RESUMO: O que se pretende nas linhas que se seguem é fazer uma análise da jurisprudência firmada na Suprema Corte tendo como ponto de partida o voto do Min. Rel. Carlos Ayres Britto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 3.510/DF) em que por maioria se consolidou as bases doutrinário-jurisprudências à luz do sistema normativo em vigor que poderiam servir de fundamento para que o Poder Judiciário brasileiro enfrente a problemática do aborto que já há bastante tempo “bate à porta” da Corte Constitucional do Brasil face a ausência de discussão da matéria de forma mais aprofundada na arena própria que é o Congresso Nacional. É a partir do reconhecimento da constitucionalidade do art. 5º da Lei Federal nº. 11.105, de 24 de março de 2005, comumente chamada “Lei de Biossegurança, em que se autorizou as pesquisas com células-tronco originárias de embriões humanos para fins terapêuticos, a partir da técnica da fertilização in vitro (reprodução de embriões humanos em laboratório), que se pretende discorrer sobre o grau de proteção que a ordem jurídica brasileira empresta ao embrião humano e quais as perspectivas de a declaração de constitucionalidade de utilização de embriões humanos - agora com finalidade diversa da pró-criatória – influir no entendimento da Corte sobre os caminhos que a sua jurisprudência tomará para o enfrentamento desse tema tão controverso que envolve o aborto voluntário. No que tange ao referencial metodológico a pesquisa foi de base bibliográfica e documental e parte de um critério indutivo com vistas a uma das possíveis soluções para o problema proposto. É a partir das bases fixadas nesse importante julgado que se pretende defender a possibilidade de se vislumbrar o reconhecimento implícito - daí a expressão aborto virtual -, ou ao menos, possíveis caminhos que ampliem a autonomia feminina no que se refere a incluir o abortamento voluntário como um direito da mulher pela ordem jurídica interna.
Palavras-chave: Embrião humano. Vida. Doutrina; Jurisprudência. Aborto e nova regulamentação.
ABSTRACT: What is intended in the following lines is to make an analysis of the jurisprudence established in the Supreme Court, taking as a starting point the vote of Minister Rel. Carlos Ayres Britto given in the Direct Action of Unconstitutionality (ADI nº 3.510/DF) in which by majority consolidated the doctrinal-jurisprudential bases in the light of the normative system in force that could serve as a basis for the Brazilian Judiciary to face the problem of abortion that has been knocking on the door of the Constitutional Court of Brazil for a long time in the face of the absence of discussion of the matter in more depth in the proper arena that is the National Congress. It is from the recognition of the constitutionality of art. 5th of Federal Law no. 11,105, of March 24, 2005, commonly called “Biosafety Law, which authorized research with stem cells originating from human embryos for therapeutic purposes, using the technique of in vitro fertilization (reproduction of human embryos in the laboratory) , which aims to discuss the degree of protection that the Brazilian legal order provides to the human embryo and what are the prospects for the declaration of constitutionality of the use of human embryos - now with a purpose other than pro-creation - influencing the Court's understanding of the paths that its jurisprudence will take to confront this controversial issue involving voluntary abortion. Regarding the methodological framework, the research was bibliographic and documentary based and based on an inductive criterion with a view to one of the possible solutions to the proposed problem. It is from the bases established in this important judgment that we intend to defend the possibility of envisioning implicit recognition - hence the expression virtual abortion -, or at least, possible paths that expand female autonomy with regard to including voluntary abortion as a a woman's right under the domestic legal order.
Keywords: Human embryo. Life. Doctrine; Jurisprudence. Abortion and new regulation.
1.INTRODUÇÃO
Com o propósito de contextualizar a temática do aborto que há anos vem sendo judicializada, com especial protagonismo da Suprema Corte do Brasil, colaciona-se à discussão que se está a iniciar a constatação de que dentre as causas que acarretam a morte materna, aqueles óbitos em que as mulheres se encontram na faixa etária entre 10 e 49 anos, e no espaço de tempo compreendido entre a gestação e o estado puerperal, entende-se que o aborto possui significativa importância na medida em que leva a óbito número expressivo de mulheres em idade reprodutiva e em plenas condições laborais (CARDOSO; VIEIRA; SARACENI, 2020). No Brasil pode-se dizer que o aborto tem contornos de um problema de saúde pública em função de sua reiteração e abrangência constatadas nas diversas regiões do país (CARDOSO; VIEIRA; SARACENI, 2020).
Nesse sentido ganha relevo a presente discussão e merece ser debatida no meio acadêmico como forma de se buscar soluções que atendam aos interesses de todos os atores envolvidos na temática do aborto. Na presente pesquisa não só se optou por analisar a jurisprudência acima destacado – que versa sobre pesquisas científicas com células-tronco de embriões humanos, decorrentes do procedimento de fertilização in vitro, como também contextualizar o fato social aborto numa perspectiva da ideia de dignidade da pessoa humana como um valor da vida em comunidade que foi alçado ao nível de positivação na Carta Magna do Brasil.
É nesse contexto que se pretende trazer a discussão até onde vai autonomia da vontade feminina de se autodeterminar num aspecto ímpar de sua vida como é o exercício do direito ao planejamento familiar responsável[1] - direito fundamental -, em que se poderia vislumbrar não só o direito a levar uma gestação a termo, o direito de não gerar filhos, mas também o de interromper uma gestação por exclusiva vontade da mulher - numa interpretação extensiva do texto constitucional -, sem que se perca de vista a proteção de direitos do nascituro que tem amparo infraconstitucional de forma explícita.
Essas são as balizas em que se pretende discutir o fato social aborto com o simples propósito de contribuir com o debate sobre tema tão controvertido no cenário jurídico e social brasileiros em que os Poderes Constituídos ainda não se posicionaram sobre uma nova regulamentação do aborto com vistas a ampliar e reconhecer novos direitos ao gênero feminino como o é uma ampliação de sua autonomia no seu pretenso direito de se interromper voluntariamente uma gestação.[2]
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No cenário sul-americano tem-se que o Brasil se situa no grupo de países em que a legislação sobre o aborto sofre críticas no sentido de que ainda interfere de forma significativa na autonomia feminina de maneira que sua flexibilização, a exemplo do que já acontece nos países vizinhos, como Argentina e o Uruguai, permitiria não só uma maior autonomia sobre a capacidade reprodutiva da mulher como também resolveria um problema de saúde pública que tem como principais vítimas as mulheres de classes sociais mais vulneráveis social e economicamente (BRASIL, 2018).
Os marcos teóricos que serão “fincados” nos parágrafos que se seguem têm o propósito de estabelecer o objeto da pesquisa como acima delineado, isto é, analisar as possíveis bases em que se legitimaria o aborto voluntário no Brasil tendo como referência a jurisprudência supra destacada que discute a utilização de embriões humanos oriundos de um processo de reprodução assistida com finalidades de pesquisa e terapêutica, portanto, com fins diversos do estritamente pro-criatório da pessoa humana. Com a presente investigação pretende-se analisar se existe naquele julgado bases doutrinária e jurisprudencial a partir do prisma constitucional que sinalizem - ao menos – possíveis caminhos para discussões futuras sobre uma nova regulamentação do aborto com vistas a ampliação das possibilidades de interrupção voluntária da gestação, ainda que sob certas condições, fundado exclusivamente na autonomia da vontade feminina. Vale dizer, investigar se naquela ação constitucional há fundamentos jurídicos que melhor equilibrem a “balança” entre interesses do embrião e do feto humanos e aqueles relacionados ao direito da mulher de interrupção voluntária da gestação como forma de reconhecer e ampliar sua autonomia no que se refere ao seu próprio corpo reivindicado há décadas pelo movimento feminista.
2.1 A RELATIVIZAÇÃO DO VALOR DO EMBRIÃO HUMANO A PARTIR DE UMA ANÁLISE DO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO NA SUA MISSÃO PRIMÁRIA DE PROTEÇÃO A VIDA
Nesse sentido destaque-se de início o permissivo legal contido do art. 5º da Lei Federal nº. 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança) que fora submetido ao crivo do Supremo na ADI nº 3.510/DF de Relatoria do Min. Carlos Ayres Britto que assim reza:
Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento; . § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997’ (‘Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa’) (BRASIL, 2005,
p. 1, grifo nosso).
Tecendo o comentário inicial em seu voto sobre o regramento normativo em análise considera Britto (2008, p. 159, grifo nosso):
[...] Ao inverso, penso tratar-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto, ainda que assumida ou configurada do lado de fora do corpo feminino (caso do embrião in vitro).
A interpretação inicial que se faz ao analisar a transcrição do voto daquele ministro é que se estende o atributo da dignidade de toda forma de vida humana ao embrião ainda que fecundado sob as técnicas de reprodução assistida. Teriam a tutela legal ainda que produzidos em laboratório num procedimento extracorpóreo. Uma primeira conclusão a que se chega é a seguinte: por mais louvável que seja, a técnica da reprodução assistida implica numa produção de inúmeros embriões humanos e que em sua maioria serão descartados e/ou congelados. No caso dos embriões submetidos a congelamento (incisos II do art. 5º da Lei de Biossegurança) passam tais embriões humanos por aquele período em que se implantado no útero materno se desenvolveria a vida humana. Seria ético permitir a produção de embriões humanos em número superior aos destinados à reprodução humana – sabendo-se que em sua maioria não serão aproveitados - e não franquear a possibilidade do aborto voluntário sob certas condições a uma mulher que não deseja exercitar a maternidade? No trecho do voto acima está implícito que não existe hierarquia de embrião humano independente de ser concebido dentro ou fora do corpo feminino.
No que diz respeito aos contornos da vida humana tutelada pela Carta Constitucional de 88 continua Britto (2008, p. 163-164, grifo nosso), para quem:
[...] É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. Quando fala da ‘dignidade da pessoa humana’ (inciso III do art. 1º), é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, moral e espiritual (o Estado é confessional mente leigo, sem dúvida, mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma, Constituição). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ (alínea b do inciso VII do art. 34), ‘livre exercício dos direitos [...] individuais’ (inciso III do art. 85) e até dos ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea (inciso IV do § 4º do art. 60), está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém. De nacionalidade brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (art. 5º).
Discorrendo ainda sobre a vida humana a partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional, argumenta Britto (2008, p. 164):
Tanto é assim que ela mesma, Constituição, faz expresso uso do adjetivo ‘residentes’ no País (não em útero materno e menos ainda em tubo de ensaio ou em ‘placa de Petri’), além de complementar a referência do seu art. 5º ‘aos brasileiros’ para dizer que eles se alocam em duas categorias: a dos brasileiros natos (na explícita acepção de ‘nascidos’, conforme as alíneas a, b e c do inciso I do art. 12) e brasileiros naturalizados (a pressupor formal manifestação de vontade, a teor das alíneas a e b do inciso II do mesmo art. 12).
E, por fim, no que versa sobre o bem jurídico, vida humana, protegido na Constituição Federal de 88, conclui Britto (2008, p. 165, grifo nosso), para quem:
Numa primeira síntese, então, é de se concluir que a Constituição Federal não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condição, dotada de compostura física ou natural. É como dizer: a inviolabilidade de que trata o artigo 5º é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo (o inviolável é, para o Direito, o que o sagrado é para a religião). E como se trata de uma Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de morte (permito-me o trocadilho), a questão não reside exatamente em se determinar o início da vida do homo sapiens, mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida.
Nesse ponto é importante constar que o aludido ministro adotou nos argumentos acima desenvolvidos a teoria natalista como condição necessária para se adquirir personalidade jurídica na ordem normativa brasileira. Todavia a admissão dessa teoria não se sustentou pura e simplesmente na previsão do Código Civil que em seu art. 2º reza que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (BRASIL, 2022, p. 1).
Pela ação em análise julgada procedente pela Suprema Corte do Brasil, tendo como voto condutor o do Min. Relator Carlos Ayres Britto, não só se admite a teoria natalista como marco do reconhecimento pelo Direito da existência da pessoa humana, mas também, no nível constitucional, a partir da interpretação sistemática desenvolvida linhas acima, entende a Corte Constitucional que o direito à vida previsto no rol intitulado “Direitos e Garantias Fundamentais” exige como condição necessária o nascimento da pessoa com vida, isto é, a partir de uma interpretação sistemática e histórica a tutela da vida humana exige como condição que o nascente sobreviva ao parto materno.
A despeito de haver outras teorias que entendem o direito à vida do nascituro garantido a partir da concepção,[3] e, portanto, no mesmo plano de importância que a vida da pessoa humana já nascida, o que se pretende investigar, ao menos por ora, é em que nível de entendimento se encontra a Suprema Corte do Brasil no que toca o direito fundamental à vida tendo como ponto de partida a Constituição Federal como norma de hierarquia máxima da República Federativa do Brasil. E essa investigação parte daquela ação direta de inconstitucionalidade que trata com bastante profundidade a natureza jurídica do embrião humano, inclusive sendo ele concebido a partir de uma técnica de reprodução assistida.
Nesse ponto se faz necessário enfrentar as previsões legais de proteção ao nascituro[4] não com o propósito de diminuir a importância do embrião humano ou do feto, mas de melhor interpretar tais previsões legais utilizando a norma constitucional como contraponto, na qual se busca o fundamento de validade para todo o sistema normativo infraconstitucional.
Ainda se enfrentará nos tópicos que se seguem a dignidade da pessoa humana enquanto valor que encontrou positivação nas Cartas Constitucionais de diversos Estados democráticos como uma decorrência de seu reconhecimento inicial no sistema normativo internacional que guarda relação direta com a proteção dos direitos humanos. Por ora se pretende compartilhar com o fito de conseguir evidenciar ainda mais os referenciais teóricos do presente trabalho acadêmico a relação estabelecida no julgado em análise entre dignidade da pessoa humana e normas legais de proteção do nascituro, vale dizer, a proteção legal do nascituro encontraria razão de ser no princípio da dignidade da pessoa humana pelo fato de o embrião ou feto humanos serem tidos como um importante marco do qual se origina a pessoa humana.
Nesse ponto segue transcrição de argumentação do voto em análise no que respeita não só a importância do embrião humano e do feto para a constituição da pessoa humana, mas, também, com o intuito de estabelecer à luz da Constituição Cidadã de 88 a hierarquia em importância e a total distinção entre embrião humano e/ou feto de um lado, e a pessoa humana de outro. Nesse sentido argumenta Britto (2008, p. 169) para quem:
Sucede que - este o fiat lux da controvérsia - a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento. Transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságue, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo, ‘desde a concepção, os direitos do nascituro’ (do latim ‘nasciturus’); que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento.
Donde se influi a ressalva contida no art. 2º do Código Civil que estatui que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”. (BRITTO, 2008, p. 169, grifo nosso).
Teria a prescrição legal acima sublinhada razão de ser no princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que a proteção do embrião e/ou feto se torna indispensável para o nascimento da própria pessoa humana referencial maior para todo o sistema de direito positivo. Todavia pelas transcrições do voto em análise e que não custa lembrar foi acompanhado pela maioria no julgamento daquela ação constitucional não firmou-se o entendimento de que à luz da Carta de 88 protege-se a vida desde a concepção, ao contrário, destacou-se o silencio da Norma Maior sobre o marco inaugural de proteção da vida humana, e a partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional levantou-se argumentos sólidos no sentido de que o constituinte ao longo das disposições constitucionais, sobretudo na parte que versa sobre direitos fundamentais, teria como destinatários de suas prescrições protetivas a vida humana já nascida, vale dizer, seria protegida pelas normas fundamentais a vida humana que ultrapassa o ciclo intraútero necessário ao seu nascimento com vida e, por isso, detentora da personalidade civil com todos os direitos a ela inerentes.
Sairia do campo da presente investigação científica produzir comentários e transcrições de pensadores com entendimento no sentido de que a vida humana embrionária ou fetal teria uma proteção constitucional no mesmo plano de igualdade da pessoa humana; não se tem na presente pesquisa esse objetivo que ampliaria o foco de seu objeto de investigação, o qual consiste, de maneira sucinta, em condensar a partir dessa ADI nº 3.510/DF fundamentos doutrinário e jurisprudenciais tendo como pano de fundo a Carta Magna de 88 que, ao menos, sinalizem os possíveis caminhos da Corte Suprema ao enfrentar a problemática do aborto no Brasil.
Dessa feita, a tutela conferida ao nascituro guardaria razão de existir na própria pessoa humana, mas não estaria em seu nível de importância por assim não rezar a Constituição Federal.
Ainda no que se refere à proteção jurídica conferida pela legislação infraconstitucional ao embrião ou feto assevera Britto (2008, p. 170, grifo nosso) para quem:
Igual proteção jurídica se encontra no relato do § 3º do art. 9º da Lei 9.434/97, segundo o qual ‘É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde do feto’ (negritos à parte). Além, é claro, da norma penal de criminalização do aborto (arts. 123 a 127 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), com as exceções dos incisos I e II do art. 128, a saber: ‘se não há outro meio de salvar a vida da gestante’ (aborto terapêutico); se ‘a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal’ (aborto sentimental ou compassivo). Dupla referência legal ao vocábulo ‘gestante’ para evidenciar que o bem jurídico a tutelar contra o aborto é um organismo ou entidade pré-natal, quer em estado embrionário, quer em estado fetal, mas sempre no interior do corpo feminino.
Não obstante essa proteção jurídica ao nascituro pela legislação infraconstitucional como um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, veja-se que o fato de o Direito Penal tutelar a vida pré-natal não implica o reconhecimento legal de que o bem jurídico nos delitos de aborto a serem protegidos seria a vida da pessoa humana. Se a interpretação desses tipos penais fosse nesse sentido, a saber, proteger a vida da pessoa humana, seriam tidas por inconstitucionais as previsões legais que permitem o aborto - estupro e risco de morte - na medida em que a Constituição Federal veda textualmente a pena de morte,[5] admitindo como única exceção o caso de haver guerra declara.[6]
Ainda no que se refere ao reconhecimento e proteção dada pela legislação infraconstitucional ao embrião humano e ao feto, e para não haver dúvida sobre o que se está colocando nos últimos parágrafos sobre a distinção entre vida pré-natal e pessoa humana ou natural, argumenta Britto (2008, p. 171), para quem:
[...] Reconhecer e proteger, aclare-se, nas condições e limites da legislação ordinária mesma, devido ao mutismo da Constituição quanto ao início da vida humana. Mas um mutismo hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária ou usual, até porque, segundo recorda Sérgio da Silva Mendes, houve tentativa de se embutir na Lei Maior da República a proteção ao ser humano desde a sua concepção. É o que que noticiam os anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1986/1987, assim invocados por ele, Sérgio da Silva Mendes (mestre em Direito e doutorando em filosofia pela Universidade Gama Filho - RJ): ‘O positivismo-lógico apela para os métodos tradicionais de interpretação, entre eles o da vontade do legislador. [...]’. Não estou a ajuizar senão isto: a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas, levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto dessa metamorfose. [...] Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana, passando necessariamente por essa entidade a que chamamos ‘feto’. Este e o embrião a merecer tutela infraconstitucional, por derivação da tutela que a própria Constituição dispensa à pessoa humana propriamente dita.
Nesse julgado se entendeu através do voto do relator que o Direito dá primazia de proteção a pessoa humana ou natural, pelo simples fato de ter a característica de valorar o que melhor entender como bem jurídico a ser protegido. Entendeu-se que foi uma escolha do Constituinte Originário não reconhecer a tutela da vida humana desde a concepção a fim de diferenciá-la em grau de importância da vida da pessoa já nascida, sendo esta como de maior valor para o ordenamento jurídico brasileiro a partir de uma interpretação mais realista do texto constitucional, como já explanado ao longo do presente trabalho.
Ainda no nível da legislação infraconstitucional a despeito de ficar patente a proteção que se confere ao embrião e ao feto humanos, nota-se que não se encontram no mesmo plano de importância da pessoa humana já nascida haja vista o tratamento diferenciado não só na admissão do aborto decorrente de estupro ou em caso de risco de morte para a gestante, mas também na distinção do quantum da sanção penal nos casos de infanticídio e homicídio que apontam para um maior desvalor da conduta em relação a pessoa humana nascida e objeto material do crime de homicídio.[7] Não é desarrazoada uma interpretação da ordem jurídica brasileira em que se reconheça a partir dessas exceções legais em que se admite o aborto que não se encontram no mesmo plano de importância para o Direito brasileiro a vida intrauterina e a vida da pessoa já nascida. Ademais no caso do aborto em decorrência de estupro há um elemento que ainda se pretende tratar de forma mais detalhada, que é a autonomia da vontade feminina, que nesses casos ganha maior relevo quando da ponderação de seus interesses em detrimento do embrião ou feto.
Ainda colocando em evidência um possível reconhecimento pela Corte Constitucional desse tratamento diferenciado pela ordem jurídica nacional, nesse ponto é conveniente trazer à presente discussão no que se refere a uma maior proteção e respeito a pessoa humana a doutrina de Pereira (2011, p. 215-216 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2014,
p. 24): “Polariza as tendências jurídicas do nosso tempo [...]. Constituído o direito por causa do homem, centraliza este todos os cuidados do ordenamento jurídico e requer a atenção do pensamento contemporâneo.”
Sabe-se que a problemática do aborto perpassa aspectos bastantes conflituosos como os de natureza política e religiosa. Divide a sociedade entre aqueles que entendem o aborto como uma prática não só ilegal, mais imoral e antirreligiosa. É tema, de fato, bastante controverso não só no Brasil como no mundo - veja-se os Estados Unidos da América que depois de décadas voltaram a discutir a temática -, e, por isso, o que se pretende na presente investigação é condensar o que de consenso existe na Suprema Corte do Brasil sobre essa temática. Esclareça-se que não se pretende aqui fazer uma defesa intransigente sobre uma eventual ampliação das possibilidades de abortamento que implicaria num reconhecimento de que cabe à mulher uma maior liberdade quanto aos rumos de seus destinos no que se refere ao planejamento familiar. Mas sim analisar o fato social aborto tendo aquela ação constitucional como uma referência inicial em virtude de sua análise mais aprofundada da manipulação do embrião humano, o qual, diga-se, constitui o elemento central da discussão sobre o direito ao abortamento voluntário na medida que eventual reconhecimento, poderia ser admitido nessa fase da gestação, a partir de um juízo de ponderação em virtude de a ordem jurídica reconhecer e tutelar o embrião e o feto humanos.
E por que não admitir a proteção constitucional da vida humana desde a concepção? Simplesmente porque assim não determina o texto constitucional. Porque não houve essa previsão por parte do constituinte originário. Talvez esse silêncio do constituinte originário se deu mesmo em benefício da vida humana já nascida, detentora da personalidade civil. Esse julgado em especial vem pautando-se numa interpretação do texto constitucional como a mais coerente com seus princípios expressos e demais normas. Em tempos que a Suprema Corte é criticada por produzir decisões que ultrapassam os limites de seus poderes conferidos pela Carta Constitucional - o chamado ativismo judicial -, o que se vem constatando a partir do voto de relator que foi acompanhado pela maioria do plenário é que se produziu um entendimento no que se refere à suposta contradição entre direitos fundamentais da pessoa já nascida e direitos do nascituro no sentido de que a vida da pessoa já nascida tem uma tutela maior por assim ser o que preconiza a Carta Magna. Nesse particular vem somar-se a conceituação de Direito para Kelsen (1999, p. 4):
Na verdade, O Direito, que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo norma se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada
maneira [...].
A fim de ser fiel aos ensinamentos do Mestre da Escola de Viena, ao menos naquilo que é fundamental ao Estado Democrático de Direito, fundado no pensamento positivista da Ciência do Direito, deve-se com o intuito de se admitir uma interpretação contrário da acima fixada alterar o texto constitucional a fim de se positivar no mesmo nível de importância a vida embrionária e aquela já nascida, visto que não é desarrazoada entender que é para a pessoa humana, primeiramente, que se convergem as normas constitucionais como demonstrado ao longo desse estudo.
Não com a intenção de se fazer uma conclusão antecipada, mas com o propósito de não se perder de vista uma possível relativização do valor do embrião humano, para além daquelas demonstradas na norma penal, nas exceções acima explanadas, não se esqueça que através do voto do eminente ministro relator e que fora acompanhado pela maioria da Corte Suprema, reconheceu-se jurisprudencialmente e legitimou-se a produção extracorpórea de embriões humanos não só com finalidades reprodutivas – técnica da reprodução assistida que segundo a Corte não viola a Constituição Federal de 88, mas que, todavia, não foi discutida pelo Poder Legislativo Federal -, mas também sua utilização para pesquisas científicas de grande relevo nacional. A despeito de a ordem jurídica não vedar a produção de embriões humanos em laboratório que invariavelmente leva ao seu descarte em número considerável,[8] agora, todavia, chancelada essa prática pela Suprema Corte na medida em que reconheceu a constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança, passa, também, a reprodução assistida, a ter uma finalidade útil e nobre com a utilização de embriões humanos não utilizados no procedimento de reprodução humana, seja por desejo dos pais, seja pela inviabilidade dos mesmos, na sua destinação em pesquisas com vistas a propiciar uma melhor qualidade de vida a pessoas com doenças gravíssimas, como prescrito pela Lei de Biossegurança. Não se perca de vista essa constatação da Corte Suprema – descarte de embriões humanos decorrentes do procedimento de reprodução assistida -, e agora, com a previsão do art. 5º da Lei de Biossegurança, submetidos ao congelamento, que alhures pode ser invocada para permitir, também, o “descarte” de embriões humanos que se encontre nas entranhas da gestante por expressa manifestação de sua vontade.
E nesse cenário se iniciará o tópico seguinte como intuito de abordar a partir daquele julgado o que se entendeu por planejamento familiar tendo como referência, sempre, o texto constitucional.
2.2 PLANEJAMENTO FAMILIAR FUNDAMENTADO NA RESPONSABILIDADE E NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
No presente tópico se pretende produzir algumas considerações sobre o que vem a ser o direito fundamental ao planejamento familiar previsto na Carta Constitucional de 88 e sua relação com os princípios da dignidade da pessoa humana e da responsabilidade, também positivados naquela Lei Maior, a qual assim estatui:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 2018, p. 1).
A ação direta de inconstitucionalidade nº 3.510/DF, objeto de análise da presente investigação, através do voto do Min. Rel. Carlos Ayres Britto, a despeito de enfrentar os conceitos jurídicos de Planejamento Familiar, dignidade da pessoa humana e paternidade responsável positivados na Carta de 88, limitou-se a fixar o entendimento de que há o direito do casal ao procedimento de reprodução assistida ainda que desta modalidade pro-criatória haja a fecundação de embriões humanos em número superior aos utilizados no processo de reprodução humana. Entendeu aquela Corte Suprema que o congelamento de embriões humanos e seu eventual descarte seriam efeitos colaterais de um direito maior que é o do planejamento familiar e que não há o dever legal por parte do casal de se aproveitar todos os embriões humanos produzidos a partir da técnica de reprodução in vitro visto que tal imposição feriria o princípio da paternidade responsável insculpido no texto constitucional.[9] Não seria razoável exigir que uma mãe gerasse um número incomum de filhos, o que além de dificultar os cuidados voltados ao afeto, a educação e demais encargos com a prole, implicaria num custo financeiro que inviabilizaria a manutenção da própria família.
Neste momento cabe trazer alguns esclarecimentos sobre o que entende a doutrina sobre o conceito de Planejamento Familiar para um melhor esclarecimento de seus contornos a fim de que se possa investigar se a partir da jurisprudência acima firmada – que admite a produção de embriões humanos com finalidades diversas da pro-criatória, na medida em que permitiu a extração de células-tronco de tais embriões excedentários, pode-se estender esse conceito a fim de se admitir a possibilidade de nele se inserir a interrupção voluntária da gestação sob certas condições como expressão da dignidade humana e, por conseguinte, do direito ao Planejamento Familiar.
Veja-se o que diz o princípio 8 contido no Relatório da Conferência Internacional sobre a População e Desenvolvimento no que se refere ao Planejamento Familiar:
Toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental. Os estados devem tomar todas as devidas providências para assegurar, na base da igualdade de homens e mulheres, o acesso universal aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com saúde reprodutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual. Programas de assistência à saúde reprodutiva devem prestar a mais ampla variedade de serviços sem qualquer forma de coerção. Todo casal e indivíduo têm o direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número e o espaçamento de seus filhos e ter informação, educação e meios de o fazer (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994, p. 43).
Esse princípio 8 do aludido relatório que tem o Brasil como signatário não veda textualmente a possibilidade de se incluir o abortamento voluntário sob certas condições como um serviço de assistência médica, no qual se insere os relacionados à saúde reprodutiva, na medida em que se veda qualquer forma de coerção ao trato das questões reprodutivas. Destarte, não há uma vedação cabal a uma maior flexibilização das possibilidades de abortamento, tanto que admitida em diversos países.
Ainda no plano das normas internacionais que tratam sobre direitos humanos e que, no mínimo, demonstram essa generalidade de possibilidades insertas no conceito de Planejamento Familiar, discorrendo sobre a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Byrnes (1989, p. 1 apud PIOVESAN, 2022, p. 306) para quem:
[...] Inúmeras previsões da Convenção também incorporam a preocupação de que os direitos reprodutivos das mulheres devem estar sobre o controle delas próprias, cabendo ao Estado assegurar que as decisões das mulheres não sejam feitas sob coerção e não sejam a elas prejudiciais, no que se refere ao acesso às oportunidades sociais e econômicas [...].
O que se quer arguir nesses últimos parágrafos é que o conceito de Planejamento Familiar é muito fluido não só quando se analisa as normas de direitos humanos internacionais, mas também quando se busca interpretar o § 7º do art. 226 da Carta Magna de 88 que fala em “livre decisão do casal” e “dignidade da pessoa humana” e “paternidade responsável”. Sendo mais objetivo o que se coloca é que tendo a fertilização in vitro e seus embriões humanos produzidos em número superior à necessidade do casal amparo na aludida previsão constitucional, como expressão do direito fundamental ao Planejamento Familiar, como julgado procedente pela Corte Suprema na ação direta em análise, e sendo esse conceito de Planejamento Familiar tão generalista não é desarrazoado e de uma inconstitucionalidade patente que venha aquela Corte em decisões futuras admitir a interrupção voluntária da gestão, ainda que dentro de um lapso temporal, também como expressão desse direito ao Planejamento Familiar fundado na dignidade humana e na paternidade responsável. Destaque-se ainda que ambas as transcrições desses últimos parágrafos falam em “programas de saúde reprodutiva” e “direitos reprodutivos”, respectivamente, e “sem quaisquer formas de coerção”. Não é desarrazoado a Corte Suprema do Brasil vir a entender que há evolução da sociedade e que a mulher desfruta de uma realidade de vida muito mais autônomas nus dias atuais em que poderia e deveria ter uma maior liberdade para interromper uma gestação para além dos casos permitidos em lei e respeitando alguns limites temporais face o reconhecimento de direitos ao nascituro.[10]
Ainda no plano normativo internacional que tem razão de ser na efetividade universal dos direitos humanos, aqui invocados para fazer um contraponto com a ordem jurídica brasileira em análise a partir da ação direta de inconstitucionalidade, com vistas a simplesmente trazer à academia possíveis caminhos a disposição da Corte Máxima do país no que se refere à problemática da interrupção voluntária da gestação, os quais poderiam e certamente serão levantados quando da análise dessa temática em ações em curso no Supremo Tribunal Federal.[11]
Nesse sentido e a fim de colacionar o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre procedimentos de reprodução assistida, sobre embrião humano e sobre uma eventual ponderação de interesses entre a vida do embrião e da pessoa humana, a quem se dirige a ordem jurídica em primazia, vale transcrever Piovesan (2022, p. 402, grifo nosso) quando da análise de julgamentos daquela Corte:
A partir de uma interpretação sistemática e histórica, com destaque à normatividade e à jurisprudência dos sistemas universal, europeu e africano, concluiu a Corte Interamericana não ser possível sustentar que o embrião possa ser considerado pessoa. Recorrendo a uma interpretação evolutiva, a Corte observou que o procedimento da fertilização in vitro não existia quando a Convenção foi elaborada, conferindo especial relevância ao Direito Comparado, por meio do diálogo com a experiência jurídica latino-americana e de outros países, como os EUA e a Alemanha, a respeito da matéria. Concluiu que ter filho biológicos por meio da técnica de reprodução assistida, decorre dos direitos à integridade pessoal, liberdade e vida privada e familiar. Argumentou que o direito absoluto à vida do embrião – como base para restringir direitos – não encontra respaldo na Convenção Americana.
Destarte, a Corte Interamericana entendi que não há um direito absoluto à vida por parte do embrião quando em conflito com o direito a constituição de uma família titularizado pelos casais que dependem da fertilização in vitro para gerar filhos. Em sendo assim – e esse entendimento também se encontra consolidado no STF do Brasil -, existe a possibilidade de o Judiciário brasileiro vir a entender que essa ponderação de interesses - do casal vs embriões humanos - pode ser aplicada e estendida a interrupção voluntária da gestação, quando houver manifestação de vontade do casal, e em especial, da genitora, sob certas condições fixadas em lei futura, ou na própria decisão judicial. Poderia a Corte Suprema entender que não há óbice na medida em que a Carta Magna positivou o direito ao Planejamento Familiar como livre decisão do casal, e fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e na responsabilidade.
Pretende-se no momento discorrer sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, pelo fato de ele se encontrar na base do conceito de Planejamento familiar, mas não com o propósito de fazer um artigo sobre tal princípio, muito menos uma tese – cabem ambos-, mas com o fito de agregar a essa narrativa algumas de suas facetas que se conectam não só com Planejamento Familiar, mas também com embriões humanos e com uma maior flexibilização do direito ao aborto – flexibilização já admitida na ordem jurídica brasileira, fruto da autonomia da vontade da gestante -, como no caso que decorre do estupro em que de fato há uma ponderação entre os interesses do embrião e/ou feto e os da mulher vítima de crime de estupro.
Existem diversos aspectos, dimensões ou pontos de vista quando se trata do conteúdo moral da dignidade humana. A dignidade humana de início deve ser entendida como um valor, como um conceito relacionado à moral, ao bem, à conduta ética e a uma boa vida. Pode-se entender que a dignidade humana encontra sua base valorativa na filosofia, na política, na religião e, por último, no Direito (BARROSO, 2021).
O aspecto da dignidade da pessoa humana que se quer destacar no presente trabalho acadêmico e que se relaciona com muito do que dito ao longo deste texto é a autonomia e que necessariamente será enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a problemática do aborto. Até onde pode ir à luz da ordem jurídica brasileira essa autonomia reivindicada pelo movimento feminista no que respeita a interromper uma gestação fora dos permissivos legais? Como já citado existe essa autonomia feminina prevista na legislação penal nos casos de gestações que decorrem de estupro. O permissivo legal se pauta exclusivamente na vontade da gestante.
Nesse ponto estabelecer os contornos do conceito de autonomia Barroso (2021, p. 81) para quem:
A autonomia é o elemento ético da dignidade humana. É o fundamento do livre arbítrio dos indivíduos, que lhes permite buscar, da sua própria maneira, o ideal de viver bem e de ter uma vida boa. A noção central aqui é a de autodeterminação: uma pessoa autônoma define as regras que vão reger a sua vida.
Diversamente da autonomia delineada por Kant em que a vontade não se sujeita às influências externas e corresponde à noção de liberdade, no mundo político e na vida em sociedade a vontade individual é restringida por diversas normas, tais como o direito, os costumes e demais normas sociais (BARROSO 2021).
Nessa linha de raciocínio, esclarece Barroso (2021, p. 82) para quem:
[...] Desse modo, ao contrário da autonomia moral, a autonomia pessoal, embora esteja na origem da liberdade, corresponde apenas ao seu núcleo essencial. A liberdade tem um alcance mais amplo, que pode ser limitado por forças externas legítimas. Mas a autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais ou estatais por abranger decisões pessoais básicas, como as escolhas relacionadas com religião, relacionamentos pessoais, profissão e concepções políticas, entre outras.
Pode-se inferir que a autonomia como dimensão do valor dignidade da pessoa humana se encontra no fundamento de diversos direitos fundamentais relacionados com o constitucionalismo democrático, onde se insere as liberdades básicas (autonomia privada) e o direito à participação política (autonomia pública). Dessa forma, seria a autonomia privada o substrato material para a positivação de direitos fundamentais como a liberdade de religião, expressão e associação, assim como os direitos sexuais e reprodutivos (BARROSO 2021).
Olhando para a ordem jurídica interna, em especial ao art. 227, § 7º da Carta Federal de 88, ao positivar as expressões “Planejamento Familiar”, “livre decisão do casal” e “dignidade da pessoa humana”; analisando o julgado em destaque, em especial no que se entendeu como Planejamento Familiar, perquirindo, ainda, a doutrina especializada até aqui posta, com destaque para o pensamento de Luís Roberto Barroso, o qual integra a Corte Suprema do país, infere-se uma relativização do valor do embrião humano na medida em que sujeito não só a finalidade pro-criatória como instrumento de exercício do direito ao Planejamento Familiar, mas também sujeito ao congelamento e submetido a pesquisas e terapias com a chancela do Estado, tudo encadeado, e com fundamento numa autonomia individual em benefício do Planejamento Familiar. Nessas premissas poderia aquela Corte vir a entender que o aborto sob certas condições e fundado exclusivamente na autonomia da gestante teria amparo Constitucional.
A fim de se somar a doutrina interna ao país de Barroso que tem um discurso jurídico muito vanguardista quanto se trata do papel constitucional da Suprema Corte no que tange a um ativismo na promoção dos direitos fundamentais e na própria ideia de dignidade da pessoa humana com enforque no aspecto da autonomia da vontade, segue doutrina respeitável de Sarlet e Weingartner Neto (2016, p. 23, grifo nosso) ao tratar do que vem a ser o princípio da dignidade da pessoa humana:
Para além das dimensões já apresentadas e em diálogo com as mesmas, indispensável compreender – até mesmo pela relevância de tal aspecto para os direitos e deveres humanos e fundamentais – que a dignidade possui uma dimensão dúplice, que se manifesta por estar em causa simultaneamente a expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente – mas não exclusivamente! – quando fragilizada ou até mesmo – e principalmente – quando ausente a capacidade de autodeterminação.
Destarte, não há dúvidas sobre a existência de um vínculo entre a autonomia privada e o princípio da dignidade da pessoa humana que serve de base para a positivação de diversos direitos humanos e fundamentais. Destaque-se que os direitos fundamentais se relacionam com o princípio da dignidade da pessoa humana haja vista este ser alçado à condição de princípio basilar de um Estado Democrático de Direito.[12] Essa relação pode ser mais bem explicitada ao se sentenciar que a pessoa humana seria o fundamento e o fim da sociedade e do Estado (SARLET; WEINGARTNER NETO, 2016).
Em sendo a pessoa humana o fim e o fundamento da sociedade e do Estado em virtude de assim determinar a ordem jurídica por reconhecer o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, o que se coloca com a intenção de dar desfecho ao presente tópico é que a Suprema Corte ao julgar procedente a constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança, com todos fundamentações já colacionadas no presente texto, em algum momento – e a partir das premissas fixadas naquele ação direta – terá que se pronunciar sobre a possibilidade de uma maior flexibilização da legislação que trata sobre o aborto no Brasil. Terá que discutir sobre os limites da autonomia da vontade como dimensão da dignidade da pessoa humana na ótica do direito ao aborto. E essa discussão entende-se que terá como parâmetro constitucional a norma inserta no art. 227, § 7º da CF/88 com possibilidades de ampliação do conceito de Planejamento Familiar fundado na dignidade da pessoa humana e na autonomia da vontade – como exigências da própria CF/88 - com vistas a incluir o aborto sob certas condições por ser possível esse entendimento futuro em razão não só por assim estabelecer a norma constitucional acima destacada, em razão do entendimento consolidado jurisprudência firmada no julgado em análise, como também por se encontrar em harmonia com o entendimento firmado e acima explanado pelas Cortes Internacionais e pelos normativos de direitos humanos em que o Estado brasileiro é signatário.
Nesse contexto e bastante esclarecedor aos objetivos pretendidos com o presente trabalho acadêmico, colaciona-se argumentos no sentido de que o princípio da dignidade da pessoa humana funciona como critério restritivo do direito infralegal, especialmente no ramo do direito penal e processual penal, nesse sentido Sarlet e Weingartner Neto (2016, p. 41-42, grifo nosso) para quem:
Igualmente relacionados com a esfera penal e de ampla repercussão (assim como cercados de intensa polêmica por parte de alguns setores da doutrina e mesmo da opinião pública) são os casos de uma nem sempre convencional interpretação conforme a constituição da legislação penal e processual penal, protagonizados pelo STF. Dentre os numerosos exemplos que poderiam ser colacionados selecionamos, [...] a decisão em prol da legitimidade constitucional da interrupção da gravidez (ou antecipação do parto, como preferem alguns) quando diagnosticada a anencefalia do feto. Os casos apresentam como elemento comum a invocação, em maior ou menor medida (e de modo direito ou indireto), da dignidade humana, como fundamento da decisão, [...] o que ocorreu foi a exclusão da incidência da lei penal incriminadora, de tal sorte que – de acordo com a ótica do STF – a dignidade e direitos fundamentais correlatos operam tanto como limites à liberdade como servem de critério para assegurá-la. Isso, por sua vez, guarda relação com a tese de que a dignidade da pessoa humana cumpre função dúplice, já que serve de fundamento para a restrição de direitos fundamentais e ao mesmo tempo atua como limite impeditivo de tais restrições.
Ainda na linha da incompatibilidade com a Constituição dos tipos penais dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro destaca-se o Habeas Corpus 124.306 do Rio de Janeiro, em sede de controle difuso de constitucionalidade, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso (BRASIL, 2016, p. 1) em que prevaleceu por 3 votos a 2 a “[...] compreensão de que a proibição do aborto nessa situação viola direitos fundamentais da mulher, como os direitos sexuais e reprodutivos, a autonomia, a integridade física e psíquica e a igualdade”.
Não se pode deixar de mencionar que sendo a dignidade da pessoa humana fundamento do direito ao Planejamento Familiar positivado na Carta Constitucional de 88, bem assim pelo fato de possuir também um dimensão interpretativa e de funcionar como critério para restringir o âmbito de abrangência da legislação infralegal – direito penal nos casos acima destacados -, não se pode descartar a possibilidade de a Corte Suprema vir a consolidar uma interpretação conforme a constituição dos artigos 124 e 126 do CPB de maneira a diminuir seu âmbito de aplicação a fim de reconhecer e ampliar a autonomia feminina com vistas a flexibilizar ainda mais o direito ao aborto.
Nesse ponto e a fim de finalizar os referenciais que circundam a problemática do aborto no Brasil, insiste-se em explanar sobre a relação entre a autonomia da vontade – fundamento do Estado Democrático de Direito – e uma eventual ampliação das possibilidades de abortamento voluntário em razão de tudo o que foi desenvolvido no presente trabalho acadêmico. Nas palavras de Barroso (2021, p. 101, grifo do autor):
No que diz respeito à autonomia, é importante refletir sobre o papel que a autodeterminação desempenha no contexto do aborto. Os indivíduos devem ser livres para tomarem decisões e fazerem escolhas pessoais básicas a respeito das suas próprias vidas. [...] Está dentro dos limites da autonomia da mulher e, portanto, da essência da sua liberdade básica, decidir por si mesma quanto à realização ou não de um aborto. A vontade da mãe de interromper sua gravidez poderia ser contraposta por uma hipotética vontade de nascer do feto. Duas objeções podem ser feitas a essa linha de pensamento. A primeira objeção é que, embora o valor intrínseco do feto tenha sido presumido no parágrafo anterior, pode ser mais difícil reconhecer sua autonomia, devido ao fato de ele não possuir nenhum grau de autoconsciência. Mas mesmo que esse argumento pudesse ser suplantado, ainda haveria outro. Como o feto depende da mãe, mas não o contrário, se a ‘vontade de nascer’ do feto prevalecesse, a mãe seria totalmente instrumentalizada por esse projeto. Em outros palavras, se a mulher fosse forçada a manter o feto, ela se transformaria em um meio para a satisfação de outra vontade e não seria tratada como um fim em si mesma.
3.METODOLOGIA
A presente pesquisa teve como estratégia metodológica a análise da jurisprudência firmada pela Suprema Corte do brasil numa ação do controle de constitucionalidade com vistas a identificar premissas estabelecidas pelo Tribunal Constitucional que servissem de base jurisprudencial com o propósito de se inaugurar e aprofundar a discussão sobre a problemática do aborto no Brasil. Paralelamente ao que foi sedimentado naquele julgado procurou-se fazer uma ampliação de suas conclusões a partir de doutrinas nacionais sobre a temática abordada que sinalizem para uma nova regulamentação do fato social aborto no Brasil.
Buscou-se ainda trazer a pesquisa o entendimento fixado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos na temática investigada, como também conceitos jurídicos de clássicos da literatura que se relacionam com a discussão em torno do aborto.
Portanto, no que tange ao referencial metodológico a pesquisa foi de base bibliográfica e documental nos termos definidos por Marconi e Lakatos (2021). Para elas a pesquisa bibliográfica é o levantamento das referências e bibliografias já publicadas sobre a temática investigada em formatos diferentes, como livros, ebooks, periódicos, revistas, artigos, matérias de jornais e web sites. Diversamente é a pesquisa documental que se volta a busca de informações em fontes primárias que ainda não foram trabalhadas e nem receberam tratamento científico ou analítico a exemplo de fotografias, cartas, relatórios, jornais, filmes, pinturas, documentos oficiais - como é o caso do julgamento que serviu de base para a formulação do artigo científico -, vídeos e documentários de TV (GIL, 2010).
Por fim, pode-se dizer que a investigação proposta no presente trabalho acadêmico adotou o método indutivo na medida em que a partir de premissas identificadas no julgamento que serviu de base para a discussão proposta se pretendeu apontar para um possível entendimento da Corte no que se refere a uma nova regulamentação do aborto.
4.CONCLUSÃO
Acreditamos e optamos por diluir nossas conclusões ao longo do desenvolvimento do texto a fim de que o leitor não perdesse de vista os objetivos da investigação desenvolvida em função de alguns conceitos exportados da medicina que invariavelmente poderiam gerar dúvidas.
Há que se colocar de início que o procedimento de reprodução assistida e seus consequentes efeitos colaterais deveria ter se submetido a discussão e votação no Congresso Nacional a fim de que fosse estabelecido exigências e limites legais por tratar da vida humana, ainda que embrionária, razão de ser de toda a ordem jurídica. O que se tem hoje no Brasil é a regulamentação desse procedimento pelo Conselho Federal de Medicina que pode ser tido por insuficiente dada a relevância da matéria.
Uma incoerência de nossa ordem jurídica ao não regulamentar por lei federal a prática da reprodução assistida, geradora de embriões excedentários, e por que não dizer vidas excedentárias, em que, há pouco mais de uma década eram congeladas e até descartadas – com base apenas num normativo do Conselho Federal de Medicina -, sem qualquer crítica social, trata-se, em não alargar as possibilidades legais de se proceder ao aborto voluntário, sob certas condições, na medida em que tal prática incide também sobre o embrião humano, e que na ótica do casal e da gestante poderia ser justificado por uma variedade de motivos, desde questões relacionadas à saúde física e mental, passando simplesmente por não ser um projeto de vida, e tendo justificativa também na carência financeira, a qual muitas vezes pode fragilizar até mesmo o bom viver de uma família já constituída.
A Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), que essencialmente dispõe sobre os organismos geneticamente modificados - OGM -, trata reflexamente da vida embrionária decorrente do procedimento de reprodução assistida, e faz a ressalva (art. 3º, § 1º) de que tal procedimento não se insere no conceito de OGM. Portanto, não houve uma lei específica em que se discutiu a fertilização in vitro; não se discutiu quantos embriões humanos deveriam ser admitidos como consequência dessa técnica; não se discutiu se seria ético e não feriria a Carta Constitucional o congelamento e descarte de embriões humanos não aproveitados. Simplesmente além de essas questões não serem discutidas na arena própria que é o Congresso, por meio de uma lei específica, houve através da lei acima destacada, que dispõe de matéria totalmente diversa, a inserção dos conceitos de fertilização in vitro, de células tronco, e sua extração de embriões humanos não utilizados na técnica da reprodução assistida
Discutiu-se de maneira açodada e permitiu-se a relativização do valor do embrião humano, o qual não só é protegido pelo sistema infraconstitucional, mas que, também, tem tutela originária no princípio da dignidade humana, como destacado pelo julgado em estudo. Todavia, a despeito dessa relativização e, contraditoriamente, tem-se um código penal em que, ao menos, não se autoriza o aborto em sua fase embrionária por livre manifestação de vontade da mulher.
A lei de Biossegurança regulamenta com rigor de detalhes os organismos geneticamente modificados e textualmente exclui desse conceito o procedimento de reprodução in vitro. Se esse mesmo rigor fosse dado à temática da reprodução assistida em projeto de lei específico em sede do Poder Legislativo seria muito provável – ao menos do ponto de vista jurídico - que em tal projeto se tratasse e regulamentasse a interrupção voluntária da gestação, principalmente em sua fase embrionária por não haver distinção ontológica entre embrião humano produzido em laboratório ou pela maneira tradicional.
Dessa feita, e com o propósito de finalizar o presente trabalho acadêmico, entendemos que a Suprema Corte do Brasil, através daquela ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente, ao julgar constitucional a utilização de embriões humanos não aproveitados no processo de reprodução humana, em práticas de pesquisa e terapias, e ao admitir que tais embriões excedentários seriam efeitos colaterais de um direito maior, a saber, Planejamento Familiar fundado na dignidade humana e na responsabilidade, criou as bases para se legitimar uma nova regulamentação do fato social aborto – daí a virtualidade constante do título do artigo -, com possibilidades de reconhecimento de uma maior autonomia feminina no que tange ao abortamento, também como expressão de um direito fundamental e constitucional ao Planejamento Familiar fundado na dignidade da pessoa humana e na responsabilidade.
5.REFERÊNCIAS
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005. Brasilia, 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm. Acesso em: 15 dez. 2022.
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BRITTO, Carlos Ayres. Ação direta de inconstitucionalidade 3.510 Distrito Federal – Inteiro teor. STF - Supremo Tribunal Federal, 2008. Disponivel em: <https://redir.stf.jus.br/
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CARDOSO, Bruno Baptista; VIEIRA, Fernanda Morena dos Santos Barbeiro; SARACENI, Valeria. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 36, 2020. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/975/aborto-no-brasil-o-que-dizem-os-dados-oficais. Acesso em: 12 nov. 2021.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PANPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Saraivajur, 2022.
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SARLET, Ingo Wolfgang; WEINGARTNER NETO, Jayme. Constituição e direito penal: temas atuais e polêmicos/ Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado. Rio de Janeiro. Renovar, 2014.
[1] Artigo da CF que trata do planejamento familiar: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
[2] Habeas Corpus 124.306 Rio de Janeiro. Relator: Min. Marco Aurélio; Redator para acórdão: Luís Roberto Barroso; Pacientes: Edilson dos Santos e Rosemere Aparecida Ferreira; Impetrante Jair Leite Pereira; Coautor: Superior Tribunal de Justiça.
[3] Conforme Gaglioano e Panplona Filho em sua publicação “manual de direito civil” Teoria concepcionista: “A teoria concepcionista, por sua vez, influenciada pelo Direito francês, contou com diversos adptos. Segundo essa vertente de pensamento, o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa.”
[4] De acordo com os autores supracitados o conceito de nascituro: “Cuida-se o nascituro do ente concebido, embora ainda não nascido”.
[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
[6] Voto proferido pela Min Britto, p. 170-171.
[7] Tipos penais: infanticídio: Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos.
Homicídio simples: Art. 121 – Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Podendo chagar a 30 anos nos casos de homicídio qualificado.
[8] Voto do Min Menezes Direito em que trata o percentual de embriões excedentários. ADI 3510, p. 240-241.
[9] ADI 3510, PAG. 194. Voto do Min. Relator Carlos Ayres Britto.
[10] ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO Art. 124- Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de um a três anos. ABORTO CONSENTIDO Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de um a quatro anos.
[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de direito fundamental nº 442/DF- Distrito Federal. Relatora Ministra Rosa Weber. Brasília, 2018. Disponível em: https://conjur.com.br/dl/convocacao-audiencia-publica-adpf-442.pdf. Acesso em: 04 out. 2021.
[12] CF/88 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco e aluno do curso de Mestrado em Ciências Jurídicas pela Veni Creator University
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, MARCELO DIAS SILVA DE. Aborto virtual fundado na ADI nº 3.510? Bases doutrinário-jurisprudenciais para o enfrentamento do aborto no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2023, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63305/aborto-virtual-fundado-na-adi-n-3-510-bases-doutrinrio-jurisprudenciais-para-o-enfrentamento-do-aborto-no-brasil. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
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