GLAUCIMARCOS FAKINE MARSOLI
(orientadora)
RESUMO: O objetivo deste estudo, tem como tema escolhido para o trabalho de conclusão de curso, “O dano moral nas relações familiares decorrentes do abandono afetivo”. A pesquisa desenvolvida, trata da responsabilidade civil nas relações familiares, principalmente no que tange ao abandono afetivo entre pais e filhos. Cabe salientar, que não somente, o estudo se perfaz acerca do dano moral no abandono afetivo, nessa celeuma também se enquadra a questão da “quantificação” que se faz necessária, uma vez, que os operadores do direito isso enquadra (Juízes, promotores, Advogados, Doutrinadores etc..), possuem dificuldades ao se debruçarem na resolução dessa problemática. Nesse contexto, o presente trabalho desenvolve questões em busca de definir eventuais lacunas ou omissões existentes na doutrina, na jurisprudência e até na própria lei, relativa à aplicação do aludido instituto. Entre as questões arguidas neste trabalho, são suscitadas as seguintes indagações: Os magistrados estão preparados para quantificar o valor do dano moral oriundo de abandono afetivo? Qual o valor atribuído à título de dano moral nas relações de família em especial no abandono afetivo havido entre pais e filhos?
PALAVRAS-CHAVE: Abandono afetivo; Danos Morais; Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: The objective of this study, has as its theme chosen for the work of conclusion of course, "The moral damage in the family relationships resulting from the affective abandonment". The research carried out deals with civil liability in family relationships, especially with regard to emotional abandonment between parents and children. It should be noted that not only is the study about the moral damage in affective abandonment, this stir also includes the question of “quantification” that is necessary, since the operators of law this fits (Judges, prosecutors, Lawyers, Indoctrinators etc..), have difficulties when dealing with the resolution of this problem. In this context, the present work develops questions in search of defining eventual gaps or omissions existing in the doctrine, in the jurisprudence and even in the law itself, relative to the application of the mentioned institute. Among the questions raised in this work, the following questions are raised: Are judges prepared to quantify the amount of moral damage arising from affective abandonment? What is the value attributed to the title of moral damage in family relationships, especially in emotional abandonment between parents and children?
Keywords: Affective abandonment; Moral Damages; Civil Responsability.
INTRODUÇÃO
O presente tema em análise é objeto de perquirição, haja vista a importância cabal nas relações de Direito de Família que se apresentam hoje em âmbito judicial, com fulcro principal, na solução de diversos litígios existentes na seara forense, o inovado tema, tem se mostrado como matéria da atualidade e de grande relevância, seja no aspecto familiar, moral, social ou até mesmo na esfera judicial.
Nesta celeuma é imperioso salientar acerca da escolha do tema. E é justificada mediante a participação da autora em estágios no decorrer do curso de Direito, em Órgãos Públicos tais como, Vara de Família e Sucessões e Procuradoria do Município.
Diante de suas atribuições foi despertada no âmbito do atendimento individualizado aos que necessitavam se socorrer do poder judiciário e notório foi seu olhar atencioso a essas novas demandas que estavam surgindo.
A luz das informações contidas, era difícil imaginar há três décadas, passadas, a possibilidade de relacionar termos como “dano moral” e “direito de Família”.
Nessa vereda, com o advento da nova Constituição da República de 1988, suscitou um novo conceito à Família e elevou a Dignidade da pessoa humana ao ápice dos direitos fundamentais, as relações familiares sofreram um fenômeno conhecido como despatrimonialização, centrando-se na pessoa de seus membros e principalmente no afeto.
Neste diapasão, surgiram demandas em relação à possíveis violações a essa tão protegida dignidade humana, inclusive na esfera afetiva. No entanto, as relações ajuizadas a título de danos morais nas relações afetivas permaneciam somente no âmbito conjugal.
Diante do tema abordado, o desenvolvimento do estudo apresenta-se em três capítulos no qual por sua natureza, fora dividido em sub tópicos a fim de elucidar o entendimento e melhor compreensão do assunto percorrido.
1. DANO MORAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES
O dano moral nas relações familiares, não está previsto no Código de Processo Civil, no livro que trata do direito de família, porém se perfaz incluso no tema da reparação civil e tem sido tratado especialmente no âmbito Judiciário.
Nesse contexto, é observado que o Tribunal, tem sido provocado para se pronunciar sobre essas pretensões almejadas, oriundos dos conflitos familiares, ora acolhendo, em outras situações rechaçando-as, sob diversos argumentos, entre eles podemos citar a impossibilidade jurídica do pedido ou até mesmo a “monetarização do afeto”.
Diante da narrativa, podemos mencionar que estes temas se tornam relevantes, não para justificar o fim da relação afetiva, mas, sim, para eventual reparação de danos morais, no que concerne aos prejuízos sofridos pelos indivíduos componentes da relação jurídica, com o fito principal de amenizar a dor sofrida, ainda que indiretamente a reparação monetária, somente repara seus efeitos.
1.1. CONCEITO DE DANO MORAL
Ao iniciar o estudo, podemos concluir que o dano moral segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves[1]:
“É o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, acarretando ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
É importante ressaltar que o dano moral está ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana[2], sendo inviolável sua intimidade, vida privada, honra e a imagem desta, sendo estes danos extrapatrimoniais que a princípio não possuem valoração pecuniária, em caso de lesão, reiterando-se que a indenização nestes casos, supõe mera compensação pecuniária e não retorno ao status “quo ante”.
1.2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Os conceitos de responsabilidade civil, embasados na doutrina podemos referir Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, estes perfazem a indagação do que seria a responsabilidade civil, relatando o seguinte verbis:
“A responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente, impondo, ao causador do dano, a consequente obrigação de indenizar a vítima.”
Neste contexto três elementos são de fundamental importância:
CONDUTA HUMANA: podendo ser comissiva ou omissiva (positiva ou negativa), própria ou de terceiros ou, mesmo, ilícita (regra geral) ou lícita (situação excepcional);
DANO: o dano é a violação de um interesse juridicamente tutelado seja de natureza patrimonial, seja de violação a um direito de personalidade;
NEXO DE CAUSALIDADE: o nexo de causalidade é a vinculação necessária entre a conduta humana e o dano. Além dos elementos básicos citados, obrigatórios para a caracterização da responsabilidade civil em qualquer de suas modalidades, não podemos esquecer do ânimo, a culpa, de caráter eventual, que é compreendida como a violação a um dever jurídico preexistente.
O código civil brasileiro, malgrado regule um grande número de casos especiais de responsabilidade objetiva (prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade), filiou-se como regra a teoria “subjetiva”. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano.
A responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva. Uma não faz substituição a outra, mas fica circunscrita aos seus justos limites, por se tratar de modelos jurídicos distintos que tratam de relações onde se verifica a existência do dever de indenizar somente em face da existência de culpa com seus pressupostos (conduta, nexo causal e dano), ou objetivamente citando (nexo e dano).
Neste contexto, inerente as relações familiares, considerando que os sujeitos envolvidos não estão exercendo qualquer atividade que implique, pela sua própria essência, risco à direito de outrem, a esmagadora maioria das situações fáticas demandará a prova do elemento “culpa”, a teor da regra geral definidora do ato ilícito, constante no Art. 186 do CC. A teoria subjetiva é aplicada em toda a sua essência nas relações familiares, neste contexto fático, de vez que depende de análise ao caso concreto, em termos de aferição de conduta omissa ou comissiva do ente parental, que mediante sua ação produziu o resultado danoso à vítima, seja na esfera conjugal ou familiar.
2. O ABANDONO AFETIVO E O DANO MORAL
Conforme demonstrado no conceito acima, se perfaz o entendimento que o dano moral, em sua compleição é diferente do abandono afetivo, mas o que seria o abandono afetivo?
Em breve noção histórica, podemos exemplificar que o surgimento do abano afetivo, teve seu início após o advento da Constituição federal da República de 1988, e especialmente, no art. 1º, III, inovando após um longo período de ditadura militar, deu novo conceito a família e erigiu à categoria de fundamento do Estado Democrático “a dignidade da pessoa humana”, porém, não só como um princípio a ser seguido, um norte, mas sim como um dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Elevando a dignidade da pessoa humana ao ápice dos direitos fundamentais.
Diante dessa narrativa é notório que as relações familiares sofreram grande alteração, centrando-se principalmente na pessoa de seus membros e no afeto.
Surgiram assim, demandas relativas a possíveis violações da mencionada “dignidade humana”, inclusive na esfera afetiva. No entanto, ações ajuizadas a título de danos morais nas relações afetivas permaneciam no âmbito conjugal. Era distante e até mesmo impensável a ideia de que pudesse ocorrer uma lide entre pais e filhos.
Cabe ressaltar que o tema por derradeiro passou a ser publicamente debatido a partir do ano de 2003, quase 15 anos após o advento da nova redação da Constituição da República Brasileira. O ensejo ocorreu na Comarca de Capão da Canoa, Estado do Rio Grande do Sul[3], quando o nobre magistrado proferiu uma sentença condenando um pai a indenizar a própria filha na quantia de duzentos salários mínimos a título de danos morais, por suposto abandono afetivo. Porém, o que seria esse tal abandono afetivo?
Em perquirição é compreendido, a existência do abandono afetivo, em hipótese, quando o genitor se esquiva do dever de prover assistência moral a seus filhos, mesmo na ocorrência de total adimplência quanto às obrigações pecuniárias no âmbito alimentar. E sendo considerada a sua ausência no cotidiano e, por conseguinte, não prestar o devido amparo afetivo durante o desenvolvimento e a formação da personalidade da criança, os tribunais passaram a admitir uma nova realidade polêmica e controvertida de responsabilização civil, a condenação de indenização a título de danos morais decorrentes de abandono familiar.
Nesse contexto é importante destacar a Constituição de 1988, que mais uma vez, rompendo com a ordem jurídica ditatorial que até então era vigente no país, estabeleceu dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Diante da narrativa entende-se que esse princípio supra mencionado, o “princípio da solidariedade” é o elo entre as pessoas que vivem em um Estado Democrático de Direito, pois nenhum homem existe sozinho, e essa referida solidariedade pressupõe coexistência, é o que faz com que todos sejam vistos de maneira igualitária, numa sociedade livre e justa[4].
2.1. O ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS
O jurista Rodrigo da Cunha Pereira[5], conforme pesquisado, fora um dos primeiros juristas a delinear deste assunto analisando o primeiro caso ao chegar em uma Corte Superior brasileira, asseverou:
“será que há alguma razão/justificativa para um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho? A ausência de prestação de uma assistência material seria até compreensível, se se tratasse de um pai totalmente desprovido de recursos. Mas deixar de dar amor e afeto a um filho... não há razão nenhuma capaz de explicar tal falta[6]”.
O referido litigio cuidou, fundamentalmente, da seguinte discussão: se o afeto se constituiria em um dever jurídico, de forma que a negativa injustificada e desarrazoada caracterizaria um ato ilícito.
O caso considerado um “leading case” no brasil, no juízo de primeiro grau o pedido fora rechaçado, mas a tese da possibilidade jurídica prevaleceu no Tribunal em questão, com o reconhecimento da condenação em reparação civil pelo abandono afetivo.
A reparação civil admitida como passível de reparação pelo gravame moral impingido ao investigante, haverá de decorrer daquela atitude. Como ascendente sujeito ao reparo moral, situa-se também aquele que, mesmo depois de apresentado laudo judicial e cientifico, de incontestável paternidade, ainda assim prossegue negando guarida ao espirito humano de seu filho investigante, que busca, o direito da declaração da sua paternidade, mas que segue seu genitor a privá-lo da identidade familiar, tão essencial e, condição de seu crescimento e desenvolvimento psíquico, estes, isentos de sobressaltos e fissuras na hígida personalidade psicológica.
O chamado abandono afetivo dos filhos pelos pais é considerado um ato ilegal. A mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente poderá impor reparação de danos, ao pai ou a mãe que deixar de prestar assistência efetiva aos filhos, seja pela convivência, seja por visitação periódica. No caso daquele que não tiver a guarda da criança ou da adolescente também ficará obrigado pelo Código Civil não só a visitá-lo e tê-lo em sua companhia, mas também a fiscalizar sua manutenção e educação.
2.2. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL NO ABANDONO AFETIVO
O direito brasileiro, sobretudo o Direito Civil, vem sofrendo transformações nos últimos anos. Os institutos jurídicos, até então apresentados, não mais atendiam os anseios da sociedade, daí o surgimento de vários novos princípios e regras que vieram para regulamentar a evolução dos tempos.
O direito de família encontra-se no ramo que mais sofreu mudanças. A família brasileira evoluiu e deixou de lado o autoritarismo, o patriarcado e o patrimonialismo, abrindo espaço para a filosofia Eudemonista na busca da felicidade. O direito das famílias, conforme já mencionado, após o advento da Constituição Federal de 1988 e da Instauração do Estado Democrático de Direito, adquiriu novos contornos e seus institutos basilares foram repaginados. A base do ordenamento jurídico passou a ser, o ser humano e sua dignidade.
A referida Carta Magna consagrou a igualdade entre homens e mulheres, entre
filhos, a pluralidade de entidades familiares é uma das grandes novidades introduzidas no Direito das Famílias foi o afeto, fator considerado preponderante na formação das entidades familiares.
Atentos a questão podemos ressaltar que o Judiciário, através de seus magistrados devem usar cautela na análise de cada caso, evitando assim que o Poder Judiciário seja usado, por magoa ou como instrumento de vingança.
Nesta seara, há de se observar somente os casos especiais, ficando cabalmente demonstrada a influência negativa do descaso do ente familiar, com rejeição pública e humilhante, justificariam o pedido de indenização por danos morais, o simples desamor e falta de afeto não bastariam.
As circunstancias acima narradas, devem ser levadas em consideração no julgamento de casos dessa natureza, especialmente para não transformar as relações familiares em vindita ou em jogo de interesses econômicos.
A natureza jurídica da reparação do dano não é absoluta, existem muitas controvérsias a respeito, porém com base na doutrina de Carlos Roberto Gonçalves[7], perfaz o entendimento sobre a reparação pecuniária do dano moral, prevalecente, afirmando que esta tem duplo caráter: “Compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor”. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido.
Neste contexto, nas demandas decorrentes de danos morais, os magistrados encontram-se na problemática acerca da inexistência de critérios uniformes e definidos para o arbitramento de um valor adequado.
Ademais, não há como recompor sentimentos, no caso especifico do abandono afetivo, não existe a possibilidade de quantificar a convivência familiar em um determinado valor, até porque, independentemente da quantia paga, a lacuna deixada pelo familiar, não será preenchida pela indenização. Por isso o dinheiro “desempenharia papel de satisfação tanto quanto possível, com o fito de amenizar o sofrido.
É sabido, que o ressarcimento do dano material, tem por finalidade colocar a vítima no estado anterior, recompondo o patrimônio afetado mediante a aplicação da fórmula “danos emergentes” – “lucros cessantes”. A reparação do dano moral objetiva apenas uma compensação, um consolo, sem mensurar a dor.
Como em todo sistema, sempre haverá uma crítica e está por sua vez, ao que tange a liquidação por arbitramento ao qual se intitula a mais adequada, está relacionada a falta de defesa eficaz contra uma estimativa que a lei submeta apenas ao critério livremente escolhido pelo juiz, porque, exorbitante ou ínfima, estará sempre em consonância com a lei, não ensejando a criação de padrões que possibilitem o efetivo controle da justiça ou injustiça.
Partindo do pressuposto a respeito da responsabilidade, esta tem como função atribuir uma sanção ao causador do dano, promover uma compensação e ainda preventiva de novos atos ilícitos da mesma natureza sejam cometidos, o dinheiro, definitivamente, não será o único método para cessar tal comportamento.
No caso específico do direito de família, poderia ser aventada como alternativa, um pedido de perdão ou até uma tentativa de composição com a reaproximação a fim de resolver a lide de forma mais eficaz. Essa alternativa, apesar de não possuir rescaldo na doutrina e na jurisprudência, poderia trazer uma solução viável, ou seja, uma forma mais coerente de solucionar os conflitos de direito de família de modo condizente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade. É claro que, se resultar infrutífera, nessa seara poderia resultar no arbitramento do “quantum” indenizatório, a fim de compensar o lesado.
Em relação ao quantum indenizatório, Caio Rogério Costa[8], citando Maria Helena Diniz, afirma que:
“Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão, e não ser equivalente, por ser impossível a equivalência”.
Independente do critério a ser utilizado, não podemos esquecer a respeito da fixação do valor pelo magistrado, o qual deverá agir com prudência, devido à ausência de critérios objetivos, se atentar a particularidade de cada caso, a fim de não ser tão exorbitante a ponto que se converta em enriquecimento ilícito, nem tão ínfimo que se torne inexpressivo.
Diante do exposto, é notório a ausência de critérios para a fixação do dano moral por abandono afetivo, uma vez, inexistente na doutrina e na jurisprudência elementos particulares para a aferição e quantificação do dano, ficando a cargo do magistrado o exame a cada caso.
3. O Posicionamento Jurisprudencial sobre o tema
O Poder Judiciário, conforme dito anteriormente, tem sido instado frequentemente, para se manifestar sobre a possibilidade de configuração da hipótese de ocorrência de danos morais, decorrentes de abandono afetivo.
O tema tem apresentado grande complexidade, gerando polemica, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Atualmente é possível identificar algumas correntes doutrinarias sobre o tema, umas com ferrenhos defensores e outras rechaçando a hipótese de configuração do dano.
Algumas correntes defendem, de maneira sintética, a impossibilidades de condenação à obrigação de reparação de danos morais com fundamento em abandono afetivo. Um de seus principais argumentos tem como base a impossibilidade de se obrigar uma pessoa a nutrir sentimentos como o afeto ou o carinho por outra.
A referida corrente defende a impossibilidade de se abarcar um espaço, que não se pode ser tutelado pelo direito, entendendo que seria inerente a esfera íntima do ser humano, de forma individual[9].
“O abandono paterno atem-se, a meu ver, à esfera moral, pois não se pode obrigar em última análise o pai a amar o filho. O laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais deficiências.”
A referida corrente afirma ser o afeto e o carinho sentimentos pessoais, e por isso, de natureza em sua essência subjetiva, razão pela qual deve ser levada em conta a liberdade de autodeterminação do pai, sob pena de caracteriza-se ingerência sobre um dos aspectos mais básicos da pessoa, o amor pelo próximo.
“Pagar pela falta de amor não faz surgir o amor, e tampouco restabelece; pagar pela falta de companhia, não tem o dom de substituir o prazer de conviver”.
Nesse sentido, entendem não estar o afeto incluído no dever de educação imposto aos pais pela Constituição, “o amor e o dever não se mistura”. Ademais, o próprio direito de família, traria a resposta de uma punição devida ao pai que abandona moralmente o seu filho, qual seja, a suspensão ou destituição do poder familiar, conforme o Código Civil. Esta consequência, seria ao critério da corrente, muito mais gravoso do que qualquer outra espécie de reparação, afastando, além disso, o risco de “monetarização” das relações existenciais.
No mesmo contexto, Leonardo Castro, aponta curiosamente consequências do reconhecimento da responsabilidade civil nessas hipóteses:
“...muitos pais, não por amor, mas por temer a justiça, passarão a exigir o direito de participar ativamente da vida do filho. Ainda que seja um mau pai, fará questão a convivência, e a mãe, zelosa, será obrigada a partilhar a guarda com alguém que claramente não possui qualquer afeto pela criança. A condição de amor compulsório poderá ser ainda pior que a ausência. Temeremos, então a figura do abandono do pai presente, visto que não é preciso estar distante fisicamente para demonstrar a falta de interesse afetivo. Caso seja constatado que a presença do pai é nociva, a mãe poderá exigir judicialmente o seu afastamento, que será forçosamente impedido de exercer a guarda do filho, abandonando-o por força da sentença. Então, nesses casos, será impossível exigir qualquer indenização pelo desprezo paterno”[10].
Nesse entendimento, a pretensão reparatória causaria ainda mais afastamento na relação paterno-filial, alcançando finalidade justamente oposta a pretendida. Seria um equívoco imaginar-se possível o estabelecimento de vínculo afetivo entre pai e filho, após condenação à obrigação de reparação dos danos morais.
Leonardo Castro, reafirma o afeto não ser decorrente do vínculo genético. Se não houver uma tentativa de aproximação de ambos os lados, a relação entre pai e filho estará predestinada ao fracasso. A relação afetuosa deve ser fruto de aproximação espontânea cultivada reciprocamente, e não de força judicial (...)
Após a lide, uma barreira instransponível os afastará ainda mais, sepultando qualquer tentativa futura de reconciliação. Se a solução fosse dinheiro, a própria pensão alimentícia atenderia o objeto da reparação, o que não ocorre.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, em caso paradigmático julgado no fim de 2005, filiou-se a esta corrente. Na hipótese, o filho alegava o abandono moral após a separação de seus pais e o nascimento de sua meia-irmã, fruto de novo relacionamento. O genitor, por sua vez, tentou justificar sua conduta em face dos impedimentos que eram impostos pela mãe do menor, bem como em razão de estar residindo no exterior.
O STJ por maioria, entretanto, utilizou-se como fundamento para a reforma da decisão do Tribunal de alçada Civil de Minas Gerais, que concedeu indenização no valor de quarenta e quatro mil reais, não a falta de culpa, mas sim a inexistência de obrigação legal de ser nutrir afeto por outrem. O judiciário não poderia obrigar alguém a manter relacionamento afetivo[11].
A outra parte da doutrina defende a ocorrência de danos morais indenizáveis, defendem a aplicação da responsabilidade civil nas hipóteses do denominado abandono moral. O fundamento principal a justificar este entendimento, seria o descumprimento por parte do pai de um dever previsto de forma expressiva na Constituição: “assistir, criar e educar os filhos menores”, tudo nos termos do Art. 229. O citado dispositivo, por tratar-se de norma constitucional, é dotado de plena efetividade, não podendo ser interpretado como mera sugestão ao particular. Cuida-se de hipótese de dever constitucional a demonstrar sua relevância que se vincula à especial condição de pessoa em desenvolvimento.
Consoante a esse entendimento, Simone Ramalho Novaes, contempla a princípio da paternidade responsável. E conclui que se o pai não tem culpa por não amar o filho, o tem por negligencia-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade por tê-lo abandonado, por não ter convivido com o filho, educá-lo, enfim, todos esses direitos impostos pela lei[12].
A jurisprudência apresenta-se de forma dividia sobre a matéria. Assim, apesar da conclusão do STJ à época no Resp. nº 757.411-MG, alguns acórdãos já reconheceram o direito a reparação por abandono moral, como no seguinte caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual o voto do Des. Werson Rêgo destaca:
“ (...) há, sim, situações em que o abandono moral e material dos pais em relação à saúde, à educação, ao bem-estar, inclusive psicológico dos filhos importam em violação, nítida de atributos das personalidades destes, mormente à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. (...) Se um pai não pode ser culpado pelo fato de não amar o filho o que, por si, já não seria natural, de outro lado, pode ser por negligenciá-lo e, a nosso sentir, insisto, tanto nos aspectos materiais, quanto nos aspectos morais. Creio, sinceramente, que um pai que não exerce adequadamente seu poder familiar, que descura de seu dever de criar e de educar seus filhos, do de tê-lo em sua companhia e guarda, do de assisti-lo, quando tenha condições para fazê-lo, deve sim, ser responsabilizado por negar aos mesmos uma formação plena como pessoa. ”
Importante esclarecer que a reparação não teria por fundamento a falta de afeto, posto que não há essa obrigação jurídica, ou seja, não há esse direito subjetivo. Amor e carinho são próprios da esfera íntima de cada ser humano, não sendo possível a ingerência do direito neste aspecto, inexistente, portanto, a obrigação de amar.[13]
O que irá fundamentar a responsabilidade seria justamente, o dever previsto constitucionalmente. A exigência jurídica não é pelo afeto, mas sim pela responsabilidade.
Nesse diapasão, a simples perda ou suspensão do poder familiar, não se mostra suficiente para coibir esse tipo de prática social, muitas vezes, em verdade, a perda do poder familiar se apresentaria, muito mais como um prêmio ao pai ausente, não representando qualquer alento ao filho.
Por conseguinte, o trabalho de pesquisa que fora realizado, observando as hipóteses em análise que constantemente são apreciadas pelo poder judiciário, demonstram, sendo comum, casos quando o filho recorre aos tribunais na tentativa de obter a reparação por abandono moral, normalmente não existe qualquer relação paterno-filial.
Deste modo, fica esvaziado o argumento de que tal pretensão afastaria ainda mais as duas pessoas, inviabilizando uma reaproximação futura. Essa preocupação não se justificaria do ponto de vista jurídico, até porque, muitas vezes, a relação paterno-filial jamais existiu.
Por fim, é entendido que a família hoje é tutelada na medida em que promove a dignidade de seus membros, e não como instituição autônoma, protegida em si mesma. O judiciário no âmbito de suas atribuições, nos casos envolvendo menores deve intervir nessas questões.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se o deslinde acerca do advento da Constituição da República de 1988, inovando após um longo período de ditadura militar, abrolhou-se um novo conceito a família surgindo a dignidade da pessoa humana não só como um princípio a ser seguido, um norte, mas sim como um dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Elevou a dignidade da pessoa humana ao ápice dos direitos fundamentais. Diante desta, as relações familiares sofreram grande alteração, concentrando-se principalmente na pessoa de seus membros e no afeto.
Neste contexto, uma série de deveres aos pais foram impostos, dentre os quais se destacam a criação, educação e assistência dos filhos. Essas condutas não podem ser consideradas meras obrigações morais, mas sim dotadas de cunho jurídico, justificando a possiblidade de reparação por abandono moral.
O estudo proporcionou o entendimento acerca do fundamento da responsabilização, sendo está não um direito subjetivo ao afeto, mas sim o descumprimento dessas normas.
É sabido que para o desenvolvimento pleno da criança, não basta a observância de obrigações de cunho meramente patrimonial, como o adimplemento de alimentos. A cultura da paternidade irresponsável deve ser substituída pela consciência da necessária participação de ambos os genitores no processo de desenvolvimento do filho, cada qual cumprindo sua função. Mesmo após a dissolução da relação conjugal.
Conforme exemplificado, a indenização aferida pelo familiar no objeto de estudo o “filho desamparado”, não ameniza os efeitos do abandono, ou seja, o período desse familiar ausente, entende-se que nem sempre o judiciário ao conceder a indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo nas relações familiares, será capaz em determinados casos, atingir sua principal função, restabelecer a paz social e o fim do conflito.
Acerca da fixação do dano, conclui-se não ser pertinente um critério objetivo, tendo em vista a complexidade de cada caso a ser perscrutado, para tal cabimento ou até arbitramento do dano moral decorrente do abandono afetivo.
Ao magistrado será imputado a tarefa em cada caso, de forma benevolente e com bom senso, fixar um “quantum” razoável e justo para a indenização.
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[1]Responsabilidade Civil, cit., p 384
[2] Art.1º, III, e 5º, V e X CFRB
[3] Trecho do noticiário STJ de dois de maio de 2012, disponível em: <http: //www.stj.jus.br/portal_stj/publicação/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto
[4] Diálogos sobre Direito Civil. Cit., p. 228
[5] A Família em Perspectiva Constitucional. Cit., p.740.
[6] Responsabilidade Civil por abandono Afetivo. Artigo 392
[7] Direito civil brasileiro, vol.04, p. 402
[8] ”COSTA, Caio Rogério apud DINIZ, Maria Helena, 2005.
[9] Diálogos sobre Direito Civil, Cit.p.,232
[10] O preço do abandono afetivo, cit., p.20
[11] AÇÃO. INDENIZAÇÃO.DANOS MORAIS.PAI.FILHO.ABANDONO AFETIVO.STJ Resp n. 757411-MGJ.2911.2005, inf.269, Rel. Min. Fernando Gonçalves
[12] Abandono Moral. Revista da EMERJ, cit., p. 44
[13] Da reparação do dano moral existencial ao filho decorrente do abandoo paterno-filial. Cit., p.76.
graduanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, LUCIANA REGINA ALVES DA. O dano moral decorrente do abandono afetivo nas relações familiares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2023, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61618/o-dano-moral-decorrente-do-abandono-afetivo-nas-relaes-familiares. Acesso em: 23 dez 2024.
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