RESUMO: O artigo tem por objetivo sustentar a incompatibilidade material do princípio da identidade física do juiz com um modelo de devido processo legal que seja adequado à Constituição da República. A imparcialidade judicial é um dever de conduta do juiz, mas também uma garantia do cidadão contra a arbitrariedade do Estado e, estando prevista implicitamente na Constituição, é verdadeira exigência para um processo devido. Nessa perspectiva, estudos científicos demonstram que a mente humana, no processo de tomada de decisões, incorre em diversos desvios cognitivos (cognitive biases), que têm aptidão para invadir a psique do julgador e afetar sua imparcialidade, enviesando a tomada da decisão, processo mental esse que é agravado quando se exige que o juiz que tenha estabelecido contato direto com as partes é quem deverá julgar a causa (princípio da identidade física do juiz). O trabalho sustenta que a inconstitucionalidade material de disposições legais e infralegais que afirmem a necessidade de observância desse princípio decorre, portanto, desses inafastáveis desvios cognitivos. A conclusão é a de que, independentemente da seara jurisdicional (cível ou penal), permitir ou exigir que quem tenha instruído a causa a julgue é atitude violadora do devido processo legal porque concretiza evidente violação à imparcialidade judicial.
Palavras-chave: Devido processo legal. Imparcialidade. Princípio da identidade física do juiz. Desvios cognitivos.
O assim denominado escândalo da “Vaza a jato” colocou holofote sob um dos princípios mais essenciais do devido processo legal — o qual, por vezes, é relegado a um papel quase subalterno pela doutrina e jurisprudência nacionais: o da imparcialidade. É intuitivo que nenhum defensor da força normativa da Constituição possa colocar em xeque a fundamentalidade do princípio da imparcialidade para a salvaguarda do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal.
Não há dúvida de que o agir imparcial do julgador, em sua faceta mais palpável, pressupõe uma equidistância dos litigantes, uma ausência de interesse direto ou imediato na situação dos envolvidos, bem como na causa e nos efeitos (positivos ou negativos) da solução a lhe ser dada. Mas, ao se proceder a um exame mais aprofundado sobre o conteúdo do princípio da imparcialidade, vê-se que o tema, à primeira vista incontroverso ou de simples enfrentamento (afinal, o juiz deve ser imparcial), é capaz de suscitar interessantes discussões.
Um dos questionamentos que o princípio da imparcialidade é capaz de suscitar diz respeito à constitucionalidade do princípio da identidade física do juiz – um dos princípios mais famosos da legislação processual brasileira.
Parece ser lição corrente entre os juristas o fato de que, quanto maior a aproximação do juiz com as partes (notadamente no momento da produção da prova oral em audiência), maior a possibilidade de se fazer justiça no caso concreto. Um juiz que tenha estabelecido contato com os litigantes poderá aferir de perto suas reações, titubeios, contradições etc. e, assim, estará mais bem preparado para sentenciar.
Será mesmo? É possível afirmar, com algum grau de objetividade, que o princípio da identidade física do juiz realmente contribui para a concretização do devido processo legal, cujo pressuposto é o respeito à imparcialidade, ou, ao menos, está abrangido por seu amplo conteúdo, sendo um de seus corolários (como a ampla defesa e o contraditório, por exemplo)?
Antes do fornecimento de uma resposta precipitada e provavelmente positiva — que naturalmente decorreria da falta de problematização desse “corolário” e de sua ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial —, é preciso atentar-se que inúmeros estudos científicos ligados à psicologia do comportamento têm demonstrado como o cérebro humano é verdadeiramente programado para deixar-se influenciar, independentemente do conhecimento do sujeito, por diversos vieses cognitivos (os chamados cognitive biases).
No contexto de um processo judicial, esses vieses cognitivos têm forte aptidão para violar a garantia da imparcialidade — e isso, a propósito, pela mera e simples existência de contato direto do juiz com as partes, precisamente o conteúdo essencial do princípio da identidade física do juiz.
Busca-se com o presente artigo, portanto, evidenciar as razões pelas quais o princípio da identidade física do juiz não pode ser admitido como integrante ou inerente a um modelo de devido processo legal — cível ou penal — que se repute adequado à Constituição da República, que o enuncia em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, como um direito fundamental da pessoa humana.
Num primeiro momento, abordar-se-á, sumariamente, os fundamentos e o conteúdo usualmente atribuídos pela doutrina ao princípio da identidade física do juiz. Em seguida, expor-se-á o que são e quais os principais cognitive biases capazes de influenciar a imparcialidade do julgador, bem como qual é a ligação imediata entre eles e o princípio da identidade física do juiz. Ao final, explicar-se-á o porquê de sua inconstitucionalidade material dentro do processo constitucional brasileiro.
2.O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NÃO É COMPATÍVEL COM A EXIGÊNCIA DE UM PROCESSO DEVIDO
A Constituição consagra o devido processo legal como um direito fundamental aos litigantes em geral nos incisos LIV e LV de seu artigo 5º. Retira-se do preceito constitucional que a ninguém deve ser imposta privação de liberdade ou de seus bens sem um devido processo legal. Como alerta Egon Bockmann Moreira, “um processo indevido configura apenas arremedo de processo, desobediente à Constituição [porque] essa imitação deficiente não tem o condão de instaurar uma relação jurídica válida (...)”.[1]
Não há dúvida de que, dentre as exigências do devido processo legal, deriva logicamente o inafastável dever de se garantir que o julgamento da causa se dê por um juiz natural e imparcial.[2] A garantia da imparcialidade — consistente, grosso modo, na “ausência de interesse judicial na sorte de qualquer das partes quanto ao resultado do processo”[3] —, ainda que não expressamente afirmada na Constituição, goza de indiscutível estatura constitucional[4] porque intrínseca ou implícita[5] à ampla garantia do devido processo legal.[6] Assim, reclama necessária preservação, já que o prejulgamento ou a mera e prévia inclinação do julgador em favor de uma das partes já nulificam de pleno direito sua decisão.[7]
Costuma-se atribuir ao princípio da imparcialidade uma dupla feição.[8] Na dita dimensão subjetiva ou anímica (também chamada de “imparcialidade psicológica”), o julgador não deve ter, intimamente, interesse na solução do caso, tampouco dar preferências ou vantagens a uma das partes. No aspecto objetivo (também conhecida como “imparcialidade funcional”), o julgador precisa manter-se, concretamente, equidistante das partes, na medida em que o juiz que aparenta ser imparcial inspira confiança nos litigantes.[9]
Se a imparcialidade, em seu prisma subjetivo de análise, liga-se à subjetividade do juiz, ao seu ânimo perante as partes, é certo que, quando o magistrado estabelece contato direto com elas (como ocorre na audiência de instrução), fica sujeito a uma série de impressões muito próprias, a uma leitura unilateral dos acontecimentos. Não é raro ganhar notoriedade casos de juízes exaltados em audiência, irritados com uma das partes e/ou seus advogados, para dizer o mínimo.
Dentro da processualística, há muito se fala no chamado princípio da identidade física do juiz, entendido como a exigência de julgamento da causa pelo juiz que presidiu a audiência de instrução e estabeleceu contato direito com as partes.[10] O artigo 132 do Código de Processo Civil de 1973 previa, em sua primeira parte, que o juiz — titular ou substituto — que concluísse a audiência deveria julgar a lide.[11]
É certo que o Código de Processo Civil de 2015 não trouxe disposição semelhante, mas isso não significa que, para alguns juristas, o referido princípio tenha desaparecido do ordenamento jurídico brasileiro.[12] Como se não bastasse a polêmica doutrinária, a identidade física do juiz segue indubitavelmente afirmada na redação do artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal, o qual enuncia: “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”.[13]
A forte presença do princípio da identidade física do juiz no processo penal, aliás, não se resume à previsão legislativa transcrita. A título de ilustração, cite-se a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça, de 6 de abril de 2010 — que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência —, que chega a nominá-lo expressamente no caput de seu artigo 3º.[14]
Essa exigência (quem instrui deve julgar), como lembra Luciana Benassi Gomes Carvalho, é classicamente relacionada com os subprincípios processuais da oralidade e da imediatidade,[15] elementos marcantes das audiências em geral. Há efetiva crença[16] de que o juiz que colhe as provas orais e toma contato direto com as partes é capaz de, em decorrência dessa proximidade, proferir uma sentença mais justa,[17] já que está com “as impressões vivas no espírito”.[18]
Ocorre que, nessa interação próxima entre juiz e partes — entendida como necessária para o bom julgamento da causa —, o tiro pode sair pela culatra. Segundo alguns estudos científicos, a mente humana, no processamento de informações e tomada de decisões, está inevitavelmente sujeita a alguns fatores de enviesamento, chamados de desvios ou propensões cognitivas (cognitive biases), que operam independentemente da vontade do sujeito.
No caso do juiz, que está no processo judicial para decidi-lo, o enviesamento é um perigoso elemento e, com certeza, um obstáculo para o agir imparcial. Se assim o é, convém àquele que julga tomar contato direto com as partes numa audiência, por exemplo, considerando tratar-se de ato processual propício para o nascimento de impressões subjetivas sobre as partes?[19]
2.1 O inevitável problema das cognitive biases
Como adiantado, diversos estudos científicos[20] demonstram que a mente humana, principalmente no processo de colheita de informações para a tomada das mais diversas decisões, fica sujeita a inúmeros desvios ou vieses cognitivos (cognitive biases). Eduardo José Fonseca da Costa didaticamente sintetiza como o cérebro humano está verdadeiramente programado para incorrer nesses desvios, independentemente de eventual má-fé do sujeito:
A mente humana realiza simplificações – as heurísticas – para processar informações exteriores complexas e possibilitar a tomada eficiente de decisões. Essa complexidade excede a capacidade cerebral de processar informações; como resultado, os decisores são impelidos a cometerem erros. No entanto, a complexidade aumenta ao tomar-se uma decisão diante de uma situação de dúvida, conflito ou incerteza. Um tipo heurístico bastante conhecido são os vieses cognitivos [cognitive biases]. Trata-se de formas disfuncionais de processar a informação, que afetam o raciocínio lógico-abstrato e ocorrem de modo previsível em circunstâncias particulares em todos os países e culturas. Não se trata de desvirtuamentos provocados por emoções (medo, afeição, ódio etc.), mas de erros sistemáticos na opinião de pessoas normais, que ocorrem no projeto do mecanismo cognitivo.[21]
Dentre os inúmeros vieses cognitivos já identificados pela ciência,[22] são pelo menos quatro aqueles entendidos como principais dentro do processo cognitivo dos juízes.[23]
Pelo anchoring effect (viés de ancoragem), o magistrado inevitavelmente tende a permitir que sua valoração inicial sobre o caso ou algum de seus elementos influencie de maneira desproporcional os juízos de valor subsequentes.
É o caso, por exemplo, do juiz que toma contato com a prova ilícita e dificilmente consegue desvencilhar-se de seu conteúdo quando da análise das demais, ou, ainda, a hipótese de um juiz que, pelo fato de a denúncia criminal pleitear uma alta condenação, fica tencionado a fixar sanção mais alta da que daria se o montante da pena sugerido fosse menor.[24]
De acordo com o confirmation bias (viés de confirmação), a primeira impressão tem peso desproporcional:[25] o julgador forçosamente tende a priorizar a procura nos autos por informações e provas que sustentem sua hipótese inicial, ignorando aquelas que a ela se contraponham. Por exemplo, o juiz que concede uma tutela provisória de urgência está inclinado a reputar o pedido como procedente ao final.
Pelo representative bias (viés de representação ou representatividade) — uma das mais perigosas armadilhas mentais para os juízes — o magistrado, analisando uma amostra, deixa-se convencer de que ela representa toda a categoria, concebendo um padrão que não necessariamente existe.
Basta imaginar a situação na qual o juiz que preside a audiência contamina-se por gestos, atitudes, desassossegos e surpresas dos inquiridos e, então, passa a acreditar, sempre, que um acusado que responde calma e tranquilamente aos questionamentos é inocente, ao passo que aquele que se comporta de maneira nervosa é culpado — aí já se vê a nítida incidência desse bias no procedimento do Tribunal do Júri, por exemplo, em relação à impressão que os jurados podem vir a ter do réu.[26]
Pelo viés de grupo, o magistrado dá preferência a pessoas que integram instituição assemelhada à sua (funcionários públicos, agentes do Ministério Público etc.)[27] ou tem preconceito contra aquelas que não a integram (é o caso do juiz que, inconscientemente, dá primazia a um parecer de perito judicial em detrimento de parecer particular, ainda que esse esteja muito mais bem fundamentado do que aquele).[28]
Quer-se dizer, com tudo isso, e é precisamente aí que repousa a relação promíscua entre a identidade física do juiz e os desvios cognitivos, que é nesse momento que o problema da parcialidade se acentua, pois a oralidade é, verdadeiramente, um terreno fértil para a incidência nos desvios cognitivos[29] e, consequentemente, para a ocorrência de arbitrariedades judiciais.
As impressões subjetivas do magistrado adquiridas na audiência de instrução jamais se tornam conhecidas pelas partes, de modo que não é possível controlar, objetiva e racionalmente, as impressões do juiz que acabam refletidas de modo velado na sentença.[30]
2.2 A inconstitucionalidade do princípio
O juiz que preside a audiência, porque inevitavelmente sujeito — até inconscientemente — a incidir nesses vieses cognitivos, não está, como defende parcela da doutrina, mais bem preparado para proferir uma sentença justa, senão verdadeiramente enviesado para o julgamento da causa, pronto para um julgamento parcial, justamente porque suas impressões subjetivas muito provavelmente serão carregadas da oralidade à sentença. O princípio da identidade física do juiz, nesse aspecto, praticamente garante o julgamento parcial do processo, de modo que,
em lugar de permitir ao instrutor que sentencie enquanto a firmeza, o tom de voz, os gestos, a fisionomia, as emoções, a “simplicidade da inocência” e o “embaraço da má-fé” lhe estejam vivos no espírito, é preferível que não julgue impactado por impressões subjetivas, não raro inconfessas, inescritas e, portanto, impassíveis de controle objetivo-racional pelas partes e pelas instâncias superiores. Decididamente, não se pode admitir que a liberdade e o patrimônio das pessoas fiquem à mercê de “convicções íntimas” fundadas não apenas em aspectos verbais escritos da comunicação [ex.: declarações reduzidas a termo], mas também em aspectos verbais não escritos [ex.: declarações não reduzidas a termo] e aspectos não verbais [ex.: contexto e modo de transmissão dessas declarações].[31]
Admitir que o princípio da identidade física do juiz é essencial para a garantia do devido processo legal é uma afirmação contraditória, pois o processo só é devido se o juiz é imparcial e, quanto mais o julgador toma contato direto com as partes, mais servo de suas impressões subjetivas se torna; e, quando se exige dele e se estimula que, até por ocasião da realização da audiência, sentencie o processo, maior a influência que os desvios cognitivos exercerão sobre sua avalição do caso. Ou seja, menos imparcial será – o que não pode ser admitido.
A questão torna-se mais sensível ainda quando se percebe que, no Brasil, a imparcialidade judicial e suas nuances parecem não ser um problema digno de destaque. Muitos manuais dedicam poucas páginas (ou nenhuma) para abordar esse princípio essencial do processo e, comparativamente a Tribunais estrangeiros, o Supremo Tribunal Federal lhe dispensa tratamento quase que indigno.[32]
Tome-se o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Corte que possui dois precedentes fundamentais em matéria de imparcialidade: os casos Piersack vs. Bélgica (1982) — leading case do Tribunal de Estrasburgo sobre a temática[33] — e De Cubber vs. Bélgica (1984).[34] A Corte Europeia, aliás, por força de sua robusta jurisprudência sobre a já citada dupla dimensão da imparcialidade (subjetiva e objetiva), adota a chamada teoria da aparência, pela qual não basta ser imparcial, é preciso aparentar sê-lo.[35]
Piersack, acusado de homicídio, foi condenado na Bélgica por um tribunal do júri que, à época, era presidido por juiz que anteriormente havia atuado no mesmo processo como procurador (acusação), participando e atuando na colheita de elementos de prova e/ou investigação. O TEDH assentou de maneira paradigmática a violação ao princípio da imparcialidade nessa hipótese, pois o júri foi conduzido por juiz que, ao menos objetivamente — e as aparências importam —, não poderia ser considerado imparcial, pois quem julga não instrui.
Cubber, por sua vez, foi acusado de roubo de automóvel em 1977. Seu caso foi conduzido por um juiz investigatório que, posteriormente, ficou também responsável pelo julgamento do caso. Nesse caso, o TEDH sustentou que o julgador, por ter sido o responsável por coordenar a investigação, já havia formado o seu convencimento quanto à culpabilidade do acusado. Assim, não seria imparcial, por já ter convicções formadas em relação ao caso, a partir da investigação que liderou.
Interessante registrar que as premissas estabelecidas pela Corte Europeia de Direitos Humanos nos casos Piersack vs. Bélgica e De Cubber vs. Bélgica foram sendo encampadas por diversos tribunais continentais e, de maneira irretocável, pelo Tribunal Constitucional da Espanha, na histórica Sentença nº 145, de 12 de julho de 1998,[36] na qual, ainda que apenas no campo do Direito Processual Penal, foi declarada a inconstitucionalidade do princípio da identidade física do juiz.
A ratio decidendi da Corte espanhola é muito clara no sentido de que o contato direto do juiz com o acusado afeta o ânimo do julgador — a imparcialidade é um requisito anímico do juiz, como exposto anteriormente — e, portanto, o impede de, após ter estabelecido tal contato, agir imparcialmente:
(...) la actividad instructora, en cuanto pone al que la lleva a cabo en contacto directo con el acusado y con los hechos y datos que deben servir para averiguar el delito y sus posibles responsables puede provocar en el ánimo del instructor, incluso a pesar de sus mejores deseos, prejuicios e impresiones a favor o en contra del acusado que influyan a la hora de sentenciar. Incluso aunque ello no suceda es difícil evitar la impresión de que el Juez no acomete la función de juzgar sin la plena imparcialidad que le es exigible. Por ello, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos (TEDH), en su decisión sobre el caso «De Cubber», de 26 de octubre de 1984, y ya antes en la recaída sobre el caso «Piersack», de 1 de octubre de 1982, ha insistido en la importancia que en esta materia tienen las apariencias, de forma que debe abstenerse todo Juez del que puedan temerse legítimamente una falta de imparcialidad, pues va en ello la confianza que los Tribunales de una sociedad democrática han de inspirar a los justiciables, comenzando, en lo penal, por los mismos acusados. Esta prevención que el Juez que ha instruida y que debe fallar puede provocar en los justiciables viene aumentada si se considera que las actividades instructoras no son públicas ni necesariamente contradictorias, y la influencia que pueden ejercer en el juzgador se produce al margen de «un proceso público» (...) y del procedimiento predominantemente oral, sobre todo en materia criminal, a que se refiere el artículo 120.2, ambos de la Constitución. En un sistema procesal en que la fase decisiva es el juicio oral, al que la instrucción sirve de preparación, debe evitarse que este juicio oral pierda virtualidad o se empeñe su imagen externa, como puede suceder si el Juez acude a él con impresiones o prejuicios nacidos de la instrucción o si llega a crearse con cierto fundamento la apariencia de que esas impresiones y prejuicios existan.[37]
Quem instrui, portanto, julga influenciado, julga enviesado. Parece muito clara a necessidade de se evitar a todo custo que “impressões do instrutor – nascidas do contato direto com partes e testemunhas – sirvam de fundamentos irracionais ocultos da sentença”, e é precisamente dessa necessidade, que deve ser entendida como uma exigência de um devido processo legal que se repute adequado à Constituição da República, que decorre a inconstitucionalidade do princípio da identidade física do juiz.
Ainda que o Tribunal Constitucional espanhol tenha declarado a inconstitucionalidade do princípio apenas na seara criminal, é preciso esclarecer que não há nenhuma justificativa para que essa separação entre o juiz que instrui e o juiz que julga se restrinja a esse campo, pois não existe um processo que exija “menos ou mais imparcialidade” do que outro. A jurisdição, que é una, deve ser imparcial, como bem adverte Fonseca da Costa:
É comum restringir-se a separação instrutor-sentenciador ao âmbito procedimental penal. Nada justifica, porém, a inextensibilidade dessa separação aos âmbitos procedimentais não penais. Decididamente, não se trata de um quid específico da persecutio criminis. O problema da imparcialidade judicial é antes processual que procedimental; é antes constitucional que infraconstitucional. Em qualquer dos seus desdobramentos procedimentais (penal comum, penal militar, civil, trabalhista, eleitoral, tributário, administrativo etc.), a separação instrutor-sentenciador é conveniente ao processo. Isso porque é das tantas formas eficientes de se garantir a imparcialidade judicial. (...) É inegável que a Lei 13.964/2019 – a mal chamada «Lei Anticrime» – trouxe importantes reinforcements à imparcialidade judicial. O «juiz de garantias» é o exemplo mais famoso. Todavia, por enquanto, esses reinforcements estão infelizmente circunscritos ao âmbito procedimental penal. Além disso, em meio a eles não está contemplada a benfazeja separação entre juiz instrutor e juiz sentenciador. Portanto, é preciso ainda conferir uma maior completude garantística ao procedimento penal. Mais: é preciso estender toda essa completude aos demais ramos procedimentais (civil, trabalhista, eleitoral, tributária, administrativa etc.). No final das contas, o processo – sem qualquer adjetivo – é uma garantia contra-arbitrária do cidadão em juízo [CF/1988, art. 5º, LIV]. Sendo limite ao exercício da função jurisdicional, o processo serve para manter o juiz nos trilhos rígidos da imparcialidade. Pouco importam o ramo do direito material aplicável e a natureza do conflito sub judice.[38]
Está muito claro que o enviesamento judicial é um dos principais vilões da imparcialidade em seu prisma subjetivo ou anímico de análise, dever cuja quebra o Direito brasileiro não vem dando conta de evitar.[39]
Se a identidade física do juiz não pode ser tolerada porque capaz de fragilizar o devido processo legal, é preciso evitar, pelo mesmo motivo, todas as outras formas de contato direto entre os juízes que irão julgar a causa e as partes e a produção probatória, pelo que deve ser considerada inadmissível, inclusive, qualquer iniciativa probatória dos primeiros.[40]
O avanço da tecnologia permite que as audiências, por exemplo, sejam gravadas e armazenadas nos próprios autos do processo. Em grau de recurso, o Desembargador pode ter facilmente acesso ao conteúdo audiovisual do ato processual e, assim, assistindo à audiência, deixar-se enviesar — do mesmo modo que o juiz da causa — pelos comportamentos, impressões, ações e omissões das partes.[41]
O problema não está, propriamente, na gravação de atos processuais com o mero objetivo de documentação e armazenagem, mas, sim, na existência de um interesse e de uma premissa de que a realização de tal diligência irá possibilitar que os juízes, ao terem acesso ao conteúdo, prestem um melhor serviço jurisdicional — é a velha crença de que o contato direto é fomentador de uma sentença mais justa.[42]
É preciso sepultar, de uma vez por todas, a identidade física do juiz precisamente porque o garantismo processual está em aboli-la, não em prestigiá-la.[43] A crença de que o contato direto entre juiz e partes fomenta uma decisão justa jamais foi demonstrada — ao contrário do evidente prejuízo à imparcialidade que esse contato é capaz de trazer, à luz dos inafastáveis cognitive biases:
Se se pode afirmar, portanto, inexistirem provas de que a observância à identidade física do juiz possa efetivamente conduzir a uma sentença justa, e de fato provas não há, de outro lado é possível se dizer que atualmente há estudos relevantes que levam a crer que o juiz que colhe as provas, que encerra a audiência de instrução e profere julgamento, tende a se contaminar cognitivamente pelo “viés da representatividade” (“representativeness biasis”), o que causa abalo à “imparcialidade”, configurada como garantia processual fundamental das partes a limitar a atuação do Estado-juiz.[44]
Ao fim e ao cabo, a manutenção do princípio da identidade física do juiz no processo significa subverter o fim que a Constituição, ao elencar o processo como direito fundamental, procurou lhe dar. Noutras palavras, não é possível admitir que a exigência de julgamento pelo juiz que instrui (em qualquer seara jurisdicional, frise-se) seja medida compatível com o devido processo legal.
É nesse sentido a oportuna observação da doutrina:
Enxergar a função do juiz de outro modo, ou seja, considerar recomendável que ele, a partir de impressões repletas de carga subjetiva decorrentes da colheita direta das provas orais, afaste-se dos critérios racionais, da análise imparcial dos argumentos e elementos demonstrados pelas partes, é ter a visão míope e perigosa do processo como instrumento (ferramenta) de poder do Estado contra o jurisdicionado, absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito.[45] (...) A identidade física não decorre do modelo constitucional de processo e tampouco pode ser considerado como um princípio infraconstitucional sobre a atuação judicial; pelo contrário, sua aplicação encerra grave risco à imparcialidade. Sob a ótica do processo visto como garantia contrajurisdicional, a identidade física do juiz se revela um ranço de um processo autoritário, inquisitorial, que onticamente se externa como um instrumento de Poder, um ferramental da jurisdição contra os jurisdicionados, visão esta que, sem dúvidas, não encontra respaldo na CF/88.[46]
O processo jurisdicional adequado à Constituição, portanto, não se coaduna com a exigência de que o juiz que presidiu a audiência julgue o processo, assim como não tolera a iniciativa probatória do julgador. Os desvios cognitivos afetam de maneira substancial a imparcialidade judicial. Como observa Fonseca da Costa, “o ideal seria ter um juiz para a urgência, um para a instrução e um para o julgamento”,[47] pois trata-se de medida eficaz para impedir o enviesamento.
É preciso, mais do que isso, que seja extirpada do ordenamento jurídico qualquer norma que afirme, expressa ou tacitamente, o princípio da identidade física do juiz,[48] sob pena de declaração incidental de sua inconstitucionalidade.
3.CONCLUSÃO
Processo é garantia, não é instrumento, e essa garantia só é respeitada e efetivada em seu núcleo essencial quando o juiz, além de natural, é e age como um sujeito imparcial. O ponto é que a salvaguarda do princípio da imparcialidade deve pressupor, necessariamente, uma garantia fundamental de que o juiz que sentencia (e toma outras decisões sensíveis ao longo do processo) não irá deixar-se enviesar cognitivamente, pois a imparcialidade exige o não enviesamento.[49]
Os desvios cognitivos são uma realidade existente e inafastável, mas o primeiro passo para evitar que eles desempenhem um papel ilícito dentro do processo, fazendo com que o julgamento não seja verdadeiramente imparcial e tampouco controlável, é, sem dúvidas, a revogação expressa de dispositivos legais que afirmem o princípio da identidade física do juiz (ou, ao menos, sua não aplicação nos casos concretos, mediante exercício do controle difuso e incidental de constitucionalidade).
Afinal, se a imparcialidade judicial é o “núcleo duro do devido processo legal e a nota característica essencial da própria noção de jurisdição”, motivos não faltam para que não se tolere, em absoluto, que “os riscos potenciais de quebras inconscientes de imparcialidade sejam institucionalmente maximizados”.[50]
A identidade física do juiz é uma das maiores ameaças à imparcialidade judicial e é preciso sempre ter em mente, numa palavra final, que a lógica por trás da garantia da imparcialidade não será e não pode ser, jamais, de eficiência, senão garantista.[51]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais, a Lei 9.784/1999 e o Código de Processo Civil/2015. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 339. O trecho entre colchetes não consta do original.
[2] Destaque-se que, para Fredie Didier Jr., a imparcialidade judicial decorre imediatamente da garantia do juiz natural (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 185). Por sua vez, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho adverte que “o princípio da identidade física do juiz não se confunde com o princípio do Juiz Natural” (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O princípio do juiz natural na CF/88: ordem e desordem. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 45, n. 179, p. 165-178, jul./set. 2008. p. 175). Não é objetivo deste trabalho, entretanto, proceder a um exame minucioso dessa distinção.
[3] Trata-se, a imparcialidade judicial, de um “requisito anímico do juiz”, na feliz expressão de MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARDT, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. 2. ed. São Paulo: RT, v. 1, 2016. p. 186.
[4] Nesse sentido: “[o] delicado problema da imparcialidade é deveras uma questão de direito federal constitucional: trata-se de um direito fundamental individual atípico e, dessa forma, de uma garantia implícita contrajurisdicional de liberdade dos cidadãos. Na realidade, mais do que uma garantia fundamental, trata-se de uma garantia arquifundamental, a partir da qual se derivam múltiplas garantias fundamentais imediatas e mediatas” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. A imparcialidade judicial no controle abstrato de constitucionalidade. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/100-a-imparcialidade-judicial-no-controle-abstrato-de-constitucionalidade>. Acesso em: 20 mar. 2023).
[5] Cf. STEFFENS, Luana. O direito fundamental à imparcialidade do julgador na concepção do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: o direito a um julgamento justo – caso Piersack v. Bélgica. Disponível em: <https://www.unifor.br/documents/392178/3101527/Luana+Steffens.pdf/12f7a06d-5d67-c3b2-3e86-4ecc0b648b5a>. Acesso em: 20 mar. 2023.
[6] Cf. CARVALHO, Luciana Benassi Gomes. O "princípio" da identidade física do juiz e a garantia arquifundamental da imparcialidade. Revista brasileira de direito processual, Uberaba, v. 27, n. 107, p. 227-240, jul./set. 2019. p. 234.
[7] MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit. p. 155.
[8] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 21.
[9] Como lembra Fonseca da Costa, há implicitamente em matéria de imparcialidade um princípio de precaução: “[h]avendo suspeita de que determinada ação cause quebra de imparcialidade, a ação não deve ter lugar, ainda que inexista consenso científico irrefutável sobre essa causação; na dúvida, não se corre o risco de se quebrar a imparcialidade” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução e juiz de sentença. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/juiz-de-instrucao-e-juiz-de-sentenca>. Acesso em: 31 mar. 2023).
[10] V., por todos: ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 20. ed. São Paulo: RT, 2021, p. 949-950; e FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: RT, 2014. p. 168-172.
[11] Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
[12] Como bem informa Luciana Benassi Gomes Carvalho, “[h]á quem entenda, mesmo com a supressão acima referida, que o princípio da identidade física não pode ser extirpado pela atividade do legislador, pois decorre do próprio modelo de processo a sua observância. Outros, todavia, num grande esforço interpretativo, enxergam no atual art. 366 do diploma processual civil a preservação do indigitado princípio. Seja como for, os partidários dessas correntes lamentam a alteração de tratamento que lhe foi conferida pelo diploma atual” (O "princípio" da identidade física do juiz... cit. p. 229). O destaque não consta do original.
[13] O anteprojeto do novo Código de Processo Penal segue garantindo o princípio da identidade física do juiz: “Art. 280. O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por motivo independente de sua vontade, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o sucessor que proferir a sentença, se entender necessário, poderá repetir as provas já produzidas”. Veja-se que o anteprojeto do novo CPP, bem da verdade, busca reforçar ainda mais o princípio da identidade física do juiz, ao assegurar ao sucessor a possibilidade de repetir as provas já produzidas, acarretando a aproximação do juiz sucessor com as partes.
[14] Art. 3º Quando a testemunha arrolada não residir na sede do juízo em que tramita o processo, deve-se dar preferência, em decorrência do princípio da identidade física do juiz, à expedição da carta precatória para a inquirição pelo sistema de videoconferência. (grifou-se).
[15] CARVALHO, Luciana Benassi Gomes. O "princípio" da identidade física do juiz... cit. p. 229.
[16] Não são poucas as vozes doutrinárias que insistem na tese de que a identidade física do juiz é, sim, necessária para a concretização do garantismo processual. A propósito, Fonseca da Costa traz extensa lista doutrinária, contando com nomes como Ivone da Silva Barros, Pedro Henrique Demercian, Juan Monroy Gálvez, Rui Portanova, Marco Antonio Marques da Silva, Ovídio Baptista da Silva, entre outros (Juiz de instrução... cit.).
[17] CARVALHO, Luciana Benassi Gomes. O "princípio" da identidade física do juiz... cit. p. 231.
[18] “(...) por absoluto desconhecimento científico, os tribunais brasileiros têm entendido sistematicamente que a função de julgar consiste em valorar as diversas declarações que se prestam em juízo e em outorgar maior credibilidade a uma ou outra. Nesse sentido, o princípio permitiria ao juiz valorar os gestos, as atitudes, as perturbações e as surpresas de todos os atores da audiência e, com isso, fundar melhor sua íntima convicção sobre a veracidade ou mendacidade das declarações. Em outras palavras, a identidade física do juiz ganharia feições de ‘garantia’, pois evitaria valorações inadequadas decorrentes da existência de intermediários entre a prova oral e o órgão judicial de valoração” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 140-141).
[19] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 43.
[20] Para aprofundamento e detalhamento dos diversos estudos científicos já existentes sobre os vieses cognitivos, conferir a obra de COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p.45 e ss.
[21] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[22] Para uma lista completa dos mais de noventa desvios cognitivos já comprovados cientificamente, v. COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 60-70.
[23] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[24] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 155.
[25] Idem, p. 156.
[26] Outros exemplos envolvendo Tribunal do Júri nos quais o viés de representação pode contaminar a impressão dos jurados em relação ao réu estão no uso de algemas ou na utilização de uniforme do presídio pelo acusado no julgamento. Tendo em vista a capacidade que esses itens têm de fazer incidir nos jurados alguma inclinação negativa em relação ao réu, a Súmula Vinculante 11 tem importante aplicação, pois visa a restringir apenas a hipóteses excepcionais a utilização de algemas por acusados. No que diz respeito às vestimentas do réu, o STJ já consignou que “A par das algemas, tem-se nos uniformes prisionais outro símbolo da massa encarcerada brasileira, sendo, assim, plausível a preocupação da defesa com as possíveis preconcepções que a imagem do réu, com as vestes do presídio, possa causar ao ânimo dos jurados leigos” (STJ, 5ª Turma, RMS 60.575/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 13.08.2019, DJe 16.08.2019).
[27] A Lei 14.508/2022, que acrescentou o § 2º ao art. 6º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, representa um marco importante no combate à influência do viés de grupo, ao determinar que “Durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir”. Ou seja, a própria posição dos advogados de defesa e acusação pode ser capaz de influenciar a visão do magistrado. Assim, a tentativa de colocá-los no mesmo plano topográfico e na mesma distância ao magistrado pode ser um bom aliado no combate à incidência de desvios cognitivos.
[28] Idem, p. 164-165.
[29] Idem, p. 139.
[30] Idem, p. 145.
[31] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[32] É precisamente essa a advertência de Fonseca da Costa: “(...) seria natural o STF preservar essa garantia-mor dedicando-lhe uma construção jurisprudencial dignificante. Todavia, destoando de tribunais internacionais de direitos humanos (ex.: Tribunal Europeu de Direitos Humanos) e de cortes constitucionais nacionais (ex.: Tribunal Constitucional da Espanha), cujos julgados têm elevado a imparcialidade ao nível primário do essencial, o STF tem rebaixado o instituto ao nível secundário do dispensável. Enfim, o STF tem uma longa ficha de desserviços prestados à imparcialidade, fazendo dela uma sub-, pseudo-, proto- ou quase-garantia. Um desses desserviços tem sido entender que as regras sobre suspeição e impedimento não incidem no controle abstrato de constitucionalidade. (...) A imparcialidade do juiz não é exigida porque in concreto um processo tem partes, mas sim porque in abstrato o juiz tem jurisdição” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. A imparcialidade judicial... cit. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/100-a-imparcialidade-judicial-no-controle-abstrato-de-constitucionalidade>. Acesso em: 20 mar. 2023).
[33] Cf. STEFFENS, Luana. O direito fundamental à imparcialidade do julgador... cit. Disponível em: <https://www.unifor.br/documents/392178/3101527/Luana+Steffens.pdf/12f7a06d-5d67-c3b2-3e86-4ecc0b648b5a>. Acesso em: 20 mar. 2023.
[34] Fonseca da Costa cita outros casos relevantes do TEDH sobre o tema da imparcialidade judicial, a saber: Pfiefer y Plankl vs. Áustria e Sainte-Marie vs. França, ambos de 1992; Fey vs. Áustria, Padovani vs. Itália e Nortier vs. Países Baixos, todos de 1993; e Saraiva de Carvalho vs. Portugal (1994). Cf. COSTA, Eduardo José da Fonseca. A imparcialidade judicial... cit. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/100-a-imparcialidade-judicial-no-controle-abstrato-de-constitucionalidade>. Acesso em: 20 mar. 2023).
[35] Luana Steffens, ainda que limitando sua análise ao campo do processo civil, lembra que parcela da doutrina aproxima das hipóteses de suspeição e impedimento (CPC, arts. 144 e 145), respectivamente, as dimensões da imparcialidade subjetiva e objetiva. Segundo a autora, tal orientação doutrinária confirma a aplicação, entre nós, da distinção que o TEDH faz quanto às dimensões da imparcialidade. Cf. STEFFENS, Luana. O direito fundamental à imparcialidade do julgador... cit. Disponível em: <https://www.unifor.br/documents/392178/3101527/Luana+Steffens.pdf/12f7a06d-5d67-c3b2-3e86-4ecc0b648b5a>. Acesso em: 20 mar. 2023.
[36] “(...) del caso ‘De Cubber’ lo que nos interesa es el principio de que no puedan acumularse las funciones instructora y juzgadora” (in Doc. BOE-T-1988-19564. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-T-1988-19564>. Acesso em: 03 mar. 2023).
[37] Cf. Doc. BOE-T-1988-19564. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-T-1988-19564>. Acesso em: 03 mar. 2023.
[38] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[39] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 24.
[40] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit. Com efeito, “a iniciativa probatória do julgador também pode levá-lo a supervalorizar a prova objeto de sua atuação direta (vieses da confirmação e egocêntrico), de modo a comprometer sua parcialidade” (in COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 174).
[41] Fonseca da Costa bem adverte: “(...) ainda que instrutor e sentenciador não sejam a mesma pessoa, deve-se cuidar para que o segundo não assista à gravação audiovisual das audiências, pois isso lhe daria acesso oblíquo a vacilos, tons de voz, gestos, fisionomias, emoções e tudo quanto se precise encobrir. Daí a necessidade escritural de se reduzirem os depoimentos a termo” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[42] Não faltam exemplos de instituições partindo desse equivocado pressuposto. A Recomendação nº 94 do Conselho Nacional de Justiça, de 9 de abril de 2021, por exemplo, “[r]ecomenda aos tribunais brasileiros a adoção de medidas incentivadoras da prática de gravação de atos processuais, com vistas à melhoria da prestação jurisdicional” (sem destaque no original). O § 5º do artigo 367 do Código de Processo Civil de 2015 também evidencia que o objetivo das gravações é propiciar o acesso rápido do juiz ao conteúdo do ato: “[a] audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica”.
[43] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
[44] CARVALHO, Luciana Benassi Gomes. O "princípio" da identidade física do juiz... cit. p. 231.
[45] Idem, p. 233.
[46] Idem, p. 237.
[47] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério... cit. p. 144.
[48] Idem, p. 200.
[49] CARVALHO, Luciana Benassi Gomes. O "princípio" da identidade física do juiz... cit. p. 235-236.
[50] Idem, p. 114-115.
[51] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Juiz de instrução... cit.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Assessor de Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TIRADENTES, Leonardo Felipe Marques. A inconstitucionalidade do princípio da identidade física do juiz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2023, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61515/a-inconstitucionalidade-do-princpio-da-identidade-fsica-do-juiz. Acesso em: 23 dez 2024.
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