RESUMO: No âmbito jurídico, a noção de justiça social, que incorpora princípios como equidade e inclusão, é frequentemente tratada com ambiguidade. Contudo, é patente que determinados segmentos sociais estão sujeitos a desvantagens sistemáticas em ambientes urbanos, em decorrência de desigualdades racial, de gênero e socioeconômica. Nos espaços urbanos brasileiros, tais injustiças são manifestas, conforme evidenciado por diversos indicativos de desigualdade de acesso a recursos, infraestrutura e oportunidades educacionais. Tais desequilíbrios têm sua origem tanto na estrutura econômica capitalista, orientada à maximização do lucro, quanto na valorização imobiliária, que consequentemente relega populações de menor poder aquisitivo a regiões periféricas com inadequação de serviços públicos, exacerbando sua vulnerabilidade. Esta segregação urbana é fruto de dinâmicas culturais, econômicas e processos de marginalização, sendo intensificada pela limitada acessibilidade ao sistema judiciário. No tocante à regulação urbanística, dispositivos legais como o Estatuto da Cidade e a Lei de Regularização Fundiária estabelecem mecanismos para enfrentar tais questões. Todavia, meras normativas não são suficientes. Requer-se um diálogo institucional consistente e permanente. A gestão do território urbano deve aspirar a conciliar o desenvolvimento das zonas urbanizadas à consolidação de direitos isonômicos. Uma medida imperativa é a regularização fundiária, assegurando estabilidade e acesso a serviços essenciais para comunidades que tradicionalmente habitam territórios sem reconhecimento jurídico formal. Esta iniciativa, ao consolidar direitos dominiais, propicia a integração socioeconômica. Dentro desta matriz, o "direito à cidade" se consolida como instrumento para efetivação da justiça social, visando uma urbanização inclusiva e deliberativa, opondo-se à segregação e corroborando valores democráticos.
Palavras - Chaves: Direito à cidade; justiça social, direitos fundamentais; regularização fundiária; transformações econômicas.
ABSTRACT: In the legal realm, the notion of social justice, which incorporates principles such as equity and inclusion, is often treated with ambiguity. However, it is evident that certain social segments are subject to systematic disadvantages in urban environments due to racial, gender, and socioeconomic inequalities. In Brazilian urban spaces, such injustices are manifest, as evidenced by various indicators of inequality in access to resources, infrastructure, and educational opportunities. Such imbalances have their origins both in the capitalist economic structure, oriented towards profit maximization, and in property valuation, which consequently relegates populations of lower purchasing power to peripheral regions with inadequate public services, exacerbating their vulnerability. This urban segregation is a result of cultural, economic dynamics, and marginalization processes, being intensified by limited access to the judicial system. Regarding urban regulation, legal provisions such as the City Statute and the Land Regularization Law establish mechanisms to address such issues. However, mere regulations are not enough. A consistent and ongoing institutional dialogue is required. The management of urban territory should aim to reconcile the development of urbanized areas with the consolidation of isonomic rights. An imperative measure is land regularization, ensuring stability and access to essential services for communities that traditionally inhabit territories without formal legal recognition. This initiative, by consolidating property rights, promotes socioeconomic integration. Within this framework, the "right to the city" is established as a tool for the realization of social justice, aiming at inclusive and deliberative urbanization, opposing segregation, and corroborating democratic values.
Keywords: right to the city; social justice, fundamental rights; land regularization; economic transformations.
1.INTRODUÇÃO
Falar sobre o conceito de justiça é adentrar um assunto de profundo significado para a sociedade. Trata-se de uma questão que incita reflexões universais, permeando discussões em múltiplas esferas e mantendo estreita relação com uma diversidade de contextos que moldam a existência humana. É com base nessa premissa que a indagação “determinada situação é justa?” se faz presente na mente de toda a coletividade.
A adjacência entre teoria e prática é, por excelência, a referência orientadora da elaboração e execução de políticas públicas, em especial no que tange à política urbana. Os arranjos das cidades contemporâneas apresentam disparidades significativas, e o desenvolvimento urbano tem contribuído para aumentar e intensificar muitas das discrepâncias e injustiças já presentes nestes espaços. A ideia de justiça social engloba o reconhecimento da existência dessas disparidades por parte dos atores sociais (em especial do Município-gestor), demandando sua consideração na formulação de critérios equitativos quando da análise fática.
Embora seja esse cenário uma realidade, consideráveis investimentos hipotéticos e conceituais têm sido empregados para conceber uma cidade que seja acolhedora, equitativa e imparcial para todos os cidadãos. O direito à cidade, como um direito que transcende o indivíduo, incorporado à terceira dimensão dos direitos fundamentais e protegido pela Constituição Federal, garante aos cidadãos o acesso a uma cidade sustentável, a um ambiente harmonioso e equilibrado e a um espaço que assegure dignidade pessoal.
Inserido nessa conjuntura, o princípio democrático requer a presença de indivíduos com capacidade de autodeterminação cidadã, uma vez que a realização de deliberações e seleções conscientes e responsáveis não pode ocorrer sem essa característica. Essa autonomia política, por sua vez, implica na necessidade de um nível adequado de independência financeira e proteção econômica.
Em uma nação onde a Carta Maior está abundantemente adornada com prerrogativas legais, porém essas mesmas são frequentemente ineficazes (crise das normas programáticas[1]), surge um desafio substancial para a Administração Municipal de manter um patamar de qualidade de vida que abranja todas as comunidades, fenômeno que, por conseguinte, se descola das prerrogativas estatais.
É também evidente que o direito ao espaço urbano pode ser interpretado como uma potencialidade de acesso à vida na cidade, a serviços e instalações públicas. Isso porque as pessoas procuram no sistema judiciário uma via para dirimir questões que frequentemente não possuem soluções satisfatórias. O indivíduo é digno, portanto, de ser integrado em um ambiente urbano inclusivo, ainda que por muitas vezes não seja consciente dos direitos que possui, e, quando os reconhece, muitas vezes lhe faltam meios, chances ou representatividade para reivindicá-los.
Sob a lente do conceito de direito à cidade, o direito fundamental à moradia, inserido no conjunto abrangente de direitos fundamentais, ultrapassa essa esfera específica, demandando a implementação de estratégias habitacionais e a existência de instituições cuja missão seja promover esse direito, derivando de um dever de efetivação resultante da dimensão objetiva dos direitos fundamentais.
É imperioso, também, entender a urbanização como um fenômeno de classe, em virtude da conexão estreita entre o capitalismo e a urbanização, notadamente em função da necessidade contínua de formalizar terrenos lucrativos para a produção e absorção de excedente de capital, alavancada pelas leis coercitivas da competição. Nesta moldura, exsurgem discussões relevantes acerca de conceitos disruptivos à semelhança de “gentrificação”, “déficit habitacional”, “urbanização excludente”, “arquitetura hostil”, dentre outras pautas de relevância na dinâmica da modernidade.
À luz desta conjuntura, garantir o exercício do direito à cidade também equivale a assegurar a dignidade humana, contribuindo, assim para melhorar a qualidade de vida dos residentes urbanos. Propõe-se, no presente artigo, identificar perspectivas jurídicas pertencentes a esse sistema dinâmico, bem como uma análise sobre até que ponto esse direito, constitucional e legalmente respaldado, tem se concretizado no cenário urbano brasileiro.
No que se refere à abordagem metodológica utilizada no presente trabalho, o estudo foi elaborado através de método dedutivo, mediante pesquisa bibliográfica, descritiva e documental. Foram consultados livros, periódicos, sites especializados, artigos, teses e dissertações sobre o tema, além da ampla jurisprudência dos Tribunais Superiores Brasileiros.
2.DESENVOLVIMENTO
1.1 Pertencimento aos espaços urbanos – um direito coletivo ou individual?
A expressão “direito à cidade” foi originalmente cunhada pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (1969) em 1968, ano que se destacou pelos movimentos instaurados na defesa dos direitos civis, na promoção da liberdade sexual, na oposição ao conservadorismo, na crítica à guerra no Vietnã, e em outras reivindicações de igual envergadura. Lefebvre demonstrou uma perspicaz sensibilidade às vozes e movimentos emergentes nas artérias urbanas, ao discernir que as cidades não somente haviam se transformado em arenas para a reprodução das configurações capitalistas, porém, simultaneamente, em locus propício onde a resistência poderia conceber formas de superação criativa desse paradigma.
Concebido como homenagem ao centenário da obra de Karl Marx “O capital”, o livro-manifesto “O direito à cidade” pode ser considerada um tradutor desse período de efervescência, já que faz críticas à mesma estrutura opressora amplamente questionada pelos protestos: a vida urbana regulada pelo cotidiano, despolitizada e monótona, sentida mais intensamente pela classe operária, que tem o seu tempo consumido pelo trajeto casa-trabalho, sem possibilidade de lazer, encontros e manifestações de desejos. Nas palavras de Lefebvre, “[o direito à cidade] significa o direito dos cidadãos-citadinos e dos grupos que eles constituem (sobre a base das relações sociais) de figurar sobre todas as redes e circuitos de comunicação, de informação, de trocas”. É um apelo e uma exigência que “só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada.”
No âmbito dos direitos fundamentais, destacam-se aqueles cuja titularidade repousa sobre o indivíduo em sua dimensão singular; existem ainda aqueles cuja titularidade é atribuída ao indivíduo no contexto de sua inserção no grupo social; ademais, emergem certos direitos cuja titularidade é conferida ao próprio grupo em questão. Daí deriva a tipologia da classificação dos direitos em dois eixos, a saber, os direitos individuais e os direitos coletivos. No primeiro espectro, englobam-se aqueles cuja titularidade recai sobre o indivíduo considerado em sua singularidade intrínseca ou como componente do corpo coletivo. Por sua vez, no segundo escopo, estão situados os direitos que se consagram à coletividade em si, dissociados das individualidades que a compõem.
Nesse âmbito, é crucial compreender que o direito à cidade transcende a mera busca por melhorias tangíveis, tais como infraestrutura urbana ou habitação social. Tais melhorias, a princípio, podem ser providas sem que ocorra uma alteração substancial no sistema de produção capitalista e na forma desigual pela qual o espaço urbano é criado e apropriado. Também não se confunde unicamente com políticas urbanas estatais, projetos específicos de urbanismo ou marcos legais isolados, ainda que possa exercer alguma influência sobre essas estruturas institucionais. Em sua concepção originária, o conceito excede a noção de um direito estritamente definido no âmbito jurídico, assemelhando-se mais a uma visão inspiradora que norteia movimentos sociais. Engloba, portanto, muito mais do que o mero acesso a recursos urbanos na perspectiva individual.
Nas palavras de David Harvey (2003):
“(...)“é o direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.”
São algumas as implicações de olhar para direito ao pertencimento aos espaços urbanos sob uma perspectiva simultaneamente individual e coletiva:
Aspecto Socioemocional: A conexão intrínseca com o meio urbano repercute diretamente na identidade e valorização pessoal do cidadão. A inclusão nesse ambiente motiva a coletividade a investir no espaço e zelar pelo bem comum.
Igualdade e Pluralidade: A integração no espaço urbano implica na aceitação irrestrita de toda a pluralidade demográfica da cidade, abrangendo aspectos como etnia, crença, gênero, ascendência e condição socioeconômica. Municípios genuinamente inclusivos garantem oportunidades isonômicas a todos seus residentes.
Engajamento Proativo: Integrar-se à cidade também abrange o direito à participação ativa em suas decisões. Assim, os entes públicos devem prover mecanismos de engajamento popular nos procedimentos administrativos concernentes ao desenvolvimento urbano.
Planejamento Urbano Equitativo: A configuração e estruturação dos espaços públicos têm a capacidade de influenciar a inclusão. Espaços de uso comum e infraestrutura de mobilidade adequada são vitais para estimular a coexistência e a integração – concretude da gestão democrática.
Disparidades Socioeconômicas: A destinação equânime de recursos e benefícios urbanos é imperativa. Zonas urbanas marginalizadas ou insuficiência de acesso a serviços essenciais agravam desigualdades e podem comprometer a inclusão.
Preservação Cultural: A deferência e enaltecimento das tradições e histórico locais consolidam a conexão com o espaço urbano engloba a tutela do patrimônio, reverência a tradições e incentivo a manifestações culturais representativas da heterogeneidade municipal.
Proteção e Qualidade de Vida: A segurança pública emerge como uma condição sine qua non para a efetiva inclusão. Urbes que zelam pela integridade e qualidade de vida de seus cidadãos fomentam a confiança e a sinergia comunal.
Em suma, a efetivação da inclusão em ambientes urbanos transcende a simples concepção de direitos civis e emerge como pilar para edificar metrópoles robustas, harmonizadas e viáveis. Ao enaltecer e respeitar a individualidade de cada cidadão como componente vital do tecido urbano, pavimenta-se o caminho para municípios genuinamente inclusivos.
2.2 O Direito à Cidade como um direito fundamental
Luís Roberto Barroso (2013, p. 306–311), em sua obra The Dignity of the Human Being in Contemporary Constitutional Law: the construction of a legal concept under the light of the world’s jurisprucente - Editora Forum, 2013 (baseado no artigo “Here, there, and everywhere: human dignity in contemporary law and in the transnational discourse”, desenvolvido pelo autor no período em que esteve na Universidade de Harvard como visiting scholar, no ano de 2011), analisa elementos do princípio da dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional Contemporâneo à luz da jurisprudência global. O valor intrínseco, de acordo com o autor, seria o elemento ontológico da dignidade humana, que se manifesta como direitos fundamentais à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica. Já a autonomia seria o elemento ético, a liberdade do indivíduo de auto direcionar seu percurso biográfico, manifestando-se num conjunto de direitos fundamentais: liberdades básicas (autonomia privada, liberdade dos modernos), direito à participação política (autonomia pública, liberdade dos antigos), direito fundamental social a condições mínimas de vida (mínimo existencial). O valor comunitário seria o elemento social da dignidade humana. Problematizado pelo autor, em especial, o valor comunitário apresenta-se em casos polêmicos nas discussões a respeito da dignidade humana pelo seu caráter restritivo à autonomia pessoal. Tal elemento da dignidade humana estaria presente na fundamentação de decisões judiciais controvérsias.
Uma significativa alteração paradigmática verificada no decorrer do século XX foi a elevação à norma constitucional à categoria de norma jurídica fundamental. Ultrapassa-se, portanto, o status que prevaleceu na Europa até a metade do último século, onde a Constituição era percebida majoritariamente como um instrumento político, uma exortação à intervenção dos órgãos estatais. Encara-se, portanto e atualmente, a interpretação constitucional como uma forma de interpretação jurídica, uma decorrência natural da força normativa da Constituição.
Dessa forma, o reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras, um dos símbolos do pós-positivismo, marcam a ideia de transversalidade da matéria constitucional e, por conseguinte, da fundamentalidade ali contida. Exsurge, nesse contexto, a ideia de Filtragem Constitucional. A expressão foi utilizada pela primeira vez no Brasil, com esse sentido, pelo Prof. Clèmerson Merlin Clève (1988).
Vanêsca Buzelato Prestes (2008) diz que direito à cidade no Estado Socioambiental Democrático de Direito é um conceito em construção e tem na leitura de um direito constitucional à cidade o seu nascedouro:
“(...)compõem o conceito jurídico de direito à cidade na contemporaneidade. Este conceito se expressa (a) pelo planejamento e gestão de todo o território, englobando o urbano e o rural; (c) pela compreensão de que a cidade é o todo, congregando urbanismo e meio ambiente; (c) pela identificação de um direito fundamental síntese de outros direitos fundamentais expressos no direito à moradia, à gestão democrática, à política urbana e ao meio ambiente; (d) traduz-se em direito fundamental como um todo, expressando-se como garantia, defesa e procedimento; (e) como conseqüência, decorrem direitos e deveres fundamentais e a existência de garantias contra-majoritárias para eventuais mudanças legislativas; (e) também como decorrência da caracterização como direito fundamental emerge proibição de retrocesso, nos aspectos que compõem o denominado núcleo duro, intangível, do direito. Par e passo com a identificação da dimensão constitucional do direito à cidade tem-se o reconhecimento do direito fundamental à cidade. Nem tudo que está na Constituição é direito fundamental. Há critérios dogmáticos a serem observados para a identificação de um direito fundamental.”
Considerando a conjuntura, é pertinente traçar alguns limites conceituais sobre outros direitos fundamentais estritamente relacionados à temática do presente ensaio, embora não raro sejam termos utilizados indistintamente, quais sejam, “habitação” e “moradia”.
Consoante ao disposto no artigo XXV da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, é assegurado a cada indivíduo o direito a um nível de vida adequado para garantir o bem-estar próprio e de sua prole, reconhecendo, dentre outros, o acesso à moradia como elemento fundamental para atingir tal padrão. Em paralelo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, ao evocar o referido direito preconizado na Declaração Universal, consigna, em seu artigo 11-1, a garantia à moradia. Por sua vez, o artigo 6º da Carta Magna brasileira assegura mesma proteção. Adicionalmente, o inciso IV do artigo 7º desta mesma Carta estabelece que a remuneração deve ser compatível com as necessidades de habitação do trabalhador e de sua descendência.
No Estatuto da Cidade, o direito a cidades sustentáveis é compreendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (art. 2o, inciso I). É possível afirmar, portanto, que a ideia de direito à cidade expressa na lei sintetiza, a bem da verdade, um amplo rol de direitos.
No campo doutrinário, relatórios oficiais do Ministério das Cidades frequentemente aludem a ideia de "déficit habitacional". Neste diapasão, Loreci Nolasco (2008) postula que:
“O direito à moradia consiste na posse exclusiva e, com duração razoável, de um espaço onde se tenha proteção contra a intempérie e, com resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos elementares da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. “
No âmbito jurídico, "habitação" refere-se à edificação física que serve de refúgio e ponto de referência para um indivíduo ou núcleo familiar. "Habitat", por sua vez, alude às circunstâncias e características do local onde a habitação está situada. Já "moradia" é compreendida como uma prerrogativa inerente à condição cívica, vinculada à necessidade intrínseca do ser humano de se resguardar das adversidades naturais e de ter um espaço que funcione como eixo central de sua existência social.
Na tentativa de esclarecer um pouco mais as relações entre o direito à moradia e a habitação, a analogia com o direito à alimentação parece ser útil: a materialização do direito à alimentação se dá com o alimento, com a comida. No entanto, o direito à alimentação não é o mesmo que a comida. Esta última é o objeto que permite a satisfação do direito. O mesmo se dá com o direito à moradia, que se concretiza na posse de uma habitação, seu objeto satisfativo (MEDEIROS, 2016).
Diante dos elementos apresentados, torna-se inócuo discutir a busca por um verdadeiro estado de coisas de justiça social sem conferir destaque à temática da moradia. Além de promover recursos financeiros, serviços públicos essenciais, tais como saúde, educação e lazer, a habitação se destaca como pilar fundamental para assegurar o pleno desenvolvimento das aptidões intrínsecas do indivíduo. Ademais, é imprescindível para fomentar e consolidar as liberdades concretas e a dignidade dos mais vulneráveis, conforme salienta David Harvey (2014):
“(...) a qualidade de vida urbana tornou-se uma mercadoria, assim, segundo a lógica capitalista só tem direito a moradia digna aqueles que detêm de capital para comprar determinada moradia, e resta para os miseráveis as habitações informais.”
Constata-se, todavia, flagrante transgressões a esse direito, frequentemente originadas pelo próprio aparato estatal, a exemplo de invasões e desalojamentos provenientes de ações de reintegração de posse determinadas pelo Judiciário e efetuadas pelos órgãos de polícia e segurança pública, muitas vezes mediante uso desproporcional de força. Estas ocorrências se tornaram situações corriqueiras nas metrópoles e cidades de porte médio na realidade brasileira. É imperioso destacar que a ocupação irregular é um fenômeno social fruto e também gerador de uma variedade de formas de redistribuição de renda
A urbanização, ao longo das últimas décadas, revelou-se um processo complexo e multifacetado que interage com diversos conceitos, como preço de acessibilidade, custos de proximidade, marginalização e assentamentos irregulares. Em muitas metrópoles contemporâneas, observa-se que o preço de acessibilidade, ou seja, o valor associado ao acesso a bens e serviços essenciais, vem crescendo. Nas regiões centrais, onde a concentração de serviços, comércio e empregos é mais densa, os preços dos imóveis tendem a ser elevados, refletindo a alta demanda por essa localização estratégica.
Essa realidade está profundamente ligada ao conceito de custos de proximidade. Morar perto do trabalho ou de centros de conveniência pode, de um lado, economizar no transporte e tempo, mas, por outro lado, aumenta substancialmente o custo de vida, especialmente em termos de moradia. Tal fenômeno não se manifesta apenas nos valores imobiliários, mas também em desafios ambientais, como a poluição em áreas superpovoadas.
Este cenário, marcado pela inacessibilidade econômica das regiões centrais, empurra uma parcela significativa da população para as margens da cidade e, consequentemente, das oportunidades. Esta é a essência da marginalização: comunidades e indivíduos sendo relegados a espaços urbanos periféricos, com acesso limitado a serviços de qualidade, seja por distância ou por falta de infraestrutura.
A resposta de muitas dessas pessoas marginalizadas tem sido a criação de assentamentos irregulares. Estas áreas, muitas vezes desprovidas de serviços básicos e infraestrutura adequada, surgem como um refúgio para aqueles que não conseguem suportar os altos custos das áreas mais acessíveis. Entretanto, estas soluções improvisadas, embora atendam à necessidade imediata de abrigo, frequentemente perpetuam ciclos de pobreza e exclusão.
Em síntese, a dinâmica urbana contemporânea revela um entrelaçamento intrínseco de fatores econômicos e sociais. A acessibilidade e os custos de proximidade moldam as escolhas habitacionais, que, por sua vez, podem resultar em marginalização e crescimento de assentamentos irregulares. Abordar esta problemática requer uma visão holística e estratégias que não apenas lidem com os sintomas, mas também com as causas subjacentes desses desafios urbanos.
2.3 O Direito à Cidade como Dimensão do acesso à justiça
O direito de acesso à justiça, muitas vezes referenciado como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, é fundamental para garantir que os cidadãos possam reivindicar e proteger seus direitos. Este direito, previsto em diversas normativas nacionais e tratados internacionais, não se resume apenas à existência de tribunais ou ao direito de se propor uma ação, mas também à efetiva possibilidade de se obter uma solução justa, tempestiva e eficaz para conflitos e violações de direitos.
A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º, inciso XXXV, preconiza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal previsão, embora sucinta, é dotada de profundo significado, pois reconhece o acesso à justiça como um direito fundamental, assegurando que nenhum cidadão estará alijado da possibilidade de buscar o Judiciário em defesa de seus direitos.
No cenário internacional, o direito de acesso à justiça foi consagrado em documentos como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Ambos destacam a importância de um sistema judiciário independente, imparcial e acessível para a consolidação dos direitos humanos.
Entretanto, o acesso à justiça envolve desafios intrínsecos que vão além da mera instituição de órgãos judiciais. Questões como a morosidade processual, os custos associados à judicialização, a complexidade do sistema legal e a falta de informação adequada são barreiras reais que podem impedir o cidadão de efetivamente alcançar a justiça. Nesse sentido, medidas como a promoção da justiça gratuita para os necessitados, a simplificação dos procedimentos processuais e a expansão dos métodos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, são essenciais para concretizar este direito.
Ademais, a efetivação do acesso à justiça também pressupõe uma abordagem multidimensional, compreendendo não apenas questões procedimentais, mas também a capacitação e sensibilização dos operadores do direito, investimentos em infraestrutura e tecnologia e a promoção de uma cultura de respeito aos direitos fundamentais.
Nessa conjuntura, é inegável que o Poder Judiciário enfrenta uma enxurrada de processos oriundos daqueles cientes de seus direitos e aptos a postulá-los, enquanto uma significativa parcela da população permanece alheia às suas prerrogativas legais. Em muitas sociedades contemporâneas, torna-se imperativo contar com representação jurídica para adentrar ao Judiciário e para decifrar legislações e ritos processuais crescentemente intrincados. Ademais, a assistência jurídica gratuita eficaz para cidadãos economicamente desfavorecidos não é uma realidade universal.
Dito isso, ante a garantia constitucional de acesso à justiça, incumbe ao Estado não apenas apreciar, mas também solucionar disputas submetidas à sua esfera de competência. É imperativo que demandas voltadas à efetivação de direitos fundamentais sejam prontamente atendidas, especialmente para evitar que cidadãos de menor poder aquisitivo sejam privados de tal prerrogativa.
Assim, quando direitos essenciais são violados, especialmente os pilares da igualdade e liberdade, é possível identificar uma restrição, seja ela total ou parcial, ao exercício pleno da democracia e ao acesso à justiça de qualidade. O Estado não pode se omitir e deve providenciar mecanismos eficientes de reparação aos lesados.
Nesse panorama, a pobreza emerge como um dos principais obstáculos ao acesso à justiça. Tal mazela frequentemente relega indivíduos a áreas periféricas, desprovidas de serviços básicos essenciais. Essa população, além de enfrentar barreiras físicas e geográficas, também lida com entraves jurídicos e políticos que dificultam sua inserção e reivindicação de direitos.
Quando a pobreza resulta em processos de urbanização excludente, marginalização e limitação da capacidade de autogestão, face às decisões alheias nos contextos político, social e econômico, ocorre uma clara afronta à dignidade do ser humano. Esse estado de carência não só subtrai os meios para a construção de uma identidade individual, mas também compromete o reconhecimento do indivíduo perante a sociedade e seus coletivos.
Desse modo, o pleno acesso à justiça, tanto em seu aspecto formal quanto material, ao ser assegurado e viabilizado, reforça o princípio republicano da dignidade humana, pois oferece instrumentos para a defesa e concretização de direitos individuais, notadamente aqueles atrelados ao patamar vital mínimo.
Em síntese, o direito de acesso à justiça é mais do que um mero preceito jurídico; é um pilar para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e respeitosa dos direitos humanos. A sua plena realização em harmonia com as diretrizes urbanísticas é um compromisso do Estado, mas também demanda a participação ativa da sociedade civil, dos profissionais do direito e de todas as instituições comprometidas com a promoção da justiça, manifestamente na concretização do tangível direito à cidade.
2.4 O desenvolvimento urbano sustentável na regulação do território
De acordo com o Documento Temático 11 da Conferência Habitat III referente ao Espaço Público (ONU, 2015), nas últimas três décadas, tem-se observado uma intensa mercantilização dos espaços públicos, que estão sendo progressivamente substituídos por estruturas privadas ou de acesso restrito. Esse processo de mercantilização acaba por fragmentar a sociedade, estabelecendo barreiras entre diferentes classes sociais. Em resposta ao crescimento aproximado de 30% nas taxas globais de criminalidade, presencia-se um aumento significativo no número de condomínios fechados, protegidos por muros e dispositivos de segurança avançados, em quase todas as metrópoles latino-americanas.
Na perspectiva urbanística contemporânea, a concepção e administração criteriosa de espaços públicos, que almejam a segurança e a inclusão social, manifestam-se como ferramentas primordiais no enfrentamento das crescentes desigualdades urbanas e no combate às elevadas taxas de criminalidade. Esta premissa é tão marcante no cenário global que está intrinsecamente incorporada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11, delineado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que postula "a criação de cidades e assentamentos humanos que sejam inclusivos, seguros, resilientes e ecologicamente sustentáveis”. Dentre as metas ambiciosas traçadas para 2030, uma se destaca: assegurar, de forma irrestrita, o acesso a áreas públicas verdes que sejam seguras, inclusivas e facilmente acessíveis, priorizando, neste contexto, a salvaguarda de grupos vulneráveis, tais como mulheres, infantes, cidadãos na terceira idade e indivíduos portadores de necessidades especiais.
A Constituição Federal de 1988 destinou aos Municípios a atribuição para gerir a política de desenvolvimento urbano, objetivando harmonizar o progresso das funções sociais da urbe e assegurar a qualidade de vida de seus cidadãos. Desse modo, cabe a esses entes federados assegurar uma correta organização territorial, através da regulação e supervisão do uso, divisão, atividade e apropriação do espaço urbano. Essa tarefa inclui a capacidade de limitar o direito de propriedade privada, de modo a alinhá-lo com sua função social.
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito à cidade encontra-se delineado no Estatuto da Cidade, conforme a Lei nº 10.257/2001, especificamente em seu artigo 2º, incisos I e II, os quais versam acerca do direito a espaços urbanos sustentáveis. A normativa atua no sentido de regulamentar os dispositivos relacionados à gestão urbana presentes na Carta Magna, a saber, artigos 182 e 183.
O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) enfatizou o papel central dos planos diretores como mecanismo primordial para concretizar o direito às cidades sustentáveis, introduzindo vários instrumentos jurídicos e mecanismos políticos destinados a contrapor práticas que intensificam as desigualdades urbanas, tais como o parcelamento, a edificação e a utilização obrigatórios. Entre estes instrumentos, destacam-se: o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo com desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública; o direito de preempção; o direito de superfície; a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; a transferência do direito de construir; e a operação urbana consorciada.
Até a primeira metade do século passado a propriedade era coisa absoluta, o proprietário tinha direito de usar, gozar e fruir, valorizando seu direito individual em detrimento do social. Todavia, gradativamente foi ocorrendo uma mudança nesta seara, passando a valorizar o direito da sociedade. A propriedade passou a ser protegida como direito objetivo, desta forma o possuidor poderia usar e dispor do bem, mas para a satisfação social (2009, p. 30).
Foi a Constituição de 1934 que trouxe esses direitos e garantias sociais, tratando de temas como a desapropriação em face da utilidade pública. Porém, foi efetivamente a Carta de 1937 que mudou os paradigmas da propriedade, deixando esta de ser absoluta e intocável. A Constituição de 1946, por seu turno, foi a primeira a expressar a preocupação com a função social da propriedade. Já a Lei Maior de 1969 trouxe a previsão sobre desapropriação de interesse social para fins agrários. Todavia, foi tão somente no texto constitucional atual que se expressou claramente o cerne do exercício do direito de propriedade (2009, p. 30-31).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
[...]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade
Uma das principais ferramentas para a garantia da proteção ao direito à moradia (que fora introduzida no rol da proteção social do artigo 6 da Constituição por força da emenda constitucional n° 26/2000) é o instituto da regularização fundiária, que tem como finalidade a garantia da proteção do titular do imóvel, bem como os efeitos e direitos oriundos dessa titulação. Tal mecanismo é previsto no Estatuto da Cidade, em Lei própria (Lei 13.465/2017), Lei Minha Casa Minha Vida (Lei 14.620/2023) e em outros diplomas que abordam a natureza registral da propriedade urbana.
O Brasil é um país urbano, ou seja, ao longo das últimas décadas do século XX, os movimentos migratórios do ambiente rural para o urbano, nas cidades brasileiras, foram notórios. Em 2000, 81,2% da população brasileira se encontrava em áreas urbanas, e, no mesmo período, em seis metrópoles do Brasil, viviam cerca de 50 milhões de pessoas. Duas de nossas maiores cidades têm extensão superior à de muitos países. Estão entre as maiores aglomerações do mundo. Aproximadamente 80% dos moradores de favelas estão em nove regiões metropolitanas. Apesar das dimensões desses dados, não temos, no Brasil, nenhuma política institucional para as metrópoles (2001, p. 78).
O Estatuto da Cidade apresentou uma perspectiva inovadora para a gestão urbana, priorizando a Gestão Democrática. Contudo, a participação cidadã ainda se mostra restrita e ocasionalmente desalinhada das discussões centrais de políticas urbanas. O Brasil, em sua nascente trajetória democrática, foi munido pelo Estatuto com mecanismos para incrementar o engajamento popular em temas urbanos, como a instituição de conselhos, audiências públicas e a proposta de projetos de iniciativa popular.
Os esforços em regularização fundiária, apesar de presentes, demonstram certa hesitação na sua implementação efetiva. A irregularidade fundiária, reflexo de um crescimento desordenado, desafia os preceitos da política urbana, potencializando desigualdades. A urgência reside não apenas em abordar os desafios atuais, mas também em estabelecer novas diretrizes de planejamento urbano que evitem a perpetuação de problemas e avancem na regularização fundiária.
Ainda sobre o presente tópico, é importante destacar que a função social da propriedade urbana, o direito à cidade e os processos de gentrificação são conceitos intimamente interligados no contexto do desenvolvimento urbano contemporâneo (no que tange ao fenômeno da gentrificação[2] - é um processo pelo qual bairros urbanos, tradicionalmente mais pobres ou degradados, passam por um processo de valorização. Isso geralmente ocorre através do investimento em infraestrutura, atraindo uma população de maior renda e resultando, frequentemente, no deslocamento dos moradores originais devido ao aumento dos preços dos imóveis e aluguéis).
A correlação entre estes três conceitos é evidente quando observamos o desenvolvimento de cidades modernas. Enquanto a função social da propriedade e o direito à cidade buscam uma urbanização mais equitativa e participativa, a gentrificação, quando não gerenciada adequadamente, pode contradizer estes princípios. Por exemplo, um bairro pode ser revitalizado para cumprir sua função social, com investimentos em infraestrutura e espaços públicos. Contudo, se este processo levar à gentrificação, os residentes originais podem ser forçados a se mudar, negando-lhes o direito à cidade. Em contraste, quando a função social da propriedade é aplicada levando-se em consideração o direito à cidade, os processos de revitalização podem ser realizados de forma a beneficiar tanto os residentes atuais quanto os futuros, promovendo inclusão e coesão social.
A gestão urbana eficaz deve buscar, portanto, o equilíbrio entre a revitalização de áreas urbanas e a garantia de que todos os cidadãos tenham acesso igualitário aos benefícios trazidos por essas transformações, evitando os efeitos negativos da gentrificação. Em paralelo, a regularização fundiária urbana desempenha um papel crucial no avanço da justiça social nas cidades. Ao legitimar e assegurar a posse/propriedade de terras para populações que historicamente habitam áreas informais ou irregulares, este processo não apenas confere segurança jurídica e dignidade aos moradores, mas também permite seu acesso a serviços básicos, como água, esgoto e energia elétrica. Além disso, promove a inclusão social e econômica, vez que, com a titulação, os cidadãos podem utilizar seus imóveis como garantias para empréstimos, investir em melhorias e, consequentemente, ter um melhor padrão de vida. Dessa forma, a regularização fundiária urbana representa um passo essencial na correção de desigualdades históricas e na promoção de uma cidade mais justa e inclusiva.
2.5 A relação entre a urbanização e a estrutura econômica (as revoluções urbanas como catalisadoras de transformações sociais)
Dentro do arcabouço jurídico-social, um dos marcadores proeminentes da inequidade socioeconômica refere-se à dificuldade de acesso aos instrumentos de geração de capital. A escassez de sistemas creditícios equânimes para os sujeitos e entidades destas localidades, aliada à ausência de uma estrutura educacional que capacite eficazmente os indivíduos para o mercado laboral, pode ser vista tanto como causa primária quanto reflexo da acentuada disparidade econômica no Brasil. A despeito de sua posição entre economias jurídicas mais robustas globalmente e de ostentar um rendimento médio per capita significativo, o Brasil é juridicamente caracterizado por uma desproporcional distribuição de patrimônio.
Desde a origem das aglomerações urbanas, estas se estabeleceram em regiões com produção que excedia o mínimo necessário para a subsistência de sua população. Tal dinâmica de desenvolvimento urbano sempre teve nuances classistas, visto que a administração desse excedente produtivo era, historicamente, centralizada nas mãos de uma elite, como exemplificado pela figura dos senhores feudais.
No sistema capitalista, estabeleceu-se uma inter-relação intrínseca entre a expansão do sistema econômico e os processos de urbanização. Destarte, para obter lucros, é imprescindível que se produza além dos gastos iniciais, e os retornos gerados sejam frequentemente reinvestidos com a expectativa de ampliar ainda mais os ganhos. Esta busca contínua por oportunidades lucrativas é o molde padrão, porém, não está isenta de desafios. A escassez de mão de obra e salários elevados podem demandar disciplina na força de trabalho ou a busca por novos trabalhadores, seja por meio da imigração ou investimentos no exterior. Além disso, há uma pressão constante para identificar novos recursos, frequentemente resultando em impactos ambientais. Paralelamente, a natureza intrinsecamente competitiva do capitalismo impulsiona a adoção contínua de inovações tecnológicas e organizacionais, não só moldando novas demandas e necessidades, mas também superando barreiras geográficas e temporais, abrindo novos horizontes para a exploração de mercados, recursos e força de trabalho, se utilizadas em harmonia.
O direito privado de propriedade que aparece na forma espacial da cidade (terrenos, edificações) possui valor que pode ser modificado de maneira acentuada em período bastante curto. Essas mudanças são muitas vezes resultantes de movimentos demográficos, alterações na forma, facilidades locais, políticas de investimento etc. Inegavelmente, o valor de qualquer propriedade é também afetado pelos valores dos direitos de propriedade vizinhos.
David Harvey, teórico vanguardista no estudo da geografia através da Teoria dos Sistemas, molda uma espécie de léxico próprio, em que trabalha com as ideias de rearranjo espacial (spatial fix), novo imperialismo (new imperialism) e acumulação mediante despossessão (accumulation by despossession) (SANTANA, 2013).
O rearranjo espacial implica na contínua formação e transformação de novos cenários geográficos que podem integrar novos excessos. A dinâmica desse espaço recém-formado se torna progressivamente mais intrincada com o passar do tempo. Depois de estabelecer um novo ambiente, Harvey destaca a possível emergência de coalizões regionais entre classes, embora haja alguma inconstância.
Sobre o novo imperialismo, Paulo Arantes (2004, p. 46) sintetiza a hipótese central do geógrafo: “Nada mais nada menos que reativação de formas supostamente arcaicas de exploração e de dominação, que Harvey está enfeixando sob a denominação única de acumulação por despossessão. Uma fuga para frente, na qual, como se disse, a lógica territorialista de poder volta a ser preponderante, mesmo antagonizando a normalidade aterritorial dos negócios capitalistas correntes, e seu atual paradigma financeiro, no qual se exprime o desejo do capital de não estar fixado em lugar nenhum. Quer dizer: por motivo de uma crise nada trivial, à reprodução ampliada sufocada por essa mesmíssima crise veio em socorro (por assim dizer) um regime de acumulação por "outros meios", na sua grande maioria processos marcados por toda sorte de violência.”
A perpetuação do regime capitalista está intrinsicamente vinculada aos processos de urbanização, servindo como instrumento para a classe capitalista exercer sua jurisdição não apenas sobre os mecanismos estatais, mas também sobre o modus vivendi, valores culturais e paradigmas da população. Tal jurisdição não se estabelece sem resistência, posicionando o ambiente urbano como o principal teatro de contendas jurídico-políticas, sociais e classistas.
Harvey postula que, dado que o modelo capitalista de urbanização está profundamente entrelaçado com a perpetuação do sistema capitalista, modalidades alternativas de urbanização são imperativas para os proponentes de um sistema antagônico ao capitalismo. Assim, litígios urbanos devem objetivar a reformulação desse paradigma de urbanização capitalista, e não meramente redirecionar mais ativos para tutela estatal, mas através de uma democratização radical dos aparelhos estatais.
Nesse sentido, o princípio do direito à cidade “não deve ser reduzido a um mero preceito retórico, mas ser visto como um instrumento jurídico de contestação”. Sob a ótica de Harvey, tal direito, em sua essência, é ambíguo e sua definição está sujeita a contendas jurídicas. Ainda, sua concretização demandará uma visão jurídica expandida e uma reorganização normativa divergente da concebida por Lefebvre.
Para o autor, ademais, a dinâmica capitalista, fundamentada na acumulação mediante despossessão, tem promovido a degradação do modelo urbano tradicional, priorizando o desenvolvimento irrestrito sem a devida diligência quanto às repercussões. A resposta proposta reside na edificação de um novo modelo urbano, viável apenas por meio de um movimento jurídico anticapitalista com o intuito de reformular a normatividade da vida urbana cotidiana.Parte superior do formulárioParte inferior do formulário
Harvey (2013) defende que a urbanização desempenhou um papel especialmente ativo, ao lado de fenômenos como os gastos militares, na absorção da produção excedente que os capitalistas produzem perpetuamente em sua busca por lucros. Em estudo paradigmático, o autor atravessa a linha da História das lutas sociais para demonstrar que é necessário adotar o direito à cidade como slogan e como ideal político, precisamente porque esta consciência individual e coletiva traz à lume o debate acerca do protagonismo na relação entre a urbanização e a produção do lucro. A democratização desse direito e a construção de um amplo movimento social para fazer valer a sua vontade são imperativas para que os despossuídos possam retomar o controle que por tanto tempo lhes foi negado e instituir novas formas de urbanização.
Durante o Segundo Império, em resposta à crise socioeconômica de 1848, Luís Napoleão Bonaparte estabeleceu-se no poder e, buscando uma solução jurídico-econômica, promulgou amplas reformas infraestruturais, especialmente em Paris. Sob sua diretriz, Georges-Eugène Haussmann foi incumbido de reconfigurar o desenho urbanístico da cidade, o que foi feito adotando premissas anteriormente discutidas por teóricos utópicos. O plano de Haussmann demandou uma expansão significativa das vias urbanas e a reestruturação de bairros inteiros. Juridicamente, para viabilizar tais empreendimentos, foi criado um regime financeiro baseado em títulos de dívida pública. Esse rearranjo transformou Paris em um eixo central de comércio e turismo. Entretanto, após uma década e meia, houve um colapso financeiro, resultando em alterações administrativas e políticas significativas. A subsequente instabilidade conduziu ao estabelecimento da Comuna de Paris, um movimento que, juridicamente, buscava reverter as imposições urbanísticas de Haussmann e restaurar direitos de cidadãos anteriormente desapropriados.
Já nos anos 1940, os EUA implementaram um intenso esforço bélico, mitigando provisoriamente as adversidades econômicas do período anterior. No entanto, diante da conjuntura pós-guerra, emergiram apreensões decorrentes da ascensão de correntes ideológicas com propensões socialistas. Em busca de uma estrutura jurídico-econômica adequada para a reutilização do capital, as autoridades americanas inspiraram-se nos precedentes urbanísticos estabelecidos por Haussmann em Paris, conforme evidenciado nas análises do urbanista Robert Moses, que inaugurou uma série de reformas urbanísticas em Nova York e outras metrópoles, promovendo a suburbanização e induzindo uma substancial metamorfose no modus vivendi americano, respaldada por novos instrumentos financeiros e regimes tributários. Esse paradigma, no entanto, apesar de sua eficácia inicial, enfrentou críticas acentuadas nas décadas subsequentes, em virtude de repercussões societárias. Movimentos contestatórios, a exemplo da revolta de 1968, surgiram, impulsionados tanto por controvérsias urbanísticas quanto por inconformidades sociopolíticas. A instabilidade nas instituições creditícias culminou em um declínio econômico global nos anos 70, evidenciado pela crise imobiliária de 1973 e pela insolvência jurídica de Nova York em 1975.
Até os dias atuais, o cenário econômico global já tinha enfrentado diversas instabilidades em âmbito regional antes de se deparar com uma crise de escala mundial, mostrando dificuldades em administrar excessos de capital. Nos EUA, o mercado imobiliário surgiu como uma solução após a queda do setor tecnológico nos anos 90, revitalizando a economia interna. Esta expansão nas áreas urbanas ajudou a equilibrar a economia global, mesmo com os EUA enfrentando grandes déficits e dependendo de empréstimos estrangeiros.
O processo de urbanização ganhou destaque mundialmente, especialmente na China, que focou em melhorias de infraestrutura e viu uma rápida transformação de áreas rurais em grandes cidades. Esse fenômeno de crescimento urbano, comparado a reformas históricas como as de Paris, dependeu da criação de novos sistemas financeiros. As inovações financeiras, como a venda de dívidas hipotecárias, foram essenciais para apoiar esse crescimento urbano. No entanto, sem os devidos regulamentos, isso levou à crise das hipotecas de alto risco. Essa situação impactou negativamente grupos vulneráveis nos EUA, especialmente aqueles que foram deslocados para áreas mais distantes, aumentando seus gastos com habitação e transporte.
Como observado, a tendência de urbanização resultou em alterações substanciais nas normas de convivência cívica e vice-versa, em um dialético processo vital. O bem-estar nas áreas metropolitanas foi juridicamente reconhecido como um ativo transacionável, em um cenário onde o direito do consumidor, regulamentações sobre turismo e a legislação relativa aos setores culturais e educacionais tornam-se pilares fundamentais no ordenamento urbano.
Atualmente, a sociedade mundial encontra-se em regiões urbanas segmentadas e sob potencial litígio. Ao longo das três décadas passadas, o direcionamento jurídico neoliberal consolidou a hegemonia de classes elitizadas. Nesse contexto jurídico, conceitos como autodeterminação, direitos de cidadania e a noção legal de pertença à coletividade urbana são postos em xeque. O aumento de atos ilícitos, em um cenário de privatização, ameaça a integridade e segurança dos cidadãos, culminando em demandas judiciais por intervenções de força policial. A concepção de metrópoles funcionando como entidades jurídicas coesas, propícias à emergência de movimentos sociais alinhados a princípios progressistas, parece juridicamente desafiadora. No entanto, persistem movimentos cívicos urbanos que buscam reverter esse paradigma, visando uma reestruturação urbana distinta daquela promovida por conglomerados imobiliários, entidades financeiras, grandes corporações e administrações municipais com inclinação mercantil.
Conforme leciona David Harvey (2013):
‘’A urbanização, podemos concluir, vem desempenhando um papel fundamental no reinvestimento dos lucros, a uma escala geográfica crescente, mas ao preço de criar fortes processos de destruição criativa que espoliaram as massas de qualquer direito à cidade. O planeta como canteiro de obras se choca com o “planeta das favelas”. Periodicamente isso termina em revolta. Se, como parece provável, as dificuldades aumentarem e a fase até agora bem-sucedida, neoliberal, pós-moderna e consumista do investimento na urbanização estiver no fim e uma crise mais ampla se seguir, então surge a pergunta: onde está o nosso 1968, ou, ainda mais dramaticamente, a nossa versão da Comuna de Paris? Tal como acontece com o sistema financeiro, a resposta tende a ser mais complexa porque o processo urbano hoje tem âmbito mundial.”
3.CONCLUSÃO
Buscou-se, nesse artigo, explorar pontos de vista jurídicos relacionados à dinâmica existente entre a dignidade da pessoa humana e o direito à cidade e analisar em que medida esse direito, apoiado pela Constituição e legislação, tem se materializado nas áreas urbanas do Brasil.
A noção de justiça social correlaciona-se com preceitos mais abrangentes do ordenamento jurídico e da jurisprudência, tais como equidade e inclusão. Frequentemente, tal conceito é abordado de maneira ambígua, ampla ou inespecífica no âmbito jurídico. Entretanto, é incontestável que determinadas classes sociais experimentam, de forma contínua, afrontas jurídicas em ambientes urbanos, manifestando-se sob distintas modalidades e contextos. Essas adversidades engendram desproporções significativas, seja em matéria de raça, gênero ou estrato socioeconômico. A ordenação dos espaços urbanos e a disposição de bens, serviços e infraestrutura municipal exacerbam tal problemática, visto que não garantem a universalidade de acesso conforme o princípio da isonomia.
Nas cidades brasileiras, as injustiças sociais se manifestam de forma evidente, evidenciando divisões socioeconômicas identificáveis através de uma variedade de indicadores. Estes abrangem desde a mensuração das desigualdades de acesso à renda até a disponibilidade de infraestruturas, serviços, empregabilidade e níveis educacionais da população. Para além, a democracia exige a participação de pessoas dotadas de autonomia moral, sem o que não são possíveis nem as deliberações nem as escolhas conscientes e responsáveis. Por sua vez, essa autonomia demanda um grau razoável de independência e segurança econômicas.
É também apontada pela doutrina especializada uma relação direta entre os processos de urbanização e as estruturas econômicas. Isso porque, no sistema capitalista, tal interligação é fundamental para a busca contínua de lucratividade. Esta busca, no entanto, enfrenta desafios como a necessidade de gerenciar a mão de obra, superar altos salários, e constantemente identificar novos recursos, o que pode resultar em consequências ambientais. Além disso, a competição intrínseca ao capitalismo incentiva a inovação, tanto tecnológica quanto organizacional, moldando novas demandas e possibilitando a superação de barreiras geográficas. Em paralelo, o direito à propriedade nas áreas urbanas, evidenciado em formas como terrenos e edifícios, pode ter seu valor significativamente alterado em curtos períodos, influenciado por fatores demográficos, mudanças urbanas, conveniências locais e diretrizes de investimento.
Dentro desse cenário, a alta valorização imobiliária empurra a parcela mais desfavorecida da sociedade para zonas mais remotas, frequentemente marcadas por riscos ambientais e uma deficiente oferta de serviços e infraestrutura pública. Além de se estabelecerem em condições frequentemente irregulares, essas áreas, devido à falta de recursos e serviços públicos adequados, tendem a ser mais suscetíveis a episódios de violência urbana, agravando a vulnerabilidade dos seus habitantes. Esses cenários urbanos e rurais, fragmentados em sua essência, são moldados não somente por características culturais e econômicas, mas também pelos processos de marginalização social e não concretude do direito fundamental de acesso á justiça.
Para lidar com a problemática, os instrumentos urbanísticos voltados à regulação do valor da terra, incorporados nas diretrizes do Estatuto da Cidade, Lei do Parcelamento do Solo, Lei de Regularização Fundiária, entre outras normativas, aliados à prática da boa administração pública, sinalizam possíveis estratégias e soluções. É pertinente destacar que as leis, em sua essência, são instrumentos formais que orientam e regulam o comportamento dos indivíduos e das instituições em uma sociedade. Elas são fundamentais para estabelecer padrões de conduta, direitos e deveres. No entanto, apenas a existência de leis não é suficiente para garantir mudanças efetivas e positivas em uma sociedade, especialmente quando se trata de decisões estruturais que afetam o coletivo. Para tal, é necessário um diálogo institucional robusto e contínuo.
A gestão urbana eficaz, portanto, deve almejar um equilíbrio entre a renovação de zonas urbanas e assegurar que todas as pessoas desfrutem, de forma igual, das vantagens resultantes dessas mudanças, minimizando impactos adversos das mazelas presentes nas cidades contemporâneas.
Simultaneamente, a formalização das propriedades urbanas é fundamental para promover justiça social nas metrópoles. Ao validar e garantir a posse ou propriedade para comunidades que tradicionalmente ocupam territórios não regularizados, esta ação proporciona não somente estabilidade legal e respeito aos habitantes, mas também acesso a infraestruturas básicas, como fornecimento de água, saneamento e eletricidade. Ademais, fomenta a integração social e econômica, já que, ao obterem a titularidade, os indivíduos podem usar seus bens como colaterais para financiamentos, realizar melhorias e, por consequência, elevar sua qualidade de vida. É, portanto, um meio fundamental para mitigar discrepâncias históricas e fomentar um ambiente urbano mais equitativo e integrador.
O direito à cidade pode ser visto como uma ferramenta ou estratégia específica para alcançar a justiça social no contexto urbano. Ambos buscam uma sociedade onde todos tenham acesso igualitário a oportunidades, recursos e benefícios, e onde a participação cidadã seja central na tomada de decisões que afetam o individual e o coletivo. A urbanização informal, inócua ou excludente, manifesta na rotina jurídico-social do Brasil, não deve ser simplesmente relegada ou desconsiderada no âmbito das deliberações técnicas e acadêmicas jurídicas. É essencial combater os modernos processos de expropriação urbana ancorados na segregação e no confinamento territorial. Somente através dessa luta é possível alinhar a cidade com os princípios de democracia e justiça social.
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[1] “Entretanto, é necessário ressaltar que atualmente as normas programáticas não fazem nascer direitos subjetivos públicos para os jurisdicionados, tendo apenas o efeito negativo de exigir que o Poder Público se abstenha da prática de atos que atentem contra os ditames desses programas normativos.”
[2] O termo gentrificação é a versão aportuguesada de gentrification (de gentry, “pequena nobreza”), conceito criado pela socióloga britânica Ruth Glass (1912-1990) em London: Aspects of change (1964), para descrever e analisar transformações observadas em diversos bairros operários em Londres. Desde seu surgimento, a palavra tem sido amplamente utilizada em estudos e debates sobre desigualdade e segregação urbana, assim como nos estudos sobre patrimônio, nos mais diferentes domínios: sociologia, antropologia, geografia e arquitetura, além de planejamento e gestão urbana, economia e estudos urbanos em geral.
Bacharel em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela ESA/OAB-PI. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAPTISTA, Lise de Moura Santos Pereira Ferraz. O direito à cidade como ferramenta de implementação da justiça social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2023, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62770/o-direito-cidade-como-ferramenta-de-implementao-da-justia-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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