguai. Sentença de 24 de fevereiro de 2011, parágrafo 97, e Caso do Centro Penitenciário da Região Andina referente à Venezuela. Ordem da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 6 de setembro de 2012, Considerando. 14.
[41] Caso Manuela et al. v. El Salvador, em que a Corte condenou o Estado de El Salvador por não ter garantido o direito à saúde sem discriminação, bem como o direito à igualdade, uma vez que a privação de liberdade de Manuela impediu que recebesse cuidados médicos adequados à doença que desenvolveu, pelo que sua pena privativa de liberdade se tornou uma pena desumana, contrária à Convenção.
[42] Declaração Americana, artigo VII. Da mesma forma, o artigo 4.2 da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres prevê que "a adoção pelos Estados Partes de medidas especiais, incluindo as contidas nesta Convenção, destinadas a proteger a maternidade não será considerada discriminatória" e o artigo 12 "2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1 acima, os Estados Partes assegurarão às mulheres serviços adequados em relação à gravidez, ao parto e ao período pós-natal, prestando serviços gratuitos, quando necessário, e assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactação"; Comitê CEDAW. Recomendação Geral nº 24: Artigo 12 da Convenção (Mulheres e saúde), UN Doc. A/54/38/Rev.1, 2009, para. 27; O artigo 5.º, n.º 2, do Corpo de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão prevê que "as medidas aplicadas em conformidade com a lei e destinadas a proteger exclusivamente os direitos e o estatuto especial das mulheres, em particular das mulheres grávidas e das mães que amamentam ...], não serão considerados discriminatórios. A necessidade e a aplicação de tais medidas estarão sempre sujeitas a revisão por um juiz ou outra autoridade."
[43] Nessa linha, as Regras Nelson Mandela: Regra 28 - Nos estabelecimentos prisionais para mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, devem ser tomadas medidas para que o parto tenha lugar num hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento prisional, tal facto não deve constar do respetivo registo de nascimento. E os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabeleceram que, nos locais de privação de liberdade para mulheres e meninas, deve haver instalações especiais, bem como pessoal e recursos adequados para o tratamento de mulheres grávidas e meninas que acabaram de dar à luz.
[44] Os princípios e as boas práticas acrescentam que, quando as mães ou os pais privados de liberdade são autorizados a manter os seus filhos menores dentro de locais de privação de liberdade, devem ser tomadas as medidas necessárias para organizar creches, com pessoal qualificado e com serviços educativos, pediátricos e nutricionais adequados, a fim de assegurar o interesse superior da criança. CORTE IDH, Princípios e Boas Práticas, Princípio X.
[45] Artigo 5. Direito à integridade pessoal (...) - 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
[46] Regra 67 das Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (Resolução n. 45/113, anexo); e Regra 22 das Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Delinquentes (Regras de Bangkok) (Resolução n. 65/229, anexo).
[47] Caso de Montero Aranguren et al. (Catia Retention Point), supra, para. 94, e Caso de Pollo Rivera et al. v. Peru, supra, para. 159.
[50] Relatório do Relator Especial sobre tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, A/HRC/31/57, supra, parágrafo 21.
[51] Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra as mulheres, suas causas e consequências, Dubravka Šimonović, sobre uma abordagem baseada nos direitos humanos para o abuso e a violência contra as mulheres nos serviços de saúde reprodutiva, com especial ênfase no parto e na violência obstétrica, A/74/137, de 11 de julho de 2019, n.º 22.
[52] Nesse sentido, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas e a Associação Americana de Psicologia (APA) condenaram a prática de algemas porque coloca a saúde das mulheres em risco e pode causar dor e trauma severos. Veja, Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, Cuidados de Saúde para Mulheres Encarceradas. Disponível: https://www.acog.org/advocacy/policy-priorities/health-care-for-incarcerated%20women#:~:text=ACOG%20supports%20policies%20restricting%20the,person%20and%20fetus%20at%20risk.
[53] Caso de Artavia Murillo et al. (Fertilização In Vitro) v. Costa Rica. Sentença de 28 de novembro de 2012. Série C nº 257, parágrafo 148; Caso I.V. v. Bolívia, parágrafo 157, sentença de 30 de novembro de 2016, e Caso Manuela et al. v. El Salvador, supra, para. 192.
[57] Especificamente, o artigo 12 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres especifica que "os Estados Partes assegurarão às mulheres serviços adequados em relação à gravidez, ao parto e ao período pós-natal, prestando serviços gratuitos, quando necessário, e assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactação". Por sua vez, as Regras de Banguecoque especificam no artigo 48.º que: 1. As reclusas grávidas ou lactantes devem receber aconselhamento sobre a sua saúde e alimentação no âmbito de um programa a desenvolver e supervisionar por um profissional de saúde. Devem ser fornecidas refeições suficientes e atempadas gratuitamente às mulheres grávidas, lactentes, crianças e mães que amamentam num ambiente saudável em que esteja disponível exercício físico regular. [...] 3. Os programas de tratamento devem ter em conta as necessidades médicas e nutricionais das mulheres prisioneiras puérperas e cujos bebés não as encontram na prisão. Os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelecem que tanto as mulheres quanto as meninas privadas de liberdade terão o direito de acesso a cuidados médicos especializados, observando que, em particular, devem ter assistência médica ginecológica e pediátrica antes, durante e após o parto. CORTE IDH, Princípios e Boas Práticas, supra, Princípio X.
[59] Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa c. Paraguai, supra, paras. 177 e 178, e Caso de Cuscul Pivaral et al. v. Guatemala, supra, para. 132.
[61] Regras Nelson Mandela, supra, Regra 28, e CORTE IDH, Princípios e Boas Práticas, supra, Princípio X.
[63] Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), artigo 12.°; Regras de Nelson Mandela, supra, Regra 22, e Regras de Bangkok, supra, Regra 48.
[66] A Comissão Interamericana concebeu a violência obstétrica como aquela que "engloba todas as situações de tratamento desrespeitoso, abusivo, negligente ou negação de tratamento, durante a gravidez e a fase anterior, e durante o parto ou pós-parto, em centros de saúde públicos ou privados". CORTE IDH. Violência e discriminação contra mulheres, meninas e adolescentes: boas práticas e desafios na América Latina e no Caribe. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 233. 14 de novembro de 2019, n.º 181
[67] OMS. Resumo das recomendações da OMS para a assistência ao parto para uma experiência de parto positiva, 2018, pp. 5 a 8.
[68] O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a questão da discriminação contra as mulheres na lei e na prática recomendou "a instrumentalização das mulheres no processo de parto e a garantia de que sejam impostas sanções em casos de violência ginecológica ou obstétrica, tais como a realização de cesarianas abusivas, a recusa de dar analgésicos às mulheres durante o parto ou de realizar uma interrupção cirúrgica da gravidez, e realizar episiotomias desnecessárias". ONU, Relatório do Grupo de Trabalho sobre a Questão da Discriminação contra as Mulheres na Lei e na Prática, A/HRC/32/44, 8 de abril de 2016, parágrafos 106 (g) e (h).
[74] Comissão dos Direitos da Criança, Relatório e recomendações do dia do debate geral sobre os filhos de pais presos, 30 de setembro de 2011, n.os 38-40, e Regras de Bangkok, supra, Regras 4, 21 e 26.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, GABRIELLA DE BARROS AFONSO. Análise função interpretativa da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Parecer Consultivo - OC 29/22: abordagens diferenciadas aplicáveis às gestantes, às mulheres em trabalho de parto, às puérperas e às lactantes privadas de liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2023, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61476/anlise-funo-interpretativa-da-corte-interamericana-de-direitos-humanos-e-do-parecer-consultivo-oc-29-22-abordagens-diferenciadas-aplicveis-s-gestantes-s-mulheres-em-trabalho-de-parto-s-purperas-e-s-lactantes-privadas-de-liberdade. Acesso em: 23 dez 2024.
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