ANDRÉ DE PAULA VIANA
(orientador)
“O homem é condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e livre, pois, uma vez lançado no mundo, é responsável pelos seus atos”. (JEAN-PAUL SARTRE, 1946).
RESUMO: O presente estudo refere-se à aplicabilidade jurisprudencial brasileira da Teoria da Perda de Uma Chance aos casos em que o erro de diagnóstico médico constitui uma vantagem perdida ao paciente. O trabalho busca analisar os erros e falhas grosseiras decorrentes dos diagnósticos médicos instituídos de imprudência, imperícia ou negligência, que reduzem a chance de cura do paciente ou uma expectativa de vida melhor, ou, em caso mais grave, induzem ao óbito. Também objetiva descrever a responsabilidade civil médica, avaliando se a obrigação do profissional, seja ela de meio ou de resultado, apresenta relação com a imposição de sanção indenizatória ao médico responsável, subsequente à procedência da Teoria da Perda de Uma Chance. Destacando ser a saúde um direito constitucional e que deve ser protegido pelo Estado, tal discussão guarda relevância, tanto social quanto jurídica, tendo em vista a contemporaneidade do Direito Médico no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a recepção da Teoria da Perda de Uma Chance, não só na seara médica, mas principalmente nesta, alvo deste projeto. Ademais, o estudo tem como alicerce a revisão descritiva da literatura médica da responsabilidade civil, as leis que disciplinam as ações de culpa (imprudência, imperícia e negligência), artigos acadêmicos, e por fim, as jurisprudências e doutrinas específicas à matéria abordada. A problemática da pesquisa questiona o modo em que a teoria em questão é empregada à responsabilidade civil do médico e em que casos esta é aceita pela justiça brasileira. Em síntese, conclui-se que a responsabilização médica pelo reconhecimento da Teoria da Perda de uma Chance é abarcada, exclusivamente, pela jurisprudência pátria e doutrinas, sendo, portanto, necessária sua tipificação legislativa.
Palavras-chave: Erro de diagnóstico. Responsabilidade médica. Perda de uma chance. Indenização.
ABSTRACT: The present study refers to the Brazilian jurisprudential applicability of the Loss of a Chance Theory to cases in which the medical diagnosis error constitutes a lost advantage to the patient. The work seeks to analyze the errors and gross failures resulting from medical diagnoses instituted of imprudence, malpractice or negligence, which reduce the patient's chance of cure or a better life expectancy, or, in more serious cases, lead to death. It also aims to describe medical civil liability, assessing whether the professional's obligation, whether of means or result, is related to the imposition of indemnity sanctions on the responsible physician, subsequent to the origin of the Theory of Loss of a Chance. Highlighting that health is a constitutional right that must be protected by the State, this discussion is relevant, both socially and legally, in view of the contemporaneity of Medical Law in the Brazilian legal system, as well as the reception of the Theory of Loss of a Chance, not only in the medical area, but mainly in this area, target of this project. In addition, the study is based on the descriptive review of the medical literature on civil liability, the laws that govern actions of guilt (imprudence, malpractice and negligence), academic articles, and finally, the jurisprudence and doctrines specific to the matter addressed. The research problem questions the way in which the theory in question is applied to the doctor's civil liability and in which cases it is accepted by the Brazilian justice system. In summary, it is concluded that the medical liability for the recognition of the Theory of Loss of a Chance is encompassed exclusively by the national jurisprudence and doctrines, therefore, its legislative typification is necessary.
Keywords: Diagnostic error. Medical responsibility. Loss of a chance. Indemnity.
De origem francesa, a Teoria da Perda de Uma Chance, conhecida como “La perte d'une chance”, inaugurou-se entre o final do século XIX e início do século XX, especificamente em 17 de julho do ano de 1.889, graças a decisão proferida pela Corte de Cassação da França no julgamento intitulado Chambre des Requêtes.
Nesse julgamento, foi reconhecido o direito à indenização da parte que deixou de ganhar uma ação por conta de uma conduta negligente de um funcionário que impediu a regular tramitação do seu processo, esgotando a possibilidade de êxito da autora.
A teoria em comento também foi adotada nos casos de responsabilidade civil na seara médica (perte d’une chance de guérison ou de survie), tendo o primeiro caso ocorrido em 1.964, “quando a Primeira Câmara da Corte de Cassação francesa condenou um médico por um erro executado no parto, consistente na amputação de todos os membros do nascituro na tentativa de facilitar o procedimento” (PÊGAS; SANTANNA, 2018).
No Brasil, a apreciação primordial da Teoria da Perda de Uma Chance relacionada à área da Medicina pelo Tribunal de Justiça sobreveio em 12 de junho de 1.990, no estado do Rio Grande do Sul.
A teoria em comento não dispõe de previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual é regulamentada e recepcionada pela justiça pátria através da jurisprudência, ainda que seja matéria de ampla controvérsia no que concerne à procedência e aplicação aos casos concretos judiciais.
Sumariamente, a perda de uma chance consiste em destituir de outrem a oportunidade de obtenção de um benefício ocasionando um dano passível de indenização, cujo montante é mensurado na perda da chance do êxito, e não da conquista em si.
Assim, por ser um contexto hipotético, onde o quantum indenizatório baseia-se na frustração da possibilidade de adquirir a benesse ou de esquivar-se de um prejuízo, torna imprescindível a demonstração séria e real das chances perdidas.
Isto posto, cabe salientar que o médico tem a obrigação de agir com o máximo de cautela com o paciente, seja no diagnóstico, seja no tratamento em geral, empregando todos os seus esforços e conhecimento.
Ocorre que, nem sempre o resultado satisfatório e pretendido é alcançado, e isto não configura diretamente em erro. O erro médico decorre de atos comprovadamente culposos – ação por imprudência, negligência ou imperícia.
Nesse sentido, têm-se que:
Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mesmo quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações (…). Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 86).
Por tal motivo, entende-se que os profissionais médicos desempenham atividade de meio, na qual esses não são responsabilizados por não obter a cura, já que a buscam aplicando seus conhecimentos e zelo para com os pacientes.
Pois bem, analisando a teoria sob o ângulo do erro médico, o dano aparece quando, em razão de um diagnóstico equivocado (atos culposos), a chance de vida, expectativa de vida ou a perspectiva de cura do paciente é comprometida.
Desse modo, a responsabilização médica pelo erro de diagnóstico será consolidada no momento em que o médico age ou deixa de agir com prudência, negligência ou perícia – ações relacionadas à culpa, por falta de cuidado ou aplicada precipitadamente –, fomentando uma situação danosa ao paciente.
Apesar de ser um erro passível de indenização, a dificuldade paira na quantificação da chance extinta, sendo que, nesse momento cabe ao julgador dimensionar a oportunidade perdida, levando em consideração o grau de culpa do profissional ao não praticar ou praticar sem cautela uma medida que poderia ter evitado o prejuízo final.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
A priori, a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar um dano causado a outra pessoa decorrente de um ato ilícito, cujos elementos formadores, geralmente, são a ação ou omissão (violação a um direito), a comprovação do dano (material ou moral), o nexo de causalidade entre a ação e o dano, e a culpa.
Perfeitamente explicado, de modo simplista e de fácil entendimento, têm-se o significado da responsabilidade civil no Direito brasileiro:
A responsabilidade civil guarda em si um sentimento social e humano, que fundamenta, no plano moral, a sujeição do causador do dano à reparação da lesão. Não é aceitável que alguém cause um prejuízo e reste incólume, não sendo obrigado a reparar o dano (SILVA, 2009, p. 32).
No ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil subdivide-se em duas: objetiva e subjetiva.
Predispõe o Código Civil, em seus artigos 186 e 927, caput, a responsabilidade civil subjetiva, a qual somente será preenchida diante da demonstração do nexo causal, do dano, da ação ou omissão, e da culpa, tanto na existência do dolo (vontade de causar o dano), quanto na presença da imprudência, imperícia ou negligência (culpa em sentido estrito). Vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002).
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002).
Pois bem, “o dever de reparar o dano surge da prática de ato ilícito, que é a ação ou omissão dolosa (voluntária) ou culposa em sentido estrito (negligente, ou imprudente, ou imperita). Daí verifica-se que o fundamento, como regra geral, da responsabilidade civil é a culpa” (SILVA, 2009, p. 41).
Por um ângulo geral, destaca-se a respectiva definição de responsabilidade civil subjetiva:
O liame entre dano e responsabilidade é fundamental para a existência da obrigação de reparar, vista aquela sob o ângulo subjetivo. (...) Essa espécie é dita subjetiva porque estratificada na convicção de que está presente, no caso concreto, a ligação psíquica do agente com o resultado danoso, de modo que este quer diretamente produzir o efeito que efetivamente veio a ser constatado ou no mínimo se porta de modo a aceitar como perfeitamente viável a ocorrência do evento a partir da conduta assumida (MATIELO, 1998, p. 15 apud PRETEL, 2010).
Em casos excepcionais, a legislação admite a obrigação do dever de indenizar independentemente de culpa, é a chamada responsabilidade civil objetiva, bastando apresentar os três requisitos: dano, nexo causal, e ação ou omissão.
Percebe-se, portanto, a inexigibilidade da demonstração de culpa do agente a ensejar o dever de reparar a vítima do dano, isto porque há uma presunção legal de culpa, fundamentada nos exatos termos do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:
Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).
Nesse ínterim, somente será aplicada a objetividade aos casos que haja previsão legal, ou quando a profissão exercida pelo causador do dano importar riscos aos direitos do próximo.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
Especificadamente à área médica, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, ou seja, além da ação ou omissão, da comprovação do dano, e do nexo de causalidade, depende da demonstração de culpa do profissional para que seja devida a obrigação de reparar.
Corroborando ser subjetiva a responsabilidade civil na medicina, dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, §4º, que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Como é cediço, o médico tem o dever de atuar com zelo e responsabilidade, atentando-se aos cuidados específicos de cada caso de forma diligente.
Em síntese, elenca-se os elementos formadores da responsabilidade civil subjetiva médica:
No que concerne à responsabilidade civil dos médicos, segue-se a regra geral da imprescindibilidade da demonstração da culpa do agente, amenizadas as exigências quanto à prova inarredável e profunda de sua ocorrência ante os termos consignados na legislação, quando a natureza da demanda ou as circunstâncias concretas apontarem para a responsabilidade mediante a produção de elementos de convicção mais singelos. (...) Em princípio, a contratação não engloba qualquer obrigação de curar o doente ou de fazer melhorar a qualidade de vida desfrutada, porque ao profissional incumbe a tarefa de empregar todos os cuidados possíveis para a finalidade última – e acima de tudo moral – de todo tratamento, ou seja, a cura seja alcançada. Todavia, a pura e simples falta de concretização do desiderato inicial de levar à cura não induz a existência da responsabilidade jurídica, que não dispensa a verificação da culpa do médico apontado como causador do resultado nocivo (MATIELO, 1998, p. 66 apud PRETEL, 2010).
De igual modo, entende-se que:
Os médicos e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos respectivos clientes. Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência da culpa subjetiva, em quaisquer das suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia (KFOURI NETO, 2001, p. 192).
Supracitado, o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil prevê a incidência da responsabilidade objetiva quando a função desenvolvida pelo autor do dano implicar risco aos direitos alheios.
Muito embora tal disposição legal pareça ser aplicável à seara médica, já que a atividade exercida pelo médico pode sim trazer riscos à saúde de outrem, necessário entender que estes riscos advêm do problema de saúde acometido ao paciente, sendo eles intrínsecos ao contratante dos serviços – não provenientes da atividade médica –, motivo pelo qual a área da saúde guarda observância aos requisitos da responsabilidade subjetiva.
Diante disso, “somente será indenizado aquele que, submetido a tratamento médico, venha a sofrer um prejuízo, em razão do tratamento e por culpa do profissional, o qual não utilizou dos corretos ensinamentos e métodos disponíveis da ciência médica na busca da cura e/ou reabilitação” (PRETEL, 2010).
4 OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO
Quanto aos fins a que se destinam, classificam-se as obrigações em obrigações de meio e obrigações de resultado, sendo que tal distinção guarda relevância na apuração da responsabilidade e na demonstração da culpa.
Nas obrigações de meio, considerada regra geral, o agente deve empregar todos os esforços e técnicas possíveis para que o resultado contratado seja alcançado, independente se este é positivo ou não.
Sobre a questão, Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 154) elucida: “Obrigações de meio deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação. (...) A simples assunção do risco pelo devedor da garantia representa, por si só, o adimplemento da prestação”.
Ao contrário, as obrigações de resultado correspondem a uma exceção à regra (obrigação de meio), porquanto o profissional busca a realização de um determinado fim, logo, deve empregar todos os esforços possíveis a garantir a entrega do objeto contratado, obtendo um resultado claro e fixo.
Portanto, “na obrigação de resultado o indivíduo realiza a atividade visando um único objetivo específico – aquele resultado contrato. Logo, a obrigação só será tida como cumprida quando o resultado colimado foi alcançado” (VENOSA, 2006, p. 154).
De maneira sucinta, a fim de aclarar as principais diferenças de tais obrigações, expõe-se:
“Portanto, em contrato com obrigações de resultado, a culpa do devedor, que se obrigou a atingir um objetivo, é presumida, bastando ao lesado provar que a finalidade do contrato não foi alcançada. Já que tal presunção é relativa e não absoluta, faculta-se ao lesante demonstrar que não agiu com culpa, isto é, que não agiu com dolo, negligência, imprudência ou imperícia.
Por outro lado, em contrato com obrigações de meio, em regra, salvo as exceções a seguir vistas sobre presunção da culpa, a culpa do devedor deve ser provada pelo lesado, que deverá demonstrar que o outro contratante não utilizou todos os meios ao seu alcance para atingir a finalidade almejada." (SILVA, 2009, p. 45)
O Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 2º e 3º, define precisamente os termos “consumidor” e “fornecedor”, a saber:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (BRASIL, 1990).
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (BRASIL, 1990).
Mais à frente, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, em seu §4º, revela que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a existência de culpa, que importa em três modalidades: imprudência, imperícia e/ou negligência.
Em consonância com o disposto no referido diploma legal, a relação entre médico (prestador de serviços) e paciente caracteriza uma relação de consumo, cujo serviço prestado pelo fornecedor (médico) é utilizado pelo destinatário final (paciente).
É por essa relação de consumo, e pelo ordenamento jurídico, que, no que concerne à atividade exercida pelo profissional médico, a obrigação é de meio, uma vez que não há obrigação de cura, portanto, depende da efetiva comprovação de culpa do agente.
A propósito, segundo entendimento doutrinário, a obrigação assumida pelo médico é de meio, já que o mesmo não assume a entrega de um determinado resultado, embora deva empregar toda a técnica necessária e apropriada a cada caso:
Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual- vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar a culpa do profissional (COLTRI, 2010, p. 54).
Ressalvados os demais casos médicos, os procedimentos plásticos estéticos embelezadores (correção de insatisfações com a aparência, cuja motivação é exclusivamente estética), em que o resultado pretendido deve ser obtido do modo como convencionado pelas partes, incumbe ao cirurgião plástico a devida obrigação de resultado.
Contexto este não aplicável aos procedimentos plásticos reparatórios – cirurgia necessária em situações de patologia congênita ou adquirida com o fim de restaurar uma funcionalidade perdida do organismo do paciente –, atribuindo a regra geral da obrigação de meio.
Importante destacar que, somente se aponta sobre a culpa na seara médica, pois é praticamente impossível a verificação de dolo – vontade livre e consciente de cometer o ato ilícito/ causar prejuízo a outrem – na responsabilidade civil do médico, porquanto são contratos de prestação de serviços, em que um indivíduo adquire um serviço, e o outro fornece-o mediante compensação onerosa, isto é, há interesse mútuo.
Nesse quesito, “prevalece, na relação contratual não adimplida, no caso de médico e paciente, a necessidade do paciente que acusa provar a culpa do médico” (SOUZA, 2002 apud PRETEL, 2010).
5 ERRO DE DIAGNÓSTICO MÉDICO
Em princípio, o diagnóstico consiste no passo prévio de maior importância para a atividade médica, isso porque, é a partir dele que se determina a doença acometida ao paciente e suas respectivas causas, a ensejar a adoção das profilaxias necessárias, visando chegar a um único resultado: a cura.
Ratificando o supramencionado, expõe-se a visão doutrinária de que o diagnóstico médico constitui elemento essencial à cura do paciente:
Trata-se de procedimento fundamental na atividade profissional do médico, dele derivando a prescrição de medicamentos, a dieta alimentar, a necessidade de hospitalização ou de intervenções cirúrgicas, os exames e as técnicas terapêuticas a serem empregadas na cura. Em torno do diagnóstico, portanto, giram todas as outras funções do médico (SOUZA, 2015, p. 140).
Sob a responsabilidade do médico, paira a obrigação de um diagnóstico completo a proceder um tratamento apropriado. Pois bem:
É obrigação do médico, após acurada análise das informações e sintomas relatados pelo paciente, firmar convencimento sobre a patologia e proceder ao tratamento adequado para aquela moléstia identificada no paciente, uma vez que com o diagnóstico correto sobrevirá tratamento da doença do paciente, uma vez que com o diagnóstico correto sobrevirá tratamento seguro e indicado e, provavelmente, maior chance de melhora e até mesmo cura (VIANA, 2018, p. 49).
Assim, para que a obrigação de meio se desenvolva de forma adequada, cumpre ao médico, usando de seus conhecimentos específicos, verificar os sintomas e atingir o exato diagnóstico, valendo-se da melhor terapêutica e dos exames necessários no acompanhamento da evolução da patologia.
Ainda, a fim de atingir um diagnóstico correto, cabe ao médico “levar em conta todos os sinais, manifestações e sintomas apresentados pelo paciente, levando em consideração a anamnese, sem, contudo, influenciar o enfermo na descrição da evolução da doença” (SCHAEFER apud SILVA, 2009, p. 175).
À vista disso, haverá erro de diagnóstico desde que o médico, ao tentar identificar a doença do paciente, o fazer sem as devidas precauções recomendadas pela Medicina.
Neste caso, o erro médico corresponde ao comportamento descuidado, atípico, ou inadequado do profissional para com o paciente, resultante da imprudência, imperícia ou negligência (culpa em sentido estrito – art. 18, inciso II, do Código Penal).
Interpretando o significado do erro médico, têm-se que:
O erro médico vai ser tratado como desvio de comportamento do médico na execução do seu trabalho profissional, trabalho que, se tivesse sido feito dentro dos parâmetros estabelecidos pelos seus pares, não teria causado dano ao paciente (MORAES, 2003, p. 40).
Sendo assim, o erro de diagnóstico traduz-se na escolha irregular do tratamento à doença acometida ao paciente, e que, normalmente, advém de uma interpretação e investigação imprecisa da patologia, cujos recursos técnicos disponíveis (ultrassons, ressonância magnética, tomografia, exames laboratoriais, entre outros) não foram utilizados pelo médico responsável.
Trata-se, pois, de erro escusável, eximindo a responsabilidade do médico se comprovado que agiu pelos meios corretos, utilizando de todo o aparato medicinal e tecnológico.
Outrossim, mesmo com uma ampliação significativa da ciência médica, ainda existem doenças raras desprovidas de diagnósticos e matéria a respeito, motivo pelo qual, nesses casos, uma conduta inadequada do profissional não representaria um erro de diagnóstico.
Além do mais, explica Regina Beatriz Tavares da Silva acerca de outra hipótese não abarcada pelo erro de diagnóstico:
Também não haverá, normalmente, erro de diagnóstico se ele resulta de informação incorreta do paciente, hipótese em que não haverá imputabilidade da conduta ao médico, pois ele confiou no que lhe foi dito – não há, a rigor, nexo de causalidade entre o diagnóstico e o dano, provocado por negligência ou imprudência oriunda do paciente (SILVA, 2009, p. 186).
Caso contrário, em casos simples de identificação da patologia, comprovada a negligência, imprudência ou imperícia na investigação do diagnóstico, bem como a insuficiência dos exames realizados, torna-se inescusável, incorrendo em responsabilidade civil do médico e obrigação indenizatória.
5.1 NEGLIGÊNCIA MÉDICA
A negligência compreende a falta de cuidado e de atenção no diagnóstico do paciente, cujas devidas precauções deixaram de ser adotadas pelo médico responsável. Nessa situação, o profissional apresenta uma conduta omissa quando em contato com a espécie patológica, tal qual não é recomendável pela Medicina.
Para tanto, “a negligência é uma ação falha, desinteressada, inércia ou passividade do profissional médico, deixando de proporcional ao paciente um tratamento correto por puro descaso, se incluindo qualquer omissão ou desatenção que resulte dano ao paciente. Há a culpa in omittendo, imprevisão passiva” (GIFONI; MATOS; MAIA, 2007 apud RIBEIRO, 2007).
Dá-se como exemplo, o médico que deixa de pedir exames essenciais à determinação da doença e prescrição do diagnóstico, e, por conta disso, o paciente permanece com sequelas irreversíveis, ou vem a óbito.
5.2 IMPRUDÊNCIA MÉDICA
Por sua vez, a imprudência consiste em uma ação precipitada diversa daquela esperada, sendo que o agente assume os riscos das consequências acreditando que essas não ocorrerão.
Em outras palavras, pode ser definida como “a inobservância de atitudes acautelatórias, que possam evitar tudo que leve a erro ou a dano. É agir sem as precauções necessárias. É ser precipitado nos seus julgamentos e nos seus atos. É o autossuficiente” (GUIMARÃES FILHO, 1985).
Imprudentemente, ao diagnosticar de modo equivocado uma patologia, o médico expõe a vida do paciente a uma situação de perigo, ora pela prescrição de tratamentos inadequados, com redução de chances de cura, ora pelo agravamento do quadro clínico, com um consequente dano irreversível.
5.3 IMPERÍCIA MÉDICA
Já na imperícia, o profissional médico carece de aptidão ou habilidade específica para enfrentar a situação respectiva. Mesmo sendo seu conhecimento técnico insuficiente sobre a área atingida pela doença, esse realiza o ato médico do qual não é preparado.
Explicitando, um médico ortopedista, em assistência a um paciente com problemas cardíacos, determina um certo diagnóstico que somente um médico cardiologista poderia prescrever. Independente de dano ocasionado ao enfermo, tal médico foi imperito em sua conduta.
Isto posto, entende-se que “é dever ético não só do médico como de todo e qualquer profissional que recomende um especialista ou alguém que entenda melhor de certa matéria, quando seu conhecimento não alcançar a complexidade do problema” (BRANCO apud SILVA, 2009, p. 176).
6 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Juridicamente, a expressão “perda de uma chance” significa a supressão de uma possibilidade de outrem obter lucro, vantagem ou salvar-se de um evento danoso em razão de ato ilícito praticado pelo agente causador do dano.
Um dos pressupostos a caracterizar a aplicação da Teoria da Perda de Uma Chance é a ocorrência de uma chance séria e real, em que a vítima deixou de obter alguma vantagem em face de erro do autor do dano.
Ainda, a doutrina especialista no tema abordado, subdivide a perda de uma chance em duas modalidades: a) a perda da chance de obter uma vantagem vindoura, e, b) a perda da chance de evitar um prejuízo já acometido.
A primeira se concretiza pela interrupção de uma ação em andamento que poderia resultar em significativa vantagem, ou seja, a frustração da chance no presente eliminou um benefício futuro, porquanto jamais saberá se este seria alcançado ou não.
Um exemplo, comumente utilizado, é o impedimento de um indivíduo por outro de prestar um concurso público. Percebe-se o autor do impedimento, contudo, paira a incerteza do resultado do certame e quais benefícios a vítima auferiria caso dele participasse até sua última etapa.
Com relação a outra categoria, frustração da chance de evitar um prejuízo acontecido, essa ocorre quando, em razão da conduta de outra pessoa, a vítima sofre uma desvantagem, mesmo tentando impedi-la. É a espécie que melhor se encaixa na responsabilidade médica.
No decorrer das análises judiciais, “foram surgindo cada vez mais decisões no sentido de que a conduta culposa do agente e o dano causado independem de configuração de nexo causal para configurar o dano da perda de uma chance” (GONÇALVES; SILVA, 2022). Malgrado essa ainda não seja a opinião majoritária quanto à responsabilidade médica, como se demonstrará mais adiante.
Destacando entendimento doutrinário, percebe-se que, de modo geral:
A perda de uma chance repousa sobre uma possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia se concretizar; é certo que a vantagem esperada está perdida – e disso resulta um dano indenizável. Noutras palavras: há incerteza no prejuízo – e certeza na probabilidade. A chance perdida deve ser ‘séria’, ou ‘real e séria’. É necessário demonstrar a realidade do prejuízo final, que não pode ser evitado – prejuízo cuja quantificação dependerá do grau de probabilidade que a chance perdida se realizaria (KFOURI NETO, 2007, p. 67).
A Teoria em si consiste na indenizabilidade do prejuízo sério e real sofrido pela vítima, contudo atenta-se, exclusivamente, à probabilidade perdida, desconsiderando a desvantagem final, motivo pelo qual o quantum indenizatório será calculado sob o ângulo da falhada chance.
Idem, no julgamento do Recurso Especial nº 1.291.247-RJ, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (2014) corrobora o entendimento elencado, expressando que: “Na perda de uma chance, há também prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso. Repare-se a chance perdida, e não o dano final”.
O exemplar mais célebre da aplicabilidade da Teoria da Perda de Uma Chance, considerado como o caso líder (leading case), trata-se do julgamento do Recurso Especial nº 788.459-BA (2005/0172410-9), popularmente conhecido como o episódio do “Show do Milhão”.
Basicamente, o participante do programa de TV ''Show do Milhão", entre perguntas e respostas acertadas, chegou a pergunta corresponde ao prêmio máximo, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Ocorre que tal pergunta (a última), estava mal formulada, carente de resposta correta.
Sobre isso, o relator, Ministro Fernando Gonçalves, em razão da questão ter 4 (quatro) opções de respostas, empregando a probabilidade matemática de 25% (vinte e cinco por cento) de chance de acerto, condenou o réu no importe indenizatório de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).
Destarte, a reparação do dano não leva em consideração a vantagem esperada, mas baseia-se na estimativa de que a vítima não teria sofrido violação de seu direito se tal fato não ocorresse ou se tivesse sido evitado.
7 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E ERRO DE DIAGNÓSTICO
Alcança-se, pelo até aqui exposto, o tema central desse trabalho, a aplicação da Teoria da Perda de Uma Chance quando uma anamnese deficiente e um diagnóstico equivocado ou mal feito desencadeiam o avanço significativo de uma doença, traz consequências irreversíveis, quais sejam, a perda da chance de cura, a frustração da expectativa de uma vida melhor, ou até a morte do paciente.
Atualmente, a tecnologia aplicada à saúde facilita a precisão dos diagnósticos, inclusive a detecção de doenças sequer manifestadas e/ou em estágio inicial, graças a existência de diversos aparelhos tecnológicos destinados a diagnosticar as mais variadas patologias, tais como, as máquinas de radiologia, tomografia, ultrassonografia, ressonância magnética, entre tantas outras.
Consoante à responsabilidade civil do médico, configura-se a perda da chance quando determinada circunstância não concretizou, mas poderia ter acontecido caso a atitude médica fosse correta, ou seja, a atuação do médico tornou-o impossível, provocando, assim, a perda de uma chance de cura do enfermo, a expectativa de uma vida melhor, ou, nas piores hipóteses, a cessação de sua vida.
Diante do significativo avanço tecnológico, os casos de erro no diagnóstico não deveriam ser tão recorrentes, sendo, pois, o respaldo para aplicação da Teoria em comento, visto que se empenha na proteção ao enfermo, na tentativa de amenizar dano causado pelo profissional médico, ou dirimir, na medida possível, eventuais prejuízos que venha o paciente a sofrer pela situação que se encontra.
Há casos em que o erro de diagnóstico médico ocorre por inépcia do profissional, quando este sugere um procedimento divergente à doutrina médica, ou simplesmente não descobre a patologia acometida, aliás, se os meios materiais estavam à disposição do profissional, porém não os utilizou, também haverá culpa por negligência.
Nessa versão, há decisões em que a culpa foi reconhecida porque o médico não identificou apendicite após cinco atendimentos ao doente e ao que não reconheceu hérnia de hiato (KFOURI NETO, 2003, p. 90, apud SILVA, 2009, p. 181).
Outrossim, a identificação tardia da doença pode resultar em graves consequências ao paciente:
Pode-se dar como exemplo, o médico que não diagnostica a existência de um câncer uterino em uma paciente, que tardiamente o descobre pela intervenção de outro médico especialista. Assim, a possibilidade de cura do câncer quando no seu estágio inicial se perdeu, pois não diagnosticado em sua origem. Nesse caso a imperícia ou a negligência médica eliminou a chance de cura e de sobrevivência da paciente (SILVA, 2009, p. 200)
Ainda, “o erro do diagnóstico pode resultar no atraso em sua realização. Não basta a diligência corriqueira, é necessário que ela se faça a tempo de evitar o dano. Assim, também haverá culpa se o atraso no diagnóstico decorrer de negligência do médico, que se descuida de providenciá-lo tempestivamente" (SILVA, 2009, p. 182). Porquanto, também ocorre a incidência da Teoria da Perda de Uma Chance.
Em demais situações, têm-se diagnósticos equivocados prescritos pelo médico, o qual gera um dano/prejuízo ao paciente, ocasionando o denominado erro de tratamento.
De toda maneira, segundo Regina Beatriz Tavares da Silva (2009, p. 178), o erro de tratamento pode suceder de um erro de diagnóstico (e quando há este erro é quase regra que aquele também acabe ocorrendo), situação essa com possibilidades de agravar ainda mais a responsabilidade do médico imperito, negligente ou imprudente.
Destaca-se que um diagnóstico errado, consequentemente, acarretará um tratamento diverso do que deveria ser prescrito. Sabendo que é, exclusivamente, pelo tratamento recomendado que o paciente tenta zerar ou diminuir os riscos decorrentes da patologia, torna-se nítida a retirada das chances de cura, até porque não tem como curar uma doença, se o diagnóstico não a encontrou.
Ainda, existe o diagnóstico errôneo de uma doença grave, cuja descoberta causa ao paciente e sua família abalos psicológicos e emocionais, e que depois vem a não se confirmar.
Paralelamente, se o médico, na busca do diagnóstico, solicita a realização de exames e/ou intervenções cirúrgicas inúteis, também incide o erro de diagnóstico passível de indenização.
De ordinário, tanto o erro no diagnóstico em si, quanto as medidas necessárias para se chegar ao diagnóstico, englobam a responsabilidade do médico pela reparação:
O erro de diagnóstico, erro no procedimento, erro na escolha da terapia, falta de procedimento terapêutico, erro na prescrição ou na administração de medicamento, falha no atendimento, deficiência nos serviços, traduzem sempre um resultado prejudicial ao enfermo, produzido por conduta imprópria, proceder imperito, negligente ou imprudente vitalmente, apto a agravar a saúde, pôr em risco ou destruir a vida do paciente (VIANA, 2018, p. 56).
Em todas as hipóteses supramencionadas, aplica-se ao médico a responsabilidade civil pelo prejuízo ocasionado ao paciente, incidindo sanção indenizatória proveniente da Teoria da Perda de Uma Chance.
Outrossim, a ministra Nancy Andrighi, em 2013, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.254.141/PR, do Superior Tribunal de Justiça, suscitou que a perda da chance é uma modalidade autônoma de indenização do dano, aplicada nas hipóteses em que não se pode apurar a responsabilidade direta do médico pelo dano final (obrigação de meio), motivo pelo qual só responderá o profissional pela chance que retirou do paciente. A propósito:
[…] A dificuldade de trato da questão está justamente em que os defensores da diferenciação entre a perda da chance clássica e a perda da chance no ramo médico situam o fator aleatório, de modo equivocado, num processo de mitigação do nexo causal. Sem demonstração clara de que um determinado dano decorreu, no todo ou em parte, da conduta de um agente, é de fato muito difícil admitir que esse agente seja condenado à sua reparação. Admiti-lo implicaria romper com o princípio da “conditio sine qua non”, que é pressuposto inafastável da responsabilidade civil nos sistemas de matriz romano-germânica. A solução para esse impasse, contudo, está em notar que a responsabilidade civil pela perda da chance não atua, nem mesmo na seara médica, no campo da mitigação do nexo causal. A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. Com isso, resolve-se, de maneira eficiente, toda a perplexidade que a apuração do nexo causal pode suscitar.
(STJ-PR – REsp: 1254141 PR 2011/0078939-4 (Acórdão), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 04/12/2012, Terceira Turma, Data de Publicação: 20/02/2013)
Quanto à indenização, tal ponto é labiríntico, posto que deve ser analisado a situação precedente do enfermo, o dano decorrente da perda da oportunidade e a proporcionalidade entre a atuação do médico e o dano em si, a serem arbitrados pelo magistrado designado.
Neste cenário, sem dúvidas, o elemento negativo decisório que ensejará a aplicação do quantum indenizatório é a perda da chance de resultado favorável no tratamento médico, isto é, mensuram-se as chances extintas que poderiam vir a concretizar-se caso o diagnóstico do médico fosse diferente/correto.
Há de se ressaltar que a chance perdida precisa ser séria e real, cabendo ao paciente provar esse requisito, e ao Juízo, o dever de averiguar quão foi efetivamente fracassada a oportunidade com o auxílio da ciência estatística.
Encontram-se doutrinadores convictos de que o paciente só fará jus à indenização acaso a probabilidade de sucesso seja superior a 50% (cinquenta por cento) de probabilidade de atingir a vantagem ou evitar os danos, se esta não tivesse sido interrompida por erro de outrem.
Idem, transpassam-se alguns dos pontos de vista doutrinários a respeito da probabilidade superior:
A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 75, apud BISACCHI; LIMA, 2016).
Não é qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance (SAVI, 2006, apud TORRES; PEREIRA, 2015).
Sob o entendimento de Fernanda Schaefer (2006, p. 76, apud SILVA, 2009, p. 201), ainda são raros os casos da adoção da teoria da perda de uma chance na jurisprudência brasileira, muito embora ela seja recomendável para identificação do dano a indenizar.
Face a não tipificação legislativa da Teoria em comento no ordenamento jurídico brasileiro, sua recepção aos casos de erro de diagnóstico gera divergência entre os aplicadores do Direito, cuja aplicação e quantificação indenizatória converte-se em uma maior subjetividade.
No intuito de ilustrar as interpretações díspares no cumprimento da Teoria, em desconformidade com o evidenciado no tópico anterior, há preceitos doutrinários majoritários dispondo ser imprescindível o nexo de causalidade entre o autor do dano e o dano em si para configuração da responsabilidade médica na perda de uma chance.
Aliás, sobre isso, atentemos:
A responsabilidade dos médicos pela satisfação dos danos acarretados a pacientes somente exsurgirá na presença do nexo de causalidade entre a ação e a omissão, ou erro grave, negligência, imprudência ou imperícia e o resultado morte, lesão ou inabilitação para a labuta. Assim, para a análise da conduta culposa do profissional de medicina, torna-se de substancial importância a averiguação dos elementos de natureza técnica contidos no processo, exigindo-se a prova da existência da culpa na causalidade do evento. (ROSÁRIO, 2009, p. 17 apud BISACCHI; LIMA, 2016)
Consoante ao pensamento de Leonardo Jorge Queiroz Gonçalves e Laila Gabriela da Silva (2022), o tema ainda apresenta diversas controvérsias, principalmente com relação à dificuldade de mensurar o dano, bem como mensurar o que configura uma chance.
O fato é que o entendimento pela Teoria da Perda de Uma Chance e sua execução adequada dependem da sua tipicidade legislativa, com rigor a padronização.
Somente assim, sua aplicação será feita em todas as situações elencadas acima (erro de diagnóstico), com o fim de estar devidamente caracterizada, esclarecida, e com critérios exatos de quantificação da indenização, dispostas em lei específica, colocando a justiça em pé de igualdade.
7.1 JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA
Como já sobredito, a Teoria em comento não está tipificada no ordenamento legislativo brasileiro, ficando sua aplicação a cargo da doutrina e da jurisprudência pátria, mediante analogia aos artigos 186 e 927 do Código Civil, bem como pelos julgados internacionais.
A rigor, “não é exatamente do erro de diagnóstico de que cuida o julgador, mas sim da culpa existente no procedimento adotado para realizar o diagnóstico" (SILVA, 2009, p. 181).
Dá-se como exemplo o acórdão proferido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi, ante a interposição de um Recurso Especial, que, adotando a Teoria da Perda de Uma Chance, condenou o médico responsável pelo erro de diagnóstico, o qual havia submetido uma paciente, portadora de câncer de mama, a um tratamento inadequado, que acarretou sua morte. A saber:
DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna inaplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. 2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional.
Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada.
(STJ-PR – REsp: 1254141 PR 2011/0078939-4 (Acórdão), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 04/12/2012, Terceira Turma, Data de Publicação: 20/02/2013)
Em outro episódio bem recente, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino negou provimento ao Agravo Interno no Recurso Especial nº 1923907-PR (2021/0052562-8), e manteve a decisão do Tribunal de origem, aplicando ao caso a Teoria da Perda de Uma Chance, em que uma paciente, com sintomas claros de infarto agudo do miocárdio, em razão do erro no diagnóstico médico e falhas na prestação de serviços de emergência à saúde, veio a óbito, condenando, portanto, o médico à indenização.
Nas exatas palavras descritas no acórdão, o Relator referenciou:
O Tribunal de origem aplicou a teoria da perda de uma chance por entender que essa classificação jurídica seria adequada à solução dos fatos litigiosos (...). Para a jurisprudência do STJ, o nexo de causalidade exigido para a responsabilização pela teoria da perda de uma chance decorre do vínculo entre a conduta ilícita do médico, omissiva ou comissiva, e o comprometimento real da possibilidade de um diagnóstico correto e de o paciente alçar as consequências normais que dele se poderia esperar (...). Nessas circunstâncias, demonstrado o nexo causal entre a conduta do médico e a chance de diagnóstico e de início de tratamento adequado, as conclusões da Corte de origem se encontram e em harmonia com a jurisprudência desta Corte quanto ao tema.
(STJ-PR – AgInt no REsp: 1923907 PR 2021/0052562-8 (Acórdão), Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Data de Julgamento: 20/03/2023, Terceira Turma, Data de Publicação: 23/03/2023)
Transcreve, a seguir, a ementa do acórdão:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. MORTE DA PACIENTE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. APLICAÇÃO DO DIREITO À CAUSA. ART. 10 DO CPC. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. QUALIFICAÇÃO TÉCNICA DO PERITO. NULIDADE RELATIVA. SUBMISSÃO À PRECLUSÃO. PRECEDENTES. PERDA DE UMA CHANCE. NEXO CAUSAL. RELAÇÃO ENTRE CONDUTA MÉDICA E COMPROMETIMENTO REAL DA POSSIBILIDADE DE DIAGNÓSTICO E CURA. PRECEDENTES. 1. Conforme a jurisprudência do superior tribunal de justiça, não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito. 2. A impugnação por suposta inabilitação ou deficiência de qualificação técnica do perito deve ser suscitada pela parte interessada na primeira oportunidade de manifestação processual, sob pena de preclusão. 3. Á luz da teoria da perda de uma chance, o liame causal a ser demonstrado é aquele existente entre a conduta ilícita e a chance perdida, sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o dano final. Precedente. 4. No erro médico, o nexo causal que autoriza a responsabilidade pela aplicação da teoria da perda de uma chance decorre da relação entre a conduta do médico, omissiva ou comissiva, e o comprometimento real da possibilidade de um diagnóstico e tratamento da patologia do paciente. Precedentes do STJ.
Agravo interno conhecido e desprovido.
(STJ-PR – AgInt no REsp: 1923907 PR 2021/0052562-8 (Acórdão), Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Data de Julgamento: 20/03/2023, Terceira Turma, Data de Publicação: 23/03/2023)
Depreende-se, então, que mesmo existindo grande discussão acerca do tema, muitos julgados recentes, como os expostos, recepcionaram a Teoria da Perda de Uma Chance ao erro de diagnóstico médico, incumbindo ao profissional sua responsabilidade civil acerca do prejuízo e da chance perdida para com o paciente.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A priori, ressaltou-se que a responsabilidade civil guarda significado na obrigação de reparar um prejuízo ocasionado a outrem proveniente de um ato ilícito.
Demonstrada a responsabilidade civil médica, e sua obrigação de meio, percebeu-se que o médico, em sua função, deve empregar, através de seu entendimento e zelo, todos os esforços e os meios disponíveis na tentativa de tratamento da doença acometida ao paciente, embora não se obrigue com o resultado final (cura).
Concluiu-se, assim, que a responsabilidade civil do médico é subjetiva, cuja comprovação da conduta, do dano, bem como do nexo causal entre a conduta e o dano estão atreladas a demonstração da culpa.
Em casos excepcionais, quando o evento danoso ocorreu por fatos alheios à conduta, o médico escusa-se da obrigação de indenizar.
Diante disso, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes e sejam criteriosos em suas estimativas, visando sempre garantir a segurança e a qualidade do atendimento prestado.
Detalhadamente explicitado, o erro de diagnóstico traduz-se na falha que pode comprometer todo o processo de saúde, colocando em risco a vida do paciente. Quando não identificado, pode ser um ponto de partida para um tratamento inadequado, um agravamento do quadro clínico, e até mesmo uma tragédia que era evitável.
Consecutivamente, a Teoria da Perda de Uma Chance, originária do Direito Francês, consiste em uma modalidade autônoma de indenização, cabível às hipóteses de frustração de uma possibilidade de obtenção de lucro ou vantagem, em razão de ato ilícito praticado por outro indivíduo.
A aplicabilidade da Teoria em si ao erro de diagnóstico médico, dá-se quando um exame escasso e um diagnóstico errôneo promove danos irreversíveis, tais como, a perda da chance de cura, a frustração da expectativa de uma vida melhor, ou até o óbito do paciente.
Sendo esta uma temática que envolve direitos constitucionalmente previstos, a vida e a saúde (artigos 5º e 6º da Constituição Federal), é imprescindível que as vítimas e a sociedade possuam um melhor entendimento de suas garantias na seara médica, especialmente no ato de um diagnóstico incorreto.
Portanto, esclareceu-se os limites da responsabilização e punição dos profissionais médicos quando um diagnóstico equivocado diminuiu as chances de cura ou a expectativa de vida melhor do paciente, analisando as hipóteses de aplicabilidade da Teoria da Perda de Uma Chance (sanção indenizatória) no contexto jurisprudencial.
Assim, em conclusão, na perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, objeto do presente estudo, o médico será responsabilizado não por ter causado um dano direto ao enfermo (invalidez, por exemplo), mas, por ter frustrado a chance séria e real do paciente de evitar um evento danoso (a cura da doença).
O quantum indenizatório em vista da procedência da Teoria da Perda de Uma Chance corresponderá à chance perdida, e não à vantagem esperada. A quantificação da sanção indenizatória deverá ser analisada pelo magistrado de forma específica.
Ainda que a Teoria da Perda de Uma Chance seja abarcada pelas doutrinas e jurisprudência brasileira, essa não dispõe de previsão legislativa, motivo pelo qual há uma enorme divergência na sua aplicação aos casos concretos.
Em síntese, conclui-se que a responsabilização médica visa resguardar o direito à saúde do paciente, evitando, assim, novos e futuros erros de diagnósticos, motivo pelo qual a Teoria da Perda de uma Chance vem sendo amplamente discutida e reconhecida pela jurisprudência pátria na área médica, se porventura a diagnose equivocada retirar da vítima a chance de cura de sua doença ou até mesmo sua vida.
Ante o exposto, objetivando sanar a desigualdade de julgamentos favoráveis ou desfavoráveis, é de suma importância a tipificação da Teoria em comento no ordenamento jurídico brasileiro, por um entendimento mais igualitário e justo na prática.
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Graduanda em Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Letícia Secco. Teoria da perda de uma chance: aplicabilidade do quantum indenizatório na ocorrência do erro de diagnóstico médico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2023, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61583/teoria-da-perda-de-uma-chance-aplicabilidade-do-quantum-indenizatrio-na-ocorrncia-do-erro-de-diagnstico-mdico. Acesso em: 24 nov 2024.
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