RESUMO: A partir de um método dialético, com análise bibliográfica, consultiva e jurisprudencial, o presente estudo foca sua atenção na função institucional trazida por diversas leis às Defensorias Públicas na defesa de vítimas em especial condição de vulnerabilidade. Num primeiro momento torna-se necessário entender em quais situações essa função essencial atípica se faz necessária. Outrossim, mostra-se fundamental a diferenciação dessa nova atuação da figura do assistente de acusação. Neste momento não apenas se fundamentará a diferenciação com base na doutrina institucional, mas também no olhar conferido pela jurisprudência nacional e convencional. Por fim, trabalha-se especificamente com as três principais atuações quais sejam a assistência qualificada à mulher, à criança e às pessoas que sofreram crimes de racismo. Em que pese o foco esteja sobre estas, não se olvida que trata-se de espectro protetivo devendo receber leitura ampla à luz da missão emancipatória e dos objetivos pertencentes à Defensoria Pública de forma que já se mostra possível essa atuação em prol daqueles que sofreram violência institucional.
PALAVRAS CHAVES: Assistência Qualificada. Defensoria Pública. Assistente de Acusação. Lei Maria da Penha. Lei Henry do Borel. Lei Racismo. Violência Institucional
INTRODUÇÃO
Violência contra a mulher, contra a criança, crimes de racismo e até mesmo violência institucional sã espécies de crimes onde há uma sobrevitimização daquela que fora por muito tempo esquecida pelo direito, a vítima. Diante do giro democrático produzido pela constitucionalização do direito, todos os seus institutos necessitaram ter a existência ressignificado ou até mesmo reavaliada.
Sabe-se que os horrores do nazismo refletiram numa busca por dar às vítimas novamente alguma posição dentro do processo penal. Se não mais o protagonismo ( que também não de demonstraria aliado à nova matriz democrática), dá-se o lugar um lugar humanizado de respeito na busca de uma justiça constitucionalmente adequada.
Desse modo temos a assistência qualificada como figura que não se confunde com o assistente de acusação. Tais figuras são diferentes não apenas no que tange a necessidade de aval judicial que circunda o assistente de acusação como também sobre em que momento elas podem atuar e qual objetivo de cada uma. Se o assistente de acusação está ali para acusar, o assistente qualificado busca maximizar os direitos da vítima para a obtenção de uma justiça leal com verdade, memória e reparação.
Justiça, verdade, memória e reparação são dimensões da justiça de transição que servem de parâmetro para a análise da correta aplicação da assistência qualificada. Por justiça deve se entender a garantia de uma investigação séria justa e imparcial, especialmente quando temos a cristalização da impossibilidade de revitimização com a lei Mariana Ferrer. Ainda merece destaque a demissão da memória que se relaciona sobremaneira com a vedação a utilização da Tese da legitima defesa da Honra sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal.
Portanto, a assistência qualificada da vítima demonstra que o olhar sobre a vítima não manteve-se estanque. Pelo contrário, ele acompanhou os anseios democráticos e hoje visa garantir que o direito seja utilizado como garantia a irracionalidade do poder punitivo, mas também como garantia de não violação de direitos de quem já os teve violado.
1- A REDESCOBERTA DA VÍTIMA E AS FASES DE SUA DEFESA.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Direito (e o mundo) passou pelo que convencionou-se chamar redescoberta da vítima. Assim, se num primeiro momento a vítima era protagonista, posteriormente sua existência para o processo fora neutralizada e apenas décadas mais tarde, diante dos horrores vivenciados pelas vítimas de atuações nazistas, demonstrou-se que era necessário que as vítimas também recebessem a tutela do Direito.
Logo, processo penal ser sim uma fora de garantia contra a irracionalidade do poder punitivo ele também não deveria ser via de revitimização, apagamento e inocuização de categorias cotidianamente vulnerabilizadas.
Maurílio Maia subdivide essa redescoberta da vítima e a operacionalização do Direito para evitar novas violações em 3 fases. A assistência qualificada seria forma de atuação contemporânea que teve por sementes às lutas de movimentos organizados em prol da defesa de mulheres, crianças e vítimas de crimes de racismo em suas mais diversas modalidades.
1ª fase — a fase "paradoxal", na qual não existia uma defesa pública nacionalmente organizada e o membro do Ministério Público (enquanto Estado "Custos Legis" e, por isso também, "Dominus Litis") precisava se equilibrar entre seu interesse institucional (o "interesse ministerial") e a eventual tutela do interesse da vítima. Diante da inexistência de uma Defensoria Pública nacionalizada, o Ministério Público se tornava legitimado à ação civil ex delicto em razão de requerimento da vítima pobre (CPP, artigo 68[2]).
2ª fase — com a determinação constitucional de nacionalização da Defensoria Pública, inicia-se a fase "transitória", do trânsito para a inconstitucionalidade do artigo 68 do CPP, conforme entendimentos do STJ (REsp n. 219.815/SP, DJe 24/11/2008) e STF (RE nº 135.328-7/SP, DJ 1/8/1994). Tal fase é acompanhada do aprofundamento da maior independência do Ministério Público para atuação impessoal em prol da ordem jurídica, remetendo-se cada vez mais à Defensoria Pública a defesa de interesses das pessoas, inclusive das vítimas, interesses esses eventualmente conflitantes com a visão ministerial de "ordem jurídica".
3ª fase — fase constitucional ou da autonomia integral da vítima, ainda em implementação e em risco de retrocesso. Em tal contexto, normas referentes às denominadas "assistências qualificadas das vítimas" surgem e crescem, tais como: (1) quanto à mulher-vítima de violência de gênero (Lei nº 11.340/2006, artigo 27 e 28); (2) em relação à vítima de racismo, art. 20-D, Lei n. 7.716/1989; (3) quanto à criança-vítima[3], em diálogo das fontes[4] determinado pelo artigo 33 da Lei nº 14.344/2022 — conforme lição de Franklyn Roger aqui na ConJur. ( Grifo nosso)
Nesse diapasão a assistência qualificada à vítima se mostra como ferramenta focada não na condenação do réu a qualquer custo, mas sim numa assistência humanizada, irrestrita e ampla da vítima. Outrossim, é fundamental que ressalte-se que de acordo com uma concepção democrática e garantista de processo penal, a vítima não tem direito a uma sentença condenatória. O que deve ser a ela garantido, especialmente num sistema acusatório pugnado num Estado Democrático de Direito é uma atuação humanizada, a qualquer momento, que resguarde de forma de todas as formas seus direito de obter justiça, verdade, , memória, reparação e não repetição
Como é possível verificar, essa atuação vem recebendo positivação específica em diplomas focados não apenas em remodelar o atuação judicial, mas sobretudo em ressignificar o status quo brasileiro. Sua primeira positivação veio na lei Maria da Penha e a última normatização específica ocorreu nas recentes alterações ocorridas na lei de combate ao racismo.
Lei Maria da Penha:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.
Lei de Combate ao Racismo:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm
Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)
Portanto, o redescobrimento da vítima vem se dando de forma constitucionalizada. Numa constituição que tem por fundamento a dignidade da pessoa humano outra não poderia ser a postura frente às vítimas que compõem segmentos vulnerabilizados que uma assistência qualificada. Assistência que em um viés emancipatório e protetivo engrandeça essa vítima não focando seus esforços na obtenção de uma condenação, mas sim garantindo que essa pessoa gozará da verdadeira justiça, que é uma investigação séria, justa e imparcial com vocação transformadora, sem qualquer tipo de revitimização.
2- 3- DIFERENÇA ASSIST QUALIFICADA E ASSIST ACUSAÇAO
Ainda na toada da evolução do papel da vítima no processo penal brasileiro, entende-se que ela possui dois tipos de participação. O consenso entendia que eram formas dessa participação ocorrer, como testemunha, onde sequer prestava compromisso de dizer a verdade, e como assistente de acusação. Nosso enfoque se dá sobre essa segunda faceta e sobre como hoje ela não se mostra alinhada com o paradigma democrático.
Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
Art. 269. O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar.
Art. 270. O corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público.
Art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.
§ 1o O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente.
§ 2o O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente, quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.
Art. 272. O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente.
Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão.
Diante de uma análise da jurisprudência internacional bem como da nacional, torna-se evidente que a figura do assistente de acusação não se mostra mais consentânea com o arcabouço convencional e constitucional. Isto se dá porque tais âmbitos normativos buscam não apenas uma proteção eficiente, mas também que as formas que essa proteção ocorra não se dem mediante disparidades.
Sendo assim, numa perspectiva nacional são inúmeras as manifestações de Ministros que salientam essa figura violar o devido processo legal (art. 5o, inciso LIV, da CRFB), a paridade de armas (manifestação da igualdade no âmbito processual e decorrência do devido processo legal) e a ampla defesa (art. 5o, inciso LV, da CRFB. Em verdade o assistente de acusação viola frontalmente a Constituição desequilibrando uma balança já deveras desequilibrada.
“Desde aí se conformam os argumentos em torno da NÃO RECEPÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO nos casos em que o Ministério Público não ca inerte. Questão esta que se aclara, por exemplo, na conformação da sala de audiência ou no plenário do Tribunal do Júri. Nos casos em que há assistência, violação do direito ao tratamento igualitário e se produz uma discriminação contra a defesa, uma vez que são duas linhas de atuação contra uma. Some-se ainda, o fato de que o Ministério Público ainda tem toda a estrutura policial trabalhando a seu favor. Não só da polícia investigativa em si mesmo, mais ainda das próprias estruturas invés Ga vai e técnicas que possui (peritos, psicólogos, policiais cedidos, os GAECOS — Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado —da vida...). À Defesa, na quase maioria dos casos feita por defensores públicos sem estrutura nenhuma, resta contrapor aos argumentos da acusação de forma muitas vezes ‘fordista’. E que, no caso da assistência de acusação, se vê reforçada com os argumentos de outro profissional do direito. De tudo que foi dito, defende-se a ideia de que a Assistência à Acusação não foi recepcionada pela Constuição de 1988, não pelos argumentos enfrentados pelo STF, mas, especialmente porque, ao prever a atuação junto com o MP, a ordem processual produz uma discriminação inaceitável contra o acusado, ferindo seu direito ao tratamento igualitário”4 4 DA COSTA, Renata Tavares. O papel do assistente da mulher previsto no artigo 27 da Lei Maria da Penha nos crimes de feminicídio no Tribunal do Júri, p. 13-14.
Diferentemente, sem contudo concordar com a existência dessa figura, a Corte Interamericana de Direitos Humanos salienta pela inconvencionalidade dessa figura. Usando a lente da vítima, e não a de proteção ao réu como o entendimento supra, a Corte recomenda que essa figura seja substituída por outra que possa realizar a defesa integral e em qualquer momento sob pena de apequenar a atuação da vítima. O que produziria proteção deficiente. Esse foi o entendimento na sentença que condenou o Estado Brasileiro no caso Favela Nova Brasília.
329. No que concerne à criação de um mecanismo de participação de vítimas e organizações da sociedade civil em investigações de crimes decorrentes de violência policial, a Corte toma nota de que o Estado dispõe de normas que garantem a participação de um assistente de acusação em ações penais públicas. Sem prejuízo do exposto, não oferece nenhum marco legislativo que garanta a participação das partes na fase de investigação pela polícia ou pelo Ministério Público. Levando isso em conta e em atenção à sua jurisprudência sobre a participação das vítimas em todas as fases de investigação e do processo penal,338 a Corte determina que o Estado adote as medidas legislativas, ou de outra natureza, necessárias para permitir que as vítimas de delitos ou seus familiares participem de maneira formal e efetiva da investigação criminal realizada pela polícia ou pelo Ministério Público, sem prejuízo da necessidade de reserva legal ou confidencialidade desses procedimentos. - https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf
Sendo assim, a assistência qualificada não deve ser confundida com a figura do assistente de acusação. Esse entendimento é norte fundamental em sua aplicação já que por ele é que se defende a desnecessidade de autorização judicial para suas manifestações uma vez que a autorização para a atuação advém da lei, assim como a possibilidade de atuação em qualquer fase do processo. Esse foi, inclusive o posicionamento adotado pelo TJRJ quando deu procedência a um Recurso Em Sentido Estrito da Defensoria Pública do Rio de janeiro que se manifestava contrariamente a postura do magistrado que entendia ser necessária a sua anuência para a participação da assistência qualificada à mulher. Outrossim o Superior Tribunal de justiça se manifestou em caos emblemático sobre a possibilidade de acesso por parte de vítimas indiretas (parentes da vítima direta) que com assistente qualificado pugnavam pelo acesso aos documentos já documentados nos autos.
Especificamente falando da assistência qualificada à vítima mulher vale trazer o trecho doutrinário:
É fundamental compreender que a atuação da Defensoria Pública na defesa da mulher, por meio da assistência qualificada, não deve ser confundida com o papel desempenhado pelo Ministério Público ou pelo assistente de acusação. De acordo com alguns doutrinadores, a atuação do advogado ou defensor público no contexto da Lei Maria da Penha deve se concentrar exclusivamente nas necessidades apresentadas pela vítima, ouvindo e respeitando suas manifestações de vontade após a devida orientação sobre as consequências jurídicas e processuais de suas ações. É essencial ter em mente que a assistência jurídica tem como objetivo minimizar os efeitos da vitimização secundária e proteger os direitos da mulher ofendida (BELLOQUE, J. G. Da Assistência Judiciária. In CAMPOS, Carmen Hein de (Org.). Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico feminista. Lumen Juris, 2011:337-346).
3- DIMENSÕES DA ASSISTENCIA QUALIFICADA
A Constituição cidadã ressalta que a República Federativa brasileira constitui-se em co Estado Democrático de Direito e tem como mira de sua bússola a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sabedouro desse contexto constitucional torna-se digno de nota os paradigmas relativos à justiça de transição utilizados pela doutrinas, para compreendermos os objetivos maiores da assistência `vítima.
Traçando um paralelo com a justiça de Transição a doutrinar proporciona interessante sistemática que propõe que a análise de uma bem sucedida assistência à vítima perpasse pelas dimensões da justiça de transição, quais sejam verdade, justiça, memória e reparação com medidas de não repetição
A modalidade da justiça deve ser compreendida não como a busca por uma sentença condenatória a qualquer custo, mas sim como a garantia de uma investigação séria justa e imparcial. Entendimento este reafirmado recentemente quando a Corte Interamericana condenou o Brasil no caso Marcia Barbosa diante da ausência de condução processual com perspectiva de gênero. Não a toa hoje o judiciário brasileiro já consta com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pela Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça.
Caso Márcia Barbosa x Brasil - https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_435_por.pdf
194. No capítulo VIII da presente Sentença, a Corte concluiu que o Estado não atuou com a devida diligência na investigação relativa aos demais possíveis partícipes no homicídio de Márcia Barbosa de Souza (par. 133 supra) e que a investigação e o processo penal tiveram um caráter discriminatório em razão da incidência de estereótipos de gênero, de modo que foi violado o direito de acesso à justiça dos familiares da senhora Barbosa de Souza (par. 150 supra).
Adoção de um protocolo estandardizado de investigação de mortes violentas de mulheres em razão de gênero 198. No capítulo VIII desta Sentença o Tribunal concluiu que O Brasil não adotou uma perspectiva de gênero na investigação e no processo penal iniciados em virtude do homicídio de Márcia Barbosa de Souza (par. 150 supra). 199. Por outra parte, a Corte nota que o Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres por razões de Gênero foi interiorizado e adaptado pelo Estado através das Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres.295 O documento teve como objetivo estandardizar o tratamento dado à investigação, à persecução e ao julgamento, com a devida inclusão da perspectiva de gênero desde a fase inicial. As Diretrizes expressam a necessidade de que as autoridades competentes busquem, ao longo da investigação de um feminicídio, a realização do direito de acesso à justiça, sem a intervenção de estereótipos e outras formas de violência ou discriminação contra as mulheres.
Índice da justiça estadual do Protocolo implementado pelo CNJ- https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf
Justiça Estadual .................................83
a. Violência de gênero e questões de direito processual .84
a.1. Medidas Protetivas de Urg ncia e Formulário Nacional de Avalia ão de Risco ...84
a.2. O valor probatório da palavra da vitima .......................85
a.3. A oitiva da vítima hipossuficiente pela idade ...................86
a.4. A representa o processual da vítima .....................87
a.5. Os efeitos da sentença condenatóira e o direito da vítima ao ressarcimento ...............87
Ainda nessa dimensão a doutrina, e mais recentemtente, a legislação nos rememoram sobre o dever de garantir que no processo não se produza revitimizações. Diante de postura inaceitável dos operadores de Direito no caso onde vítima de suposto estupro fora depreciada e revitalizada o legislador nos brindou com a Lei Mariana Ferrer que veda qualquer tipo de atuação revitimizante. Em verdade, ainda que essa lei não existisse, assim como ainda que a vítima não se enquadre no sujeito passivo dessa lei, é função da assistência qualificada impedir que a dignidade da vítima seja afrontada por àqueles que deveriam garantir sua proteção Nesse sentido, Soraia Mendes ( traz a assistência judiciária como mais um dos serviços postos à disposição da mulher em situação de violência doméstica, não apenas para prevenir como também para conter esses constrangimentos, criando-se uma facilitação do acesso à Justiça, nalizando, com maestria
Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 400-A e 474-A:
“Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:
I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;
II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.”
“Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:
I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;
II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.”
Outro reflexo desse direito à justiça está no fato de que, qualquer manifestação da vítima ser tutelada, seja sua fala por meio de uma escuta qualificada, seja seu silêncio. Sendo a vítima uma parte no processo e não mera testemunha, a ela é sim garantido o direito ao silêncio. Em que pese ainda existam manifestações calcadas no machismo estrutural há de se aplaudir o Enunciado 50 do FONAVID que ressalta que deve ser respeitada a vontade da vítima de não se expressar durante seu depoimento em juízo, após devidamente informada dos seus direitos. (Aprovado no XI FONAVID – São Paulo (SP)).
A dimensão da verdade segue no mesmo espectro da dimensão da justiça já que busca garantir que as verdades não sejam encobertas pelas metodologias androcentricas do sistema de justiça. Exemplo trabalhado na doutrina é a necessidade de se avaliar, ainda que por meio de investigação defensiva, todos os documentos e laudos do caso garantindo que feminicídios não sejam encobertos por falsos suicídios.
Quando se trabalha com a dimensão da memória é recomendável que se impossibilite violações à memória das vítimas. Não se pode admitir que um sistema onde impera a heteronormatividade compulsória, o racismo, o machismo e que a Doutrina da proteção integral é ignorada reforça ainda mais suas engrenagens para violar os direitos dessa parcela populacional mesmo quando elas foram vítimas fatais. Nessa toada deve a assistência estar atenta e alinhada com a jurisprudência pátria de forma que qualquer indício de utilização de legítima defesa da honra seja impugnada e eivada de nulidade conforme entendeu o Suprem Tribunal Federal no julgamento da ADPF 779.
A “legítima defesa da honra” é recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988.
3. A “legítima defesa da honra” não pode ser invocada como argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a vedação de todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.
4. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da “legítima defesa da honra” (ou de qualquer argumento que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos debates por ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação apelar na forma do art. 593, inciso III, alínea a, do Código de Processo Penal.
Por fim, temos a dimensão da reparação e as medidas de não repetição.Aqui temos um amalgma entre os deveres estatais e as obrigações do condenado. Obrigações proporcionais às violações e que devem ser garantidas não apenas às vítimas diretas, mas também às indiretas. Torna-se interessante trazer a baila a Atuação da DPE/RJ como assistente da vítima que refletiu em efetivo bloqueio de bens de autor de feminicídio.
Através do GT Feminicídio, a Defensoria Pública passou a prestar assistência integral às vítimas diretas e indiretas do crime de feminicídio, nos processos que tramitam nas Varas do Júri, da mesma forma que atuava nos processos dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A atuação visa resguardar os direitos das vítimas enquanto sujeito de direitos no processo e, principalmente, assegurar a não revitimização, a não culpabilização pela violência sofrida, o direito à informação e à participação efetiva no processo — explica a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, Flavia Nascimento, presidenta do grupo de trabalho. - 5 Sobre a assistência qualificada no âmbito do Tribunal do Júri, ler em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-04/tribunal-juri-lei-maria- penha-assistencia-qualificada-tribunal-juri 6 Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/27102-DPRJ-consegue-bloquear-bens-de-autor-de-feminicidio-para- indenizacao
CONCLUSÃO:
Sabendo que a vítima merece ter seus direitos tutelados, uma vez que sua completa neutralização sustentou vergonhas da humanidade como o Nazismo, tornou-se necessário seu redescobrimento. Hoje vivemos naquilo que denomina-se como a terceira etapa do descobrimento já que objetiva-se tutelar essa vítima com autonomia. Emancipação esta que requer apoio institucional para que não se violem mais seus direitos.
Os objetivos constitucionais de que vivamos num Estado democrático de Direito onde viva uma sociedade livre, justa e solidária que promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação exige novos institutos e olhares. Assim, entende-se que seja por proteção insuficiente que leva a inconvencionalidade do instituto segundo a Corte interamericana de Direitos Humanos, seja pela violação a paridade de armas que leva a sua não recepção, a assistência à acusação não deve mais ser utilizada em nosso ordenamento, como regra geral.
Isto posto, as legislações mais modernas sobre vítimas que compõem segmentos vulnerabilizados trazem a figura da assistência qualificada. A Doutrina pátria relaciona os objetivos dessa figura com as dimensões da justiça de transição. Logo, uma assistência qualificada que seja humanizada, integral e em todos os momentos deve guiar-se por dimensões de justiça, verdade, memória e reparações com vocações transformadoras.
BIBLIOGRAFIA:
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/27071-Sala-1-Assistencia-qualificada-as-vitimas
Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pela Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça.
https://canalcienciascriminais.com.br/assistencia-violencia-domestica/
MENDES, Soraia da Rosa. Processo penal feminista. São Paulo: Atlas, 2020.
MENDES, Soraia da Rosa. A violência de gênero e a lei dos mais fracos: a proteção como direito fundamental exclusivo das mulheres na seara penal. In: GAUDÊNCIO, eresa Karina de Figueiredo (Org.). A mulher e a justiça: a violência doméstica sob a ótica dos direitos humanos. Brasília: AMAGIS, 2016. p. 63-78.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1o a 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
PIOVESAN, Flávia. A proteção internacional dos direitos humanos das mulheres. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 57 (edição especial), p. 70-89, jan.-mar. 2012.
DELFINO, Rafael Miguel. Ação Penal Privada Subsidiária da Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
Sobre o tema: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das Leis. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Sobre Defensoria Pública e defesa da vítima, veja ainda: (1) ARAÚJO, Sérgio Luís de Holanda Soares. A vítima de criminalidade e abuso de poder e a missão constitucional da Defensoria Pública. São Paulo: Livre Expressão, 2015; (2) DANTAS JR., Genival Torres. A tutela da vítima pela Defensoria Pública na Persecução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
COSTA, Renata Tavares. O papel do Assistente da Mulher previsto no artigo 27 da Lei Maria da Penha nos crimes de Feminicídio no Tribunal do Júri. In: DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO. Gênero, sociedade e defesa de direitos: a Defensoria Pública e a atuação na defesa da mulher. Rio de Janeiro: Coordenação de Defesa da Mulher/CEJUR, 2017, p. 202.
Sobre o tema: LEWIN, Ana Paula de Oliveira Castro Meirelles; PRATA, Ana Rita Souza. Da atuação da Defensoria Pública para promoção e defesa dos direitos da mulher. Revista digital de Direito Administrativo, São Paulo, vol. 3, n. 3, p. 525-541, 2016.
OCÁRIZ, Graziele Carra Dias. Feminicídio e a assistência às vítimas diretas e indiretas pela Defensoria Pública. In: In: DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO. Gênero, sociedade e defesa de direitos: a Defensoria Pública e a atuação na defesa da mulher. Rio de Janeiro: Coordenação de Defesa da Mulher/CEJUR, 2017, p. 242.
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf
https://www.conjur.com.br/2023-out-12/juiz-ordena-vitima-violencia-domestica-receba-assistencia#:~:text=A%20assistência%20qualificada%20à%20v%C3%ADtima,âmbito%20do%20tribunal%20do%20júri.
https://www.defensoriapublica.pr.def.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2022-10/nota_tecnica_no_04_22_-_assistência_qualificada_vitima_juri.docx.pdf
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14245.htm
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15361685556&ext=.pdf
Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAZ, REBECCA DA SILVA PELLEGRINO. A assistência qualificada às vítimas e suas dimensões Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2023, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63664/a-assistncia-qualificada-s-vtimas-e-suas-dimenses. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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