RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a atual crise a qual atravessa o sistema político brasileiro. Desde a promulgação da nossa Carta Magna, em 1988, o Brasil adotou o sistema político denominado “Presidencialismo de Coalisão”. Ao longo destas quase três décadas este sistema apresentou diversas controvérsias, culminando em graves crises políticas. Como exemplo, pode-se citar os dois processos de impeachment (impedimento de dois presidentes da república) que o país atravessou no período. Neste artigo realizar-se-á uma busca histórica a origem do sistema presidencialista (surgido com a independência dos EUA), as marcantes diferenças do modelo americano e brasileiro, e a evolução deste sistema no Brasil até que se tenha chegado no Presidencialismo de Coalisão e suas características. Ao final, será proposto um novo modelo de sistema político com o objetivo de amenizar as tensões políticas.
Palavras-chave: Governo, Democracia, Parlamentarismo, Presidencialismo, Coalisão.
1. INTRODUÇÃO
Por influência norte-americana os países da América Latina, dentre eles o Brasil, ado taram em sua maioria o sistema presidencialista de governo. No caso brasileiro, após a Proclamação da República, esta foi a maneira encontrada pelos republicanos de manter a unificação do país. Entretanto, diferente dos ianques, por aqui e nos vizinhos latinos, o sistema presidencialista sempre flertou com o autoritarismo. Desta forma é necessário um estudo desta razão, e dos demais sistemas de governo para que independentemente do modelo adotado, o estado democrático de Direito seja sempre preservado.
No Direito comparado, a maioria dos países do mundo ocidental adotam predominantemente dois sistemas de governo: Parlamentarismo e Presidencialismo. Enquanto o primeiro surgiu após a Revolução Inglesa, e inspirou diversas repúblicas europeias, o segundo sistema surgiu pautado nos ideais de Montesquieu, através da independência dos Estados Unidos da América perante a coroa inglesa, e posteriormente influenciou os países Latino-americanos.
Antes de tratar especificamente sobre o presidencialismo e seus problemas no Brasil atual, é importante traçar um paralelo com o sistema parlamentar visto que o presidencialismo adveio do primeiro com similaridades e diferenças. Para que se pense alternativas a crise política brasileira (objetivo do artigo) é necessário compreender ambos os sistemas, suas ramificações e como se comportam no mundo atual.
2. PARLAMENTARISMO
O Parlamentarismo surgiu na Inglaterra e seu objetivo principal foi limitar o poder dos monarcas absolutistas. Há divergências entre os historiadores sobre quando o sistema passou, de fato, a produzir efeitos. Isto porque, segundo alguns, antes da revolução gloriosa a Inglaterra já demonstrava características do sistema parlamentar. Este artigo irá adotar a ideia de LOEWEISTEN de que o parlamentarismo de fato iniciou com o “Bill of rights”, que foi o primeiro documento da Inglaterra a garantir alguns direitos fundamentais como a liberdade e o direito sobre a propriedade privada.
Acerca das características gerais do sistema, RAUL MACHADO HORTA ensina que:
[. . . ] o regime parlamentar compõe-se de elementos permanentes e individualizadores, cuja ausência pode comprometer a essência do regime, a saber: 1 ) a irresponsabilidade política do Chefe de Estado; 2 ) a responsabilidade política do Conselho de Ministros ou Gabinete e do Presidente do Conselho ou Primeiro-Ministro, Chefe do Governo; 3 ) a colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo; 4 ) a existência de meios de ação recíproca de cada um dos Poderes sobre o outro: moção de censura, questão de confiança, interpelações orais e escritas, direito de dissolução. (HORTA, 1987)
Para elucidar melhor o sistema parlamentarista, recorro as palavras do atual Ministro do STF, Luís Roberto Barroso:
O parlamentarismo tem como característica fundamental a divisão do Poder Executivo entre um chefe de Estado e um chefe de Governo. Este último é normalmente denominado Primeiro-Ministro, sendo escolhido pelo Par lamento5. O Primeiro-Ministro depende, para a estabilidade de seu governo, da manutenção do apoio parlamentar. Esta dualidade no Executivo e a responsabilização do chefe de Governo perante o Poder Legislativo são os traços fundamentais do sistema parlamentarista6. A estrutura do poder segue a repartição tripartite, mas a separação entre os Poderes Executivo e Legislativo não é rígida. O chefe de Estado, por sua vez, exerce funções predominantemente protocolares, de representação simbólica do Estado. Não é por outra razão que, em pleno século XXI, o posto continua a ser exercido por Monarcas em diversos países caracterizados por elevados índices de desenvolvimento econômico e social, como Reino Unido, Dinamarca e Holanda, em meio a outros. Várias vantagens são atribuídas a esse sistema de gov erno7. A principal delas é tornar a relação entre Executivo e Legislativo mais harmoniosa e articulada. O chefe de Governo é, em regra, oriundo dos quadros do Legislativo, sendo indicado pelo partido que obteve maioria nas eleições parlamentares. Esse apoio da maioria facilita a atuação político administrativa. No entanto, não é incomum que a maioria do Parlamento retire seu apoio ao Governo, embora isto se dê apenas em face de graves divergências. Nesse caso, ocorre a aprovação de um voto de desconfiança e o Governo é substituído. Em seu lugar, passa a governar um novo Gabinete, que tenha obtido apoio parlamentar. É possível, inclusive, que em uma mesma legislatura o Governo seja substituído várias vezes, sem que, para isso, sejam feitas novas eleições parlamentares. Não há, portanto, a hipótese de um Governo que não seja apoiado pela maioria do Parlamento. Isso per mite, em tese, uma maior eficiência do Governo, que não tem a sua ação obstruída por um Legislativo hostil. Por conta dessa possibilidade de substituição facilitada do Gabinete governamental, o sistema se torna mais propício à superação de crises políticas. Se o Governo não possui mais o apoio do Parlamento, este pode aprovar uma moção de desconfiança, o que leva à queda do Gabinete. Observe-se que isso pode se dar por razões políticas, e não apenas por razões éticas. Se o Governo enfrenta uma crise grave, não só por conta de algum procedimento reputado ilegal ou ilegítimo8, mas também em razão de uma decisão política que tomou, ele é substituído imediatamente, sem que seja necessária a instauração de um processo complexo e frequentemente conturbado como o de impeachment. O Governo não possui mandato. Ele governa apenas pelo período em que goze de apoio parlamentar. Por outro lado, o Governo terá também mecanismos para evitar a obstrução contínua por parte do Parlamento, solicitando ao Presidente a dissolução da legislatura. Pode-se objetar que essa virtude do parlamentarismo tem o seu reverso: nem sempre haverá concerto entre o Legislativo e o Executivo, o que provocará instabilidade, com sucessivas trocas de Gabinete10. A consta tação, de fato, se confirma na história. É comum que alguns países parlamentaristas passem por períodos de sucessivas trocas de gabinete. Em 54 anos de pós-guerra, a Itália já havia conhecido 58 gabinetes11. Mas o inverso também se verifica. Há casos em que um mesmo gabinete governa por diversas legislaturas. Lembre-se, por exemplo, do que tem ocorrido na Inglaterra, país em que o Partido Conservador governou por diversas legislaturas (18 anos), sendo em seguida substituído pelo Partido Trabalhista, que governa desde 199712. O sistema, portanto, nem sempre é capaz de prevenir crises, mas oferece mecanismos mais céleres e menos traumáticos para sua superação. Alega-se, em relação ao parlamentarismo, que o sistema depende de um ambiente no qual o quadro partidário seja dotado de racionalidade e não seja excessivamente fragmentado. De fato, a funcionalidade do modelo diminui em situações nas quais sejam necessárias coalizões complexas, que são menos estáveis e supervalorizam o papel de pequenos partidos, quando necessários à composição da maioria parlamentar. Portanto, como regra, o argumento é procedente. Ele desconsidera, no entanto, que o próprio parlamentarismo tende a conformar um sistema partidário mais depurado. De fato, nesse sistema a atividade parlamentar torna-se mais centrada na atuação dos partidos, já que são eles que indicam os Governos. Para mudar o Governo, o povo deverá votar de modo a alterar a composição partidária do Par lamento. No Brasil, a percepção geral é de que o Presidente da República é escolhido pelo povo de modo mais atento e cuidadoso que os parlamentares. De fato, a população se mobiliza muito mais para a escolha do chefe do Executivo do que para a dos Deputados. Nos países em que a eleição do chefe de Governo depende do partido ao qual a maioria dos parlamentares pertence, essa atenção especial se transfere, pelo menos em parte, para as eleições par lamentares. Considere-se, sobretudo, que durante o processo eleitoral os partidos já apresentam o quadro partidário que ocupará, em caso de vitória, a função de Primeiro-Ministro. Para utilizar um termo usado por Ackerman em outro contexto, há uma “institucionalização do carisma”, o que certamente exerce um importante papel no fortalecimento dos partidos.” (BARROSO,2006)
Conforme demonstrado pelo ministro, o sistema parlamentar se difere do presidencialista, o qual o Presidente da República possui responsabilidade política. Ademais, em muitos casos, o chefe de governo, ou primeiro-ministro, possui mesma posição hierárquica (ou similar) dos demais componentes do gabinete presidencial. Sendo assim, caso ocorra o voto de desconfiança por parte do parlamento todo o gabinete sofrerá com as consequências. Esta é uma crucial diferença entre o sistema parlamentar e o presidencial. No presidencialismo, o Presidente é a figura superior hierárquica do governo, portanto possui maior autoridade. Todavia, em caso de sanção (impeachment) responderá sozinho, podendo ocorrer situações esdruxulas como no Brasil atual, em que alguns ministros da presidenta Dilma Roussef continuaram no cargo após o processo de impeachment e hoje são ministros de Michel Temer.
3. PRESIDENCIALISMO
O regime adotado no Brasil desde a Proclamação da República em 1891 (com breve pausa para uma experiência parlamentar entre 1961 e 1963), tem sua origem nos Estados Unidos da América. Até então, as ideias do filósofo Montesquieu, não haviam sido aplica das na prática. Do filósofo surgiu a teoria da separação de poderes independentes entre: Executivo, Legislativo e Judiciário. O presidencialismo não surgiu através de um longo processo evolutivo, como o Parlamentarismo. Foi uma saída diferente encontrada pelos colonos que precisavam de um sistema que os diferissem do regime monárquico. Vale ressaltar, que o sistema se firmou após a Guerra de Secessão. Nesta, ficou claro que o pais necessitava de um governo central e um executivo forte. Sendo assim, o presidencialismo Americano se deu através do federalismo centrípeto pois os Estados soberanos que formaram inicialmente uma confederação, posteriormente se compuseram através da federação. Este conceito é importantíssimo para compreender as diferenças entre Brasil e Eua. Por aqui, os nossos Estados não possuem a soberania dos Estados Americanos, o que é danoso em um país de dimensões continentais.
O professor RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIUZA, discorrendo sobre a Constituição norte-americana, ensina:
Uma das cinco questões mais discutidas pela Convenção de Filadélfia foi a estrutura do órgão executivo. Vários convencionais-constituintes defendiam a criação de um Executivo colegiado, com um mandato de quatro, sete ou dez anos. Alexander Hamilton chegou a sugerir o mandato vitalício com sucessor hereditário! Houve quem defendesse a ideia de um chefe do Executivo eleito pelo Congresso para um termo de sete anos, sem reeleição. Finalmente chegou-se à decisão: um presidente eleito por quatro anos com direito à reeleição. E sua eleição deveria ser feita por um colégio de eleitores escolhidos nos Estados-Membros (sem a participação de congressistas, é bom frisar). Tal princípio está contido no artigo II, Seção 1, n. 3, da Constituição, complementado pela Emenda XII, de 1804. (FIUZA, 2013)
Sobre o sistema presidencialista o Ministro Luís Roberto Barroso elucida em estudo:
No sistema presidencialista, os poderes da chefia de Estado e de Governo se concentram no Presidente da República. O Presidente governa auxiliado por seus ministros, que são, em regra, demissíveis ad nutum. O Presidente não é politicamente responsável perante o Parlamento. O programa de governo pode ser completamente divergente das concepções compartilhadas pela maioria parlamentar. O presidencialismo possibilita, por exemplo, a coexistência entre um Presidente socialista e um Parlamento de maioria liberal. Uma vez eleito, o Presidente deverá cumprir um mandato. Enquanto durar o mandato, o Presidente não poderá ser substituído – salvo procedimentos excepcionais, como o impeachment e o recall –, mesmo que seu governo deixe de contar com o apoio da maioria dos parlamentares e, até mesmo, da maioria do povo.
O sistema presidencialista apresenta algumas virtudes destacáveis. A primeira delas diz respeito à legitimidade do chefe do Executivo. Na maioria dos países que adotam esse sistema, a eleição para Presidente da República se faz de forma direta. Por isso, o eleitor goza de grande legitimidade, sobretudo nos momentos posteriores aos pleitos eleitorais. O fato de ter sido o próprio povo que o escolheu torna-o mais habilitado a tomar decisões polêmicas. O presidencialismo, por essa razão, seria um sistema mais aberto a permitir transformações profundas na sociedade. (BAROSSO, 2006) Explanadas as características dos sistemas mais aplicados pelos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, passa-se agora a uma análise da evolução do sistema presidencialista no Brasil.
4. PRESIDENCIALISMO NO BRASIL
O Brasil conquistou sua independência de Portugal em 1822, entretanto diferente mente dos EUA que à conquista a independência da coroa inglesa iniciou a experiência presidencialista, por aqui, o regime monárquico continuou a ser o adotado. Durante o período conhecido como Segundo Reinado, diversas revoltas internas eclodiram a favor do fim do Império e pedindo a república, ainda assim, somente em 1889 a República foi proclamada. Por influência norte-americana, foi adotada a forma federativa de Estado. Entretanto, os Esta dos Brasileiros, desde a colonização, não possuíam a autonomia das colônias americanas, e o federalismo se deu de maneira centrífuga com o fortalecimento do ente central em detrimento dos Estados Membros.
Desde seu primórdio o sistema presidencialista brasileiro convive com a instabilidade política. Já em 1891 o presidente Marechal Deodoro dissolveu o Congresso Nacional. O mes tre JOSÉ AFONSO DA SILVA adverte que “se o Presidente da República governar com predominância autoritária, tem-se sistema ditatorial e não presidencialismo.”
Após a instauração da república da espada, a alternância de poder presidencial se deu através da política do café-com-leite, onde se revezavam no governo presidentes oriundos dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Pode se considerar uma espécie de presidencialismo de coalisão do passado, em que prevaleciam interesses pessoais e conchavos realizados entre os “coronéis”. Em 1930, Getúlio Vargas assumiu o poder rompendo com esta política. E em 1937 com o golpe do Estado Novo o presidencialismo teve outra grande crise, com a ditadura varguista indo até 1946. Após este período, com o advento da constituição democrática de 46 o Brasil teve um curto período na democracia, até o golpe military de 1964. Foi durante este tempo, que o país passou pela única experiência parlamentar da história. Após a renúncia de Jânio Quadros, entre 1961 e 1963 o sistema vigente no Brasil foi o sistema parlamentarista. Entretanto, eram tempos de turbulência política, e o uso do parlamentarista foi considerado o prenúncio do golpe militar, sendo inclusive chamado de “golpe branco.”
Após o período da ditadura militar, e com o advento da Constituição Cidadã de 1988, deu-se início a nova fase do presidencialismo brasileiro vigente até hoje, o presidencialismo de coalisão.
5. PRESIDENCIALISMO DE COALISÃO
Para elucidar a expressão, recorro ao professor Adriano Codato, da Universidade
Federal do Paraná:
O “presidencialismo” é o sistema de governo no qual o chefe do Executivo é eleito diretamente pelo sufrágio popular e tem um mandato independente do Parlamento. A origem do presidente e do Parlamento (os deputados e sena dores) são distintas, posto que a eleição para cada um pode ser desvinculada no tempo (ocorrendo em datas diferentes, o que não é o caso do Brasil) ou, quando a eleição é “casada” (realizada na mesma data, como no Brasil), o eleitor sempre pode optar por eleger um presidente de um partido e um representante parlamentar de outra agremiação. Em resumo: o presidencialismo difere do parlamentarismo justamente pelas origens distintas do poder Executivo e do poder Legislativo. Ao passo que no parlamentarismo o Executivo surge da correlação de forças entre os partidos eleitos para o Parlamento, no presidencialismo o Executivo deriva da eleição direta do presidente pelos cidadãos.
De outro lado, “coalizão” refere-se a acordos entre partidos (normalmente com vistas a ocupar cargos no governo) e alianças entre forças políticas (dificilmente em torno de ideias ou programas) para alcançar determinados objetivos. Em sistemas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes disputando eleições e ocupando cadeiras no Congresso, difícil mente o partido do presidente possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus projetos e implementar suas políticas. Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo, dando-lhe suporte político no Legislativo (em primeiro lugar) e influenciando na formulação das políticas (secundariamente). Assim, alguns partidos, ou muitos, dependendo da conjuntura política, se juntam para formar um consórcio de apoio ao chefe de governo. Essa prática é muito comum no sistema parlamentarista, no qual uma coalizão interpartidária disputa as eleições para o Legislativo visando obter a maioria das cadeiras e com isso indicar (“eleger”) o primeiro-ministro.
A peculiaridade do sistema político brasileiro deve-se ao fato de conjugar o pacto interpartidos do parlamentarismo e a eleição direta para o chefe do governo, traço típico do presidencialismo. O observador político Fernando Henrique Cardoso acertou na mosca quando disse que, por mais bem votado que tenha sido o presidente eleito, seu capital eleitoral (“votos”) tem de ser, no dia seguinte, convertido em capital político (“apoios”). Do contrário ele reina, mas sem a famosa “base aliada”, não governa. . .
Como descrição do que ocorre na cena política, a noção de “presidencialismo de coalizão” parece ser exata. Contudo, vale duas observações para complicar o modelo explicativo do sistema político nacional. O Executivo no Brasil possui um imenso “poder de agenda” e alguns de seus ramos uma alta “capacidade decisória”, concentrada em alguns poucos cargos.
Por poder de agenda entenda-se o seguinte: é o Executivo, pela figura do presidente da República, que determina o que será votado e quando será votado (e o que não será votado). O presidente se elege com um programa, os deputados não.
Como o poder de decidir sobre coisas importantes não está espalhado pelas diferentes agências do Executivo (ministérios, secretarias especiais, conselhos, comissões etc.), mas concentrado em ramos estratégicos do governo, algumas áreas escapam da interferência direta da coalizão. É o caso da área financeira, representada pela santíssima trindade nacional: Banco Central, Conselho de Política Monetária, Ministério da Fazenda.
Esse pedaço do governo não entra na barganha com os políticos porque se quer garantir a “racionalidade” da política econômica. Mas na verdade, sob o argumento de barrar a fisiologia, cria-se um feudo no sistema estatal incontrolável (pelo próprio presidente, inclusive) e que escapa a qualquer supervisão social.
A consequência prática disso é que elegemos políticos que efetivamente não governam. Se as metas de câmbio e a política de juros condicionam todas as demais áreas estratégicas (política de renda, política de emprego, por exemplo), ficamos com o pior de dois mundos: um pedaço do Estado sem poder e loteado entre os políticos da “base”, que bem ou mal elegemos; e um pedaço do Estado com muito poder (capacidade decisória), mas que não elegemos nem controlamos. Daí que muitas vezes o fato da coalizão interpartidária ocupar espaço no gabinete de governo por meio da posse de pastas ministeriais seja menos importante, politicamente, que o comando que alguns grupos sociais podem ter sobre a capacidade decisória do governo. (CODATO, 2015)
No sistema brasileiro, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, conforme determina o texto constitucional (art. 2o da CF). A separação de Poderes é cláusula pétrea da Constituição Federal, não podendo ser deliberada emenda constitucional que tenda a abolir (art. 60, § 4o, inciso III, da CF). A Carta Magna contempla sistema de freios e contrapesos, com o escopo de controlar e equilibrar o exercício dos Poderes constituídos. Tudo funcionaria perfeitamente, se houvesse por parte do eleitorado a sabedoria de eleger um governante para o executivo votando em candidatos da sua base para o legislativo. Ocorre que, ao não seguir essa lógica, ocorrem situações como no Brasil na última década, em que se elege um governo de caráter progressista e um congresso conservador. Essa discrepância, interfere no sistema de freios e contrapesos mencionado aci ma.
Desde o primeiro governo da redemocratização do ex-presidente Fernando Collor de Melo, a relação entre o executivo e o legislativo é conturbada. Já naquela primeira experiência ficou claro que um presidente da república sem base parlamentar estaria fadado ao fracasso e/ou a instabilidade. Eleito por um partido de pequeno porte, com o apoio do sistema financeiro e da mídia, Fernando Collor não possuía base forte no Congresso Nacional. Após frustradas medidas econômicas, o então presidente perdeu o apoio da grande imprensa e do Mercado financeiro. Quando sofreu denúncias de crime de responsabilidade, deu-se abertura do processo impeachment e o presidente não suportou. Já na primeira experiência o presidencialismo de coalisão dava sinais de que uma base parlamentar é fundamental para a estabilidade do governo.
Nos governos que se sucederam ficou cabalmente comprovada a falência do atual sistema. No governo FHC, houve denúncias de compra de votos da emenda que permitiu a reeleição do então presidente. No primeiro governo Lula, ocorreu o mensalão. O mensalão, deflagrado na Ação Penal 470, nada mais era do que dinheiro dado indevidamente a parlamentares em troca de votos a favor do governo. O presidencialismo de coalizão intensificou uma prática já conhecida da política brasileira o “toma lá dá cá”.
No ano passado, ficou mais uma vez comprovada a necessidade de se repensar este sistema. A presidenta eleita Dilma Roussef sofreu o impeachment em julgamento que se caracterizou muito mais pela política do que pelo suposto crime cometido. É fato que a presidenta havia perdido a governabilidade, entretanto não está presente no ordenamento político brasileiro a figura do “recall”. O recall, é um instituto jurídico Americano que permite a população decidir se o presidente da república deve continuar o mandato ou não. O que passou no Brasil foi um “recall na marra”. E provou que o poder legislativo pode se sobrepor ao executivo no presidencialismo de coalizão.
Após o impeachment da presidenta eleita, assumiu seu vice Michel Temer. Para não ter o mesmo destino, o atual presidente distribui abertamente cargos entre a base aliada e libera emendas a parlamentares em troca de votos a favor do governo. O governo de Jair Bolsonaro não foi diferente tendo institucionalizado o orçamento secreto, no qual o executivo, em verdade, se torna refém dos poder legislativo. Destaca-se que tal orçamento é mantido no atual governo Lula sob o nome de “emendas ao relator”. A experiência de todos os governos pós redemocratização mostra os problemas do presidencialismo adotado. Neste momento, chegou-se ao ápice. O sistema ruiu. Deve-se pensar em outra forma para as próximas décadas.
6. CONCLUSÃO
O parlamentarismo, é defendido por alguns como o modelo ideal para o Brasil. Entre tanto, em 1993 o povo foi chamado para votar em plebiscito sobre qual sistema de governo o Brasil deveria adotar. Apesar de populares forças políticas terem sido a favor do parlamentar ismo, a esmagadora maioria da população preferiu o sistema presidencialista. O brasileiro e o latino-americano em geral, possui historicamente o culto a um líder. Seria necessária uma mudança cultural para que a população se acostumasse em um governo parlamentarista, e um sistema de governo que busca fortalecer a democracia não pode ser imposto e sim escolhido pela população.
Uma alternativa para esta crise seria o sistema adotado pela França o Semipresidencialismo. Fortalece-se o executivo perante o parlamento, e continua existindo a figura do Presidente da República.
Este sistema é defendido por Luís Roberto Barroso, que diz em estudo: Sem embargo de suas virtudes, os dois modelos clássicos – parlamentarismo e presidencialismo – apresentam disfunções importantes. Esses problemas se manifestam tanto no plano da instauração de regimes verdadeiramente democráticos, quanto no que diz respeito à governabilidade, à eficiência e à capacidade estrutural de superar crises políticas. O modelo semipresidencialista surge como uma alternativa que busca reunir as qualidades desses sistemas puros, sem incidir em algumas de suas vicissitudes. Ressalte-se, desde logo, não se tratar de um modelo híbrido desprovido de unidade e coerência, um agregado de elementos estanques. Pelo contrário, trata-se de uma fórmula dotada de identidade própria, capaz de oferecer solução adequada para alguns dos principais problemas da vida política brasileira.
No semipresidencialismo, o Presidente da República é o chefe de Estado, eleito pelo voto direto do povo, e o Primeiro-Ministro o chefe de Governo, nomeado pelo Presidente e chancelado pela maioria do Parlamento. Assim como no parlamentarismo, no semipresidencialismo também tem lugar a dualidade do Executivo, que se divide entre as chefias de Estado e de Governo.
Contudo, enquanto no parlamentarismo a chefia de Estado tem funções meramente formais (como as de representação internacional, assinatura de tratados, geralmente a pedido do Primeiro- Ministro), no semipresidencialismo lhe são atribuídas algumas importantes funções políticas. Dentre essas se destacam, de modo geral, as seguintes: nomear o Primeiro- Ministro; dissolver o Parlamento; propor projetos de lei; conduzir a política externa; exercer poderes especiais em momentos de crise; submeter leis à Corte Constitucional; exercer o comando das Forças Armadas; nomear alguns funcionários de alto-escalão; convocar referendos21. A nota distintiva dos países que adotam o semipresidencialismo situa-se na maior ou menor atuação do Presidente na vida política.
A principal vantagem que o semipresidencialismo herda do parlamentarismo repousa nos mecanismos céleres para a substituição do Governo, sem que com isso se provoquem crises institucionais de maior gravidade. O Primeiro-Ministro pode ser substituído sem que tenha de se submeter aos complexos e demorados mecanismos do impeachment e do recall. Por outro lado, se quem está em desacordo com a vontade popular não é o Primeiro-Ministro 16
(ou não é apenas ele), mas o próprio Parlamento, cabe ao Presidente dissolvê-lo e convocar novas eleições. Do presidencialismo, o sistema semipresidencialista mantém, especialmente, a eleição do Presidente da República e parte de suas competências. A eleição direta garante especial legitimidade ao mandatário, dando sentido político consistente a sua atuação institucional. O ponto merece um comentário adicional.
No semipresidencialismo, as funções do chefe de Estado se aproximam daquelas atribuídas ao Poder Moderador por Benjamin Constant. O Presidente da República se situa em uma posição de superioridade institucional em relação à chefia de Governo e ao Parlamento, mas esse papel especial não se legitima no exercício da política ordinária, mas na atuação equilibrada na superação de crises políticas e na recomposição dos órgãos do Estado23.
Embora o semipresidencialismo esteja necessariamente vinculado à forma republicana, o fato de a chefia de Estado ser exercida por um Presidente eleito não é suficiente para caracterizá-lo. É possível conceber um sistema parlamentarista em que o chefe de Estado também seja um Presidente eleito. O fundamental, no particular, é que seja titular de competências políticas significativas.
O semipresidencialismo é adotado em diversos países (como Colômbia, Finlândia, França, Polônia, Portugal e Romênia) (BAROSSO, 2006)
Conforme bem demonstra o Ministro, o sistema semipresidencialista possui histórico de sucesso em outros ordenamentos do mundo ocidental, permite que exista a figura do “líder”, e detém de mecanismos menos traumáticos para mudanças em casos de instabilidade política.
Por fim, como bem elucida Norberto Bobbio, o defeito não está no sistema político e sim no homem. Desta maneira, ainda que se pense e discuta a reforma no sistema político, a bandeira da ética nas relações não pode ser esquecida.
7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >.
BARROSO, Luís Roberto. A reforma política: uma proposta de sistema de go verno, eleit oral e partidário para o Brasil. Revista de direito do Estado: RDE, nº 3. 2006.
CODATO, Adriano; COSTA, Luiz Domingos; MASSIMO, Lucas (Eds.). Retratos da classe política brasileira. Estudo de Ciência Política. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2015.
FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito Constitucional Comparado. 5ª Edição. São Paulo: Del Rey. 2013.
HORTA, Raul Machado. Tendências atuais dos regimes de governo. Revista de informação legislativa : v. 24. n. 95. 1987.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Parlamentarismo. São Paulo: Saraiva. 1993. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2016.
Servidor Público Federal (Trf 4). Bacharel em Direito, (UFF), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIVAS, Bruno Quaresma. Presidencialismo de coalisão e a crise brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63493/presidencialismo-de-coaliso-e-a-crise-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.