Resumo: O presente artigo versa sobre o tema “da valoração do afeto, através da indenização por abandono afetivo parental”, sob a ótica jurídica e científica, uma vez que cada vez mais as vítimas de abandono afetivo estão buscando tutela jurisdicional em face do dano que sofreram. A grande problemática é que a prática de valorar o abandono pode ser vista como uma forma de banalização, bem como um facilitador para aumentar o aparecimento de genitores presentes, mas ausentes afetivamente. Assim, a fim de analisar o processo que levou a essa realidade brasileira, foram feitas pesquisas bibliográficas e documentais, com fulcro em entender melhor sobre quais são os requisitos para fazer jus à indenização, além de seus efeitos. Ao término, observar-se-á que é extremamente necessária a indenização por abandono afetivo parental, pois possui o viés de reparação em face do dano sofrido, mas ela não possui viés social, haja vista que o afeto não advém de tutela judicial.
Palavras-chave: Abandono afetivo parental; família; indenização; o preço do amor;
Nas últimas décadas, o ambiente jurídico tem dado visibilidade para debates intensos e complexos sobre a interseção entre questões afetivas e o sistema legal.
Entre todas as discussões, a que tem ganhado mais destaque a cada dia como objeto de reflexão e controvérsia é a indenização por abandono afetivo parental. Trata-se de um tópico que, à primeira vista, parece destoar das tradicionais noções de justiça e responsabilidade civil, uma vez que envolve a avaliação e valoração do afeto no contexto das relações familiares.
Este artigo científico visa analisar o intrigante mundo da valoração do afeto no âmbito legal, em especial na indenização por abandono afetivo parental, bem como quais os seus efeitos na sociedade atual.
Ocorre que em sociedades cada vez mais complexas e fragmentadas, as dinâmicas familiares se encontram em constante mudança e enfrentam desafios que têm gerado um aumento nas ações judiciais que buscam a contraprestação financeira por danos emocionais decorrentes da falta de afeto de pai ou pais presentes no seu período de desenvolvimento.
As questões centrais que este estudo aborda são: é possível valorar a falta de afeto? A valoração do afeto pode levar a uma convivência forçada e talvez ainda mais danosa?
O afeto, muitas vezes considerado um valor inestimável e intangível nas relações familiares, encontra-se no centro de um dilema jurídico que exige uma reflexão aprofundada.
Para alguns, a indenização por abandono afetivo parental representa um avanço na proteção dos direitos emocionais e psicológicos dos filhos, proporcionando uma via para responsabilizar aqueles que negligenciam suas obrigações afetivas. Para outros, a judicialização do afeto levanta preocupações sobre a judicialização excessiva das relações familiares e o impacto potencialmente adverso sobre a própria natureza do vínculo entre pais e filhos.
Neste contexto, pretende-se através de uma análise crítica e uma revisão aprofundada da jurisprudência e da literatura relevante, além de, claro, o método de pesquisas bibliográficas e documentais, examinar o cabimento da indenização por abandono afetivo parental, além de verificar quais os efeitos sociais desse fenômeno.
A família, conforme entendemos hoje, possui uma história de evolução significativa ao longo do tempo. Em épocas passadas, a estrutura familiar era extremamente patriarcal, na qual o papel do pai era, principalmente, o de provedor, responsável por garantir o sustento financeiro do lar, enquanto a mãe era encarregada dos afazeres domésticos e da educação dos filhos.
Nesse contexto, era raro ver os pais envolvidos nos cuidados diários das crianças, uma vez que esse papel estava quase exclusivamente reservado às mães. Além disso, os filhos nascidos fora do casamento frequentemente enfrentavam situações de desigualdade e exclusão dentro do âmbito familiar e social, haja vista que suas necessidades e direitos muitas vezes eram negligenciados, restringindo o acesso a benefícios e garantias que as crianças legítimas desfrutavam.
No entanto, ao longo do tempo, a sociedade e o sistema jurídico passaram por mudanças significativas para abordar essas disparidades. O ordenamento jurídico atual estabelece princípios de igualdade, afirmando que todos os filhos têm direitos iguais, independentemente das circunstâncias de seu nascimento. Essa mudança de perspectiva reflete um entendimento mais igualitário das relações familiares e dos direitos das crianças.
Hoje em dia, os pais são incentivados a compartilhar responsabilidades em relação aos cuidados dos filhos, promovendo uma abordagem mais equitativa na criação e educação. A igualdade entre os filhos, sejam eles nascidos de casamentos, uniões estáveis ou fora de qualquer relação formal, é reconhecida como um princípio fundamental, assegurando que todas as crianças tenham os mesmos direitos e oportunidades, conforme disserta Lúcio M. G. Júnior:
Cabe destacar que o foco legislativo mudou para priorizar a proteção da família e da pessoa dos filhos de forma equitativa, em detrimento da proteção do casamento e dos filhos legítimos. Estabeleceu a igualdade, o que significava que todos os filhos teriam os mesmos direitos, fossem eles concebidos no casamento ou não.(JÚNIOR, 2020, p.25)
Essa transformação reflete uma compreensão mais contemporânea das dinâmicas familiares, na qual a igualdade de gênero e o respeito aos direitos das crianças desempenham um papel central. Embora desafios e desigualdades ainda possam existir em algumas situações, as mudanças legais e sociais no tratamento igualitário dos filhos representam um avanço significativo em direção a uma sociedade mais justa e inclusiva. Portanto, a evolução na concepção da família e dos direitos das crianças ao longo dos anos reflete o constante esforço de adaptar as normas e valores à realidade em constante mudança.
Com o passar do tempo, a sociedade passou por mudanças, em especial da entrada da mulher no mercado de trabalho, assim, a dinâmica familiar mudou consideravelmente, vez que agora não há o que se falar em um tipo de família, mas de vários tipos, através das quais o estado de filiação pode ser decorrente de laços sanguíneos e também de laços afetivos. Sobre isso, Ana Jessica Alves disserta sobre:
A família contemporânea não é mais fundada em valores como o matrimônio ou a consanguinidade, apenas, mas apresenta como fundamento principal a afetividade, pouco importando o modelo familiar que se adote, desde que neste esteja presente a comunhão de afeto como fim comum entre os entes. (ALVES, 2013, p.2)
Atrelado ao vínculo afetivo entre pais e filhos, a Constituição Federal de 1988 atribui aos pais o dever de criar e educar os filhos, dever este que tem o intuito de proporcionar o melhor desenvolvimento da prole, contribuindo com seu crescimento de forma digna e satisfatória, vez que a família “é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2009, p.1).
Sobre a essência da entidade familiar, Rafael N. M. de Oliveira e Bruna Melo entendem que:
Daí pode-se entender que a essência de ser família vai muito além da ascendência, pois sua grandeza não se limita à linhagem sanguínea. As relações familiares não se garantem pela ciência, não se determinam pelo sangue, esse vínculo tem um papel definitivamente secundário para a determinação de maternidade ou paternidade. Ser mãe ou ser pai é muito mais nobre do que ter a mesma genética correndo nas veias. (OLIVEIRA; MELO, 2017, p.58)
Neste sentido, não há mais o que se falar em diferentes tipos de formação familiar, ou até mesmo de estado de filiação, haja vista que tanto o ordenamento jurídico como o ambiente social já reconhecem que é possível configurar família além do vínculo sanguíneo, mas também através do vínculo afetivo.
É amplamente reconhecido que crianças e adolescentes merecem ter sua dignidade respeitada de maneira integral, especialmente porque se encontram em um estado de vulnerabilidade inerente até atingirem a maioridade aos 18 (dezoito) anos. Esse período de desenvolvimento, caracterizado por sua transição para a vida adulta, demanda cuidado e proteção especial, a fim de garantir que seus direitos e interesses sejam preservados.
Nesse contexto, tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desempenham um papel fundamental ao disciplinar e estabelecer claramente quem detém a responsabilidade de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. Essa preocupação se reflete no reconhecimento da necessidade de um ambiente seguro e acolhedor para o desenvolvimento saudável desses indivíduos, bem como na promoção de igualdade de oportunidades, educação, saúde e proteção.
Constitucionalmente restou estabelecido que é dever dos pais garantir aos seus filhos a dignidade e a convivência familiar, nos termos do art. 227, destacando a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Isso implica que os pais, familiares, instituições e órgãos governamentais compartilham a tarefa de assegurar que as necessidades e interesses desses jovens sejam atendidos de maneira adequada, in verbis:
art. 227. É dever da família, (...) assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
Da mesma forma, o art. 229 traz o dever dos pais em “assistir, criar e educar os filhos menores” (BRASIL, 1988), sobre o qual dissertam Claudiane, Jô e Izabela:
É sabido que ninguém está forçado a amar alguém mesmo que este alguém seja seu próprio filho, ou seja, seu descendente. Mas nem por isso ele poderá estar ausente as seus encargos e compromissos com o seu filho. É por esta razão que a lei maior do país impõe a paternidade responsável, ou seja, a responsabilidade em colocar mais uma criança no mundo. (...). (SOUSA; CARVALHO; CRUZ, 2013, p.7)
Na mesma linha, o art. 1.634 do Código Civil atribui aos pais o dever de criação e educação dos filhos, bem como de possuírem sua guarda, conforme dispõe:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é fundamental e delineia detalhadamente os direitos e proteções assegurados às crianças e adolescentes, oportunidade em que estabelece as responsabilidades das famílias, da sociedade e do Estado, bem como define os direitos e garantias específicos das crianças e adolescentes, incluindo o direito à educação, saúde, lazer, proteção contra abusos e exploração, entre outros.
Da mesma forma, o referido diploma legal trouxe o direito da criança ou adolescente possuir uma convivência saudável com seus familiares, nos seguintes dizeres:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (BRASIL, 1990)
Nota-se que o Poder Legislativo se preocupou em assegurar às crianças e aos adolescentes o direito ao bom desenvolvimento e convivência familiar, por meio do qual atribuiu aos genitores o dever de salvaguardar esses direitos.
Quando analisados os preditos deveres sob a ótica da estrutura familiar atual, torna-se claro que o afeto é indispensável para o desenvolvimento da prole e também para a efetivação da criação e educação dos filhos, por parte dos pais.
Isto posto, verifica-se que a ausência do afeto na criação dos filhos pode desencadear diversos problemas:
A ausência dessa convivência acarreta sérios prejuízos físicos, morais e psíquicos à criança e ao adolescente, surgindo a responsabilidade civil como uma possível tentativa de solução, e que será abordada no item derradeiro desta pesquisa. (OLIVEIRA; MELO, 2017, p.69)
Assim, é reconhecido e positivado o direito à convivência familiar, podendo ele se enquadrar como direito fundamental, ante sua indispensabilidade para a boa formação de caráter dos indivíduos da sociedade.
Ademais, é imprescindível a presença dos pais na vida da prole, em especial na infância, momento da construção de seu caráter e personalidade, ocasião em que os genitores deverão contribuir positivamente para a prestação dos auxílios necessários, sendo eles morais ou intelectuais.
Ante todo o exposto, percebe-se que a legislação brasileira reconhece a importância de garantir a dignidade e os direitos das crianças e adolescentes através da Constituição Federal, do Código Civil e do ECA, ao estabelecerem claramente a responsabilidade compartilhada de pais, famílias, sociedade e órgãos estatais na proteção e promoção do bem-estar das crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, reconhecendo a vulnerabilidade inerente desse grupo e a necessidade de proteção integral.
4 - DA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO PARENTAL
A responsabilização civil é uma possibilidade em diversas áreas do Direito Civil, incluindo o Direito de Família, em que a necessidade de amparo em casos de danos se faz presente. Como mencionado anteriormente, é fundamental reconhecer que a figura do genitor desempenha um papel crucial no desenvolvimento saudável de seus filhos. Assim, a ausência desse vínculo pode privar a criança ou adolescente de uma fonte essencial de motivação e apoio, aumentando o risco de enfrentar problemas psicopatológicos e emocionais.
Quando uma criança é afastada do afeto parental, ela é submetida a uma carência de convívio afetivo, moral e psicológico, o que pode resultar em sérios danos a seu direito fundamental à dignidade. Essa privação afeta profundamente o bem-estar emocional e psicológico da criança, podendo abrir feridas emocionais que nunca serão curadas. Portanto, a falta de convívio com um dos genitores pode resultar em danos que justificam uma possível ação de indenização por danos morais:
Preenchidos os requisitos da responsabilização civil e havendo prova do efetivo prejuízo à formação do indivíduo, a indenização por danos morais surge como o meio judicial mais eficaz para inibir as condutas irresponsáveis dos pais que podem gerar prejuízos irreversíveis aos seus filhos, bem como para proporcionar condições de oferecer auxílios psicológicos para tratar a dor a que foram submetidos; ou seja, como uma forma de tentar amenizar os danos direcionados àquela criança ou adolescente abandonado afetivamente. Assim, sendo negado o afeto, o respectivo genitor se torna responsável pelas consequências psicológicas que poderão ser geradas nos filhos em razão da ausência afetiva, caracterizando-se, portanto, como um ato contrário ao ordenamento jurídico, sendo cabível a sanção no campo da responsabilidade civil. (PINHEIRO, 2022, p.54)
Salienta-se que a mera obrigação de pagamento de pensão alimentícia, embora seja uma responsabilidade financeira importante, não pode ser considerada suficiente para cumprir de maneira integral o papel de pai ou mãe, haja vista que o valor pecuniário é apenas um aspecto dos cuidados necessários para o bem-estar da criança.
Ademais, o convívio afetivo e a presença ativa dos genitores na vida de seus filhos são igualmente cruciais, da mesma forma o afeto, orientação moral e emocional, apoio psicológico e desenvolvimento de laços familiares saudáveis não podem ser substituídos unicamente pelo aspecto financeiro.
Para Maria Berenice Dias a inobservância das obrigações parentais agridem a integridade psicofísica dos filhos, princípio resguardado pela lei constitucional. Essa transgressão ao direito do filho é uma situação em que se configura o dano moral, e, como tal, exige ônus indenizatório, devendo o quantum da indenização ser satisfatório para suprir os custos que se fizerem primordiais para atenuar os danos psicológicos (DIAS, 2011, p.461).
Assim, entendido que há o cabimento de indenização por abandono afetivo, outra questão surge que é respeito da valoração do referido afeto, é possível dizer que:
Nos tempos atuais, é possível perceber uma tendência relativa à diminuição do foco tão somente nos danos patrimoniais, em que há a valorização exclusiva do bem material, passando-se a valorizar também, de forma proporcional, os direitos da personalidade e os sentimentos do indivíduo, chamados de bens extrapatrimoniais. (PINHEIRO, 2022, p. 33)
Sabe-se que nunca será possível estabelecer o valor do dano sofrido no âmbito do abandono afetivo parental, por possuir caráter subjetivo, mas segundo Tartuce, para que ocorra uma valoração adequada deve-se levar em consideração os seguintes aspectos: conduta humana, culpa, nexo de causalidade, dano ou prejuízo suportado, para tanto o Superior Tribunal de Justiça preceitua que:
A reparação de danos em virtude do abandono afetivo tem fundamento jurídico próprio, bem como causa específica e autônoma, que não se confundem com as situações de prestação de alimentos ou perda do poder familiar, relacionadas ao dever jurídico de exercer a parentalidade responsavelmente (BRASIL, 2022).
Assim, o entendimento que se tem é que a indenização por abandono afetivo tem função de punir o pai ou a mãe que não prestou à prole o afeto necessário para sua formação.
Maria Berenice Dias ainda preceitua que a figura paterna que se abster de cumprir com os direitos fundamentais da criança ou do adolescente, e lhe causar danos, será suscetível a reparação pecuniária, não somente para amenizar o prejuízo acarretado, ou punir a conduta ilícita, mas pelo abandono desmotivado do vulnerável, passando assim a demonstrar a valorização do afeto na relação familiar (DIAS, 2011, p.46).
5 - CASOS REAIS E ANÁLISE DE PRECEDENTES
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) precisou avaliar um caso no qual um pai cortou relações abruptamente com a filha quando a ela tinha 6 (seis) anos, após ter sido presente em sua vida. O homem “deixou de se importar” com a filha após romper sua união estável com a mãe da garota. A magistrada que julgou o ocorrido entendeu que havia correlação entre as ações/omissões do sujeito paterno e o prejuízo vivenciado pela jovem menina - tudo isso notoriamente atestado por laudo pericial conclusivo (BRASIL, 2022).
Em sua decisão, a juíza Nancy Andrighi destacou que a reparação dos danos causados pelo abandono afetivo tem fundamento jurídico próprio, vez que não há restrição legal para a aplicação das regras inerentes à responsabilização civil (BRASIL, 2022).
A jovem, com 14 (quatorze) anos de idade quando do ajuizamento da ação, foi assistida pela mãe. Em primeira instância, o juiz fixou indenização em R$ 3.000,00 (três mil reais). Em sede recursal, o pedido foi entendido como improcedente. Inconformadas, sujeitaram sua insatisfação ao STJ, o qual, atendendo a todo o ocorrido e ao peso dos danos causados, arbitrou o pagamento de perdas e danos no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Isto por que, conforme elucida a Ministra Relatora Nancy Andrighi, “o recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho” (BRASIL, 2022, online).
5.2 - Precedentes do Tribunal de Justiça do Acre
A Vara Civil de Tarauacá, no Acre, condenou um homem a pagar o total de R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais) em razão do cometimento de abandono afetivo parental. Apesar do caso estar tramitando em segredo de justiça, sabe-se que o homem deixou de ter contato com o filho após o final do relacionamento com a mãe da criança (G1 AC, 2023).
Em 2011, quando o pequeno filho tinha apenas 4 (quatro) anos de idade, foi realizado um exame de DNA, o qual serviu tão somente para confirmar a paternidade da criança. Naquela feita, foi arbitrado o pagamento de pensão alimentícia em 36% do salário mínimo nacional (G1 AC, 2023). Em 2011, o salário mínimo vigente remontava os R$ 540,00 (quinhentos e quarenta reais), com variação de R$ 5,00 (cinco reais) para mais no mês de março (IPARDES, online), de maneira que o pensionamento devido era de aproximadamente R$ 195,00 (cento e noventa e cinco reais).
O pai, entretanto, pagava somente R$ 50,00 (cinquenta reais) para auxiliar no sustento da criança (G1 AC, 2023). Além disso,
Ainda conforme o processo, o homem não escondia que não sentia amor pelo filho e privou a criança de atenção, acompanhamento e carinho. Nos raros momentos em que pai e filho se encontraram, a Justiça destaca que o acusado constrangia e até humilhava a criança. (G1 AC, 2023, online)
Portanto, em sede de sentença, o juiz Guilherme Fraga, além de determinar o montante indenizatório, estabeleceu a necessidade do genitor voltar a pagar a pensão alimentícia na mesma proporção anteriormente estipulada (G1 AC, 2023, online).
5.3 - Precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo
A seguir, ver-se-á situação na qual a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou o recurso proposto pelo genitor e manteve a condenação do homem ao pagamento de danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (EUGÊNIA, 2023).
Tal qual conta Eugênia:
Segundo o processo, a filha alegou que o pai não teve participação em sua criação e sempre ofereceu tratamento discriminatório em comparação às outras filhas, de relação conjugal. Disse que ela sequer foi apresentada ao restante da família.
O pai, por sua vez, alegou que manteve relacionamento próximo com a criança até os cinco anos, mas passou a ter dificuldades de convívio, segundo ele, em virtude de dificuldades impostas pela mãe, o que não foi comprovado ao longo do processo. (EUGÊNIA, 2023, online)
Conforme explica a relatora do caso, a Desembargadora Hertha Helena de Oliveira, o pai haveria cumprido com suas obrigações materiais (provavelmente pagava a pensão alimentícia e ajudava a prover eventuais outras coisas), mas o pagamento de perdas e danos por abandono material tem fundamento, como o próprio nome diz, no afeto, na necessidade de garantir atenção e cuidados indispensáveis à criação da pequena e inocente criança (EUGÊNIA, 2023).
O homem cumpriu com os deveres legais e, em sua defesa, alegou ter tido participação ativa na criação da filha até seus 5 (cinco) anos, o que só comprova que o abandono afetivo efetivamente aconteceu - e sem justo motivo, conforme as provas produzidas em fase instrutória. Quanto às filhas conjugais do homem, essas sempre tiveram tratamento digno, o que aponta que a discriminação se baseava em tratar-se de uma filha proveniente de adultério (EUGÊNIA, 2023).
5.4 - Da necessidade de pacificar precedentes jurisprudenciais
A pacificação dos precedentes jurisprudenciais na área de família é de suma importância para o sistema judiciário e para toda a sociedade. Isso porque o direito de família lida com questões pessoais e emocionais profundas, em destaque as questões inerentes ao abandono afetivo parental, de maneira que a estabilidade e a previsibilidade das decisões judiciais são fundamentais para garantir a segurança jurídica e que justiça seja verdadeiramente vivenciada pelo filho abandonado.
Quando os precedentes não são pacificados, criam-se ambiguidades e incertezas, tornando mais difícil que as partes envolvidas saibam plenamente de seus direitos e tenham noção de como a lei será aplicada em seus casos específicos.
Além disso, a pacificação dos precedentes na seara familiar promove a igualdade e a uniformidade na aplicação da lei. Isso significa que situações similares serão tratadas de forma semelhante pelos tribunais, independentemente da jurisdição, de maneira que menos injustiças serão cometidas. Isso é crucial para evitar decisões contraditórias e garantir que as pessoas tenham acesso a um sistema de justiça justo e consistente, independentemente de onde vivam ou do juiz que estiver julgando o caso, e sem precisar prorrogar o processo mediante intermináveis recursos, falta de celeridade essa que só faz piorar uma situação que por si só já é muito difícil.
Outro aspecto relevante é que o alinhamento dos precedentes pode economizar tempo e recursos do sistema e dos litigantes. Quando os tribunais seguem precedentes claros e estabelecidos, há menor necessidade de levar as brigas judiciais até o último grau de jurisdição, pois as partes podem prever melhor o resultado de seus casos e, muitas vezes, buscar acordos mais rapidamente.
Por fim, isso contribui para o desenvolvimento e a evolução do direito. À medida que decisões consolidadas se tornam referências, os tribunais podem se concentrar em questões legais mais complexas e atualizadas, adaptando-se às mudanças sociais e culturais, e permitindo uma resolução mais célere aos processos, conforme determinações constitucionais.
Isso tudo é essencial para manter o direito das entidades familiares relevante e eficaz, protegendo-os em uma sociedade em constante transformação. Portanto, a pacificação dos precedentes jurisprudenciais na área de família é um pilar fundamental para a estabilidade, justiça e eficiência do sistema jurídico.
6 - DOS EFEITOS DA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO PARENTAL
Conforme previamente abordado, a indenização por abandono parental é um tema de complexidade notável e que pode desencadear uma série de impactos, uma vez que está estritamente ligada a questões relativas ao afeto, responsabilidade parental e implicações legais.
Quando se considera o impacto da indenização sobre as vítimas que buscam compensação devido ao dano emocional decorrente da ausência de afeto parental, é possível perceber que o valor recebido desempenha um papel fundamental na validação de seus sentimentos.
A compensação financeira pode ser interpretada como uma forma de reconhecimento dos danos psicológicos que sofreram ao longo de suas vidas, pois para muitos, essa indenização representa uma medida de justiça e um sinal de que sua dor e sofrimento não foram ignorados. Contudo, é importante lembrar que essa validação emocional, embora necessária, também pode ser acompanhada por uma gama de emoções complexas, incluindo ressentimento, raiva e tristeza, à medida que confrontam o abandono e a negligência por parte do genitor ausente.
Quanto aos efeitos nos genitores, as respostas podem ser diversas, vez que para alguns, a ação legal de busca por indenização pode servir como um catalisador para a reconciliação e a reconstrução dos relacionamentos familiares.
A consciência das consequências legais pode motivar um genitor a repensar suas ações e a buscar um relacionamento mais saudável com seus filhos, entretanto, é preciso reconhecer que, em alguns casos, essa aproximação forçada pode dar origem à figura do "genitor presente, mas ausente", ou seja, o pai ou mãe que está fisicamente presente, mas demonstra falta de interesse afetivo genuíno, ocasionando situações nas quais o genitor busca cumprir apenas suas obrigações legais sem um investimento emocional significativo nas relações familiares:
Se ficar decidido que haja indenização nesses casos, podemos criar um problema mais grave. Muitos pais, não por amor, mas por temer a Justiça, passarão a exigir o direito de participar ativamente da vida do filho. Ainda que seja um mau pai, fará questão da convivência, e a mãe, zelosa, será obrigada a partilhar a guarda com alguém que claramente não possui qualquer afeto pela criança. A condição de amor compulsório poderá ser ainda pior que a ausência. Teremos, então, a figura do abandono do pai presente, visto que não é preciso estar distante fisicamente para demonstrar a falta de interesse afetivo. (ALVES, 2013, p. 7)
É importante destacar que a complexidade das relações familiares não pode ser reduzida a uma fórmula simples, devendo ser considerado que cada situação é única e os impactos variam de acordo com as circunstâncias específicas, até porque a indenização por abandono parental levanta uma série de questões sensíveis relacionadas ao afeto, aos relacionamentos familiares e à justiça, e a compreensão desses efeitos é essencial para um tratamento equilibrado e justo das questões envolvidas.
De forma cristalina, nesta ótica, percebe-se que não é posto fim no problema, pois a ausência de afeto ainda será uma característica presente na relação.
A indenização por abandono parental tem o potencial de afetar significativamente as dinâmicas familiares.
Já aqueles que buscam compensação financeira frequentemente consideram a ação como uma forma de justiça, mesmo que essa busca possa criar divisões e tornar as relações familiares ainda mais complexas, pois a busca por indenização tem o afã de sanar uma dor que perseguiu a vítima durante a ausência de afeto, de forma que a relação imprescindível para seu crescimento já se encontrava abalada, antes mesmo da propositura da ação.
No âmbito legal, cada vez mais cresce a judicialização do afeto e das relações familiares, representando um desafio para o sistema legal. A necessidade de avaliar o valor do afeto e da negligência parental, muitas vezes com base em critérios subjetivos, coloca pressão sobre os tribunais e pode gerar jurisprudência variada, tendo em vista que “[...] não há como quantificar a ausência afetiva e compensá-la por meio de uma indenização de natureza monetária. O amor é resultado de algo alheio ao nosso entendimento, e não da coação” (ALVES, 2013, p. 8)
Além disso, a indenização por abandono parental levanta questões sobre a extensão da responsabilidade legal dos pais em relação ao bem-estar emocional de seus filhos. À medida que os tribunais enfrentam um número crescente de casos relacionados ao abandono afetivo, torna-se necessário considerar as implicações financeiras e legais de tais decisões.
Em suma, a indenização por abandono parental tem efeitos variados em relação a todas as partes envolvidas, desde as vítimas em busca de compensação até os próprios progenitores e o sistema legal. Compreender esses efeitos é fundamental para avaliar as implicações e desafios dessa prática e para buscar abordagens mais abrangentes e eficazes para lidar com o abandono parental e suas consequências.
A busca por indenização representa um ato de busca por justiça emocional e financeira, mas também destaca a necessidade de prevenção e intervenção precoces para proteger o bem-estar das crianças e preservar as relações familiares.
O presente artigo analisou as características da indenização por abandono afetivo parental, ao longo do qual foram exploradas as complexas implicações e os desafios que surgem quando há a tentativa de valorar a relação de afeto entre pais e filhos, vez que se trata de uma dimensão estritamente subjetiva e emocional, em termos jurídicos e sociais.
Os debates sobre a indenização por abandono afetivo parental refletem a tensão subjacente entre a necessidade de reconhecer e proteger os direitos emocionais dos indivíduos, atrelado ao dever constitucional dos pais de cuidar e de criar os filhos e a preocupação de que a judicialização do afeto possa minar a autonomia e as dinâmicas familiares.
A indenização pode fornecer uma via de responsabilização para aqueles que negligenciam suas obrigações parentais, proporcionando uma ferramenta para proteger os interesses das crianças. Entretanto, existe o receio de que tal abordagem possa promover a litigiosidade excessiva e prejudicar a natureza fundamentalmente afetiva das relações familiares.
O presente artigo revelou que a valoração do afeto nos tribunais é um tema multifacetado que carece de consenso e clareza. A jurisprudência varia amplamente, refletindo diferentes abordagens adotadas pelos sistemas judiciais em relação à indenização por abandono afetivo parental, principalmente de alguns Tribunais serem contrários à indenização, sob a prerrogativa de que não se pode obrigar um pai a amar seu filho, bem como, que tal atitude não pode ser de responsabilidade do Estado.
No entanto, independentemente da posição adotada, é evidente que a questão do afeto não pode ser ignorada no contexto legal. Assim como, apesar de se tratar de matéria não pacificada, muitos tribunais já entendem como possível e devida a indenização por danos derivados do abandono afetivo parental, estipulando-se valores a serem pagos.
A judicialização do afeto tem implicações que se estendem além das questões legais. Ela traz à luz a importância de reconhecer a complexidade das relações familiares e a necessidade de equilibrar a proteção dos direitos emocionais com a promoção da autonomia familiar.
É sabido ser impossível valorar a falta que um ente parental faz na criação de uma criança, bem como que o dinheiro jamais vai ser capaz de preencher esse espaço vazio deixado pela sensação de desamor vivenciada ao longo do crescimento.
No entanto, é relevante observar a importância de alternativas à litigação, como a mediação e a educação para resolução de conflitos, que podem fornecer abordagens mais construtivas para resolver disputas familiares.
Por fim, a valoração do afeto no contexto legal é um desafio que ainda não está unificado nos tribunais, motivo pelo qual demanda atenção contínua, sempre considerando o impacto emocional e psicológico das ações nas famílias e buscar um equilíbrio entre a proteção dos direitos das partes envolvidas e a preservação das relações familiares saudáveis.
ALVES, Ana Jessica Pereira Alves. O preço do amor: a indenização por abandono afetivo parental. Revista de Direito & Dialogicidade, v. 04, n. 1, 2013, ISSN 2178-826Xv. Disponível em: http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/588. Acesso em: 05 de nov. 2023.
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Graduado em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Pós graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Campos Elíseos. Defensor Público do Estado do Paraná .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Matheus Paulo de. Da valoração do afeto: uma análise acerca da indenização por abandono afetivo parental e seus efeitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63791/da-valorao-do-afeto-uma-anlise-acerca-da-indenizao-por-abandono-afetivo-parental-e-seus-efeitos. Acesso em: 23 dez 2024.
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