RESUMO: Este artigo aborda o direito ao esquecimento no contexto jurídico brasileiro e europeu, analisando sua aplicação nos casos Aida Curi e Chacina da Candelária no Brasil, e o caso Costeja vs. Google Spain na União Europeia. O objetivo é entender como o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a privacidade foi negociado nesses contextos. Nos casos brasileiros, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a privacidade prevalece quando as informações são de natureza privada e afetam diretamente o direito de personalidade. Por outro lado, no caso europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que o direito ao esquecimento deveria prevalecer sobre o direito do público ao acesso à informação. A metodologia empregada é a análise comparativa desses casos. O artigo conclui que o direito ao esquecimento, como instrumento jurídico, destaca a necessidade de proteger os indivíduos contra a divulgação indevida de informações pessoais, mas sem impedir a circulação de informações de interesse público.
Palavras-chave: Direito ao Esquecimento, Privacidade, Liberdade de Imprensa, Caso Aida Curi, Chacina da Candelária, Caso Costeja vs. Google Spain.
INTRODUÇÃO
O direito ao esquecimento é um tema em constante debate nos tribunais ao redor do mundo, principalmente no contexto da crescente digitalização da informação e da facilidade com que as informações pessoais podem ser acessadas. Este artigo visa analisar, de forma comparativa, como esse direito foi tratado em dois casos paradigmáticos no Brasil - o caso Aida Curi e a Chacina da Candelária - e no caso Costeja vs. Google Spain, julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
1.OS CASOS AIDA CURI E CHACINA DA CANDELÁRIA NO BRASIL
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve a oportunidade de se pronunciar sobre o direito ao esquecimento em dois casos emblemáticos. O primeiro deles, o caso Aida Curi, envolveu a exibição de uma reportagem sobre o assassinato de Aida Curi, uma jovem que foi estuprada e morta por um grupo de homens em 1958. A família da vítima buscou a justiça para tentar proibir a circulação do programa. O STJ decidiu, por maioria, negar provimento ao Recurso Especial dos autores, argumentando que o acontecimento entrou para o domínio público e seria impraticável a atividade da imprensa para retratar o caso Aida Curi sem mencionar a própria vítima.
Já no caso da Chacina da Candelária, o STJ decidiu, por unanimidade, negar provimento ao Recurso Especial interposto pela emissora Globo, que pretendia exibir um documentário sobre a tragédia contendo imagens e o nome de um homem que foi condenado por homicídio durante o episódio, mas que fora posteriormente absolvido criminalmente por negativa de autoria. O tribunal entendeu que a história poderia ser contada sem a exposição do nome e da imagem do autor, resguardando assim sua privacidade.
2. O CASO COSTEJA VS. GOOGLE SPAIN NA UNIÃO EUROPEIA
O caso Costeja vs. Google Spain teve origem na Espanha e chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia em 2014. O cidadão espanhol Mario Costeja Gonzáles buscou a remoção de informações pessoais relacionadas a uma dívida com a previdência social espanhola que já havia sido quitada. A Corte Europeia reconheceu a responsabilidade da plataforma Google pelo processamento de dados pessoais exibidos nos resultados da busca e entendeu que o direito ao esquecimento deveria prevalecer sobre o direito do público conhecer e ter fácil acesso à informação.
3.ANÁLISE COMPARATIVA
Os casos analisados demonstram a busca por um equilíbrio entre a liberdade de imprensa e o direito à privacidade. O Tribunal de Justiça da União Europeia e o STJ, em seus respectivos casos, ponderaram os interesses em jogo, levando em consideração os direitos de personalidade e a natureza pública ou privada das informações em questão.
Em ambos os casos brasileiros, o STJ resguardou o direito à privacidade quando a informação era de natureza privada e a divulgação atingia o direito de personalidade, como no caso da Chacina da Candelária. No caso Aida Curi, contudo, entendeu-se que, devido à notoriedade histórica do caso, a imprensa não poderia retratá-lo sem mencionar a vítima.
Similarmente, no caso Costeja vs. Google Spain, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou a natureza privada da informação e o impacto sobre a privacidade do autor, concluindo que o direito ao esquecimento prevalecia sobre o interesse público em ter acesso à informação.
As divergências entre os casos podem ser resumidas na natureza da informação divulgada e no meio de divulgação. Enquanto o caso Aida Curi envolvia a divulgação de um evento histórico de grande repercussão na televisão, o caso da Chacina da Candelária e o caso Costeja envolviam a divulgação de informações pessoais, respectivamente, na televisão e na internet.
4. CONCLUSÃO
Os casos analisados demonstram a complexidade em equilibrar o direito à privacidade com a liberdade de imprensa e o interesse público na era digital. O direito ao esquecimento, enquanto instrumento jurídico, evidencia a necessidade de proteger os indivíduos contra a divulgação indevida de informações pessoais, sem, contudo, impedir a livre circulação de informações de interesse público. Deste modo, a análise comparativa desses casos contribui para um melhor entendimento de como esses direitos podem ser conciliados.
Assim, torna-se evidente que, na avaliação da aplicabilidade do direito ao esquecimento, é essencial levar em consideração a natureza da informação e o impacto de sua divulgação na vida dos envolvidos. Cada caso deve ser analisado de forma individualizada, considerando-se a especificidade dos fatos e a ponderação dos direitos fundamentais em conflito. Superior Tribunal de Justiça. (2012). Recurso Especial nº 1.335.153 - RJ (2011/0057428-0). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, Brasil.
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Superior Tribunal de Justiça. (2012). Recurso Especial nº 1.334.097 - RJ (2012/0144910-7). Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, DF, Brasil.
Superior Tribunal de Justiça. (2012). Recurso Especial nº 1.335.153 - RJ (2011/0057428-0). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, Brasil.
Tribunal de Justiça da União Europeia. (2014). Caso C-131/12: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Luxemburgo, Luxemburgo.
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