Resumo: O objetivo do presente artigo é, a partir do caminho do crime (iter criminis), debruçar-se sobre o estudo do momento do início da execução do delito, identificando à luz das principais teorias, quando o crime considera-se consumado, tentado ou quando há apenas a prática de atos meros atos preparatórios. O tema é crucial para a responsabilização do agente, sejam eles autores ou partícipes, pois a punição, via de regra, depende do início da execução. Em seguida, analisar-se-á a posição tanto da doutrina brasileira, bem como do Superior Tribunal de Justiça a respeito da transição do atos preparatórios para os atos executórios.
Palavras-chave: Iter Criminis – Consumação – Tentativa – Atos Preparatórios – Teoria Negativa – Teoria Subjetiva - Teoria Objetivo-Hostilidade ao Bem Jurídico – Teoria Objetivo-Formal – Teoria Objetivo-Material – Teoria Objetivo-Individual
Sumário: Introdução. 1. Iter Criminis: Fase Interna e Fase Externa. 1.1. Fase interna. 1.2. Fase externa. 2. Teoria Negativa. 3. Teoria Subjetiva. 4. Teoria Objetiva. 4.1. Teoria Objetivo-Hostilidade ao Bem Jurídico. 4.2. Teoria Objetivo-Formal. 4.3. Teoria Objetivo-Material. 4.4. Teoria Objetivo-Individual. 5. Qual é a teoria adotada pela doutrina brasileira e pelo Superior Tribunal de Justiça? Conclusão. Referências Bibliográficas.
Abstract: The objective of this article is, from the path of the crime (iter criminis), to study the moment of the beginning of the execution of the crime, identifying in the light of the main theories, when the crime is considered consummated, attempted or when there is only the practice of mere preparatory acts. The theme is crucial for the accountability of the agent, whether they are authors or participants, since punishment, as a rule, depends on the beginning of the execution. Then, the position of both the Brazilian doctrine and the Superior Court of Justice regarding the transition from preparatory acts to executory acts will be analyzed.
Keywords: Iter Criminis – Consummation – Attempt – Preparatory Acts – Negative Theory – Subjective Theory - Objective-Hostility Theory to the Legal Good – Objective-Formal Theory – Objective-Material Theory – Objective-Individual Theory
INTRODUÇÃO
O momento do início da execução do crime, ou seja, a transição dos atos preparatórios para os atos executórios é fruto de intenso debate doutrinário, havendo diversas correntes que buscam delimitar o espaço temporal para a correta responsabilização do agente.
Isso se deve em razão da abertura legislativa conferida ao art. 14, inciso II, do Código Penal, que ao prever que “o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, não especificou quando se considera iniciada a execução.
Em razão da norma lacônica, podem ser elencadas ao menos 05 teorias que buscam decifrar esse espaço-temporal: (i) teoria negativa; (ii) teoria subjetiva; (iii) teoria da hostilidade ao bem jurídico; (iv) teoria objetivo-formal; (vi) teoria objetivo-material; e (vii) teoria objetivo-individual
Recentemente, o tema ganhou destaque, tendo o Superior Tribunal de Justiça, em 2021, optado pela Teoria Objetivo-formal.
Nesse cenário, o presente artigo buscará estudar cada teoria desenvolvida, e esmiuçar o caso julgado pelo Tribunal da Cidadania, tendo como escopo o aprofundamento da discussão.
1.Iter Criminis: Fase Interna e Fase Externa
O iter criminis, isto é, o caminho do crime, delito, consiste na análise das etapas percorridas pelo agente (sujeito ativo) para a prática de um fato previsto em lei como infração penal.
O iter criminis possui 02 fases: fase interna (cogitação); e fase externa (preparação, execução e consumação). O exaurimento, por sua vez, não integra o iter criminis.
1.1 Fase Interna
No que toca à 1ª fase, a cogitação, esta é sempre interna, não reverberando em atos externos. Ou seja, é o momento em que nasce a ideia do delito na mente do agente, quando ele pensa, cogita, cometer o delito.
Por assim ser, não há, a priori, qualquer possibilidade de ofensa ao bem jurídico, logo, essa fase é impunível, inexistindo crime, ainda que na forma tentada, nem sequer atos preparatórios. Para que uma conduta possa ser penalmente relevante, faz-se necessário que haja sua projeção para o mundo exterior (princípio da alteridade) (ex: direito à perversão, suicídio, o dano a coisa própria, a automutilação, entre várias outras condutas).
A cogitação se divide em 03 momentos: (i) Idealização: sujeito tem a ideia de cometer uma infração penal; (ii) Deliberação: faz uma análise das vantagens e desvantagens do seu comportamento; (iii) Resolução: decide pelo cometimento da infração penal.
1.2 Fase Externa
Ao decidir pelo cometimento do crime, passa-se para a fase externa do iter criminis, iniciando pela preparação, execução e consumação do delito.
Quanto à etapa dos atos preparatórios, essa corresponde aos atos indispensáveis à prática da infração penal, ocorre quando o agente procura criar condições prévias para a realização da conduta cogitada na fase interna (ex: aquisição de um revólver para a prática de um homicídio).
Em regra, são impuníveis, nem na forma tentada, uma vez que não se iniciou a realização do núcleo do tipo penal. Excepcionalmente, é possível a punição quando a lei optou por incriminá-los de forma autônoma, como é o caso do crime de petrechos para a falsificação da moeda (CP, art. 291) ou do art. 5º da Lei n.º 13.260/2016, que pune os meros atos preparatórios de terrorismo, ainda que não haja a prática de nenhum ato de execução.
Trata-se de opção do legislador em tutelar estes graves crimes de forma mais drástica, incorporando a 3ª Velocidade do Direito Penal, de Jesus Maria Silva Sanches, e o Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs.
De antemão, cabe fazer uma observação importante: os crimes culposos não possuem iter criminis, já que não se cogita e nem se prepara, enquanto os dolosos, como regra, sim.
Após os atos preparatórios, passa-se para a fase da execução do delito, que é aquela em que se inicia o perigo/dano/agressão ao bem jurídico, por meio da realização do núcleo do tipo penal.
Para Rogério Sanches[1], o ato de execução deve ser: (a) adequado - capaz de lesar o bem jurídico – ex: tiro de revólver para praticar um homicídio, ao contrário de um tiro de festim; e (b) inequívoco – direcionado ao ataque do bem jurídico, almejando a consumação e fornecendo certeza acerca da vontade ilícita – ex: disparo de arma de fogo na direção da vítima, e não para o alto.
O foco do trabalho está exatamente em elucidar a passagem dos atos preparatórios para os atos executórios e a consumação do delito, haja vista que a punição, via de regra, depende do início da execução. Contudo, definir esse início é uma das maiores celeumas do Direito Penal, haja vista a grande quantidade de teorias.
2.Teoria Negativa
É uma teoria casuística, pois defende não ser possível a criação de um critério prévio para distinguir atos preparatórios de atos executórios, atribuindo essa análise ao magistrado no caso concreto. Para seus adeptos, não há relevância na distinção entre as fases que compõem o iter criminis.
Por sua vez, para os críticos dessa teoria, que não é aceita pela doutrina majoritária e jurisprudência, além dos amplos poderes conferidos ao juiz, poderiam ser criminalizados até mesmos pensamentos criminosos, que não foram sequer relevados ao mundo exterior.
3.Teoria Subjetiva
Para a Teoria Subjetiva não há transição, pois o que interessa é a vontade criminosa do agente existente em quaisquer dos atos que compõem o iter criminis. Ou seja, tanto a fase de preparação como a de execução importam na punição do agente, haja vista a presença da vontade criminosa.
Qualquer manifestação, ato, que exteriorize, que deixe clara sua vontade, intenção, deve ser entendido como ato da execução. Não faz distinção entre atos preparatórios e ato de execução.
Embora também não seja aceita pela doutrina e jurisprudência, dois pontos são notáveis: (i) difere-se da teoria negativa, pois não admite a responsabilização da fase interna (cogitação) do iter criminis; (ii) não existe crime impossível, pois se há intenção, é possível a punição do agente.
3.Teoria Objetiva
Por sua vez, a teoria objetiva acerta ao delimitar no tempo que os atos executórios dependem do início da realização do núcleo do tipo penal, sendo imprescindível a exteriorização dos atos idôneos e inequívocos para a produção do resultado lesivo.
Contudo, seus adeptos divergem quanto ao conceito do núcleo do tipo penal, isto é, em que momento se inicia a realização deste, dividindo-se tal discussão dentre as teorias a seguir analisadas.
3.1 Teoria da Hostilidade ao Bem Jurídico (Max Ernst Mayer - Nelson Hungria):
Para a corrente que era defendida por Nelson Hungria, os atos executórios são aqueles que atacam o bem jurídico, criando concreta situação de perigo, enquanto os preparatórios mantém inalterado o “estado de paz”.
O problema desta teoria é considerar o início da execução a partir de comportamentos/fatos muito distantes da execução propriamente dita, sendo muito punitivista.
Vejamos como Rogério Sanches[2] ilustra, com a didática que lhe é peculiar, a teoria:
“Vamos partir de um exemplo: imaginemos que JOÃO, buscando furtar um televisor no intertor da residência de ANTONIO, posiciona-se na esquina aguardando o morador sair do imóvel para o trabalho, deixando a propriedade desvigiada. ANTONIO, como de costume, sai de casa às 8h para a labuta diária. JOÃO então pula o muro, entra na casa e subtrai o televisor”.
Para esta teoria, JOÃO já pode ser punido a partir do momento em que se posicionou na esquina, pois iniciou a execução do crime.
3.2 Teoria objetivo-formal ou lógico-formal (Franz von Liszt):
Segundo Cleber Masson, a doutrina majoritária brasileira adota esta teoria[3], que afirma que, para que haja um ato executório, exige-se a concreta realização de ao menos uma parte da conduta típica, penetrando no núcleo do tipo.
Diz-se “formal” porque parâmetro é a lei, ou seja, a prática do verbo nuclear descrito no tipo (ex: “matar” no homicídio; “subtrair” no furto).
Para seus críticos, é mais restritiva, garantista. Retomando-se o exemplo de Rogério Sanches mencionado no item anterior, apenas quando JOÃO subtrair o televisor é que se poderá puni-lo. Para o autor, enquanto a hostilidade ao bem jurídico é muito punitivista, a objetivo-formal restaria em uma intervenção estatal insuficiente para a proteção dos bens jurídicos (proporcionalidade em seu viés positivo), já que apenas puniria o agente quando já muito próximo da consumação, relevando atos anteriores importantes, tais como, no exemplo, pular o muro e ingressar na casa.
3.3 Teoria objetivo-material (Reinhart Franck):
Para essa corrente doutrinária, seriam atos executórios aqueles que iniciam a realização do núcleo do tipo penal e também os imediatamente anteriores, de acordo com a visão de um terceiro observador, alheio aos fatos.
Ainda de acordo com o exemplo de Rogério Sanches constante do item 4.1, para um terceiro observador, quando JOÃO posiciona uma escada para pular o muro já haveria o início da execução do crime de furto, já que estaria evidente a prática de um ato anterior intrinsicamente ligado a conduta típica de subtrair.
Esta teoria é adotada pelo Código Penal Português.
Portanto, difere-se da objetivo-formal, pois aqui se pune os atos imediatamente anteriores também, sob a ótica de um terceiro observador.
3.4 Teoria objetivo-individual (Hans Welzel – Zaffaroni – Pierangeli):
Por fim, segundo a teoria objetivo-individual, atos executórios são aqueles que, de acordo com o plano criminoso do agente, ocorrem no período imediatamente anterior ao começo da realização do núcleo da conduta típica. O início da execução é aquilo que o agente realiza, faz, segundo seu plano criminoso, como sendo o início da execução.
Não se preocupa com o terceiro observador, mas com a prova do plano concreto do autor. Para essa teoria, admite-se a prisão em flagrante por tentativa de homicídio, o que não ocorreria segundo a teoria objetivo-formal, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci[4]:
“ Exemplo sob a ótica das teorias: se alguém saca seu revólver, faz pontaria, pretendendo apertar o gatilho para matar outrem, somente seria ato executório o momento em que o primeiro tiro fosse disparado (sob o critério das teorias objetivo-formal e da hostilidade ao bem jurídico), tendo em vista que unicamente o disparo poderia atacar o bem jurídico (vida), retirando-o do seu estado de paz, ainda que errasse o alvo.
Para as duas últimas teorias (objetivo-material e objetivo-individual), poderia ser o agente detido no momento em que apontasse a arma, com nítida intenção de matar, antes de apertar o gatilho, pois seria o momento imediatamente anterior ao disparo, que poderia ser fatal, consumando o delito. Não se trata de punir a mera intenção do agente, pois esta estaria consubstanciada em atos claros e evidentes de seu propósito, consistindo o instante de apontar a arma um autêntico momento executório, colocando em risco o bem jurídico (vida)”.
No exemplo de Sanches, JOÃO, ao pular um muro e entrar na casa, caracteriza um ato anterior íntrinseco ao crime de furto, evidenciando seu plano criminoso.
4.Qual é a teoria adotada pela doutrina brasileira e pelo Superior Tribunal de Justiça?
Em uma análise detalhada sobre o tema, verifica-se que, em um primeiro momento, o STJ já adotou a Teoria Objetivo-Individual, além de, conforme Rogério Sanches Cunha, ser a escolhida pela doutrina moderna:
" Está é a teoria adotada pela doutrina moderna, reconhecida, inclusive, pelo STJ:
FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. Uso de barra de ferro para ingresso em residência de terceiro com ''animus forandi': Não consumação do ingresso por interferência de terceiros. Atos que se caracterizam como início de execução. Recurso conhecido e provido.
STJ- Quinta Turma- REsp 113603- Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca- DJ 28/09/1998
Note-se que, no exemplo decidido pelo tribunal, a adoção da teoria objetivo-formal conduziria à atipicidade da conduta, uma vez que, embora o ingresso no domicílio alheio tivesse por intenção o furto, o núcleo do tipo penal ainda não havia sido praticado (restaria a possibilidade de punir o agente somente pelo crime de invasão de domicílio- art. 150, CP)”
Todavia, ao que parece, em recentes decisões, há uma preferência no Superior Tribunal de Justiça pela Teoria Objetivo-Formal, conforme se apura do julgado da 6ª Turma abaixo:
“Anote-se que, embora se reconheça o prestígio da teoria objetivo-formal no Direito Penal, segundo a doutrina, qualquer teoria pode revelar contornos diferenciados quando confrontada com o caso concreto. Com esses fundamentos, a Turma concedeu parcialmente a ordem, apenas para, conforme precedentes, redimensionar a pena aplicada ao paciente”.
HC 112.639-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/8/2009, noticiado no informativo 404.
Inclusive, a mais atual decisão, da mesma 5ª Turma[5], adotou a Teoria Objetivo-Formal, senão vejamos:
“(...)
Como mencionam Zaffaroni e Pierangeli, o problema mais crítico e árduo da tentativa é a determinação da diferença entre os atos executivos e os atos preparatórios, que normalmente não são puníveis. Com razão, eles mencionam que determinar este limite é dificílimo, e, ao mesmo tempo, importantíssimo, esclarecendo que existem diversos critérios doutrinários que propõe uma solução, explicando seis diferentes, mas reconhecendo que nenhum deles é totalmente suficiente.
Apesar das dificuldades, referidos autores adotam o chamado critério objetivo-individual, sugerido por Welzel, por meio do qual a tentativa começa com a atividade do autor que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima da realização. Outra não é a posição de Paulo César Busato, para quem o tipo deve ser percebido por intermédio da ação realizada, para que se identifique concretamente a presença de uma tentativa, dizendo ser esta a orientação dominante na academia. Diz ele que o sujeito flagrado de posse de um pé de cabra, mais um saco de estopa e um papel com anotação sobre a combinação do cofre, em frente à porta recém-arrombada de uma residência, teria dado início à realização do seu plano de furto, malgrado não tenha realizado o núcleo do tipo, tampouco a ofensa patrimonial.
Seguindo outra trilha - variante do critério objetivo-individual, embora a reconhecendo como doutrinariamente minoritária, Juarez Cirino exige comportamento manifestado em execução específica do tipo, segundo o plano do autor, numa conexão ou semelhança muito grande com a teoria objetivo-formal, que exige o início da realização do núcleo da norma penal incriminadora. Assim, seriam condutas meramente preparatórias a de dirigir-se ao local da subtração patrimonial, ainda que portando armas, montar mecanismo de arrombamento no local, etc.
Não há jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores sobre a divergência, no entanto, aplica-se o mesmo raciocínio já desenvolvido pela Terceira Seção deste Tribunal (CC 56.209/MA), por meio do qual se deduz a adoção da teoria objetivo-formal para a separação entre atos preparatórios e atos de execução, exigindo-se para a configuração da tentativa que haja início da prática do núcleo do tipo penal.
No caso, o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura de portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios impuníveis, por não iniciar o núcleo do verbo subtrair, o que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado.
STJ. 5ª Turma. AREsp 974254-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 21/09/2021, noticiado no informativo 711. (grifo nosso)
Sobre a teoria objetivo-formal, e a necessidade de sua complementação para abarcar condutas anteriores intrínsecas ao verbo nuclear do tipo, alerta Cezar Roberto Bitencourt[6]:
“Há entendimento de que a teoria objetivo-formal necessita de complementação, pois, apesar de tê-la adotado e de o Código afirmar que o crime se diz tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma...”, existem atos tão próximos e quase indissociáveis do início do tipo que merecem ser tipificados, como, por exemplo, alguém que é surpreendido dentro de um apartamento, mesmo antes de ter subtraído qualquer coisa; poder-se-á imputar-lhe a tentativa de subtração? Mas pode-se afirmar que ele teria iniciado a subtração de coisa alheia? Por isso, tem-se aceito a complementação proposta por Frank, que inclui na tentativa as ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem, como parte integrante dela, segundo uma concepção natural, como é o caso do exemplo supra referido”.
Já para Guilherme de Souza Nucci[7], a teoria objetivo-formal tinha preferência no Brasil, mas, para o autor, a mais acertada seria a teoria objetivo-individual:
“ Parece-nos a teoria objetivo-individual a mais acertada. Ademais, a teoria objetivo-formal é extremamente restritiva, pretendendo punir somente atos idôneos e unívocos para atingir o resultado, desprezando os imediatamente anteriores, igualmente perigosos ao bem jurídico, o que, de certo modo, significa aguardar em demasia o percurso criminoso do agente.
De todo o exposto, no entanto, deve-se ressaltar que qualquer teoria, à luz do caso concreto, pode ganhar contornos diferenciados, pois tudo depende das provas produzidas nos autos do inquérito (antes do oferecimento da denúncia ou queixa, voltando-se à formação da convicção do órgão acusatório) ou do processo (antes da sentença, tendo por fim a formação da convicção do julgador).
Por isso, encontrar, precisamente, a passagem da preparação para a execução não é tarefa fácil, somente sendo passível de solução à vista da situação real. Confira-se caso real: “C. H. S., de 24 anos, foi o protagonista de um inusitado
caso policial. Às 23 horas de anteontem, ele foi içado pelo guincho do Corpo de Bombeiros do interior da chaminé de uma padaria em Bauru, Interior de São Paulo. Os policiais foram chamados pelos vizinhos que ouviram gritos vindos do alto da padaria. Quando chegaram, encontraram o homem preso pelo tórax. Depois de retirado pelos bombeiros, S. foi levado ao pronto-socorro, onde tratou as escoriações. (...) O homem revelou que frequentava a padaria e decidiu furtá-la, entrando pela chaminé, mas calculou mal. (...) O delegado M. G. indiciou S. por tentativa de furto...” (Jornal da Tarde , Caderno A, p. 7, 22.11.2006, grifos nossos). À luz da teoria objetivo-formal, o ato não passaria de uma preparação malsucedida. Porém, levando-se em conta a teoria objetivo-individual, o ato imediatamente anterior à subtração (ingressar no estabelecimento comercial), associado ao plano concreto do autor (afirmou querer furtar bens do local), permitiu a sua prisão por tentativa de furto”.
CONCLUSÃO
Portanto, a partir da pesquisa, pode-se concluir que não há jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, tendo as últimas decisões adotado a teoria objetivo-formal, mormente em casos referentes a crimes patrimoniais (furto e roubo).
Por sua vez, na doutrina, parece prevalecer a teoria objetivo-individual, tendo como adeptos Rogério Sanches Cunha, Guilherme de Souza Nucci e Paulo César Busato, com a qual compartilhamos, sobretudo quando diante de tentativas de homicídio, em que a iminência da prática do crime já permite a prisão em flagrante e a responsabilização criminal do agente, sob pena de tornar o bem jurídico vida mais vulnerável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte Geral. Coleção Tratado de Direito Penal volume 01. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 4ª ed. rev. ampl. atual. Salvador. Ed. JusPODIVM. 2016.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) – v. 01. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
BRASIL. Código de Penal, 1940. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 09/08/2023.
NOTAS:
[1] Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 4ª ed. rev. ampl. atual. Salvador. Ed. JusPODIVM. 2016. Pg. 345
[2] Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 4ª ed. rev. ampl. atual. Salvador. Ed. JusPODIVM. 2016. Pg.: 346.
[3] MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) – v. 01. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. Pg.: 286.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pg.: 439
[5] Disponível em https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8e5231f0eadafd174b670e838e42d97d?palavra-chave=fechadura+rompimento&criterio-pesquisa=e. Acesso em 09/08/2023.
[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte Geral. Coleção Tratado de Direito Penal volume 01. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2020. Pg.: 1187
[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pg.: 439
Advogado. Pós Graduado na Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro – AMPERJ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, Guilherme Grunfeld Zenícola. Transição dos Atos Preparatórios para os Atos Executórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2023, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62816/transio-dos-atos-preparatrios-para-os-atos-executrios. Acesso em: 22 nov 2024.
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