TACIANA CORREA MAIA REIS
(orientadora)
RESUMO: Esta monografia tem como objetivo apresentar um estudo de revisão bibliográfica sobre o timesharing, destacando os argumentos dos doutrinadores sobre esta relação jurídica de aproveitamento econômico, mostrando suas características, classificações e o como ele se enquadra dentro do rol dos direitos reais sobre coisas alheias. O primeiro capítulo não só conceitua o instituto, mas também destaca suas modalidades e como deu-se seu desenvolvimento em outros países do globo. O segundo capítulo faz um estudo sobre os direitos reais, a propriedade, como foco nos direitos reais sobre coisas alheias. O terceiro capítulo, como conclusão, encaixa os temas abordados nos dois primeiros capítulos mostrando que o timesharing trata-se de um direito real sobre coisa alheia, e, aborda um entendimento jurisprudencial que o trata como forma de condomínio edilício, demonstrando que por mais que existam semelhanças entre os institutos, não se trata de um condomínio, ou, direito real sobre coisa própria, doutrinariamente classificando. Concluiu-se que por mais que já exista a classificação do timesharing como direito real sobre coisa alheia, tal ato é totalmente condizente com a legislação brasileira sobre direitos reais, sendo plausível sua inclusão dentro do rol dos direitos reais.
Palavras-chave: Timesharing. Multipropriedade. Direito Real. Propriedade. Condomínio.
ABSTRACT: This monograph aims to present a bibliographic review on timesharing, highlighting the arguments of indoctrinators on this legal relationship of economic use, showing its features, ratings and how he fits into the role of rights on others things. The first chapter defines not only the institute, but also highlights its modalities and how its development took place in other countries around the globe. The second chapter is a study of real rights, property, and focus on the real rights of others things. The third chapter in conclusion fits the topics covered in the first two chapters showing the timeshares it is a real thing right on others, and addresses a legal understanding that comes as a way of building condominium, demonstrating that while similarities exist between the institutes, it is not a condominium, or real right over the thing itself, doctrinally sorting. It was concluded that while there is already a classification of timesharing as real right about something unrelated, such an act is totally consistent with the Brazilian legislation on property rights, and their inclusion within the plausible role of property rights.
Keywords: Timeshare. Timeshares. Real right. Property. Condominium.
1 INTRODUÇÃO
O legislador não tem condições de acompanhar o avanço da sociedade civil, que, de acordo com suas necessidades, elabora novas modalidades de negócios jurídicos. Neste mesmo diapasão, o timesharing aparece como um avanço da sociedade civil.
Nascido na Europa, numa época em que o setor imobiliário passava por grave crise financeira, veio como a atraente opção de uma “segunda casa”, e atraente modalidade de investimento da indústria turístico-hoteleira.
Embora não tenha regulamentação legal, a sociedade o realiza no seu dia a dia, cabendo à academia e a doutrina a elucidação deste instituto até mesmo para solução de prováveis problemas decorrente destes.
Através de um estudo de revisão bibliográfica dos autores Gustavo Tepedino, Dário da Silva Oliveira Júnior, Victor Emanuel Christofari, Carlos Roberto Gonçalves, Caio Mário da Silva Pereira, Sílvio de Salvo Venosa e Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, objetiva-se responder porque o enquadramento do timesharing como nova modalidade de direito real sobre coisa alheia é importante e quais benefícios podem advir da resposta a essa questão.
O primeiro capítulo não só conceitua o instituto, mas também destaca suas modalidades e como se deu seu desenvolvimento em outros países do globo. O segundo capítulo faz um estudo sobre os direitos reais, a propriedade, como foco nos direitos reais sobre coisas alheias. O terceiro capítulo, como conclusão, encaixa os temas abordados nos dois primeiros capítulos mostrando que o timesharing trata-se de um direito real sobre coisa alheia, e, aborda um entendimento jurisprudencial que o trata como condomínio edilício, demonstrando que por mais que existam semelhanças entre os institutos, não se trata de condomínio.
2 TIMESHARING
A partir do momento que o ser humano descobriu que necessita de seus semelhantes para se desenvolver, vem criando novas modalidades de relacionar-se, com a finalidade de sempre proporcionar este desenvolvimento.
Tais modalidades muitas vezes se apresentam na seara pessoal, ou, coletiva, porém, ocorrendo tanto em uma como em outra, sempre acabam recaindo no direito, em especial, ao direito privado, responsável pela regulação das relações humanas entre particulares.
Nem sempre o direito é capaz de regular toda esta evolução através de sua legislação taxativa, até mesmo porque, o ser humano é inconstante e seus atos são totalmente imprevisíveis, sendo impossível a normatização de todos.
Nesse diapasão, o timesharing é a exemplificação de uma das facetas desta evolução, que no direito brasileiro, ainda carece de normatização.
Futuramente, será visto que na época de seu desembarque no Brasil não foi um instrumento que caiu no gosto popular, até mesmo porque as condições econômicas não permitiam que a maioria dos brasileiros fizessem investimentos cujo resultado não fosse totalmente visível e não recebesse respaldo jurídico.
Contudo, com a recuperação da economia vivenciada pelo país após 2002, muitos brasileiros puderam sair do país, por acaso ou coincidência, foram apresentados ao instituto e viram de frente como se dá seu funcionamento, e em seu retorno ao seu quotidiano, passaram a também buscá-lo por aqui.
Podemos, então, reconhecer que a melhora da economia não só viabilizou que os brasileiros obtivessem uma folga em seu patrimônio, utilizando um capital até então sem destinação específica em novas formas de investimento, como também a possibilidade de conhecer o timesharing pessoalmente, verificando sua viabilidade e segurança, fomentando não só a procura, mas também sua implementação em solo nacional.
Embora, conforme dito anteriormente, todas as ações humanas não são passíveis de legislação, mas, quando se trata de bens imóveis, mais precisamente, direitos reais, o legislador deve dar tratamento especial, buscando regulamentar as inovações trazidas à realidade brasileira, adequando ao nosso ordenamento jurídico, evitando conseqüências trágicas aos negócios jurídicos.
Timesharing ou multipropriedade imobiliária correlaciona-se com a idade de tempo compartilhado, nas palavras de Gustavo Tepedino, “como a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua,”[1] ou seja, o timesharing propicia o gozo da propriedade, de forma compartilhada.
Nascido na Europa ocidental, cujos primeiros relatos trazem a França como precursora do instituto em 1920, rapidamente se expandindo para Itália, Espanha, Portugal e mais tarde nos Estados Unidos, apresenta quatro modalidades: societária, imobiliária, hoteleira e como direito real sobre coisa alheia, todas estas, relacionadas à idéia de várias pessoas compartilhando o mesmo bem, ao mesmo tempo.
2.1 MODALIDADES
2.1.1 Societário
Esta modalidade apresenta como atores uma pessoa jurídica e seus sócios, na qual as partes celebram um contrato cujo teor permite aos sócios a utilização de um bem móvel ou imóvel de propriedade da pessoa jurídica por um certo espaço de tempo, de forma cíclica, ou seja, renovando-se o direito todo o ano, por prazo indeterminado.
A natureza desta relação é pessoal e mobiliária e seu objeto deriva do capital acionário ou quotas sociais investida pelo sócio, e o tempo permitido para o uso do bem varia de um mês até um ano. Particularmente, esta modalidade na França determina que a duração do prazo para esta modalidade de timesharing é de 99 (noventa e nove) anos.
2.1.2 Imobiliário
Talvez a modalidade mais importante, mais freqüente, que se correlacionada aos direitos reais, necessitando atenção maior do ordenamento jurídico, até mesmo pela segurança que a legislação dá aos negócios jurídicos que envolvem direitos reais.
Nesta variante, vários proprietários dividem o proveito econômico de um bem imóvel ou móvel, durante período predeterminado, que pode ser semanas anuais ou meses, de forma cambiante, sendo todos os proprietários devidamente discriminados, até mesmo pelo caráter perpétuo do instituto e para que seja realmente cumprida o caráter exclusivo, característico do instituto.
O direito de uso, aplicado aos bens imóveis, é estabelecido de tal forma que o proprietário possa gozá-lo de forma exclusiva, ou seja, sem concorrência dos demais. Porém, quando relacionado aos bens móveis, correlaciona-se mais à forma do compartilhamento do bem por vários proprietários do que ao seu objeto.
2.1.3 Hoteleira
A modalidade hoteleira até poderia ser uma subdivisão das duas primeiras já explanadas, societária e imobiliária, na qual um empreendimento hoteleiro utiliza-se de toda sua estrutura física no atendimento de seus clientes usuais e daqueles que fizeram adesão ao timesharing, através de contrato de compra e venda, tendo estes, direito ao uso das dependências do hotel, em data prefixada, de forma exclusiva e gratuita.
Acaba se tornando uma das modalidades mais complexas do instituto uma vez que não envolve a subdivisão dos direitos reais do direito civil brasileiro, mas também os âmbitos administrativo, consumidor, trabalhista, tributário, empresarial e urbanístico.
Acredito que este modelo só se torna viável face à seriedade e o compromisso que estes empreendimentos hoteleiros tem com sua administração e gestão, pois, aliado ao fato de que já estarem acostumados ao gerenciamento de transações complexas, o vínculo agregado pelos multiproprietários à instituição acaba se tornado apenas mais uma de suas responsabilidades, sendo um chamariz aos investidores que estão sempre em busca de investimentos que repassam segurança e seriedade.
Em contrapartida, o empreendimento tem a possibilidade de aumentar sua rentabilidade, haja vista que os apartamentos que não utilizados pelos respectivos hospedes podem ser utilizados pelos multiproprietários, atingindo sua capacidade máxima de operação, otimizando receitas e despesas.
Por conseguinte, também acaba se tornando atrativo aos investidores na medida que com o advento da globalização os hotéis passaram a ter sede em diversos países do globo, assim, muitos empreendimentos possibilitam que ao fazer adesão ao timesharing o multiproprietário possa escolher utilizar seu período de gozo em um hotel, pertencente ao mesmo grupo empresarial, em outro país do globo, ampliando, também, as possibilidades de destinos em suas férias.
2.1.4 Como direito real sobre coisa alheia
A quarta e última modalidade não diferente em sua totalidade da terceira, acima mencionada, segundo Gustavo Tepedino caracteriza-se pelo, “direito de utilização de um imóvel por turnos de uma semana, recorrentes a cada ano, em caráter perpétuo ou por tempo determinado, sendo o empresário do imóvel e gestor do empreendimento.”[2]
Esta modalidade é tão bem sucedida quanto a anterior que versa sobre o mercado hoteleiro, mas, especificadamente, seu objeto versa em imóveis simples; como um apartamento na praia, uma casa de campo, para lazer ou gozo das férias, e, seu sucesso é vinculado justamente à possibilidade dada àqueles que não tem condições de adquirir um imóvel para tais fins sozinho, seja pelo custo da aquisição ou da manutenção.
2.2 O TIMESHARING PELO MUNDO A FORA
Neste ponto daremos início aos exemplos de timesharing adotados por diversos países do globo.
2.2.1 O Modelo italiano
A Itália vivenciou com o passar dos anos desde a criação do instituto as modalidades acionária (no âmbito do direito societário), imobiliária e hoteleira, cada uma destas surgida como uma forma de amadurecimento das formas anteriores.
O início foi dado com a modalidade societária, na qual um grupo de pessoas constituíam uma sociedade anônima, que emite ações ordinárias e preferenciais, com finalidade do aproveitamento de um bem pretendido.
No que se refere às ações de caráter ordinário ou preferencial, estas permitem aos seus adquirentes somente o direito de uso do referido bem e aquelas concedem não só direito de uso em turnos pré-definidos, mas também, a participação na gestão social do mesmo. Em suma, o multiproprietário não passa de um sócio acionário detentor de um direito obrigacional da sociedade.
Como se vê, a forma societária não cria vínculos de natureza real e sim societário, podendo induzir a erro o adquirente, ao interpretar que trata-se da aquisição de uma propriedade.
Haja vista que trata-se de uma sociedade, os interesses individuais são pormenorizados em detrimento do ganho da sociedade, neste sentido diz Gustavo Tepedino:
O multiproprietário acionista sujeita-se, fundamentalmente, aos destinos da sociedade. O seu direito, em última análise, torna-se vulnerável à eventual alteração da destinação do complexo imobiliário ou das regras originárias, por força da decisão administrativa, contra a qual só restaria aos acionistas multiproprietários o direito de recesso. Observou-se, ainda, em doutrina, a possibilidade de dissolução social, a qualquer momento, por decisão da assembléia, ou anteriormente ao período previsto originalmente para o funcionamento da sociedade, quando o contrato estipula prazo determinado.[3]
Por conseguinte, ainda como malefícios, a sociedade, por descontrole, pode acabar vendendo mais quotas acionários do que sua capacidade, causando prejuízo no planejamento do uso nos períodos de tempo disponíveis do bem do multiproprietário.
A decretação da falência da pessoa jurídica, e consequentemente, prejuízo ao acionista, ou até mesmo o uso do bem pelo sócio em caráter indiscriminado, como se único proprietário fosse, levaram à soma de motivos que levaram à descrença desta modalidade.
Por outro lado, a doutrina italiana contesta a constituição de pessoa jurídica sem fim lucrativo, cuja finalidade seja a administração e o gozo do patrimônio social, não caracterizando esta como direito obrigacional, como visto acima, e sim uma modalidade de condomínio ordinário, nos moldes do artigo 2.248 do então Código Civil Italiano.[4]
Seja pelos problemas acima argüidos, ou, ainda por descrença, restou inviabilizada a continuidade desta modalidade, sendo gradativamente substituída pela imobiliária.
Intermediariamente, após o insucesso da forma societária, o ordenamento italiano criou a modalidade imobiliária, cuja forma também estabelece o uso comum de um bem por vários multiproprietários em lapsos temporais pré determinados, recorrentes todo ano, por tempo indeterminado, contudo, de duas diferentes formas: a aquisição de uma compropriedade de todo complexo imobiliário, ou, a constituição de um condomínio especial.
Na primeira, conforme dito acima, há a aquisição de uma compropriedade representada por todo um complexo imobiliário, mas as regras de conduta, bem como os turnos de cada multiproprietário são realizados através da assinatura de um pacto de utilização da coisa comum.
A segunda formaliza-se através da constituição de um condomínio especial, cada unidade habitacional é dividida em compropriedade ordinária, todos os comproprietários são donos das unidades comuns, delimitando-se o período de uso das unidades comuns a cada condômino, dividindo-se as áreas comuns em tantos ciclos anuais forem os seus titulares.
Chega-se à conclusão que ambas modalidades de timesharing imobiliário baseiam-se na assinatura de uma espécie de ‘pacto’ que assegura o respeito não só às normas administrativas, mas também delimita os turnos e certifique seu cumprimento.
O problema da falta de segurança jurídica existente na modalidade societária, previamente explanada, foi resolvida nesta; pois ao aderir a um timesharing imobiliário, o adquirente passou a ter o direito de transferi-lo de forma inter vivos ou mortis causa, atraindo mais investidores para comprá-lo, e, por conseguinte, cada adquirente passou a ter certeza do período de seu direito exclusivo ao gozo do bem.
Por fim, a última variante italiana, a hoteleira, se estabelece através da junção das formas imobiliária e societária, dependo da situação. Em linhas gerais, uma pessoa adquire o direito de utilizar as dependências do empreendimento hoteleiro, em período pré determinado, que se repete todo ano, por tempo indeterminado.
O aproveitamento do bem pode dar-se pela aquisição do direito de uma quota-ideal do mesmo ou de uma ação correspondente ao direito de fruição do mesmo.
Em linhas gerais, não há diferenciações do contexto do timesharing hoteleiro italiano e a modalidade padrão explanada no início deste capítulo, os adquirentes vão ter o direito de aproveitar dos recursos do hotel, e, este, ao mesmo tempo, otimizará suas despesas, proporcionando uma lotação próxima da máxima, inclusive nos períodos de baixa temporada.
Por fim, o direito do multiproprietário não é absoluto, pois ele tem um prazo para notificar o hotel acerca de sua intenção de utilizar ou não um apartamento no seu período estabelecido, não tendo interesse ou não respondendo, o direito decai, sendo tal apartamento repassado ou a outro multiproprietário ou a algum hóspede ordinário, sendo mais uma forma encontrada pelos empresarios italianos para maximizar seus ganhos.
2.2.2 O Modelo francês
O timesharing francês afastou-se significantemente das modalidades imobiliárias, que se aproximam dos direitos reais, dando lugar e preferência à modalidade societária, embasada nos direitos pessoais.
Conforme exposto na introdução da presente monografia, o timesharing surgiu na França em meados de 1920, como forma de constituição de sociedades para construção de condomínios edilícios, sem alguma legislação que fundamentasse este negócio jurídico, submetendo-se ao ordenamento jurídico já existente.
Neste diapasão, existiam duas modalidades jurídicas de construção de tais condomínios, o Método de Paris e o Método de Grénoble.
No método de Grénoble a compropriedade originava-se de uma construção coletiva, na qual partilhavam-se a compra do terreno, repartiam as respectivas frações entre os condôminos, procedendo-se à construção da acessão física ao terreno, ou seja, a obra propriamente dita. Tal método condizia às formas do condomínio ordinário do Código Civil Francês vigente à época.
Já no método de Paris constituía-se uma sociedade cuja finalidade era, também, a construção do edifício, mas, findado esta, transferia-se o bem imóvel do capital social da sociedade para co-titularidade dos condôminos.
Até mesmo pela simplicidade, o método de Grénoble favorecia pequenas construções, principalmente, porque na época vigia a necessidade de unanimidade para as deliberações administrativas do mesmo, ficando totalmente inviável a gestão de um empreendimento de grande porte, não atendendo os anseios comerciais.
O método de Paris favorecia grandes empreendimentos, diante da facilidade de crédito que poderiam obter através das portas que lhe eram abertas pela constituição da sociedade. Contudo, no decorrer dos anos, verificou-se que tal sociedade indispunha de fins lucrativos e não visava a partilha dos resultados sociais, sendo unicamente, uma sociedade destinada ao gozo do imóvel pelos seus membros.
A falta de normatização para regulamentar as relações entre os condôminos, levou o legislador francês a editar a Lei de 28 de junho de 1938, destinada a regulamentar o status da co-propriedade dos imóveis divididos por apartamentos, lei esta que possibilitou o desenvolvimento posterior do regime da multipropriedade, a partir de 1967, criando as chamadas sociedades de atribuição, destinadas à construção dos condomínios edilícios, “mediante aporte financeiro dos sócios e à atribuição dos respectivos títulos de propriedade das unidades habitacionais, em sistema de condomínio, ao final da obra, como no método parisiense.”[5]
Por conseguinte, ainda na tentativa de melhorar o instituto, foi editada a Lei n. 86-18, de 16 de janeiro de 1986, cujo teor versava exclusivamente sobre os contratos de timesharing, e, a Lei n. 71-579, de 16 de julho de 1971, relativa às diversas possibilidades de construção.
Nas palavras de Gustavo Tepedino os objetivos com a Lei de 1938:
O legislador, para viabilizar tal método de construção, pretendeu dirimir os inconvenientes antes apontados, abrindo duas exceções ao regime societário ordinário. Declarou, de uma parte, a validade das sociedades constituídas exclusivamente para a construção e utilização dos bens sociais pelos sócios, ainda que sem qualquer escopo de repartição de lucros.[6] De outra parte, admitiu, nesta espécie societária, a compulsoriedade dos aportes suplementares que se fizessem necessários para a construção. De modo que, sob pena de exclusão por inadimplemento, ficavam os sócios obrigados aos “appels de fond supplémentaires, nécessités par la réalization effective de l’objet social, [ou seja, às chamadas de capital suplementar, necessários à realização efetiva do objeto social], (artigo 2° da Lei de 28 de junho de 1938), não obstante já houvessem conferido integralmente os aportes correspondentes à sua participação social, fixados no contrato social do estatuto.[7]
Dessa maneira, o legislador francês destinou a possibilitar a construção de tais imóveis, oportunizando a extinção da sociedade logo após o término o término das obras e a venda das unidades, correspondentes às frações idéias do terreno.
Saindo da seara da construção do empreendimento e partindo para o respecitivo gozo rotativo do bem, a fim de garantir o chamado droit d’usage et de séjour successif et périodique, direito de uso e estadia sucessiva e periódica, representado pela estabilidade entre o multiproprietário e o imóvel; constituía-se, então, uma sociedade de atribuição, de duração de 99 (noventa e nove) anos, cujo objetivo era justamente o aproveitamento econômico das unidades autônomas pelos sócios, de acordo com a rotatividade anual previamente estabelecida.
A constituição de uma sociedade para garantia dos direitos de cada multiproprietário demonstra o caráter pessoal do instituto francês, sujeito ao regulamento dos bens móveis, característica esta que distancia da modalidade imobiliária adotada pela maioria dos países, embasada no direito real da propriedade.
Mas, então, por que não teria vingado a modalidade imobiliária no ordenamento francês? Talvez a rigidez do Código Civil Francês de 1939 tenha sido a maior culpada.
Embora na atual conjuntura, o ordenamento francês seja outro, há de se convir que a concretização de qualquer instituto requer tempo, e, já na época de sua instauração, a hipótese imobiliária não foi formulada. Pode ser adicionado a este motivo o fato do ordenamento civil francês ser taxativo no que se refere aos direitos reais, “bem como a inadequação da disciplina do condomínio, levando-se ainda em conta a necessidade de se agregar, ao gerenciamento do imóvel em timesharing, a complexa estrutura de serviços, ausente no condomínio de edifícios.”[8]
2.2.3 O Modelo espanhol
Na Espanha o instituto carece de disciplina legislativa específica ou de um direcionamento doutrinário pacificado.
Majoritariamente apresenta a modalidade imobiliária, através da co-titularidade do domínio, assim como na Itália. Após a construção da edificação cria-se um condomínio edilício, formado por unidades individuais, cada uma delas atribuída a um grupo de multiproprietários, cuja definição do período de gozo de cada um deles é realizado mediante pacto de divisão por turnos de utilização da respectiva unidade.
Na medida em que presenciaram o fracasso da modalidade societária francesa, este modelo garante a situação jurídica do multiproprietário, na medida em que há o registro do título aquisitivo, bem como, a possibilidade de transmissão direito inter vivos e causa mortis.
Haja vista à falta de regulamentação legislativa, doutrina e jurisprudência têm atribuído natureza condominial, não só ao instituto, bem como, à situação jurídica do multiproprietário.
2.2.4 O Modelo português
Em Portugal as primeiras experiências do instituto são datadas na segunda metade da década de 70. Contudo, nesta época, não obteve muito sucesso face à desconfiança diante da falta de garantias quanto à durabilidade e liquidez do investimento.
Com o passar dos anos, os portugueses passaram a aplicar suas poupanças, na construção de imóveis urbanos, até mesmo nos clandestinos, atraídos por um título imobiliário pensado àqueles que indispunham de capital suficiente para a aquisição de imóveis, disciplinado pelo Decreto-Lei n. 355/81, de 31 de dezembro de 1981.
A partir deste Decreto-Lei nasceu o direito real de habitação periódica, nome com o qual o timesharing ficou conhecido em Portugal. Tratado como direito real sobre coisa alheia, o qual ao investidor é transferido uma situação real sem necessidade de lhe deferir o domínio, por uma fração de tempo correspondente a uma semana por ano, em caráter limitado ou perpétuo.
2.2.5 O Modelo inglês
Acerca deste modelo a doutrina nos apresenta poucos relatos. No entanto, através do Timesharing Act 1992, legislação sobre o instituto, o considera como um direito de uso de natureza contratual.
No mesmo sentido, em 1997, o Consumer Protection – The Timesharing Regulations, mantém a mesma consideração, direito de uso de natureza contratual.
2.2.6 O Modelo austríaco
A Lei n. 32 de 1997 regulamenta o timesharing na Áustria até a presente data. Seu artigo 2° o considera um direito de uso a tempo parcial, como direito real concedido ou obrigatório para gozo, de forma cíclica e limitada, ou seja, um direito de uso de bens imóveis, a tempo parcial.
2.2.7 O Modelo americano
Diferentemente dos demais países, quando a doutrina estuda o timesharing nos Estados Unidos da América, chegam a conclusão que o legislador americano despreocupou-se em definir sua natureza jurídica, mas sim, estabelecer um forte sistema que proteja seus adquirentes e usuários.
3 ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE
O estudo dos direitos reais se traduz no estudo da propriedade. Neste sentido, segundo Caio Mário da Silva Pereira, a raiz histórica do nosso instituto de propriedade, inclusive seu caráter individual, adveio do Direito Romano.[9] Nesse cenário inicial, tratava-se de um direito exclusivo aos cidadãos romanos, cujo objeto também era delimitado ao solo romano.
Com o passar dos anos, fatos históricos como a invasão dos bárbaros Germanos, a instituição da monarquia absoluta, a Revolução Francesa e até a contemporaneidade vem moldando seus aspectos gerais, chegando a uma conjuntura, a qual, hoje não se obtém estabilidade, pois, regimes jurídicos e políticos os modificam de acordo com seus interesses gerais, sob a argumentação do primado da ordem pública sobre o princípio da autonomia da vontade.
Em síntese, hoje, a propriedade individual não detém o mesmo conteúdo de sua origem, principalmente, porque, tais mudanças são conseqüências da evolução da humanidade, ou seja, algo totalmente natural. Mas, mesmo assim, reconhece ao dominus o poder sobre a coisa, e, este reúne os mesmos atributos originários - ius utendi, fruendi et abutendi, ou seja, direito de usar, gozar e dispor da coisa.
Na atualidade, não só o domínio, mas seus atributos originários sofrem intervenções legais tendentes a evitar abusos e ‘que o exercício do exercício de propriedade se transforme em instrumento de dominação,’[10] crescendo os processos expropriatórios, sujeitando a coisa ao interesse público, não particular.
Tal interesse social na sociedade brasileira é fruto da função social da propriedade, trazida ao ordenamento jurídico nacional com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que a inseriu entre os princípios gerais da atividade econômica, no mesmo patamar da propriedade privada, em seu artigo 170, in verbis:
[...] artigo 170, CF.: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...];
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
[...]
Por fim, analisando, como era o instituto da propriedade e sua atual situação, percebe-se uma total inversão de valores, totalmente distanciada dos conceitos clássicos e externalizada, no âmbito jurídico nacional, pela Constituição Federal.
Acerca da definição de propriedade, novamente, Caio Mário da Silva Pereira, refletindo sobre as obras de Pugliatti, Natoli, Planiol, Ripert e Boulanger, chega a conclusão que propriedade não se define, se sente.[11] Desde o maior dos intelectuais até o mais simples dos seres humanos, inclusive crianças, tem em suas entranhas o sentimento de “seu e meu”, defendendo, a perda de sua posse, mesmo desconhecendo a relação jurídica dela proveniente.
Nosso legislador não conseguiu definir o que seria propriedade, bastou, apenas, no teor do artigo 1.228, argüir que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O teor do artigo supracitado nada mais representa do que os atributos da propriedade, explanados no anteriormente, e, neste sentido, quando os quatro atributos estão reunidos em uma mesma pessoa, têm-se a propriedade plena, plena in re potestas. Na medida em que um destes atributos ou faculdades são transferidos a outrem, têm se a constituição de um direitos real. Mas, é necessário salientar, que tal transferência, dentro dos direitos reais é exceção, pois o direito de propriedade é uno, sendo sua conjuntura natural a plenitude e a exclusividade, no teor do artigo 1.231 do Código Civil.
4 DOS DIREITOS REAIS
Conceituar direito real de forma concreta e concisa não é tarefa fácil, o próprio legislador, como se verá detalhadamente adiante, ao formular o teor do artigo 1.225 do Código Civil, voltado justamente à matéria em questão, bastou-se ao citar qual é sua composição, mas não uma definição facilmente interpretativa.
Dentre os doutrinadores da área, àquele que chegou mais próximo da conceituação do instituto foi Cunha Gonçalves, cujo estudo aduz que direito real “é a relação jurídica que permite e atribui a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa cousa, corpórea ou incorpórea, incluindo a faculdade de alienar, consumir ou destruir (domínio), ora o gozo limitado de uma cousa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (copropriedade) ou que é propriedade de outrem (propriedade imperfeita), com exclusão de todas as demais pessoas, as quais têm o dever correlativo de abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos.”[12]
Por conseguinte, conforme citado acima, o artigo 1.225 traz o conceito legal de direito real, como se vê abaixo:
artigo 1.225, CC.: São direitos reais:
I – a propriedade;
II – a superfície;
III – as servidões;
IV – o usufruto;
V – o uso;
VI – a habitação;
VII – o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII – o penhor;
IX – a hipoteca;
X – a anticrese;
XI – a concessão especial de uso especial para fins de moradia e
XII – a concessão de direito real de uso.
Para o ordenamento jurídico nacional, o artigo supra é taxativo, qualquer limitação ao direito de propriedade que não esteja em seu conteúdo é tratado como natureza obrigacional, pois, é vedada a constituição de direito real sem previsão legal.
Fazendo um breve parêntese, de forma antecipada, já subentende-se a utilidade do presente estudo, pois, embora a legislação proíba a criação de novos direitos reais, o cerne do timesharing correlaciona-se com as diretrizes legais dos direitos reais, tornando-se necessária a alteração do dispositivo acima.
Então, a falta de ordenamento jurídico caracteriza a natureza obrigacional da limitação ao direito de propriedade constituído inter partes, haja vista o entendimento do legislador é de que os direitos pessoais não são delimitados legalmente, bastando-se que as partes sejam capazes, seu objeto lícito, possível e determinável e forma não vedada em lei, conforme artigo 104 do Código Civil.
Dando continuidade, Lafayette Rodrigues Pereira entende que “o domínio é suscetível de se dividir em tantos direitos elementares quantas são as formas por que se manifesta a atividade do homem sobre as coisas corpóreas. E cada um dos direitos elementares do domínio constitui em si um direito real: tais são o direito de usufruto, o de uso, o de servidão. Os direitos reais, desmembrados do domínio e transferidos a terceiros, denominam-se direitos reais na coisa alheia (jura in re aliena).”[13]
No que se refere à sua aquisição, o direito civil brasileiro não dispõe de uma forma unitária para todos os bens, havendo uma modalidade para os bens móveis e outra para imóveis, sendo a variante destes, um pouco mais complexa, comparada a daqueles, pois, conforme visto anteriormente, o ser humano desde os primórdios deu elevada atenção e proteção à propriedade imobiliária, e, tal postura legislativa garante uma maior segurança a estes negócios jurídicos.
De acordo com o artigo 1.227 do Código Civil, os imóveis constituídos, ou transmitidos por atos inter vivos, só adquirem eficácia de direito real após o devido registro do respectivo título no Cartório de Registro de Imóveis, salvo casos extraordinários, expressos em lei, e, conformo aduz o artigo 1.226 do mesmo codex, a própria tradição/transmissão é válida como constituição de aquisição de direito real.
Agora passa-se ao estudo dos atributos dominiais do direito de propriedade:
a) Direito de usar – ius utendi.
Consiste na faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem modificação na sua substância, ou seja, o proprietário pode servir-se pessoalmente de seu bem, ou, cedê-la a um terceiro. Caso não deseje utilizá-lo, também tem a faculdade de deixá-lo inerte, pois, usar não é apenas servir das qualidades da coisa, mas também, deixá-la apta para uso. Entretanto, ao optar por deixá-lo inerte, desrespeita a função social da propriedade, podendo sofrer as sanções previstas para reverter este quadro.
Deve-se ressaltar que por mais direito que o dono possa ter sobre a coisa, quando fala-se em direitos de propriedade, seu uso não pode sobressair aos direitos previstos em lei especial, fauna, flora, belezas naturais, equilíbrio ecológico, patrimônio histórico e artístico, bem como, dirigido no propósito de ser nocivo a outrem, conforme o artigo 1.228, parágrafos 1° e 2° do Código Civil.
Vejamos o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira sobre os parágrafos do dispositivo supracitado:
Nesta submissão sobreleva o conceito de função social, mais determinável pelo aspecto negativo, de sorte que o dominus não faça de seu direito um instrumento de opressão, nem leve o seu exercício a extrair benefícios exagerados, em contraste com a carência circunstante. Destoa, da noção encrustada no parágrafo, que o proprietário use egoisticamente seu direito em detrimento da coletividade, extraindo da coisa proveito que importe em sacrifício do maior número.[14]
Seu posicionamento pode ser comparado com o pensamento do legislador brasileiro, influenciado pelos direitos advindos da Constituição Federal de 1988, os quais, por mais esforços que existam para que a propriedade particular seja protegida e mantida, ocorrendo um exercício arbitrário do direito de uso, o Estado lhe tolhe em benefício dos direitos da coletividade, priorizando a harmonia comum.
b) Direito de gozar – ius fruendi.
Embora gramaticalmente uso e gozo possam ser sinônimos, quando se fala em direitos reais, ambos não possuem o mesmo significado.
Dentro dos direitos reais o gozo correlaciona-se com o aproveitamento dos frutos advindos da propriedade, sejam naturais, quidquid nasci et renasci solet, ou, civis.
c) Direito de dispor - ius abutendi.
Nas palavras de Hedemamm, quem dispõe da coisa mais se revela dono do que aquele que usa ou frui.[15] Neste sentido, o direito de dispor é o poder de alienar a coisa a qualquer título – doação, venda, troca; quer dizer ainda consumir a coisa, transformá-la, alterá-la; significa ainda destruí-la, desde que não suceda de comportamento antissocial, nos mesmos moldes do explanado sobre as limitações do uso da coisa, decorrentes do parágrafos 1° e 2° do artigo 1.228 do Código Civil.
Caio Mário da Silva Pereira traz uma única exceção ao direito de dispor daqueles que dispõem da propriedade plena, ou seja, com os 4 (quatro) atributos, a propriedade resolúvel, ou seja, aquela que resulta de cláusula posta em título aquisitivo, pois, resolvido o domínio, os direitos reais constituídos durante sua vigência também são resolvidos.
Nos termos do artigo 1.359 do Código Civil, “resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar o poder de quem a possua ou detenha”, em termos mais simples, desfeito o domínio, todos os direitos reais constituídos em sua vigência, assim, também o serão.
d) Reaver a coisa – rei vindicatio.
Direito de ação proveniente do Direito Romano, cujas diretrizes iniciais não permitiam àquele desprovido do direito a possibilidade de perseguir seu objeto em juízo.
Contemporaneamente, na realidade brasileira, mais uma vez através dos princípios provenientes da Constituição Federal de 1988, de forma mais precisa, em seu artigo 5°, inciso XXXV, todo direito é provido de ação que o assegura.
Neste sentido, haja visto que aos brasileiros é garantido o direito de propriedade, conforme visto acima, em nada serviria tal direito, caso não lhe fossem dados, também, a garantia de recorrer em juízo de alguém que injustamente possuísse suas coisas ou as detivessem sem justo título.
Pela vindicatio o proprietário vai buscar a coisa nas mãos alheias, vai retomá-la do possuidor, vai recuperá-la do detentor. Não de qualquer possuidor ou detentor, porém, daquele que a conserva sem causa jurídica, ou a possui injustamente.[16]
Embora possa parecer repetitivo e maçante, não há como desvincular os direitos de propriedade do novo ordenamento constitucional, principalmente porque o vigente Código Civil foi modificado, não só para regulamentar os atos da sociedade brasileira, já em descompasso com a legislação antiga, mas também para enquadrá-los na nova ordem constitucional.
Ainda que não haja muita correlação com objeto do presente estudo, não há como se estudar a rei vindicatio, sem ao menos citar, mesmo que de forma sucinta, a nova limitação a este atributo, advinda do artigo 1.228, § 4° e 5° do Código Civil, in verbis:
Artigo 1.228, CC.: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§4° O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante;
§5° No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para registro do imóvel em nome dos possuidores.
Tal privação ao direito de reaver a posse da coisa gerou um frisson na doutrina e jurisprudência, na tentativa de se formalizar a natureza jurídica de tal inovação legislativa.
Neste mesmo diapasão, existem 4 posicionamentos: uma nova constituição de modalidade de desapropriação de direito privado; uma espécie de usucapião onerosa; modalidade de aquisição sui generis por interesse social, e, por fim, uma privação do direito do proprietário de reaver a posse da coisa, uma vez preenchidos os requisitos normativos previstos.
Posicionamentos a parte, por mais nobre que tenha sido a intenção do Poder Legislativo, os parágrafos em análise padecem de definição, pois, não demonstra referências para que se arbitre o tamanho a ser considerado apto para tornar-se objeto desta perda de direito de reaver, bem como, quem pagará tal indenização, já que Município, Estado e União não podem arcar com tal quantum por não fazerem parte de nenhum dos pólos desta lide, não podendo sofrer os efeitos desta possível sentença condenatória.
4.1 CLASSIFICAÇÃO
Do rol de classificações doutrinárias dos direitos reais, a mais importante, e mais pertinente, ao presente trabalho é aquela que os dividem entre direitos reais sobre coisa alheia e direitos reais sobre a própria coisa, que, de acordo com Sílvio Venosa, tal divisão obedece à possibilidade de desdobramento da titularidade do direito real, tornado limitado o direito de propriedade.[17]
Direito real sobre coisa alheia trata-se de uma classificação inexistente no vigente Código Civil, haja vista que no Código Civil de 1916 o Título III do Livro II contemplava os direitos reais sobre coisas alheias, cuja abordagem trazia os direitos de gozo e fruição (Capítulos II a VII) e, por conseguinte, os direitos reais de garantia (Capítulo VIII).
No novo Código Civil tal classificação é inexistente, cabendo apenas à parte doutrinária do estudo do direito civil. No entanto, sua ausência não pormenoriza sua aplicação no direito, ficando a classificação legal atida apenas aos Direitos Reais de Gozo ou Fruição, Direitos Reais Limitados de Garantia e Direito Real de Aquisição.
No capítulo anterior, foi dito que quando todos os 4 (quatro) atributos da propriedade, (usar, gozar, dispor e reaver), estavam reunidos na mesma pessoa tinha-se a plenitude do direito de propriedade e quando algum deles era transferido a outrem formava-se um direito real sobre coisa alheia, ou, jura in re aliena.
São direitos reais sobre coisa alheia o usufruto, uso, habitação, as antigas enfiteuses (haja vista que o artigo 2.038 do Código Civil de 2002 proíbe a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, permitindo que as antigas existam até sua extinção), servidões, hipoteca, penhor e anticrese; os quais são divididos ainda, em direitos reais de gozo e de garantia.
A primeira categoria, de gozo ou fruição, são compostos aqueles que conferem ao usuário a possibilidade de uso e atividade efetiva sobre a coisa, ou seja, uso, habitação, enfiteuses e servidões. Na segunda e última, o titular extrai modalidade de segurança para o cumprimento de obrigação.[18] Neste diapasão, trata-se de uma garantia acessória à obrigação principal, adquirida pelo proprietário, cujo teor confere uma segurança ao cumprimento de tal negócio jurídico, ou seja, em caso de descumprimento, a constituição deste direito real garante o cumprimento da convenção, sendo compostas, pelo penhor, hipoteca e anticrese.
Por fim, quando os 4 (quatro) atributos da propriedade estão reunidos na mesma pessoa tem-se o direito real sobre coisa própria, representado pela própria propriedade.
5 NATUREZA JURÍDICA
Passado o estudo específico dos direitos reais, dá-se então início à última parte do presente trabalho, a defesa da possibilidade do enquadramento jurídico do Timesharing ou Multipropriedade como um direito real sobre coisa alheia.
Salienta-se, primeiramente, que diante de todas as modalidades apresentadas no primeiro capítulo, o presente trabalho não se aterá à modalidade societária, pois, além de não ter obtido muito sucesso nos países os quais a aplicaram, não tem-se registros de sua utilização em solo nacional, e, por fim, por tratar-se de direito pessoal e não real.
As outras modalidades, imobiliária, hoteleira e como direito real sobre coisa alheia (sendo esta nosso foco de estudo), embora exista a ausência de previsão legal, analisando suas características essenciais, pode se concluir que poderia ser enquadrado como um direito real.
Do mesmo modo que o timesharing, também, ainda sem previsão legal, poderia ser compreendido como um direito real sobre coisa alheia, pois, os direitos reais sobre coisas alheias se constituem quando o proprietário desmembra o domínio de sua propriedade e o transfere a um terceiro, neste sentido, de acordo com todas as modalidades apresentadas no primeiro capítulo, com exceção da societária, ocorre a transferência do domínio da propriedade a um terceiro, independentemente da forma a qual tal transferência é realizada.
O exercício dos direitos relativos ao domínio (uso, gozo, fruição e diposição) fica restringido ao fator tempo, já determinado, e somente a ele, fora do tempo estabelecido, os mesmos direitos serão aproveitados por outrem.
Quando chega o período de direito do multiproprietário, este se ‘coloca’ na posição de ‘proprietário’, recebendo os atributos da propriedade, inclusive o domínio, podendo decidir se usa sua unidade autônoma, as áreas comuns, de acordo com as regras já pré-estabelecidas.
Optando por não utilizar o imóvel no seu período tem a faculdade de locá-lo a terceiro, sem precisar da vênia dos demais multiproprietários, pois o domínio do bem neste período é seu, pode também vender seu direito no imóvel para terceiro, relativos à sua unidade e partes comuns, restringido ao seu lapso temporal.
Não existem impedimentos para que também o direito de multipropriedade seja doado, legado ou transmitido através de alienação causa mortis, desde que realizado de acordo com a legislação vigente sobre tais temas, e, neste último, nos mesmo moldes os quais o de cujus detinha em vida.
Em resumo, nas palavras de Dário da Silva Oliviera Jr e Victor Emanuel Christofari, “não se pode olvidar que cada multiproprietário é detentor de direitos sobre a sua ‘coisa’, ou seja, uma unidade (parte autônoma e parte comunitária) aliada a um tempo, e esse é seu patrimônio no complexo turístico. Assim, qualquer que seja o ônus, ou encargo, não pode ultrapassar essa quota, restrição indispensável ao respeito dos direitos dos demais condôminos.”[19]
Neste sentido, tal limitação é característica dos direitos reais sobre coisas alheias, pois a natureza do domínio não é modificada, o titular da propriedade fica privado de alguns dos poderes inerentes à propriedade, havendo dois titulares sobre a mesma coisa, em graus jurídicos diversos, o multiproprietário na vigência de seu direito sobre o bem e o próprio proprietário, antes, durante e depois do lapso temporal pertinente ao multiproprietário, consignando sua restrição durante o uso deste.
6 LIMITES AOS PODERES DE USAR, GOZAR E DISPOR DO MULTIPROPRIETÁRIO
Particularmente, por mais que o multiproprietário também possua os poderes de uso, gozo e disposição da propriedade, pela singularidade do instituto, tais autorizações alteram a concepção clássica/básica de domínio, ocorrendo, então a restrição deste, principalmente porque a principal destinação do instituto é turístico-residencial-empresarial.
Neste sentido, ao adquiri-lo o multiproprietário não tem o condão de alterar a destinação do imóvel, devendo todos adquirentes se sujeitar a mesma norma, fato atípico às aquisições de direito de propriedade, principalmente, porque conforme dito acima sua finalidade é turístico-residencial-empresarial subordinada obrigatoriamente à uma atividade lucrativa que será também utilizado por outros multiproprietários ou clientes. Assim o titular não pode escolher outra modalidade de fruição que não seja a convencionada no contrato e desvie o imóvel das suas finalidades.
Por conseguinte, por mais que em tese o proprietário possa destruir seu imóvel, desde que nos moldes permissivos da legislação e não desrespeitando a função social da propriedade, o multiproprietário indispõe do ius destruendi, seja nas partes privativas ou comuns do empreendimento.
O multiproprietário também está impedido de realizar qualquer alteração no mesmo, inclusive benfeitorias, devendo cuidar da unidade imobiliária, desde a estrutura, conforme dito, até o mobiliário, pois a cada início de estadia o mesmo deve preencher uma ficha acerca deste inventário. Se ao final da mesma for encontrada qualquer irregularidade, ele pode ser obrigado a arcar com os custos de manutenção/reparo dos bens móveis, ou, até mesmo ser submetido à retenção de suas bagagens para satisfação dos mesmos, de acordo com as normas civis.
Embora o uso da unidade imobiliária seja livre, o multiproprietário não pode abrigar mais ocupantes que a unidade privativa possa dispor, seja convidados ou membros da família, sob a mesma justificativa de preservação do bem. Neste mesmo sentido, o titular também deve sair das dependências do imóvel em data e horário previamente estabelecidos, sob pena de pesadas multas cominatórias, por hora de atraso, perdas e danos, e, dependendo da gravidade até mesmo a caracterização de esbulho possessório.
O titular também não tem o direito de interferir na gestão do imóvel, que fica sob exclusividade do proprietário, seja pessoa física ou jurídica, até mesmo porque trata-se de um empreendimento cuja gestão demanda uma expertise especializada para não garantir sua perpetuidade e satisfazer não só os multiproprietários, mas também hóspedes ordinários e seus próprios funcionários. Tais limitações, no entendimento de Dário da Silva Oliviera Jr e Victor Emanuel Christofari, provocam, por outro lado, a delegação de imenso poder ao administrador e, de outro, a submissão do titular a uma disciplina condominial rígida, inexistente e sequer imaginável nas maneiras tradicionais de aproveitamento do domínio por seu único titular.[20]
Por fim, com relação ao poder de disposição do bem, os limites impostos ao titular vão de acordo com a convenção do empreendimento. Via de regra, ele tem total autonomia para alienar seu direito, seja a título oneroso ou gratuito, bem como cedê-lo para uso e fruição através de contrato, conforme visto no capítulo anterior. Por outro lado, a limitação imposta tem o condão de manter o controle entre os usuários e a administração, pois, a regra entre as convenções exigem a comunicação aos gestores dos atos de transferência. Ou, em casos mais extremos, mas que simbolicamente, também demonstra privações ao direito de dispor, a proibição de realizar cópias das chaves do apartamento.
7 TIMESHARING: DIREITO REAL SOBRE COISA ALHEIA OU COISA PRÓPRIA?
Durante o desenvolvimento do presente trabalho, na fase de estudo propriamente dita, foi verificada a identificação do timesharing como um condomínio, fato este que causa estranheza, haja vista, doutrinariamente dizendo, ser tratado como um direito real sobre coisa própria, ou seja, jus in re própria.
Neste sentido, o condomínio é um direito real originário, que manifesta a reunião dos atributos de uso, gozo, disposição e reivindicação, por outro lado, os direitos reais sobre coisa alheia só manifestam quando ocorre o desdobramento destes atributos do direito de propriedade, as faculdades contidas no domínio, cuja existência jamais será exclusiva.
Como então poderia o timesharing ser um direito real sobre coisa própria? A fim de elucidar este tema vejamos alguns entendimentos jurisprudenciais:
EMENTA. CIVIL COBRANÇA DE DESPESAS CONDOMINIAIS MULTIPROPRIEDADE TIMESHARING IMOBILIÁRIO A RESPONSABILIDADE DE CADA COPROPRIETÁRIO EM RELAÇÃO ÀS DESPESAS DA UNIDADE É PROPORCIONAL À SUA FRAÇÃO - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. O prazo prescricional para cobrança de despesas condominiais, segundo entendimento firmado no e. Superior Tribunal de Justiça, é regulado pelo art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil.
2. Como forma de garantir a permanência do vínculo jurídico tal como idealizado, a solução inexorável é a de responsabilizar pessoalmente cada coproprietário tão somente pela quota proporcional das despesas condominiais, sendo certo que, na hipótese de inadimplemento, apenas sua fração ideal responderá pelo cumprimento da obrigação, pelo menos até que sobrevenha a extinção amigável ou judicial do condomínio, para aqueles que defendem a possibilidade.
3. Recurso conhecido para decretar a prescrição parcial da pretensão e, no mais, prover parcialmente o recurso do condomínio. TJSP APL 37897920108260576 SP 0003789-79.2010.8.26.0576. Relator: Des. Artur Marques. Julgamento:30/07/2012. Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado. Publicação: 31/07/2012.
EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME SHARING). ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. GOZO DO PERÍODO DE FRUIÇÃO A QUE FARIAM JUS OS AUTORES EM OUTROS IMÓVEIS. CONCORDÂNCIA QUANTO AO PROCEDIMENTO ADOTADO. PROVEITO ECONÔMICO COM O AJUSTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO MATERIAL. ENLEIO PRESERVADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de prazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º volume. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 212).
2. Atrasada a conclusão do empreendimento múltiplo, com violação de cláusula específica, assistia aos autores o direito à resolução, ou então, perseguir o cumprimento do enleio, nos termos do art. 1.092 do Código Civil de 1916 (art. 475 do CC/2002). Exercida a fruição de férias em outros imóveis da rede, equivalente à segunda opção, sem indicativo de prejuízo até que o resort ficou pronto, e sem demonstração de impossibilidade do uso ulterior, observa-se proveito econômico bastante à rejeição do pedido de ruptura negocial lançado de forma tardia.
3. Recurso desprovido. TJSC. Apelação Cível: AC 638305 SC 2010.063830-5. Relatora: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta. Julgamento: 01/02/2011. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil.
EMENTA. DESPESAS DE CONDOMÍNIO - AÇÃO DE COBRANÇA - EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - AFASTAMENTO MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA OU TIMESHARING - INSTITUTO QUE GUARDA SEMELHANÇAS COM O CONDOMÍNIO EDILÍCIO - POSSIBILIDADE DE REGÊNCIA PELA LEI N. 4.591/64 - PRECEDENTES DESTA CORTE -SIMPLES LIMITAÇÃO TEMPORAL AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE USO DO IMÓVEL, SEM COMPROMETER O DIREITO REAL DE PROPRIEDADE - ESTIPULAÇÃO EM CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO DEVIDAMENTE REGISTRADA - EXPRESSÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE DOS COMNDÔMINOS - MEIO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A COBRANÇA - DESPESAS COMUNS COM NATUREZA ANÁLOGA ÀS DESPESAS DO CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES - AÇÃO PROCEDENTE -INCIDÊNCIA DE ENCARGOS MORATÓRIOS AMPARADOS EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. Recurso provido. TJSP APL 992060663404 SP. Relator: DES. Edgard Rosa. Julgamento: 25/08/2010. Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado. Publicação: 08/09/2010.
Pelo fato do timesharing não ser um instituto muito difundido no país, não há legislação nacional, nem extensas doutrinas brasileiras sobre o tema, e, as existentes antecedem o Código Civil de 2002. Neste sentido, sua natureza jurídica e alcance são de difícil delimitação.
As jurisprudências acima ratificam o entendimento de classificação do timesharing como uma relação condominial, representante dos direitos reais sobre coisa próprias. Passemos ao estudo do condomínio, os fundamentos da sua forma clássica e como sua teoria se constrói.
Primeiramente, de acordo com Caio Mário da Silva Pereira, a idéia mestra do condomínio “está no exercício conjunto das faculdades inerentes ao domínio pela pluralidade de sujeitos, por tal arte que cada um deles tenha um poder jurídico sobre a coisa inteira, em projeção de sua quota ideal, sem excluir idêntico poder nos consócios ou copripretários.”[21]
Por conseguinte, condomínio é transitório, seja em sua natureza em oposição à exclusividade da propriedade, seja porque desde os primórdios tem sido objeto de diversos litígios, os quais os legisladores, inclusive os brasileiros, tentam reprimir e cercear, instituindo no caso brasileiro, o artigo 1.320 do Código Civil o qual permite sua desconstituição por qualquer condômino, a qualquer tempo, ainda que o estado de comunhão tenha se dado através de doador ou testador, conforme os parágrafos 1° e 2° do mesmo dispositivo legal.
Por fim, a forma clássica de condômino também não pode dar a posse, o uso ou o gozo da propriedade a terceiros sem anuência dos demais condôminos, de acordo com o artigo 1.314 do Código Civil, nem alienar sua quota-parte a não condôminos, sem permitir o direito de preferência para adquiri-la aos outros coproprietários, vide artigo 1.322 do mesmo codex.
Agora no que se refere à propriedade horizontal, sua matriz diverge dos princípios tradicionais. De início, os direitos dos condôminos da forma edilícia, fracionada em apartamentos residenciais ou comerciais não se resumem a coisa toda, apenas sua quota ideal, além dos espaços comunais e aqueles necessários à consolidação da comunhão como fiação, encanamento e a própria construção, por exemplo. Contudo, seus poderes são mais importâncias naqueles relacionados aos exercidos exclusivamente sobre a sua fração da coisa, excluindo os demais condôminos.
Neste caso, diferentemente da forma tradicional o qual há a intenção de evitar a perpetuidade do condomínio, a comunhão permanente e perpétua é estimulada, cuja finalidade é a manutenção de sua estrutura jurídica, pois, “não será possível a conservação útil do complexo jurídico nem concebível a fruição da parte exclusiva de cada condômino sem a permanência do estado de comunhão. Em conseqüência, esta é a obrigatoriedade duradoura, em contraposição à comunhão clássica, que a lei quer transitória.”[22]
Além do uso da coisa por si ou por outrem, o condômino também pode dar posse, uso ou gozo da propriedade a estranhos sem anuência dos demais, mas, tal direito pode sofrer restrição caso a convenção livre dos titulares assim decida. Por conseguinte, no que se refere ao terreno e as partes comuns não se pode destacar do direito exclusivo sobre a propriedade, muito menos o proprietário ser impedido de alienar sua unidade autônoma, sem a anuência dos demais.
Acerca de sua natureza jurídica, haja vista que juridicamente, o condomínio edilício também se trata de inovação jurídica, diversas correntes foram formalizadas, pelos diversos doutrinadores de peso do Direito, seja nacional ou internacional, desde aquelas que tentou aproximá-lo do teor proveniente do direito romano até outras que o trataram como figura nova de pessoa jurídica, por exemplo. No entanto, suas características próprias não podem ser ofuscadas pela antiga concepção de propriedade.
Trata-se de um conceito dominial novo, teoria embasada tanto por Caio Mario da Silva Pereira, quanto Orlando Gomes,[23] cujos reflexos são objetos de uma combinação entre os conceitos de domínio singular e plural, ou, como preferir, domínio exclusivo e comum.
Neste sentido, caso não tratasse o condomínio edilício como novo conceito dominial, todos os direitos subjetivos presentes na propriedade exclusiva perderiam sua estabilidade caso não fosse exercido junto a existência do condomínio, pois o funcionamento do domínio tornar-se-ia inviável se não houvesse a propriedade coletiva ou a propriedade conjunta de todos sobre as áreas de acesso. Se não houvesse também a copropriedade do terreno, quanto à unidade autônima, não seria possível a realização de sua construção.
Da mesma forma que o condomínio sobre subsolo, solo e áreas comunais, perderiam todo sentido caso também não houvesse a propriedade individual, representada por sua unidade autônoma.
Neste sentido, conclui novamente Caio Mario, “a propriedade horizontal e, portanto, um direito, que se configura com suas linhas estruturais definidas, próprias, características, peculiares, na aglutinação do domínio e do condomínio; da propriedade individual e da propriedade comum, formando um todo indissolúvel, inseparável e unitário. Os direitos do comunheiro sobre a sua unidade autônoma e sobre as partes comuns consideram-se então indivisíveis, não podendo ser cedidos separadamente [N.A.: Código Civil, art. 1.339, §1°].[24]
E continua, quando diz que:
somente esta simbiose orgânica dos dois conceitos, na criação de um direito complexo, é que oferece justificativa precisa aos direitos e aos deveres dos condôminos. Não é apenas uma propriedade mista, em que o domínio exclusivo vive ao lado do condomínio. Não é uma justaposição de direitos e de conceitos. É uma fusão de direitos e uma criação de conceito distinto. Não é, por outro lado, uma relação de dependência, em que um direito tem caráter principal e outro direito o tem acessório. [...] Há uma fusão de direitos, pela qual o mesmo sujeito é simultaneamente titular de uma propriedade e de uma copropriedade. Relação subjetiva uma, relação objetiva dicotômica.[25]
Por fim, conforme demonstrado, não há como se auferir prioridade e valoratividade na relação entre condomínio e propriedade horizontal, pois há dependência do solo em relação à construção, e vice-versa. Bem como não se pode dizer qual é a coisa principal e qual a acessória, não só porque a quota individual acompanha a unidade autônoma, mas também, porque o terreno figura entre as coisas inalienáveis, do domínio de todos os proprietários do prédio.
Analisado os aspectos jurídicos do condomínio clássico, bem como de sua forma edilícia, entendo que por mais semelhanças que possam existir, o timesharing não se trata de um condomínio, ou um direito real sobre coisa própria, como a doutrina entende como a classificação coerente ao condomínio.
Primeiramente, a diferença básica encontrada se apresenta na questão da propriedade e seus atributos. Quando se analisa o timesharing se verifica que o multiproprietário jamais será o dono do empreendimento e não terá a reunião dos atributos de uso, gozo, disposição e reivindicação reunidos na sua pessoa, enquanto no condomínio, o proprietário detém todos os atributos de sua unidade autônoma reunidos em si.
Os atributos da propriedade de uso, gozo e disposição do empreendedor são desmembrados de si e repassados ao multiproprietário, que passa a ter tais direitos somente à sua unidade autônoma, ou seja, o apartamento que utilizar e as devidas unidades comuns.
Por mais que no ato da aquisição do timesharing o comprador, hora multiproprietário detenha um direito cuja duração é posterior à sua morte (haja vista que pode ser transferido mortis causa) ou até sua transmissão inter partis, ele só se consuma em seu período aquisitivo, ou seja, no período contratualmente determinado, o qual o apartamento pertencente ao empreendimento terá o uso cedido ao multiproprietário. Fora deste período todos os atributos são reunidos novamente no proprietário, e, ou serão repassados a outro multiproprietário, caso seja o seu período, ou, permanecerão com aquele, caso o apartamento seja utilizado por um hóspede ordinário.
Os poderes inerentes à propriedade não são temporários no condomínio, enquanto o condômino for o titular do respectivo bem, bem como, seu exercício não sofrerá limitações, a não ser aquelas dispostas no ato constitutivo do condomínio, inclusive no que se refere ao alcance de seu domínio às áreas comuns do edifício.
Conforme visto anteriormente, o multiproprietário não tem autonomia para administrar o timesharing, sendo tal ato exclusivo do proprietário e os gestores por este nomeados. No entanto, no condomínio edilício, por mais que haja a figura do síndico, e, contemporaneamente, empresas prestadoras deste tipo de serviço, a administração fica sob encargo dos moradores, representados pela assembléia geral.
A responsabilidade civil entre os institutos também é diferente, pois, o proprietário empreendedor é o único responsável por qualquer ato ilícito cometido contra outrem, inclusive os trabalhistas perante os funcionários responsáveis pela manutenção do bem. O multiproprietário, neste caso, só fica responsável pelo pagamento das taxas relativas ao seu uso, para preservação do mesmo, mas, não só o condomínio, mas também os condôminos, individualmente, podem ser responsáveis por seus atos ilícitos.
Por fim, conforme demonstrado acima são várias as diferenças entre os institutos, sendo a mais importante delas àquela relacionada à propriedade e seus atributos. Todavia a caracterização do timesharing como um condomínio edilício, por mais que errônea, pode ser explicado através da origem das obrigações atinentes tanto ao multiproprietário quanto do condômino. Além de ambos pagarem taxas pelo uso ou conservação do bem e possuírem áreas comuns compartilhadas, ambos devem seguir uma cartilha de obrigações similares no que se refere ao uso de tais unidades. No entanto, geralmente o multiproprietário adere às condições propostas pelo empreendedor-proprietário, sem possibilidade de questionamento, até mesmo porque sua investidura dá-se através de contrato de adesão cujas cláusulas já delimitam seus direitos e deveres. Mas, quanto ao condômino, seus direitos e deveres são estabelecidos na assembléia de constituição do condomínio edilício, cujo alcance destes são objeto de questionamento entre todos os condôminos.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em consonância com o que foi exposto percebe-se a necessidade de um acompanhamento efetivo do Poder Legislativo face às mudanças comportamentais da sociedade. O ser humano é complexo em sua essência, e, talvez só tenha sido capaz de chegar onde está na escala evolutiva, face sua capacidade de gerenciamento de crises. Neste sentido enquadra-se o surgimento do timesharing como instituto jurídico hábil a ajudar o mercado imobiliário europeu a se salvar da crise financeira que atravessava. Sua criação não só resolveu o problema pelo o qual foi criado, mas também sua proposta se desenvolveu e cruzou o globo terrestre fazendo novos adeptos.
Dentre todas suas modalidades, a como direito real sobre coisa alheia obteve mais sucesso não só aos empresários que buscaram nela alternativas de angariar melhor rentabilidade a seus empreendimentos, mas também àqueles que adquiriram seus direitos de multipropriedade devido à sua simplicidade e comodidade.
Contudo, progresso nem sempre traz apenas benefícios, e, no mesmo passo surgem diversos problemas ocasionados pelo seu desenvolvimento natural, os quais não eram imaginados no ato de sua criação, cuja solução é sempre buscada perante o Poder Judiciário, por isso a necessidade de se formular estudos concretos sobre os alcances deste instituto para que se possa elucidar quem detém o melhor direito, na esfera jurídica, e, trazer mais segurança, novamente, a empreendedores e consumidores. Estes precisam de confiança para fazerem seus investimento e aqueles garantias de que não terão sua propriedade lesada indevidamente.
Por conseguinte, quando se diz que quando os atributos de usar, gozar, dispor e reaver estão dispostos na mesma pessoa temos a consolidação de um direito real sobre a coisa própria, situação na qual se enquadra o dono do empreendimento hoteleiro. Contudo, quando seu domínio sobre o bem é desmembrado e repassado ao multiproprietário, para exercê-lo, de forma compartilhada, sobre um apartamento, em período pré-determinado, temos não só a constituição do timesharing, mas também de um direito real sobre coisa alheia.
Por fim, para organização do instituto não só perante proprietários e multiproprietários, algumas características são semelhantes ao do condomínio edilício, principalmente aquelas relativas a diferenciação entre áreas privativas e comuns. No entanto, tais semelhanças não são capazes de caracterizar o timesharing como um condomínio principalmente porque neste não há desdobramento do domínio sob o bem, e, passado o período aquisitivo do multiproprietário há novamente a reunião de todos os atributos do proprietário na figura do proprietário do empreendimento.
REFERÊNCIAS
CAPARRELLI, Piercalo; SILVESTRO, Paolo Multiproprietà. In: Dizionario Del diritto privato; diritto civile. Coord. Natalino Irti. Milano: Giuffrè, 1980. v. 1.
GONÇALVES, Luis da Cunha. Da propriedade e da posse. Lisboa: Edições Ática, 1952.
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[1] TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade Imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 1.
[2] TEPEDINO, 1993, p. 4.
[3] TEPEDINO, 1993, p. 12.
[4] CAPARRELLI, Piercalo; SILVESTRO, Paolo Multiproprietà. In: Dizionario del diritto privato; diritto civile. Coord. Natalino Irti. Milano: Giuffrè, 1980, v. 1, p. 578.
[5] TEPEDINO, 1993, p. 24.
[6] Aduz o artigo 1° da Lei de 1938: “são validamente constituídos, sob diferentes formas reconhecidas pela lei, mesmo que não tenham elas por fim partilhar lucros, as sociedades que têm por objeto quer a construção ou a aquisição de imóveis tendo em vista a sua divisão por frações destinadas a ser atribuídas aos associados em propriedade ou em gozo, quer a gestão e a manutenção desses imóveis assim divididos” (Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, trad. Souza Diniz, Rio de Janeiro, Record Ed., 1962).
[7] TEPEDINO, 1993, p. 25.
[8] Ibid., 1993, p. 28.
[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014a, p. 68.
[10] Ibid., 2014, p. 70
[11] PEREIRA, 2014a, p. 74.
[12] GONÇALVES, Luis da Cunha. Da propriedade e da posse. Lisboa: Edições Ática, 1952, p. 53.
[13] PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. Atual. por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel Editores, 2003, t. 1, p. 28.
[14] PEREIRA, 2014a, p. 78.
[15] HEDEMANN, Justus Wilhelm. Derechos reales. Version espanola y notas de Jose Luis Diez Pastor, Manuel Gonzalez Enriquez. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1955, p. 140.
[16] PEREIRA, 2014a, p. 79, grifo do autor.
[17] VENOSA, Sílvio de Sávio. Direito Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. (Coleção Direito Civil; 5), p. 24.
[18] VENOSA, 2012, p. 24.
[19] OLIVEIRA JÚNIOR, Dário da Silva; CHRISTOFARI, Victor Emanuel. Multipropriedade (Timesharing:) aspectos cíveis e tributários. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 34.
[20] OLIVEIRA JÚNIOR; CHRISTOFARI, 2000. p. 37.
[21] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014b, p. 52.
[22] PEREIRA, 2014b, p. 53.
[23] Segundo Orlando Gomes em sua obra Direitos Reais, o condomínio edilício não é propriedade individual nem condomínio, mas as duas coisas ao mesmo tempo.
[24] PEREIRA, 2014b, p. 64.
[25] Ibid., p. 65.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD, em 2015. Pós Graduado em Direito do Consumidor pela Faculdade Damásio de Jesus, 2018. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário da Grande Dourados - UNIGRAN, 2021. Atualmente é analista judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Guilherme Augusto Brito. O timesharing como nova modalidade de direito real sobre coisa alheia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2023, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63549/o-timesharing-como-nova-modalidade-de-direito-real-sobre-coisa-alheia. Acesso em: 23 dez 2024.
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