RICARDO ALEXANDRE GARCIA
(orientador)
RESUMO: A pesquisa versa sobre as medidas despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais, segundo a Lei n° 9.099 de 1995. O objetivo é demonstrar quais são as medidas que podem gerar a exclusão da punibilidade, devendo, para isso, cumprir alguns requisitos invisíveis a compreensão do homem médio que não dispõe de qualquer conhecimento jurídico. A constituição Federal de 1988 foi o ponto de partida para o desenvolvimento do presente trabalho, assim como a alusão ao desenvolvimento do JECRIM e os princípios elencados como essências ao seu bom funcionamento. A metodologia utilizada foi a dedutiva, com auxílio dos dispositivos legais – Lei 9.099/95 e Lei 7.244 - e da Constituição Federal de 1988. O resultado alcançado retrata os benefícios sociais gerados pelos juizados especiais, cumprindo os princípios necessários ao desenvolvimento coeso e legitimo das medidas despenalizadoras - composição de Danos Civis, transação penal, representação nos crimes de Lesão corporal leve ou Culposa e a Suspensão Condicional do processo –, todas foram especificamente analisadas . Inclusive, o atual trabalho retrata o exemplo da Lei 9.099/95 para outras áreas do direito, tendo em vista a redução de ações no poder judiciário, conduzindo uma nova possibilidade de auxilio ao Poder Judiciário.
Palavras-chave: Lei nº 9.099/95. Céleres. Contravenções Penais. Penas Máximas. Coletividade.
ABSTRACT: The research deals with the depenalizing measures of the Special Criminal Courts, according to Law n° 9.099 of 1995. The objective is to demonstrate which are the measures that can generate the exclusion of the punishability, having, for that, to fulfill some requirements invisible to the understanding of the man medium who has no legal knowledge. The 1988 Federal Constitution was the starting point for the development of this work, as well as the allusion to the development of JECRIM and the principles listed as essential to its proper functioning. The methodology used was deductive, with the aid of legal provisions - Law 9099/95 and Law 7244 - and the Federal Constitution of 1988. The result achieved portrays the social benefits generated by special courts, fulfilling the principles necessary for the cohesive and legitimate development of depenalizing measures - composition of Civil Damage, criminal transaction, representation in crimes of light or negligent bodily injury and the Conditional Suspension of the process -, all were specifically analyzed. Including, the current work portrays the example of Law 9.099/95 for other areas of law, with a view to reducing actions in the judiciary, leading to a new possibility of aid to the Judiciary.
Keywords: Trafficking in Persons. Sexual Exploration. Profit. Public Policy. Individual Freedom.
1 INTRODUÇÃO
O atual trabalho cientifico visa desenvolver especifica analise acerca dos institutos despenalizadores presentes no sistema jurídico nacional, que se dividem em composição dos danos civis, representação, transação penal e suspensão condicional do processo, ditando suas características, finalidades e os resultados benéficos.
Serão averiguadas as disposições constitucionais, infraconstitucionais e o entendimento doutrinário correlato ao tema. Esse trabalho tem como foco estimular a implantação das medidas despenalizadoras com intuito de impossibilitar o encarceramento nos crimes de pouca relevância para o sistema jurídico.
Desse modo, pretende-se analisar os juizados especiais criminais, prescritos no artigo 98, I, da Constituição Federal de 1988, destacando as medidas despenalizadoras do procedimento sumaríssimo.
Como já tratado, a criação dos Juizados Especiais Criminais tem respaldo Constitucional nos termos do artigo 98, I da Constituição Federal de 1988. Entretanto, só foram efetivamente implantados após a vigência da Lei nº 7.244 de 1984, e, posteriormente, com a Lei n° 9.099 de 1995, que trata dos chamados Juizados Especiais Criminais e Cíveis, porém, em específico, serão abordadas apenas metade desta Lei, ou seja, a parte mais conhecida como JECRIM (Juizado Especial Criminal), ante a relevância do tema.
A referida lei foi elaborada na intenção de desafogar o judiciário, uma vez que, por natureza, os processos judiciais são lentos e burocráticos, além de se tornar um custo alto para as partes, então fora criada para gerar soluções rápidas, tudo o que seriam de baixa complexidade.
É imperioso aduzir que toda sistemática da presente obra está direcionada a Lei n° 9.099 de 1995, competente para o julgamento de contravenções e crimes que a pena não ultrapasse dois anos.
Existem diferenças entre princípios e critérios interpretativos oriundos da Lei n° 9.099/95 dos Juizados Especiais Criminais, refere-se a procedimentos, pois, na seara dos Juizados Especiais Criminais, a reparação dos danos e a transação penal há procedimentos e não processo, como os princípios referem-se ao processo, o qual se inicia com a denúncia ou queixa.
Por fim, a presente obra foi desenvolvida com os seguintes elementos explicativos: desenvolvimento do JECRIM; os princípios; medidas despenalizadoras do JECRIM; composição de danos civis; transação penal; representação nos crimes de Lesão corporal leve ou culposa.
2 DESENVOLVIMENTO DO JECRIM
Os Juizados especiais, a princípio, foram criados para solucionar litígios de pequena mota na área civil, cujo valor da causa não fosse além de 20 salários mínimos, conforme a Lei n° 7.244 de 1984. Com o decurso dos anos, os respectivos “Juizados Especiais de Pequenas Causas” obtiveram valorosos resultados práticos, desafogando – em partes – o poder judiciário de inúmeras ações que não portavam características especiais e relevantes (AZEVEDO, 2020).
Grande parte da doutrina e da jurisprudência interpreta que os efeitos providos dos novos juizados especiais foram ótimos, pois estavam sendo cumpridos todos os princípios norteadores fixados pela lei - oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (AZEVEDO, 2020). As questões sociais, pacificação nacional, benefícios locais e regionais estão conexos à revitalização propiciada pela Lei n° 7.244 de 1984. O poder judiciário entendeu por conveniente, visto os resultados, expandir os juizados especiais para outras áreas do direito. A conciliação e a agilidade figuraram como pilares de sustentação da atividade jurisdicional.
Desse modo, a Lei dos Juizados Especiais foi um modelo essencial para o surgimento da nova Lei dos Juizados Especiais, Lei n° 9.099 de 1995 (GINOVER et al., 2004).
O seguinte autor interpreta os Juizados Especiais Civis do seguinte modo:
Tudo isso, inseria-se nas poderosas tendências rumo á formalização do processo – tornando-o mais simples, mais rápido, mais eficiente, mais democrático, mais próximo da sociedade – e á de formalização das controvérsias, tratando-as, sempre que possível, pelos meios alternativos que permitem evitar ou encurtar o processo, como a conciliação (GINOVER et al., 2004, p. 36).
A experiência do direito processual penal italiano (Lei n° 689/1981) hasteou bases na possibilidade de descriminalizar as condutas de pouca relevância, onde o acusado poderia ser beneficiado pela aplicação das penas alternativas e, inclusive, incorrer na extinção da punibilidade. O Código de Processo Penal português, de 1987, é outro exemplo claro da anterioridade de algumas bases manifestas pela Lei n° 9.099/95 e Lei 7.244/85 (MACHADO, 2001).
A mesma premissa foi objeto de deliberação pelo 6° Congresso das Nações Unidas, reconhecendo a necessidade de orientar a busca de meios alternativos ao cárcere, pois os índices de superlotação nos presídios mundiais, especialmente no continente Asiático e no externo oriente. Em vista disso, em 1990, foram aprovadas novas orientações alternativas ao cárcere, nomeadas de Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade ou Regra Tóquio (CAPEZ, 2013).
Observa-se que a Lei 9.099 foi desenvolvida por intermédio do artigo 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um conceito do que seriam os juizados especiais:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;[...] (BRASIL, 1988, n.p.).
Ou seja, já era possível a criação dos juizados ainda na primazia da Constituição de 1988.
Nessa linha, em 26 de setembro de 1995, foi promulgada a Lei n° 9.099, que instituiu os juizados Especiais Cíveis e Criminais, conhecida como JECRIM, fundindo as ações de natureza Cível e Criminal em um mesmo raio de solução: conciliação, processo, julgamento e execução.
Agora, com a nova lei, a competência do Juizado Especial Cível está condicionada as causas que o valor não ultrapasse 40 salários mínimos, ou ações de despejo para uso próprio, ou ações de possessórias cujo valor do bem imóvel não exceda R$ 48.480,00 reais (40 vezes o salário mínimo). Já os Criminais, por outro lado, a competência esta conexa ao julgamento de crime de menor potencial ofensivo: as contravenções penais (Lei n° 3.688/1941) e os tipos penais que a pena em abstrato não seja superior a 2 anos (BRASIL, 1995).
Mesmo diante da concreta previsão legal e constitucional dos juizados especiais, existem alguns autores que o interpretam como inconstitucional. O foco das críticas é dirigida ao instituto da transação penal, por meio de três argumentos centrais: a) o instituto propicia a aplicação da pena sem processo e sem reconhecimento de culpa descumpriria o inciso LIV do artigo 5°, CF/88, cujo texto aduz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, pois a conversão da pena de multa e da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade incorreria na privação da liberdade; b) há infração a presunção de inocência do artigo 5°, inciso LVII, CF/88; c) burla ao princípio da igualdade processual, ante o artigo 5°, caput, e inciso I (BRASIL, 1988, n.p.).
No entanto, a doutrina mais abalizada e a previsão da Constituição Federal de 1988, como anteriormente, demonstram os resultados lógicos que orientam a legitimidade dos Juizados Especiais. A própria relação entre os meios e os fins - que são cabais - condiciona a Lei 9.099 a total plausibilidade, visto, além do mais, provem benefícios práticos.
O seguinte autor observa o seguinte:
Por outro lado, a aceitação da proposta de transação, pelo autuado (necessariamente assistido pelo defensor), longe de configurar afronta ao devido processo legal, representação técnica de defesa, a qual pode consubstanciar-se em diversas atividades defensivas: a) aguardar a acusação, para exercer oportunamente o direito de defesa, em contraditório, visando a absolvição ou, de qualquer modo, a situação mais favorável do que a atingível pela transação penal; ou b) aceitar a proposta de imediata aplicação da pena, para evitar o processo e o risco de uma condenação, tudo em benefício do próprio exercício da defesa (GINOVER et al, 2004).
Em decorrência do enredo lógico, esse modelo de alternativo de aplicação da justiça visa à conciliação ou transação, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a descaracterização através da aplicação das medidas despenalizadoras que tem como fim a extinção da punibilidade.
3 PRINCÍPIOS
A Lei dos Juizados Especiais, Lei n° 9.099/95, desenvolveu alguns princípios norteadores das atividades dos juizados, como: principio da Oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade. Em suma, buscam prover reparação dos danos acometidos contra o espólio material ou moral da vítima de maneira rápida e eficiente (BRASIL, 1995).
Cumpre observar a alusão do respectivo autor acerca do objetivo dos princípios na órbita jurídica dos juizados especiais:
É, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce de, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 2007, p.771-772 apud AZEVEDO, 2007, n.p.).
O princípio da oralidade baliza as atividades promovidas pelo juizado, pois condiciona a produção dos atos pelos meios verbais, pelo juiz e pelas partes. O fundamento está assente na necessidade de agilizar a produção dos atos processuais, restringindo os atos físicos á situações especiais. Como exemplo, a conciliação é totalmente realizada verbalmente, com a presença das partes e do juiz e, somente decisão será realizada por escrito, visto a necessidade da homologação judicial. O objetivo é prover fluência do processo e evitar protelação.
O exíguo doutrinador Tourinho (2007), interpreta o referido princípio como a sobreposição do ato oral diante do escrito, facilitando e agilizando a entrega da prestação jurisdicional, provendo benefícios para o corpo social. Inclusive, desburocratizando o rito processual, ante a abusiva quantidade de documentos aderidos ao processo.
A adoção do seguinte princípio não retira a legalidade do ato, Figueira Junior, em contrapartida, adverte:
O princípio enfocado nada mais significa, do que a exigência precípua da forma oral no tratamento da causa, sem que com isso se exclua por completo a utilização da escrita, o que, aliás, é praticamente impossível, tendo em vista a imprescindibilidade na documentação de todo o processo e a conversão em termos, no mínimo, de suas fases e atos principais, sempre ao estritamente indispensável. Ademais, processo oral não é sinônimo de processo verbal (FIGUEIRA JUNIOR; LOPES, 1997. p.67).
No princípio da Informalidade (“de formalização”), condiciona a prática processual de forma mais livre, buscando não prejudicar as partes presentes na lide, como prevê o artigo 65 da Lei 9.099/95: “Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei”. Ou seja, o rito disposto visa alcançar uma solução por meio da prática de pequena quantidade de atos, sempre voltados a um resultado livre de excessivas formalidades (BRASIL, 1995).
O autor Fabbrini Mirabete analisa o princípio da seguinte forma:
Embora os atos processuais devam realizar-se conforme a lei, em obediência ao fundamental princípio do devido processo legal, deve-se combater o excessivo formalismo em que prevalece a prática de atos solenes estéreis e sem sentido sobre o objetivo maior da realização da justiça. Não se deve esquecer, porém, que não se pode, a pretexto de obediência do citado princípio, afastar regras gerais do processo quanto a atos que possam ferir interesses da defesa ou da acusação, ou causar tumulto processual, dispondo, aliás, a lei que devem ser aplicadas subsidiariamente nos Juizados as disposições do Código de Processo Penal no que não forem incompatíveis com ela (art. 92). Sem dúvida, o juiz não está isento de observar um mínimo de formalidades essenciais para a prática de determinados atos processuais [...] (1997, p. 25).
Os Princípios da Informalidade e Simplicidade seguem na mesma linha de finalidade e aplicação. Neste contexto, a Simplicidade visa reduzir os atos e termos processuais, tanto quanto for possível e necessário para tornar o processo simples e fluído, deixando as partes exporem seus objetivos até que se alcance o resultado necessário, respeitados os critérios desta Lei (FIGUEIRA JUNIOR; LOPES, 1997).
O próximo é o da Economia Processual, no qual o juizado especial deve se ater ao menor valor possível no desenvolvimento dos atos. Nesse sentido, o juiz observará a menor quantidade de dinheiro e tempo para a prática do respectivo ato. Isso ira beneficiar ao Estado, as partes e, principalmente, a sociedade. Assim, quando o juiz estiver diante de duas posições e uma delas dispor de economicidade de valor e tempo, essa deverá ser utilizada (NUCCI, 2021).
Diante disso, o seguinte autor observa que:
O princípio da economia processual informa praticamente todos os critérios aqui analisados, estando presente em todo o Juizado, desde a fase preliminar até o encerramento da causa: evita-se o inquérito; busca-se que o autor do fato e a vítima sejam desde logo encaminhados ao juizado; pretende-se que, por acordos civis ou penais, não seja formado processo; para a acusação, prescinde-se do exame de corpo de delito; as intimações devem ser feitas desde logo; o procedimento sumaríssimo resume-se a uma só audiência (NUCCI, 2021, p.95).
A diminuição do tempo e a Economia é o foco do princípio da Economia processual. Como exemplo, caso o juiz esteja diante de uma prova que necessita de análise pericial especializada e existam dois peritos de grande credibilidade na comarca, e haja divergência de valores, o juiz deve sucumbir ao menor valor. A questão da agilidade também deve ser analisada pelo magistrado.
Por último, o princípio da Celeridade é base da Lei 9.099/95, pois, como já tratado, os Juizados Especiais foram desenvolvidos para desafogar o poder judiciário de algumas ações de pequena relevância - que cumprem os requisitos já citados. As ações, quando encaminhadas ao o juizado especial, são apuradas e decididas com agilidade e praticidade (MIOLA; DOURADO, 2017).
O seguinte princípio visa “reduzir o tempo entre a prática da infração penal e a decisão judicial, para dar uma resposta mais rápida a sociedade”(PINESSO, 2013, n.p.).
Miola e Dourado (2017), que tratam o referido princípio como a necessidade de solução ágil do conflito e uma tutela judicial concreta. Os autores observam que o princípio da celeridade encaminha vistas para a concentração dos atos processuais, imediatismo da audiência de conciliação, impedimento de intervenção de terceiros e irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
O princípio da celeridade busca um andamento processual mais rápido, mas com eficiência. Nesse sentido dispõe Souza (2010 apud PINESSO, 2013) que o processo deve ser rápido, terminando o mais rápido possível, sem prejudicar a segurança das decisões. Pode visualizar esse princípio na legislação do juizado na abolição de prazos diferenciados. O autor informa ainda que a carta magna, em seu art. 5º, LXXVIII, preceitua como garantia constitucional a duração razoável do processo (PINESSO, 2013).
No entanto, não se observa, nas rotinas dos Juizados Especiais Cíveis pelo Brasil, a implementação do direito à celeridade, pois se existem longas pautas, com datas intervaladas, com predileção por peças escritas, e uma crescente demanda que dificulta um trabalho célere dos juízes e funcionários da Justiça.
4 MEDIDAS DESPENALIZADORAS DO JECRIM
Como já visto, as medidas despenalizadoras foram criadas a partir da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, com objetivo de instaurar uma nova visão ao ordenamento jurídico, garantindo o formato consensual ante a resolução dos conflitos, além de se aplicar uma justiça mais célere, mais simples e sem complicações.
A partir disso, os delitos que possuem pena máxima não superior a dois anos ou se tratando de contravenção penal, são denominados de delitos de menor potencial ofensivo, e como dispõe da referida lei, é de competência do Juizado Especial Criminal (BRASIL, 1995).
O Código de Processo Penal, no artigo 394, condiciona as infrações de menor potencial ofensivo ao Procedimento Comum Sumaríssimo, cuja competência cabe aos Juizados Especiais Criminais, diante da vaga lesividade ensejada pela conduta do agente (REIS; GONÇALVES, 2021).
A Lei dos Juizados Especiais estabelece três medidas despenalizadoras, são: composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo.
Desta feita, necessário salientar que tais medidas não podem se confundir com as penas alternativas, meios diversos ao encarceramento, limitando alguns direitos ou impondo obrigação ativa, quando a pena definida for inferior a 4 anos, decorrer da prática de crime culposo e sem violência ou grave ameaça. Estas penas são: Prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços a comunidade ou entidade pública; interdição temporária de direitos; limitação dos fins de semana (BRASIL, 1940).
Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes (1995, p. 9), acerca da diferença da tomada de providência para cada caso, pontua:
Despenalizar consiste, como vimos, em adotar processos substitutivos ou alternativos, de natureza penal ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter ilícito do fato, dificultar, evitar, substituir ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução, ou, ainda, pelo menos, sua redução. Os ‘substitutivos penais’ não se confundem com os processos despenalizadores ‘alternativos’ (penas alternativas), porque enquanto aqueles substituem uma pena de prisão já fixada (ex: penas restritivas de direito no Código Penal, estes aparecem como ‘alternativa impeditiva’ da imposição de tal pena (...). Os processos despenalizadores, por outro lado, podem ser consensuais (conciliação, transação, etc. – isso se deu agora com a Lei 9.099/95) ou não consensuais (impostos pelo juiz).
Essas medidas são fundadas a partir de um consenso, de modo que depende em parte da vontade do agente infrator e do acusador nos casos da transação penal e da suspensão condicional, e em parte da vontade da vítima ou do autor do fato quando engloba o caso da composição dos danos civis.
Frisa-se que, tais situações devem ser tratadas como exceção, haja vista sua particularidade não é regra geral. No mais, superada a breve análise das medidas despenalizadoras, adentraremos especificamente em cada instituto despenalizador.
4.1 Composição de Danos Civis
Ocorrido na fase preliminar do processo por meio da conciliação, a composição civil dos danos compreende tanto as ações privadas quanto as públicas condicionadas à representação, de modo que compreende como sujeitos do processo: a) vítima e o autor do delito quanto à reparação do dano; b) Ministério Público e autor do fato no que se refere aos aspectos criminais do delito. Ainda, buscando maior resultado da conciliação, prevê-se, além da atuação dos Magistrados, aqueles que figurarão como conciliadores (BRASIL, 1995).
Nessa linha, conforme o artigo 72 da Lei n° 9.099/95, a vítima, o autor do fato e o representante do Ministério Público deverão estar presentes na audiência de conciliação, no qual o juiz ira informá-los da possibilidade de composição dos danos e da possibilidade de aplicação da pena não privativa de liberdade. As partes podem realizar acordo posterior, mesmo não havendo aceitação do anterior (BRASIL, 1995).
Ademais, estando diante de um caso de ação penal privada, tanto a conciliação quanto a satisfação do dano, implicarão à renúncia ao direito de queixa, desde que devidamente homologado.
Igualmente, se for o caso de ação penal pública condicionada à representação, o acordo promovido e homologado gera a renúncia ao direito de representação. Nos dois casos, deve o Juiz competente, julgar extinta a punibilidade.
O Saudoso Luiz Flavio Gomes (2016, n.p.) ressalta que “a composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo cível competente”.
Todavia, caso a composição reste infrutífera, da ação pública condicionada à representação, o processo corre normalmente, assim como dispõe o art. 75 da Lei nº 9.099/95, senão vejamos:
Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em Lei. (BRASIL, 1995)
Logo, não havendo êxito, a vítima, ou seu representante, terão a legitimidade em exercer, verbalmente e, logo após, reduzir a termo, a apresentação contra o agente do delito. Nesta situação, também há a permissão do Ministério Público oferecer denúncia oral, dando início ao procedimento sumaríssimo.
4.2 Transação Penal
Acerca da transação penal, esta se refere ao acordo celebrado entre o Ministério Público e o autor do delito, em ações penais públicas incondicionadas, de modo que haja a proposta de aplicação imediata da pena restritiva de direito ou multa, ocasionando na dispensa de instauração processual, de modo que seu cumprimento implicará na extinção da punibilidade.
Pode ocorrer o indeferimento da transação pelo juiz, quando observado para a imposição, ou quando o fato não for crime, ocupando-se do RESE nestas situações excepcionais, conforme o artigo 581, I, CPP, por trata-se de decisão que não julga nem promove a absolvição, além de não decair a competência do respectivo Juizado Criminal. Exceção é visível quando ocorrer o reconhecimento da atipicidade do fato narrado no Termo de Ocorrência. O Juizado estará rejeitando a proposta de transação penal, como prevê o autor:
Reconhecemos que a aludida decisão é terminativa, no que se refere ao processo conciliatório. Não obstante, e seguindo o nosso ponto de vista sobre os atos processuais judiciais, trata-se de decisão interlocutória, para a qual, segundo nossa classificação, não é cabível o recurso de apelação. Possível seria, por analogia, a aplicação do art. 581, I, do CPP, que cuida da decisão que rejeita a denúncia ou queixa, isto é, a iniciativa da ação penal (MACHADO, 2001, p. 241).
Contudo, deve-se observar os requisitos elencados no § 2º do art. 76 da Lei nº 9.099/95, quais sejam:
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. (BRASIL, 1995)
Desse modo, quando do preenchimento dos requisitos e, após, homologado pelo juiz e cumprida pelo acusado, seu objetivo principal é alcançado, ou seja, a despenalização através de aplicação mais célere. Ao final da comprovação do cumprimento, é lançada a sentença com a consequente extinção da punibilidade.
4.3 Representação nos Crimes de Lesão Corporal Leve ou Culposa
Como visto, se diante da composição civil, em audiência preliminar, não haver meios conciliatórios, o ofendido terá a possibilidade em conceder representação oral, que será prescrita a termo. Logo, a audiência preliminar se encerrará, ante a impossibilidade da tentativa de transação penal.
No que se refere à ação penal privada e pública condicionada, estas são abrangidas pelo Código Penal ou Legislação Penal Especial, de modo que a primeira o legitimado à ação é o ofendido, e o segundo é condicionado à representação.
Além das hipóteses que tais legislações dispõem, quando nos referimos aos delitos de lesões corporais leves e culposas, dependerão, exclusivamente, de representação, ou seja, dependem da representação do ofendido (BRASIL, 1995).
No entanto, não é obrigatório que a vítima busque o exercício do direito de queixa oral ou representação, no momento da audiência de conciliação, o dispositivo legal não limita a voluntariedade de proposta de ambas no tempo legítimo de seis meses, como prevê o artigo 103 do Código Penal, não afetando o direito potestativo da vítima, caso não ocorra na audiência de preliminar, a manifestação de vontade de representar (BRASIL, 1940).
Não basta, portanto, se a ofensa está prevista no Código Penal ou em legislações excepcionais, visto que todas estarão atreladas à ocorrência do art. 88 da Lei nº 9/099/95, que assim dispõe: “Além das possibilidades do Código Penal e da legislação especial, estará de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.” (BRASIL, 1995).
A possibilidade de aplicação da Lei dos juizados especiais no contexto da justiça militar está condicionada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, positivamente, superando a súmula n° 9 do Superior Tribunal Militar que entendia descabida a aplicação da Lei 9.099 ao ambiente da justiça militar. No entanto, com a promulgação da Lei 9.839 de 1999 tudo mudou. A atual jurisprudência não mais aquiesce a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 no contexto da justiça militar (PINHEIRO, 2013).
4.4 Suspensão Condicional do Processo
Em relação à medida de suspensão condicional do processo, tem-se que só é aplicável aos crimes com pena igual ou menor a um ano, de modo que, o Ministério Público, ao proceder o oferecimento da denúncia, poderá conceder tal medida, desde que o autor se enquadre nos requisitos legais.
A suspensão prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95 não guarda nenhuma relação com a suspensão condicional da pena (sursis), praticado quando o juiz condena o acusado poderá sessar a execução da pena (PINHEIRO, 2013).
Por outro lado, a suspensão condicional do processo decorre na suspensão do processo (ab initio), ainda no oferecimento da denúncia pelo Ministério Publico. A validade está condicionada a aceitação do acusado, ficando o processo paralisado até o cumprimento das condições negociadas. Posteriormente, cumprida as determinações, extingue-se a punibilidade, desfazendo a pretensão punitiva exposta na denúncia (BRASIL, 1995).
A suspensão processual prevista na Lei 9.099/95 possui dupla face: processual e penal. Quando ocorrer a extinção da punibilidade, ante o cumprimento das condições elencadas no período de provas, sem analisar a culpabilidade, consiste em período cuja natureza jurídica é majoritariamente penal. Os demais períodos impera a natureza processual. Desse modo, a suspensão condicional do processo é mista.
Seus requisitos de admissibilidade são: a) inexistência de processo em curso; b) inexistência de condenação anterior por crime e; c) presença dos demais requisitos do artigo, 77 do Código Penal, quais sejam: a) condenado não seja reincidente em crime doloso; b) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como motivos e as circunstâncias, autorizem a concessão do benefício (BRASIL, 1940).
Seu objetivo parte de se evitar a estigmatização derivada do próprio processo que, consequentemente, acaba evitando também a estigmatização resultante na sentença condenatória.
5 CONCLUSÃO
Como se viu, com o surgimento dos Juizados Especiais Criminais, foram desenvolvidas as medidas despenalizadoras, que em razão de sua celeridade na aplicação, foi considerada um modelo eficiente na aplicação das penas.
Para sua aplicação, é importante que haja constância em seu modo de adequação, tendo em vista a crescente evolução da sociedade, ainda mais quando se menciona sobre a ocorrência de delitos de menor potencial ofensivo, uma vez que todos estão suscetíveis a ter algum tipo de contato, figurando como autor ou vítima.
A Lei 9.099 de 1995 deve ser exemplo para as demais áreas do direito, tendo em vista os benefícios práticos alcançados pelo respectivo instituto. Os princípios basilares afeitos a lei também são importantes para a manutenção do objetivo dos juizados especiais.
A sociedade deve ter conhecimento acerca das medidas despenalizadoras afeitas a crimes sem grande relevância no aspecto social.
Diante disso, criaram o chamado “Fórum Nacional de Juizados Especiais” (FONAJE), integrado por coordenadores e membros dos Juizados Especiais. Periodicamente, eles se encontram para discutir sobre os principais temas ocorridos, visando alinharem entendimentos e atos que dizem respeito aos procedimentos processuais, de modo que resulte em harmonia na aplicação.
Logo, tem-se que a supracitada lei precisa, urgentemente, de ser compreendida, de modo que não haja discussões quanto sua aplicação. A vontade política de governantes, administradores, juristas e operadores do direito, é se suma importância a fim de que não a torne inútil, haja vista sua importância.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Felipe Paulino. Depenalizing Measures of Special Criminal Courts and FONAJE Aid. 2020. 35 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Pitágoras, Linhares, 2020.
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graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Jaqueline de Lira. As medidas despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63165/as-medidas-despenalizadoras-dos-juizados-especiais-criminais. Acesso em: 23 dez 2024.
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