LUCAS CERQUEIRA MACHADO DIAS[1]
(coautor)
RESUMO: O presente artigo visa analisar criticamente o processo de seletividade penal nos crimes de colarinho branco, principalmente quanto a exclusão do criminoso e a civilização do crime. Assim, questiona-se: como a seletividade penal atua nos crimes de colarinho branco? Na busca por esta resposta será considerado como objetivo geral: analisar a seletividade penal dos crimes de colarinho branco sob a ótica da criminologia crítica. Quanto aos objetivos específicos: Estudar os conceitos e características dos crimes de colarinho branco; compreender a exclusão do crime de colarinho branco e determinar a civilização deste crime. O estudo se mostra de suma importância por dar visibilidade a desigualdade de tratamento e a hierarquização de crimes e criminosos.
PARAVRAS-CHAVE: criminologia; seletividade penal; crimes de colarinho branco.
ABSTRACT: This article aims to critically analyze the process of penal selectivity in white collar crimes, mainly regarding the exclusion of the criminal and the civilization of crime. Thus, the question is: how does penal selectivity act in white-collar crimes? In the search for this answer, it will be considered as a general objective: to analyze the penal selectivity of white-collar crimes from the perspective of critical criminology. As for the specific objectives: Study the concepts and characteristics of white collar crimes; understand the exclusion of white collar crime and determine the civilization of this crime. The study is of paramount importance for giving visibility to inequality of treatment and the hierarchization of crimes and criminals.
KEYWORDS: criminology; penal selectivity; white collar crimes.
1 INTRODUÇÃO
O termo “crimes de colarinho branco” (white collar crime), foi utilizado pela primeira vez por Edwin Sutherland, no seu discurso de posse na presidência da American Sociological Association (Associação Americana de Sociologia), no ano de 1939. Considerado um dos maiores criminalistas americanos da época, foi influenciado pela escola de Chicago no estudo do crime, que possuía como foco o determinismo dos fatores sociais, ambientais e físicos no comportamento humano.
Segundo Sutherland, deveríamos considerar como crime de colarinho branco aquele cometido por pessoas “respeitáveis”, de elevado status socioeconômico e no âmbito de suas ocupações, ofícios. Usualmente, estes delitos são cometidos sem violência e em situações comerciais para ganho financeiro. O crime é complexo e de difícil percepção, pois é praticado por criminosos sofisticados que ocultam suas atividades, muitas vezes através de diversas transações econômicas. A prática é comumente de ofensa à ordem econômica, bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Econômico.
Acerca da impunidade destes crimes, dois pontos devem ser criticamente analisados. O primeiro deles diz respeito ao sistema penal, no que tange a sua seletividade, que aparentemente possui como ponto de partida as pessoas e não as condutas em si para a elaboração do tipo. A segunda é reativa a civilização do direito penal nestes delitos, punições cíveis as condutas criminalizadas, como a utilização de multa e confisco em detrimento das penas privativas de liberdade e restritivas de direito. Além disso, as penais propriamente ditas possuem uma quantia em abstrato relativamente baixa quando comparada aos demais crimes.
Igualmente, os juízes criminais aplicam as pessoas jurídicas, por impossibilidade da utilização das sanções próprias do direto penal, medidas administrativas. Procedimento que torna menos severa a punição para delitos de ampla lesão social.
2 CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO
Na busca pela melhor compreensão do tema, se faz necessário, primeiramente, definir o que seria um crime econômico. De acordo com Brandão, o delito econômico é definido “como toda ação agressiva a um bem jurídico protegido pelo direito penal econômico expresso em uma determinada política econômica” (Brandão, 2012, p.144).
Sendo assim, toda ação que lesa o bem jurídico protegido pelo direito penal econômico, à ordem econômica, é considerada um delito econômico. Neste contexto surgem os crimes de colarinho branco, que seriam delitos econômicos praticados por pessoas consideradas “respeitáveis” no âmbito de seus ofícios, como definiu Sutherland.
Segundo a teoria da associação diferencial, idealizada por Sutherland, o processo criminoso do white collar crime é compreendido através da interação social, no interior dos grupos e de modo a transmitir as técnicas de execução. Os motivos, impulsos, racionalizações e atitudes concretas, fundamentam o crime e são variáveis conforme a frequência, duração, prioridade e intensidade das associações (Cirino dos Santos, 2002, p. 12).
Diante desta definição trazida pela teoria encontramos três características da execução deste tipo de delito. A primeira delas é mutualidade, consenso, uma vez que ocorre no interior dos grupos sociais nas relações intersubjetivas dos componentes. A segunda é a complexidade, pois existe uma técnica de execução transmitida entre os componentes dos grupos. A terceira é a sua realização no exercício das ocupações destes indivíduos, nas atribuições de ofício.
Outras duas características podem ser retiradas da essência do conceito dos crimes de colarinho branco. A primeira diz respeito ao menor nível de reprovação social destas condutas em virtude da posição social dos sujeitos ativos. A segunda, que é um desdobramento da primeira, diz respeito ao abrandamento das sanções destes delitos.
Quando associamos a respeitabilidade e elevado nível social do criminoso a natureza econômica do delito, obtemos uma equação de um crime complexo e amplamente lesivo. Entretanto, menos reprovável, e consequentemente, com sanções mais brandas.
Ante este impasse é que surgem as discussões a respeito da impunidade no crime tratado. Duas importantes críticas serão abordadas a seguir: A seletividade penal, que exclui o criminoso de colarinho branco de seu sistema e a civilização do direito penal, que abranda a sanção destes delitos.
3 SELETIVIDADE PENAL E A EXCLUSÃO DO CRIMINOSO DE COLARINHO BRANCO
No âmbito da criminalidade de colarinho branco, se faz necessário compreender a seletividade penal, uma vez aquela parece, de certa forma, imune a esta. A seletividade é considerada a função real e a lógica estrutural de funcionamento do sistema penal. (Andrade, 2012).
A crítica reside nas relações que compõem a sociedade capitalista e como elas refletem no sistema penal. Baratta esclarece:
Quando se dirigem a comportamentos típicos dos indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem às relações de produção e de distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é frequentemente muito larga quando os tipos legais têm por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos pertencentes às classes no poder. (Baratta, 2011, p. 165).
A criminalidade de colarinho branco surge ao passo que a sociedade capitalista se desenvolve. Ou seja, os sujeitos ativos encontram-se inseridos nesta sociedade e ocupam posições estruturalmente consideráveis. Ao estarem ao lado do sistema, definindo-o, tornam-se responsáveis pela rotulação e pelo etiquetamento, o que torna quase impossível considerar suas próprias conduta como desviantes.
A sociedade, que impõe desigualdades de classes, se mostra seletiva no sistema penal, quando imuniza as altas classes sociais, compostas pelos “respeitáveis” cidadãos e sacrifica as menos favorecidas, etiquetando-as com mais facilidade. Como preceitua Baratta,
O direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas subalternas. (Baratta, 2011, p. 165).
A seleção penal não ocorre apenas na criação dos tipos, que abarcam com maior quantidade e rigor as ações usualmente praticadas pelos menos favorecidos, mas também na sua elaboração técnica, que de um lado extrapola a precisão e do outro é amplo demais.
Corroborando com este argumento, são os dizeres de Baratta,
O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às chances de serem definidos e controlados como desviantes. (Baratta, 2011, p. 164).
Diante dessas informações concluísse que o cárcere nada representa a criminalidade de fato, real, apenas a criminalidade sistematicamente aparente. Ou seja, não é pego pelo sistema aquele que efetivamente comete um crime, mas sim, aquele sistematicamente escolhido através do status social.
Não podemos incluir com facilidade no contexto do cárcere a criminalidade de colarinho branco. Uma vez que, o elevado status social, a influência, principalmente na elaboração/criação dos tipos penais e a respeitabilidade, que reduz o grau de reprovação sobre o agente, acabam por mitigar a possibilidade de sanções deste nível.
4 A CIVILIZAÇÃO DO DIREITO PENAL NOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO
Entende-se pela civilização do direito penal a aplicação de medidas cíveis, e de outras áreas do direito, pelo juiz criminal. Tal atitude ocorre com mais excesso no âmbito do direto penal econômico, principalmente no que tange aos crimes de colarinho branco.
São dois os principais motivos. O primeiro deles diz respeito ao próprio tipo, que quando existente, possui maior brandura em sua pena, já que a reprovação da ação é consideravelmente menor. O segundo, está relacionado ao fato de as ações muitas vezes se exteriorizam através de pessoas jurídicas e estas, em virtude de sua natureza, sofrem sanções cíveis e administrativas, não penais, exceto quando comprovada a culpabilidade dos indivíduos que a integram.
O cárcere não é um reflexo da criminalidade de fato, real, apenas daquela sistematicamente aparente. Ou seja, o sistema capta apenas aquele que foi escolhido pelo sistema através do seu status social. Assim, não é possível incluir neste contexto os crimes de colarinho branco, pois, o elevado status social, a influência, principalmente na elaboração/criação dos tipos penais e a respeitabilidade, que reduz o grau de reprovação sobre o agente, acabam por mitigar a possibilidade de sanções restritivas de liberdade.
Diante disso, é possível compreender que a gravidade e a reprovabilidade de um crime se encontram no status social do autor da ação, não na conduta em si. O que gera um senso de impunidade aos crimes de colarinho branco, pois o perfil de seus autores, bem como o modus operandi enseja em sanções abrandadas para crimes de alta lesividade.
Em verdade, não haverá redução de criminalidade, de modo geral, enquanto a sua forma de contenção for seletiva, reafirmando as desigualdades sociais. A ideia de um direito penal igualitário neste aspecto deixa a desejar.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Do Paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no sendo comum. Revista Sequência. Florianópolis, ano 16, n. 30, jun. 1995.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
BRANDÃO, Cláudio. Jus Puniendi e a Tutela Penal da Economia. Revista Duc In Altum. Caderno de Direito, vol. 4, nº 5, jan-jun. 2012.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Os discursos sobre crime e criminalidade. Instituto de Criminologia e Política Criminal. 2012. Acesso em: 18 de outubro de 2017. Disponível em: http://icpc.org.br/wpcontent/uploads/2012/05/os_discursos_sobre_crime_e_criminalidade.pdf.
[1] Bacharel em Análise e desenvolvimento de sistemas pela Estácio de Sá e especialista em Análise e engenharia de dados pela Centro de Estudos e sistemas avançados do Recife. Docente pela Uninassau Boa Viagem. E-mail: [email protected]
Bacharela em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã, Advogada, Mestra em Historicidade dos Direitos Fundamentais pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Especialista em direito público pela Ebradi. Docente pela Uninassau Boa Viagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, LAURA GALVAO MARQUES. A seletividade penal: uma análise sobre o abrandamento das sanções dos crimes de colarinho branco no sistema penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out 2023, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63352/a-seletividade-penal-uma-anlise-sobre-o-abrandamento-das-sanes-dos-crimes-de-colarinho-branco-no-sistema-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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