RESUMO: Esse trabalho tem como intuito analisar os impactos da COVID-19 na repartição de competências da federação brasileira. Para isso, analisa-se o modelo de inicial de repartição de competências disposto na Constituição Brasileira e o Federalismo Cooperativo que se desenhou diante dos conflitos de competência decorrentes da crise sanitária proveniente da pandemia. Ainda, discorrer-se-á sobre a jurisprudência majoritária do STF nesse seguimento, em especial as recentes decisões na ADI nº 6.341, ADI nº 6.343 e ADPF nº 690, buscando concluir se este novo arranjo respeita princípios constitucionais basilares brasileiros, nos quais se baseia a Federação. Será utilizado o método de estudo bibliográfico, a partir de fontes doutrinárias, em especial constitucionais, e na jurisprudência.
Palavras-Chaves: Federalismo; Repartição de Competências; Covid-19; Saúde Pública; STF.
ABSTRACT: This work aims to analyze the impacts of COVID-19 on the division of competences of the Brazilian federation. For this, the initial model of division of competences provided for in the Brazilian Constitution and the Cooperative Federalism that was designed in view of the conflicts of competence resulting from the health crisis resulting from the pandemic are analyzed. Furthermore, the majority of the Supreme Court's jurisprudence will be discussed in this regard, in particular the recent decisions in ADI nº 6341, ADI Nº 6.343 and ADPF Nº 690, seeking to conclude whether this new arrangement respects basic Brazilian constitutional principles, on which it is based the Federation. The bibliographic study method will be used, from doctrinal sources, especially constitutional, and jurisprudence.
Keywords: Federalism; Division of Competences; Covid-19; Public Health; STF.
1 INTRODUÇÃO
A Pandemia de Covid-19 apresentou mudanças de grande impacto em todos os âmbitos da sociedade. Por óbvio, o Direito, que é produto da sociedade e se precisa adequar às mudanças da mesma, foi drasticamente afetado. Em especial, deve se considerar que o próprio arranjo da federação brasileira sofreu modificações.
Sem dúvidas, um federalismo de cooperação ganhou destaque, especialmente diante do papel de protagonismo assumido por Estados e Municípios frente à União. As competências formais e materiais para enfrentamento da pandemia foram descentralizadas e distribuídas pelos entes em todos os graus de federalismo. Neste sentido, as decisões do Supremo Tribunal Federal tiveram forte impacto e pavimentaram a construção desse novo arranjo.
Entretanto, os estudiosos do Direito se dividiram quanto à constitucionalidade desta suposta “ampliação” de competências estaduais e municipais durante a pandemia, especialmente no âmbito da proteção e defesa da saúde em suas diversas frentes.
Então, o objetivo da presente pesquisa busca observar se o novo reajuste na repartição de competências do Estado Brasileiro que surgiu diante da pandemia de Covid-19 trouxe modificações que ofenderam ou não princípios basilares da Federação Brasileira. O presente trabalho está dividido em três partes.
Na primeira parte, aborda-se o impacto da Pandemia de Covid-19 sobre os Entes Federativos. Em um segundo momento, retrata-se o modelo de federalismo brasileiro, partindo-se do modelo tradicional de repartição de competências previsto constitucionalmente para um modelo de federalismo de cooperação, destacando a competência administrativa e legislativa em relação à saúde pública.
Na terceira parte, avaliam-se as decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal que começaram a traçar a nova divisão da repartição de competências no âmbito da pandemia, com descentralização das competências da União frente a Estado e Municípios, que ganham muito maior poder e independência normativa e administrativa para tratar dos assuntos relativos à crise sanitária da Covid-19.
Por fim, reflete-se sobre os possíveis impactos dessas mudanças nas repartições de competências constitucionais trazidas a tonas e se são as mesmas embasadas constitucionalmente.
A metodologia utilizada para desenvolvimento deste trabalho foi a abordagem qualitativa, sendo feita uma pesquisa exploratória de cunho bibliográfico e documental, assim como uma análise empírica jurisprudencial.
2 A PANDEMIA DE COVID-19 E OS ENTES FEDERATIVOS
No final de 2019, a sociedade conheceu o novo Coronavírus, que se espalhou pelo globo com absurda rapidez. Essa doença viral, ao atingir diversos países do mundo, causou mortes em massa e o esgotamento do sistema de saúde pública mesmo das nações consideradas mais “preparadas”. No Brasil não foi diferente.
No entanto, diferentemente de outros governos federais, o brasileiro deixou a desejar em suas medidas de enfrentamento da pandemia, quedando omisso quanto a medidas de isolamento social, por exemplo, ou, mais gravemente ainda, divergindo e contradizendo as principais medidas profiláticas adotadas no pelo mundo e incentivadas pela Organização Mundial da Saúde, como uso de máscaras, higienização constante e distanciamento social.
Essa divergência ocorreu também entre as unidades da Federação, em seus âmbitos estaduais e munincipais. Isso trouxe uma discursão acerca das competências dos entes no que tange a saúde pública brasileira, como a competência material comum dos atos e medidas do Poder Executivo e a competência legislativa concorrente das leis federais e estaduais.
Como se sabe, exige-se que a Administração Pública, em todas as suas esferas, busque efetivar os objetivos fundamentais dispostos no art. 3° da Constituição, colocando em prática, na medida do financeiramente possível, direitos e garantias fundamentais, entre estes, o direito à saúde. E para isso, é claro, torna-se necessário prestações positivas através de atos administrativos e atos legislativos para a efetivação desses direitos.
De fato, a crise do COVID-19 exigiu que fossem adotadas medidas extraordinárias na tentativa de frear o avanço da pandemia no país, medidas que foram tomadas pela União e pelos demais entes federativos, mas que não se mostraram harmônicas, pelo contrário, entraram muitas vezes em contradição. Essas contradições, influenciadas pelas dúvidas que permeavam o âmbito científico sobre a melhor maneira de enfrentar o vírus, acabaram gerando repercussão jurídica sobre a competência de cada ente federativo na tratativa do problema, tanto tratando - se de competência material comum como de competência legislativa concorrente.
Sobre o tema:
A situação se torna mais complexa quando (i) atos do Poder Executivo ou (ii) leis que tratem de questões de saúde pública “como objetivo final” afetam ou normatizam de modod direto ou indireto questões como transporte (interestadual, intermunicipal ou municipal), finanças, tributos e obrigações assessórias, acesso a água, saneamento, produção, consumo, sanções por descumprimento de normas, etc.
Dependendo da área de gestão afetada ou de lei específica pode emergir novo conflito em que haja uma competência privativa da União, seja de ordem executiva (material), seja de natureza legislativa, de que tratam os artigos 21 e 22 da CF.
Ou pode surgir nova questão de competência comum ou concorrente entre União e estados (artigos 23 e 24 da CF) em área que extrapola a saúde pública, sobre o qual os Tribunais Estaduais ou Superiores têm firmado jurisprudência ora garantindo maior autonomia executiva ou legislativa aos Estados, ora reconhecendo que as normas gerais da União são prevalentes, do ponto de vista prático, sobre quase todos os aspectos de uma matéria ou assunto. (Silva; Napoleão; Lamare, 2020).
Diante disso, para que se possa compreender os impactos que esses conflitos trouxeram, é necessário fazer uma breve análise do modelo de federalismo adotado no Brasil.
3 O MODELO DE FEDERALISMO BRASILEIRO
De forma geral, os doutrinadores entendem a existência de dois tipos de federalismo adotados no mundo. O primeiro modelo, chamado de federalismo dual, tem uma separação de atribuições entre os entes federativos extremamente rígidas, sem qualquer interferência ou cooperação entre estes. Com o nascimento do Estado de Bem-Estar Social e o menor interesse em governos rígidos, mas sim na manutenção dos direitos fundamentais sociais, ou direitos de segunda geração, surgiu o federalismo cooperativo.
O federalismo cooperativo, na contramão do federalismo anterior, baseia-se em uma verdadeira cooperação entre os entes, como diz o próprio nome. Nele, as atribuições devem ser exercidas de modo comum ou concorrente, não centralizando todo o poder em apenas um deles. Foi esse o modelo adotado pelo Estado Brasileiro, consagrado pela Constituição de 1988, descrito no artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (BRASIL, 1988). Ressalve-se que a forma federativa é tão importante para o Estado brasileiro que é cláusula pétrea, isto é, não poderá ser objeto de proposta de emenda para altera-la ou aboli-la (artigo 60, § 4º, inciso I, da CF/88).
Além disso, nosso modelo também traz o reconhecimento de três ordens político-administrativas, denominado de “terceiro grau” do federalismo ou de “federalismo tridimensional”. No federalismo brasileiro, são entes federados a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, todos autônomos nos termos no artigo 18, da CF/88.
Segundo o professor Pedro Lenza em seu livro Direito Constitucional Esquematizado:
Estados federados são autônomos, em decorrência da capacidade de auto organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação. Trata-se de autonomia, e não de soberania, na medida em que a soberania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. (LENZA, 2019, p.767)
Nessa linha, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ensinam que:
Os entes federados são todos autônomos (nunca soberanos), nos termos estabelecidos na Constituição Federal, inexistindo subordinação entre eles. Todos os entes federados retiram sua autonomia do texto da Constituição, isto é, das competências que lhes são por ela outorgadas. Não há precedência de um ente federado sobre outro, mas sim distribuição de competências, em caráter privativo ou concorrente. No exercício de suas atribuições fixadas constitucionalmente, o Município é tão autônomo quanto a União, quando esta atua no desempenho de suas competências próprias. (Paulo; Alexandrino, 2011, p. 280)
Desta maneira, observa-se que importante que a autonomia, diferentemente da soberania, implica, necessariamente, descentralização do poder, tanto administrativa como política. Logo, todos os entes federados podem, por suas próprias autoridades, executar leis, através de atos administrativos (competência material ou administrativa), além de elaborá-las (competência legislativa).
O pacto federativo, como dito anteriormente, teve como intuito facilitar a contato entre os entes para efetivar os direitos da sociedade, cada qual em sua esfera cabível. Para isso, também foram instituídos os princípios de inexistência de hierarquia e subsidiariedade. Enquanto o primeiro veda a prevalência da União sobre os estados ou destes sobre os Municípios, conforme suas competências, o segundo esclarece que tudo aquilo que o ente menor puder fazer de forma mais econômica, célere e eficaz não deve ser feito pelo ente maior.
De acordo com os ensinamentos de Carvalho:
No Estado Federal, assinale-se que as normas não são hierarquizadas em função da origem de sua emanação, mas em virtude de um critério de competências para editá-las, estabelecido pela Constituição Federal. Desse modo, o que coloca as leis em posição de superioridade ou inferioridade em relação umas às outras, é a sua espécie e o exercício de competências legislativas que dará à lei a sua posição hierárquica. (CARVALHO, 2010, p.1036)
3.1 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
Como explanado anteriormente, a repartição de competências entre os entes federados está diretamente relacionada ao conceito de federalismo. Essa repartição de competências é efetuada diretamente pela Constituição ou autorizada por ela.
No tocante a competência administrativa, a CF/88 dispõe, em seu artigo 21, sobre a competência exclusiva da União, que trata de questões relacionadas ao estado-nação, sendo indelegável a qualquer ente e, em seu artigo 23, de regras próprias para competência comum aos quatro entes federativos.
No âmbito da competência legislativa, subdivide-se em: privativa, concorrente, suplementar e reservada. O artigo 22, caput, prevê a competência legislativa privativa da União, enquanto o parágrafo único do mesmo instrumento expõe a competência delegada. Esta última é o meio pelo qual a União autoriza, por lei complementar, que os Estados a legislem acerca de questões específicas de matérias de sua competência privativa.
O artigo 24, por sua vez, traz a competência concorrente. Essa existe entre a União, os Estados e o Distrito Federal, de maneira que cabe a União legislar sobre normas gerais e aos Estados e Distrito Federal legislar sobre questões específicas, além de exercer a competência suplementar em caso de inércia legislativa da União.
Finalmente, a competência reservada, também conhecida como remanescente ou residual, é conferida aos Estados após a enumeração dos outros entes federativos e possibilita a atividade legislativa em relação às matérias não vedadas implícita ou explicitamente (artigo 25, § 1º, da CF/88).
3.1.1 COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA
A competência administrativa no tocante à saúde pública é comum aos quatro entes federativos, artigo 23, da CF/88: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência" (BRASIL, 1988).
Em outras palavras, compete à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal formular e executar políticas públicas de saúde, incumbindo-lhes o dever de atuação, através da cooperação entre os entes, em uma das áreas vulneráveis do Estado Moderno. Vislumbra-se um exemplo da competência comum no Sistema Único de Saúde (SUS), que foi criado pela própria Lei Magna, artigo 198.
3.1.2 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA
A CF/88 atribuiu competência concorrente aos entes federativos para legislar sobre a proteção e defesa da saúde, artigo 24, inciso XII: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XII - previdência social, proteção e defesa da saúde" (BRASIL, 1988).
Como explicado acima, nessa espécie de competência legislativa, cabe à União elaborar normas gerais; aos Estados incumbe estabelecer normas específicas, de acordo com as peculiaridades regionais e de modo a suplementar a legislação federal; e aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, podendo suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (artigo 30, incisos I e II, da CF/88).
4 A COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERATIVOS QUANTO AO COMBATE A PANDEMIA: DEMOCRACIA EM RISCO?
Como dito, a má atuação do governo federal, aliada a necessidade de elaboração e concretização de medidas urgentes de combate à pandemia, foi um dos estopins do conflito de competências federativas.
Em fevereiro de 2020, foi editada a Lei federal nº 13.979/2020 para esse enfrentamento. Nela, citaram-se as medidas a serem adotados para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, artigos 2º, I e II e 3º, I a VIII e § 1º, in verbis:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
Parágrafo único. As definições estabelecidas pelo Artigo 1 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020 , aplicam-se ao disposto nesta Lei, no que couber.
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
III - determinação de realização compulsória de:
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual; (Incluído pela Lei nº 14.019, de 2020)
IV - estudo ou investigação epidemiológica;
V - exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;
VI - restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020) (Vide ADI 6343)
VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e
VIII – autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus, desde que: (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e
a) registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países: (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
1. Food and Drug Administration (FDA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
2. European Medicines Agency (EMA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
3. Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
4. National Medical Products Administration (NMPA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
b) ( revogada ). (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública. (BRASIL, 2020)
Ocorre que, quando em março de 2020 chegaram os primeiros casos da doença ao Brasil, alguns prefeitos e governadores editaram decretos restringindo direitos previstos constitucionalmente, de maneira descoordenada, desprezando a esfera de competência destinada à União para tratar sobre questões de saúde. Em alguns Estados e Municípios houve proibição de atividade econômica, ao mesmo tempo em que em outros não houve qualquer restrição.
O conflito foi levado ao STF que, por meio da ADI nº 6341, constatou que prefeitos e governadores estão aptos a adotarem medidas de combate ao vírus, visto tratar-se de proteção à saúde, matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme o disposto no artigo 23, inciso II, da CF/88. Outrossim, entendeu-se que, mesmo que o Presidente da República possa dispor de decreto sobre os serviços públicos e atividades essenciais, esse deve incluir a atribuição de cada esfera governamental, por meio da interpretação do artigo 198, inciso I, da CF/88.
EMENTA: REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. EMERGÊNCIA SANITÁRIA INTERNACIONAL. LEI 13.979 DE 2020. COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR E ADOTAR MEDIDAS SANITÁRIAS DE COMBATE À EPIDEMIA INTERNACIONAL. HIERARQUIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. COMPETÊNCIA COMUM. MEDIDA CAUTELAR PARCIALMENTE DEFERIDA. 1. A emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, não implica nem muito menos autoriza a outorga de discricionariedade sem controle ou sem contrapesos típicos do Estado Democrático de Direito. As regras constitucionais não servem apenas para proteger a liberdade individual, mas também o exercício da racionalidade coletiva, isto é, da capacidade de coordenar as ações de forma eficiente. O Estado Democrático de Direito implica o direito de examinar as razões governamentais e o direito de criticá-las. Os agentes públicos agem melhor, mesmo durante emergências, quando são obrigados a justificar suas ações. 2. O exercício da competência constitucional para as ações na área da saúde deve seguir parâmetros materiais específicos, a serem observados, por primeiro, pelas autoridades políticas. Como esses agentes públicos devem sempre justificar suas ações, é à luz delas que o controle a ser exercido pelos demais poderes tem lugar. 3. O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os Estados e os Municípios. 4. A diretriz constitucional da hierarquização, constante do caput do art. 198 não significou hierarquização entre os entes federados, mas comando único, dentro de cada um deles. 5. É preciso ler as normas que integram a Lei 13.979, de 2020, como decorrendo da competência própria da União para legislar sobre vigilância epidemiológica, nos termos da Lei Geral do SUS, Lei 8.080, de 1990. O exercício da competência da União em nenhum momento diminuiu a competência própria dos demais entes da federação na realização de serviços da saúde, nem poderia, afinal, a diretriz constitucional é a de municipalizar esses serviços. 6. O direito à saúde é garantido por meio da obrigação dos Estados Partes de adotar medidas necessárias para prevenir e tratar as doenças epidêmicas e os entes públicos devem aderir às diretrizes da Organização Mundial da Saúde, não apenas por serem elas obrigatórias nos termos do Artigo 22 da Constituição da Organização Mundial da Saúde (Decreto 26.042, de 17 de dezembro de 1948), mas sobretudo porque contam com a expertise necessária para dar plena eficácia ao direito à saúde. 7. Como a finalidade da atuação dos entes federativos é comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde. 8. Medida cautelar parcialmente concedida para dar interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do artigo 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais. (BRASIL, 2020)
Nesse sentido também foi o entendimento do Congresso Nacional, por meio da Lei nº 14.035/2020:
§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
§ 9º A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa. (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020) (BRASIL, 2020)
Outro conflito de competência se originou dos decretos estaduais e municipais restringindo a entrada e saída de pessoas de seus territórios, como medida de isolamento. Entendendo que tais medidas não eram cabíveis, a União alterou a Lei citada, deixando claro que somente o Poder Executivo Federal poderia dispor sobre restrição de locomoção interestadual e municipal.
A ADI nº 6343 tratou sobre o tema:
Ementa: CONSTITUCIONAL. PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). AS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS SÃO ALICERCES DO FEDERALISMO E CONSAGRAM A FÓRMULA DE DIVISÃO DE CENTROS DE PODER EM UM ESTADO DE DIREITO (ARTS. 1º E 18 DA CF). COMPETÊNCIAS COMUNS E CONCORRENTES E RESPEITO AO PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE (ARTS. 23, II, 24, XII, E 25, § 1º, DA CF). CAUTELAR PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1.Em momentos de acentuada crise, o fortalecimento da união e a ampliação de cooperação entre os três poderes, no âmbito de todos os entes federativos, são instrumentos essenciais e imprescindíveis a serem utilizados pelas diversas lideranças em defesa do interesse público, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de COVID-19. 2.A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde. 3.A União tem papel central, primordial e imprescindível de coordenação em uma pandemia internacional nos moldes que a própria Constituição estabeleceu no SUS. 4.Em relação à saúde e assistência pública, a Constituição Federal consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II e IX, da CF), bem como prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF); permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei 8.080/1990). 5.Não compete, portanto, ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento ou isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos, como por exemplo, os estudos realizados pelo Imperial College of London, a partir de modelos matemáticos (The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression, vários autores; Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand, vários autores). 6.Os condicionamentos imposto pelo art. 3º, VI, “b”, §§ 6º, 6º-A e 7º, II, da Lei 13.979/2020, aos Estados e Municípios para a adoção de determinadas medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia do COVID-19, restringem indevidamente o exercício das competências constitucionais desses entes, em detrimento do pacto federativo. 7.Medida Cautelar parcialmente concedida para: (a) suspender, sem redução de texto, o art. 3º, VI, “b”, e §§ 6º, 6º-A e 7º, II, excluídos Estados e Municípios da exigência de autorização da União, ou obediência a determinações de órgãos federais, para adoção de medidas de restrição à circulação de pessoas; e (b) conferir interpretação conforme aos referidos dispositivos para estabelecer que as medidas neles previstas devem ser fundamentadas em orientações de seus órgãos técnicos correspondentes, resguardada a locomoção de produtos e serviços essenciais definidos por ato do Poder Público federal, sempre respeitadas as definições no âmbito da competência constitucional de cada ente federativo. (BRASIL, 2020)
Nesta, o STF determinou a suspenção parcial, sem redução de texto, dos artigos. 3º, VI, “b”, e §§ 6º e 7º, II, da lei inicialmente editada:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
entrada e saída do País; e (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
§ 6º Ato conjunto dos Ministros de Estado da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da Infraestrutura disporá sobre as medidas previstas no inciso VI do caput deste artigo, observado o disposto no inciso I do § 6º-B deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
§ 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:
II – pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, III-A, V e VI do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020) (BRASIL, 2020)
Para isso, o Supremo também se baseou nas competências federativas dos entes, determinando a desnecessidade de autorização ou observância dos estados e municípios ao ente federal, que devem ter resguardadas a locomoção de seus produtos e serviços essenciais definidos por decreto da respectiva autoridade federativa, assim como a importância de que as medidas sejam precedidas de recomendação técnica e fundamentação.
Por fim, a ADPF nº 690 decidiu que o Ministério da Saúde tem a obrigação de fazer a divulgação integral e diário de dados sobre a Covid-19, em virtude dos princípios constitucionais da publicidade e da transparência, em uma interpretação dos artigos 5º, XXXIII e 37, caput (STF, 2021).
Logo, a análise dos casos relatados revela que o Supremo Tribunal através dessas decisões, demonstrou, no âmbito do Judiciário, preocupação diante de possíveis efeitos negativos que uma centralização de poder na área da sáude poderia vir a desencadear. De fato, as problemáticas da gestão pública na área da saúde ficaram claras com o avanço da pandemia do Covid-19 em inúmeros países.
A constituição brasileira, demonostrou, já no início do enfrentamento da pandemia, que a divisão e distribuição de competências entre os entes federados, da forma como desenhada pelo constituinte originário, não era apta a permitir o enfrentarmento da crise sanitária de maneira satisfatória.
Sem dúvidas, as decisões do Supremo Tribunal Federal, com uma interpretação ampliativa e que aumentou a autonomia de Estados e Municípios em na questão sanitária, foram ao encontro do que o próprio texto constitucional já indicava a partir de sua leitura como um todo: que as competências no âmbito da saúde são de caráter comum na busca pela efetivação do direito fundamental à saúde.
Neste sentido, para enfrentar uma crise que se manifestava em proporções desastrosas pelo mundo e não recebia tratamento satisfatório em âmbito federal, um modelo de federação baseado na coooperação e na sintonia política entre os entes se apresentou mais eficiente para garatir de forma eficaz as demandas da população.
Sobre isso, Carvalho Filho em seu artigo intilulado “Instituições desalinhadas e ameaça à democracia”, afirma que:
Democracia e instituições são indissociáveis e interdependentes: aquela por traduzir o regime do Estado e estas por serem as estruturas de apoio. Se as instituições funcionam bem, o regime democrático tende a se estabilizar e consolidar; se atuam em desalinho, a tendência é que cresçam as ameaças ao regime. E, para funcionar bem, as instituições devem prover-se de harmonia, como uma máquina de peças bem ajustadas, e nunca de antagonismos, ressentimentos e ambições.
No âmbito de uma república democrática federativa, devem sobressair as instituições inerentes aos Poderes, fixados para a distribuição de funções, e ao Estado federal, adequado à descentralização política.
(...)
Vários têm sido os exemplos de desalinho das instituições.
No concernente aos Poderes da república, as instituições que os representam invadem frequentemente, de forma abusiva, a esfera de atribuições constitucionais pertencentes a Poder diverso. O Executivo se arvora em legislador, editando medidas provisórias precipitadas e inconstitucionais. O STF ofende a competência do Congresso Nacional e profere decisões com verdadeira força de lei; viola também a competência do Executivo, julgando questões de políticas públicas privativas da Administração, ou expede determinações de fazer ou não fazer às autoridades administrativas. Além disso, instaura inquéritos anômalos e expede medidas arbitrárias e prescindíveis.
Já quanto à desarmonia no âmbito federativo, o cenário não é diferente, e a pandemia comprovou isso. Há um flagrante desencontro entre as instituições federais, estaduais e municipais. Isso ficou ainda mais evidente com a decisão do STF que reconheceu a Estados e Municípios competência concorrente para as medidas de enfrentamento à COVID-19. E qual foi o efeito? Cada uma das unidades passou a agir por conta própria, umas liberando a circulação e outras permanecendo com a quarentena rígida. E ninguém se entende: os entes federativos brigam entre si e se acusam reciprocamente. As populações ficam sem saber o que fazer.
Logo, O STF decidiu que as medidas de saúde são de competência de todos os entes, vez que, dentro dos quadros do “federalismo cooperativo” ou “federalismo de integração”, compete concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, § 1 da CF/88). Além disso, constitui competência comum da União, Estados, DF e Municípios “cuidar da saúde e assistência pública” (art. 23, II da CF).
Tal decisão teve por fundamento precípuo o próprio federalismo cooperativo ou federalismo de integração anteriormente explanado. Tal federalismo fortalece a democracia, pois promove a desconcentração do poder e facilita a aproximação do povo com os governantes, gravitando em torno do princípio da autonomia e da participação política.
O Estado federal repousa sobre dois importantes valores: inexistência de hierarquia entre os seus integrantes e o princípio da subsidiariedade. Por meio da inexistência de hierarquia não se permite cogitar da prevalência da União sobre os Estados, ou destes sobre os Municípios, consideradas as competências que lhe são próprias. Já o princípio da subsidiariedade significa que tudo aquilo que o ente menor puder fazer de forma mais célere, econômica e eficaz não deve ser empreendido pelo ente maior.
Ao modelar a repartição de competências do Estado Brasileiro através da jurisprudência, e desta maneira, o Supremo Tribunal Federal demonstrou mais uma vez a importância do poder constituinte difuso e da mutação constitucional no Ordenamento Jurídico Brasileiro ao adaptar o Direito ao enfrentamento da crise sanitária em concreto.
O STF construiu uma linha de entendimento baseada nos princípios da precaução e da eficácia, com competências comuns mais evidenciadas frente às chamadas competências concorrentes que por muitas vezes esvaziavam o poder de ação de Estados e Municípios no aguardo de normativos gerais da União.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a repartição de competências no combate ao Covid-19, foi possível considerar alguns aspectos.
O modelo de repartição de competências tradicional do Estado Brasileiro não se mostrou viável no momento de crise desencadeado inicialmente pela pandemia. Não há como ignorar que o contexto político do país influenciou na forma em que o Executivo Federal se portou, com a adoção de medidas provisórias que esvaziavam as ações do Executivo tanto em âmbito Estadual como Municipal. O que se percebeu recentemente comprova a fragilidade e incapacidade do nosso sistema federativo de lidar com a dinâmica de crise
De fato, ficou claro que os entes sentiram sua autonomia invadida. Além disso, o próprio Poder Executivo Federal sentiu as interferências em seu poder através das medidas que os entes tomaram para lidar com a pandemia, as quais n]ao necessariamente estavam de acordo com o pensamento em âmbito federal
Entretanto, como visto, os legisladores, em todos os âmbitos, precisaram agir de maneira rápida visando enfrentar a crise de acordo com suas realidades concretas, tão distintas em termos sociais e econômicos tanto em plano Estadual como Municipal.
Na verdade, conclui-se que principal preocupação no que tange aos conflitos de competência não consiste na discursão das competências em si, mas a preocupação democrática que se põe em foco – até mesmo uma crise humanitária e econômica.
Este conflito entre entes acabou levando a discussão para o STF, que consolidou uma jurisprudência que flexibiliza o modelo de repartição de competências constitucional e efetiva a ideia de federalismo por cooperação.
Assim, as decisões da Suprema Corte brasileira balizam uma nova ideia de repartição de competências, trazendo uma nova interpretação sobre a dinâmica das competências consideradas comuns e das competências consideradas concorrentes.
Esta nova interpretação fortaleceu os entes subnacionais no arranjo federativo brasileiro e possibilitou a ampliação das restrições no combate da pandemia, restrições estas que não estavam em harmonia com o modelo de combate a pandemia que vinha sendo adotado em âmbito federal, mas se mostraram acertadas e necessárias.
Não há dúvidas de que o entendimento do STF e do Congresso Nacional vão de encontro ao disposto da CF/88, que principia o federalismo cooperativo, e não rígido. Como cada ente foi afetado de maneira diferente conforme seu espaço, não seria cabível a proibição de cada um acerca da essencialidade ou não de serviços para a proteção de seus indivíduos. De fato, essa é claramente a maneira mais efetiva e responsável de proteção diante da pandemia.
Assim como observado anteriormente, parece acertada a posição do STF, vez que muito mais lógico e racional que cada entidade federativa seja tratada com suas particularidades, de acordo com as realidades locais, analisando a situação em cotejo com o número de casos confirmados, índices de contágio e número de mortos. A situação extraordinária também exigia adoção de medidas extraordinárias, nem sempre iguais em um país de dimensões continentais como o Brasil.
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Direito pela UFPI. Advogada e Procuradora do Município de Guaratinguetá/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RESENDE, Maria do Socorro Moreira de. Uma análise dos impactos da Covid-19 na repartição de competências da federação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2023, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63375/uma-anlise-dos-impactos-da-covid-19-na-repartio-de-competncias-da-federao-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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