CRISTIAN KIEFER DA SILVA
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem como finalidade do ponto de vista jurídico, abordar e debater acerca do diagnóstico de psicopatia perante o ordenamento brasileiro, uma vez que para o direito penal um psicopata não é portador de doença mental, visto que a psicopatia, para o ordenamento jurídico brasileiro, não configura como doença e sim condição. A pesquisa foi baseada no estudo de livros, artigos científicos pertinentes ao meio, jurisprudências, na doutrina e nos Códigos Penal e Processual Penal Brasileiro. O debate acerca do assunto visa a definição de doença mental para a psicopatia, bem como sentença e pena corretamente aplicadas aos portadores da doença.
Palavras chave: Psicopatia, psicopata, imputabilidade penal, inimputabilidade penal, transtorno mental, direito penal.
Abstract: The purpose of this article, from a legal point of view, is to address and discuss the diagnosis of psychopathy under the Brazilian legal system, since for criminal law a psychopath is not a carrier of mental illness, since psychopathy, for the legal system Brazilian, does not configure as a disease but a condition. The research was based on the study of books, scientific articles relevant to the field, jurisprudence, doctrine and the Brazilian Penal and Criminal Procedure Codes. The debate on the subject aims at the definition of mental illness for psychopathy, as well as the sentence and penalty correctly applied to those with the disease.
Keywords: Psychopathy, psychopath, criminal imputability, criminal unimputability, mental disorder, criminal law.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. O QUE É A PSICOPATIA; 2.1. A PSICOPATIA SEGUNDO O DIREITO PENAL BRASILEIRO; 3. IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE PARA O DIREITO PENAL BRASILEIRO; 4. A DEVIDA PENA DO PSICOPATA SEGUNDO O DIREITO PENAL BRASILEIRO; 5. RESOLUÇÃO CNJ nº 487 DE 15 DE FEVEREIRO DE 2023; 6. CONCLUSÃO.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo irá debater sobre a inimputabilidade dos indivíduos portadores do Transtorno de Psicopatia ou Transtorno de personalidade antissocial, outrora conhecido também como "Psicopata", sofre de distúrbio psíquico, o que consiste em variações de humor, comportamento e raciocínio.
Tendo em vista que tal condição pode ser tratada como uma doença mental, o qual torna o agente incapaz de responder pelos seus atos, bem como, diante do seu comportamento antissocial, possuírem dificuldade de inibir ações prejudiciais às pessoas.
O agente portador diagnosticado com tal transtorno mental, é, perante o ordenamento jurídico brasileiro, considerado um agente imputável, assim, podendo este ser totalmente capaz de responder pelos atos praticados, condição esta a ser debatida no presente artigo.
O enfoque jurídico acerca do assunto dar-se-á pela competência do agente que pratica crimes. É comprovado que pessoas com traços de psicopatia possuem disfunções e uma capacidade mental incompleta, uma vez que o fato gerador da psicopatia é gerado através de um trauma, já que é comprovado que nenhum ser humano nasce com a condição, e sim a desenvolve na infância ou adolescência.
Outrora, mesmo que confirmada a condição e o motivo do surgimento da condição, ainda sim o agente é imputável, uma vez que o termo psicopatia é um termo não muito aprofundado com condições concretas, o que torna prevalecido a definição de “falta de remorso e mentiroso”. Tais termos torna o agente um ser indesejável e manipulador, o que torna o crime praticado algo que ocorreu apenas para a satisfação de um desejo sombrio.
Entre os psicopatas, existem os indivíduos que possuem um grau de periculosidade, já outros, são inofensivos, e tem uma vida normal. O que apenas comprova que o crime ocorreu em decorrência de um momento de instabilidade mental, o que configura como um agente inimputável, uma vez que não possui total responsabilidade pelo ato cometido.
O presente artigo científico é um estudo sobre a inimputabilidade do agente diagnosticado com Transtorno de Psicopatia ou Transtorno de personalidade antissocial perante o Código Penal Brasileiro, tendo como base o estudo de livros e artigos científicos pertinentes ao meio.
3.O QUE É A PSICOPATIA
A Psicopatia é um transtorno mental que torna o indivíduo incapaz de sentir remorso ou culpa pelos atos praticados, tornando este indivíduo impulsivo, bem como o faz manter uma relação de dominância e controle sob uma situação ou outro indivíduo. Em outras palavras, torna o sujeito manipulador.
Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva, psiquiatra, palestrante e escritora brasileira
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso. [1]
Robert Hare, psicólogo, especialista em psicologia criminal e psicopatia, descreve que o psicopata pode ser um indivíduo que possui ausência de remorso ou culpa, é impulsivo, tem fraco controle do comportamento, falta de responsabilidade, problemas comportamentais precoces, entre outros. [2]
Com base nisso, um psicopata não demonstra ser responsável pelos atos, tendo em vista que alguns deles relatam que cometem crime para saciar algum desejo momentâneo, como bem visto no caso ocorrido em 1997 na cidade de Kobe, no Japão, onde um jovem de 14 anos, à época conhecido como Sakakibara Seito, que posteriormente veio a ter seu nome real revelado como sendo Shinichiro Azuma, um psicopata adolescente que vitimava outros jovens, até os que eram portadores de necessidades especiais, este que ele os chamava de “vegetais”.
Certa feita, em maio de 1997, Jun Hase, um jovem de 11 anos de idade que desapareceu em frente a escola onde estudava, tendo sido atraído por Sakakibara Seito para um morro cercado de árvores, momento onde foi estrangulado até a morte e teve sua cabeça arrancada por uma serra, e em seguida tendo-a levado para sua casa em uma sacola para um “ritual de purificação”, e dias após o seu desaparecimento, sua cabeça foi encontrada pendurada na porta da escola onde estudava com um bilhete dentro de sua boca escrito com tinta vermelha e preta com os seguintes dizeres, “isto é só o começo… Detenham-me se puderem… Desejo desesperadamente ver pessoas morrendo. Matar é uma excitação para mim. É necessário um julgamento sangrento para os meus anos de grande amargura.” [3]
O Transtorno de Psicopatia ou Transtorno de personalidade antissocial pode estar associado com disfunção cerebral, biológica ou traumas neurológicos, predisposição genética e traumas ocorridos na infância, como negligência paterna, abusos físicos, mentais ou até mesmo sexuais, violência e agressão, etc.
Segundo Nucci, a “doença mental é um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas [...] e outras psicoses [...] abrangendo as doenças de origem patológica e de origem toxicológica”. [4]
Silva ainda evidencia também que os psicopatas “são absolutamente deficitários, pobres, ausentes de afeto e de profundidade emocional” e que eles “entendem a letra de uma canção, mas são incapazes de compreender a melodia”. [5]
3.1. PSICOPATIA SEGUNDO O DIREITO PENAL BRASILEIRO
Conforme exposto, a psicopatia não é considerada uma doença mental para o ordenamento brasileiro, mesmo existindo fatos concretos estudados por especialistas, que expõem condições do psicopata que não condizem com um indivíduo sadio.
Para o direito penal, o indivíduo portador da psicopatia possui discernimento para responder pela pena em sua totalidade, sem enquadrar o disposto no citado artigo 26 do CP.
Contudo, estudos mostram que o portador de tal enfermidade pode não ter controle ou responsabilidade dos atos praticados, uma vez que um crime pode ser praticado por falta de capacidade mental.
Conforme dito por Robert. Hare, psicopatas são desprovidos de consciência, o que configura como deficiência mental, uma vez que, para se configurar como ser humano saudável, a consciência é essencial
Psicopatas são predadores sociais que encantam, manipulam, e abrem seu caminho impiedosamente pela vida, deixando um rastro de corações partidos, expectativas despedaçadas e carteiras vazias. Completamente desprovido de consciência e de sentimentos pelos outros, eles egoisticamente pegam o que querem e fazem o que querem, violando as normas e expectativas sociais sem o menor sentimento de culpa ou arrependimento. [6]
A falta de consciência é um fator gerador, do qual impede de o agente compreender e ter responsabilidade sobre o seu ato. Um psicopata também possui ausência de remorso, o que leva a crer na deficiência do lobo frontal do cérebro, parte esta que comanda o remorso. [7]
Para o direito penal brasileiro, o significado de psicopatia dar-se-á a violência e manipulação, não levando em consideração que a doença não é bem catalogada, uma vez que indivíduos podem demonstrar diversos graus de psicopatia, bem como diversas outras condições atreladas. Exemplo disso, é o indivíduo portador de psicopatia demonstrando a condição de esquizofrenia ao expressar que ouvia vozes.
A psicopatia não se dá apenas a manipulação, falta de remorso e impulso, mas juntamente a tais termos, o agente pode apresentar transtornos de personalidade, narcisismo, ansiedade, mania, transtorno comportamental, entre outros.
Alguns criminosos condenados possuem históricos de ferimentos na região da cabeça, ferimentos este que os levaram a problemas associados à psicopatia. A título de exemplo, Fred West cometeu crimes de tortura, estupro e assassinato, juntamente com sua esposa Rosemary West durante os anos de 1973 e 1979, no Reino Unido. Fred cometeu suicídio antes do seu julgamento, em 01 de janeiro de 1995. [8]
Conforme documentado, aos 17 anos ele sofreu um acidente de moto, que o deixou em coma por uma semana. Em decorrência do acidente, Fred teve fraturas nas pernas, braços e no crânio, onde teve que permanecer com uma placa de metal durante sua vida. Após se recuperar do acidente, West passou a ter crises de raiva, que eram acionadas com facilidade.
Ocorre que, fora comprovado que Fred teve uma infância conturbada, onde seu pai cometia e incentivava o incesto, e outras práticas criminosas. Em nota, Fred constatou que seu pai lhe dizia “se você quer fazer algo, apenas não seja flagrado fazendo”. Também foi alegado que sua mãe abusou sexualmente dele quando tinha apenas 12 anos de idade.
John Wayne Gacy, condenado por tortura, estupro e assassinato, teve a sentença de 21 prisões perpétuas e 12 penas de morte, cometidos em 1972 e 1978 no condado de Cook, no estado de Illinois. É documentado que Gacy teve uma infância conturbada, onde era frequentemente espancado e humilhado pelo seu pai. É dito que em uma ocasião, o pai de Gacy aplicou um golpe com cabo de vassoura em sua cabeça, o que o deixou inconsciente por alguns minutos. John desenvolveu um coágulo sanguíneo no cérebro após ser atingido por um balanço quando criança. [9]
Com os exemplos citados acima, é de extrema relevância os ferimentos sofridos e o passado dos agentes, uma vez que, ambos tiveram infâncias corrompidas, bem como ferimentos na cabeça que desencadearam transtornos futuros que podem ser associados com a Psicopatia.
Dorothy Otnow Lewis, foi uma psiquiatra e autora norte americana que era de forma recorrente chamada para ser testemunha em casos de grande repercussão, visto que, era especialista no estudo de indivíduos violentos e pessoas com transtorno dissociativo de identidade, escreveu:
O conceito e a posterior reificação do diagnóstico "psicopatia" tem, na opinião deste autor, dificultado a compreensão da criminalidade e da violência. [...] Segundo Hare, em muitos casos não é preciso nem conhecer o paciente. Basta vasculhar seus registros para determinar quais itens pareciam se encaixar. Absurdo. Para a mente deste escritor, psicopatia e seus sinônimos (por exemplo, sociopatia e personalidade anti-social) são diagnósticos preguiçosos. Ao longo dos anos, a equipe dos autores viu dezenas de infratores que, antes da avaliação pelos autores, foram descartados como psicopatas ou similares. Avaliações psiquiátricas, neurológicas e neuropsicológicas detalhadas e abrangentes revelaram uma infinidade de sinais, sintomas e comportamentos indicativos de transtornos como transtorno bipolar do humor, esquizofrenia, distúrbios do espectro, convulsões parciais complexas, transtorno dissociativo de identidade, parassonia e, é claro, dano/disfunção cerebral. [10]
Diante de todo o exposto, é notório que um psicopata possui deficiência mental ou doença mental, o que o configura como agente inimputável, devendo ser encaminhado para o cumprimento de medida de segurança em hospital psiquiátrico, onde terá suporte e atendimento ambulatorial de acordo com sua necessidade.
O direito brasileiro entende que a psicopatia não se encaixa no quadro de doenças mentais e sim no de perturbação mental, uma vez que o indivíduo diagnosticado com psicopatia está lúcido para entender seus atos, só não possui a capacidade afetiva para se importar com o que faz.
4.IMPUTABILIDADE, INIMPUTABILIDADE E SEMI-IMPUTABILIDADE PARA O DIREITO PENAL BRASILEIRO
O dicionário jurídico brasileiro dispõe os seguintes conceitos:
Imputabilidade – S.f. Responsabilidade; capacidade da pessoa em entender que o fato é ilícito e de agir de acordo com esse entendimento. [11]
Inimputabilidade penal – Qualidade do que não pode ser imputado; não imputável por ser inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CP, art. 26). [12]
Ainda sobre isso, para o agente inimputável, o Código Penal Brasileiro prevê que indivíduos incapazes de compreender a ilicitude do ato, são aptos a receber a isenção da pena ou a redução
Art. 26, CP: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. [13]
Para um agente que passa por uma avaliação médica, e é comprovado que este é portador do transtorno mental de psicopatia, o agente não se qualifica para o disposto no artigo 26 do CP., visto que, a psicopatia não é considerada uma doença mental, logo, sendo o agente considerado imputável para o cumprimento da pena em presídio comum.
Constatado que o agente possui doença mental, configura-se como inimputável. O ordenamento jurídico brasileiro determina o cumprimento de medida de segurança que, conforme o texto do art. 96 do Código Penal, configura como: “I- internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II- sujeição a tratamento ambulatorial.”
Aos agentes considerados imputáveis, ou seja, possuem capacidade mental completa, o indivíduo recebe e cumpre a pena em sua totalidade concedida pelo juiz de direito que julgar o processo do agente.
Vale ressaltar que a pena para os agentes acima citados pode ser cumprida por tempo indeterminado, com prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, conforme disposto no parágrafo 1 do art. 97 do Código Penal. Para a pena contemplada ao agente imputável, no Brasil, a pena máxima é de 40 anos.
Ainda expresso no Código Penal Brasileiro, existem os agentes denominados semi-imputáveis. Conforme disposto no parágrafo único do art. 26 do CP, o agente semi-imputável é o agente que comete crime em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou seja, o agente não estava inteiramente capaz de compreender o ato ilícito cometido. Para essa modalidade, a pena pode ser reduzida de 1 (um) a 2 (dois) terços. Também é permitido e expresso em lei a possibilidade de converter a pena privativa de liberdade para medida de segurança (internação, tratamento ambulatorial), conforme art. 98 do CP.
Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. [14]
Conforme legislação brasileira, o psicopata é considerado semi-imputável, uma vez que o agente é portador de perturbação mental.
Diante de todo o exposto, o presente artigo visa trazer à luz dos debates jurídicos que um agente portador de Transtorno de Psicopatia ou Transtorno de personalidade antissocial é sim um portador de doença mental, devendo-se então, o ordenamento jurídico tratar os casos como cometidos por um agente incapaz, ou seja, considerar os psicopatas como merecedores do previsto no art. 26 do Código Penal Brasileiro.
5.A DEVIDA PENA DO PSICOPATA SEGUNDO O DIREITO PENAL BRASILEIRO
Far-se-á presente no direito brasileiro, um impasse no que tange a devida pena de pessoas diagnosticadas com psicopatia, visto que, estas pessoas não podem ser consideradas plenamente capazes quando incorrem em práticas criminais, ou seja, criminosos plenamente capazes, ao passo que também não podem ser consideradas incapazes em sua totalidade.
De acordo com o demonstrado, Rogério Greco reverbera ensinamentos de Júlio Fabbrini Mirabete, de modo que, deve-se analisar caso a caso pontualmente:
Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes – e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais duvida de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só́ assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso oportunidades e elementos necessários para lograr uma reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e cientifica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um.” [15]
É importante que se faça a devida distinção caso a caso, pois ao passo que nem todo criminoso será um psicopata, nem todo psicopata será um criminoso, visto que existe uma considerável parcela da população portadora de psicopatia que não cometeram quaisquer tipos de crime. Deste modo, em se tratando de aplicação da norma penal brasileira, dever-se-á analisar apenas aquelas parcelas dos psicopatas criminosos.
Logo, é imprescindível que haja no Código Penal uma determinação legal e expressa de maneira específica para que a devida punição do agente diagnosticado com o transtorno de psicopatia do modo que o diferencie dos demais criminosos inimputáveis, no que tange a sua devida punibilidade, visto que os psicopatas possuem ausência afetiva, uma vez que tal elemento é fundamental para que o indivíduo não afete a terceiro, visto que, segundo Ana Beatriz B. Silva, “a natureza dos psicopatas é devastadora, assustadora, e, aos poucos, a ciência começa a se aprofundar e a compreender aquilo que contradiz a própria natureza humana.” [16]
Logo, tal disfunção mental e que por conta dessa sua natureza, o psicopata criminoso está sujeito a seguir no cometimento de crimes caso venha a ser reinserido na sociedade.
Em uma breve análise à legislação penal brasileira, faz-se claro que o agente psicopata não é considerado como inimputável, visto que não é portador de doença mental, bem como não é inteiramente incapaz. Logo, vale a pena apontar que, como o psicopata figura no cenário da semi-inimputabilidade, visto que tal condição de psicopata é considerado como apenas sendo uma perturbação mental, e não necessariamente uma doença mental.
Isto posto, nesse sentido, é cristalino que deve haver uma alteração no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro no sentido de que, uma vez que o sujeito criminoso é diagnosticado com transtorno de psicopatia, este deveria passar a cumprir a sua pena através de medida de segurança, ou seja, tal medida terá como objetivo a remoção do psicopata criminoso do convívio social, visto que os não estão em condição mental hábil de serem reinseridos na sociedade, tudo por conta de sua condição e natureza mental.
6.RESOLUÇÃO CNJ nº 487 DE 15 DE FEVEREIRO DE 2023
Em 2023, foi apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça a resolução de nº 487, que visa o fechamento de hospitais de custódia, visando o cumprimento de diversos princípios, dentre eles, a Política Antimanicomial do Poder Judiciário e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006).
O CNJ tem como função, determinar que seja investigada a condição do agente custodiado e a solução alternativa para o cumprimento da medida de segurança, conforme disposto no art. 1º da resolução.
Art. 1º Instituir a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, por meio de procedimentos para o tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas, sejam investigadas, acusadas, rés ou privadas de liberdade, em cumprimento de pena ou de medida de segurança, em prisão domiciliar, em cumprimento de alternativas penais, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto, e conferir diretrizes para assegurar os direitos dessa população.
Art. 3º, V – a adoção de política antimanicomial na execução de medida de segurança; [17]
Conforme disposto no art. 2º da resolução, os agentes inimputáveis são:
Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se: I – pessoa com transtorno mental ou com qualquer forma de deficiência psicossocial: aquela com algum comprometimento, impedimento ou dificuldade psíquica, intelectual ou mental que, confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena manutenção da organização da vida ou lhe cause sofrimento psíquico e que apresente necessidade de cuidado em saúde mental em qualquer fase do ciclo penal, independentemente de exame médico-legal ou medida de segurança em curso; [18]
Conforme apresentado, o CNJ está reconhecendo que a internação interposta ao agente portador de doença mental pode não trazer solução e melhora no quadro.
A resolução também determina indivíduos com vulnerabilidade social:
Art. 7º, § 2º A autoridade judicial levará em consideração as condições que ampliem a vulnerabilidade social, bem como os aspectos interseccionais, no caso de pessoas em situação de rua, população negra, mulheres, população LGBTQIA+, mães, pais ou cuidadores de crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas convalescentes, migrantes, povos indígenas e outras populações tradicionais, para que a aplicação de eventual medida seja condizente com a realidade social e o referenciamento aos serviços especializados da rede de proteção social. [19]
Nos dias de hoje, existem indivíduos que não podem ser reinseridos na sociedade pelo perigo que apresentam. Exemplo prático é o caso do criminoso condenado Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido no Brasil como "Champinha", que liderou o grupo que cometeu os assassinatos de Liana Friedenbach e Felipe Caffé de forma brutal, em Embu-Guaçu, São Paulo. Felipe foi morto em 2 de novembro de 2003, já Liana foi morta em 05 de novembro de 2003. [20]
Conforme laudo psiquiátrico atrelado ao processo contra Roberto, resta constatado transtorno de personalidade antissocial, retardo mental leve, que configuram como doenças mentais graves, doenças essas que tornam o indivíduo perigoso, logo, sendo tal condição de Roberto, um impeditivo para o seu retorno ao convívio em sociedade.
Conforme noticiado por jornais, em 2019 ocorreu uma rebelião na Unidade Experimental de Saúde na zona norte de São Paulo, liderada por Champinha, situação essa onde foram feitos reféns, de modo que, posteriormente, tal situação foi controlada por policiais. [21]
Baseando-se no caso supracitado, é notório que Champinha, mesmo após anos de condenação em hospital psiquiátrico, não possui qualificações para o retorno à sociedade em liberdade. Com a resolução, poderá ocorrer a libertação de um criminoso perigoso.
É válido citar o criminoso condenado Francisco da Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho. Francisco foi condenado a cumprir pena indeterminada em hospital de custódia, após cometer os crimes de homicídio, esquartejamento e estupro, entre os anos de 1966 e 1976, na cidade de São Paulo. Em depoimento, alegou ter sofrido agressões sexuais do seu padrasto, e revelou também que maltratava e torturava gatos. Ainda durante a infância, reconheceu o trabalho de sua mãe como prostituição, o que serviu para a ocorrência de futuras explosões de ódio. [22]
Os crimes cometidos por Francisco foram brutais, e revelam um indivíduo que não pode conviver em sociedade, uma vez que, pelos abusos cometidos a ele em sua infância e juventude, o tornaram um agente com instinto de brutalidade.
Ainda acerca da iniciativa e no disposto no presente artigo, com a vigência e determinações da resolução 487/2023, o agente portador do transtorno mental, deverá ser acolhido e receber o cumprimento de pena adequado a sua condição, uma vez que a psicopatia se configura como transtorno mental, citado no art. 2º da resolução.
O psicopata, no Brasil, cumprem a pena condenatória em presídios comuns, o que não está de acordo com a resolução, uma vez que, a função da resolução é delegar a pena adequada ao indivíduo vulnerável, portador de doença ou transtorno mental, que impeça de assumir a imputabilidade penal, ou seja, inserir um psicopata dentro do presídio comum é delegar o cumprimento inadequado da pena para sua condição, visto que não há tratamento psiquiátrico ou médico adequado em presídios comuns que atendam a demanda e a condição do agente.
7.CONCLUSÃO
A psicopatia é um termo utilizado para definir o transtorno de um indivíduo. Ocorre que, como abordado, a psicopatia não possui um conceito bem definido, uma vez que cada indivíduo pode ter um grau ou podem haver outros transtornos e doenças mentais atreladas ao referido transtorno.
No Brasil, a psicopatia não configura como doença ou transtorno mental, o que para o direito penal brasileiro há o enfoque jurídico acerca da pena aplicável ao indivíduo. O agente que comete crime tem a pena somada e determinada com base no crime cometido e, em especial, na doença que o acomete.
Existem medidas de segurança aplicadas aos sujeitos inimputáveis, como o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, cujo qual acolhe indivíduos portadores de doenças e transtornos mentais que cometem crimes. O objetivo do hospital de custódia é dar o tratamento devido e correto ao criminoso, bem como para a proteção dos indivíduos da sociedade diante do perigo oferecido pelo agente criminoso portador de doença mental.
É necessário um laudo médico que comprove a tal condição mental do indivíduo, e depois de comprovada perante o juízo, é dado início ao cumprimento da medida de segurança. Ocorre que, mesmo com estudos que comprovam que a psicopatia é um transtorno mental, bem como o agente pode portar outras doenças conjuntas a psicopatia, o judiciário brasileiro não reconhece tal condição como sendo doença, logo, o indivíduo é condenado e deve cumprir sua pena em presídio comum.
O cumprimento de pena do psicopata para em presídio comum coloca em risco a vida e integridade física tanto do deste, quanto dos demais em cela, uma vez que psicopatas podem ser considerados perigosos bem como apresentam desprezo pelas suas vítimas. Vale ressaltar que existem psicopatas que não são perigosos e que vivem uma vida inteira sem cometer crime algum, bem como, nem todo criminoso é psicopata.
Por esses termos, diante de todo o exposto no presente artigo, a psicopatia deve ser considerada como sendo transtorno mental, e o agente deve cumprir medida de segurança em o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, comumente conhecidos como "hospitais psiquiátricos", visto que este é o local mais adequado a sua condição, uma vez que estudos aqui apresentados mostram que existem diversas doenças e transtornos que entrelaçam a psicopatia do indivíduo, transtorno de personalidade, raiva, entre outros. Baseando-se nisso, através do laudo psiquiátrico deverá se provar como inimputável ou semi-imputável, uma vez que cada indivíduo porta um grau do transtorno, tendo ou não responsabilidade total pelo crime cometido.
REFERENCIAL
[1] BARBOSA SILVA, A. B. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora Ao Lado - Editora Fontanar 2008 – p. 10;
[2] BABIAK, Paul & HARE, Robert D. Snakes In Suits: When Psychopaths Go To Work. Nova York: Harper Collins, 2007;
[3] SCHECHTER, Harold. Serial Killers. Anatomia Do Mal, Entre Na Mente Dos Psicopatas - pg. 136;
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual De Direito Penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 242.
[5] BARBOSA SILVA, A. B. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora Ao Lado - Editora Fontanar 2008 – p. 3.
[6] HARE, R. D. Without Conscience: The Disturbing World of The Psychopaths Among Us. New York, NY: Guilford Press 1993.
[7] Saiba Mais Sobre Os Lobos Cerebrais E Suas Funções. Neuro + Conecta, 2021. Disponível em: https://neuroconecta.com.br/saiba-mais-sobre-os-lobos-cerebrais-e-suas-funcoes/#:~:text=de%20cada%20lobo.-,Frontal,emocional%20e%20respons%C3%A1vel%20pela%20personalidade. Acesso em: 12 de agosto de 2023.
[8] MALVA, Pamela. O Insano Casal Suburbano Que Matou 10 Mulheres, Incluindo Suas Filhas. Aventuras na História, 2020. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-o-insano-casal-suburbano-que-matou-10-mulheres-incluindo-suas-filhas.phtml. Acesso em: 10 de agosto de 2023.
[9] PREVIDELLI, Fabio. John Wayne Gacy: Quem É O 'Palhaço Assassino' Que Aparece Na Série Sobre Jeffrey Dahmer? Aventuras na História, 2022. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/5-fatos-sobre-o-palhaco-assassino-que-virou-serie-da-netflix.phtml. Acesso em: 10 de agosto de 2023.
[10] BENJAMIN, Sadock; VIRGINIA, Sadock; PEDRO, Ruiz (2017). Kaplan and Sadock's Comprehensive Textbook of Psychiatry (2 Volume Set) 10th ed.
[11] SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro - Belo Horizonte, MG: Editora Del Rey, 2001 – p. 119.
[12] SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro - Belo Horizonte, MG: Editora Del Rey, 2001 – p. 123.
[13] Código Penal Brasileiro - Decreto Lei nº 2848 de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 12 de agosto de 2023.
[14] Código Penal Brasileiro - Decreto Lei nº 2848 de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 12 de agosto de 2023.
[15] MIRABETE, Júlio Fabbrini, Execução Penal, São Paulo: Atlas, 2004, pgs. 60/61, apud GRECO, Rogerio, Curso de Direito Penal, Vol. I, 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
[16] BARBOSA SILVA, A. B. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora Ao Lado - Editora Fontanar 2008 – p. 4;
[17] RESOLUÇÃO N. 487, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf. Acesso em: 18 de setembro de 2023.
[18] RESOLUÇÃO N. 487, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf. Acesso em: 18 de setembro de 2023.
[19] RESOLUÇÃO N. 487, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf. Acesso em: 18 de setembro de 2023.
[20] Caso Liana Friedenbach E Felipe Caffé: Vítimas De Um Inimputável. Jusbrasil, 2017. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/caso-liana-friedenbach-e-felipe-caffe-vitimas-de-um-inimputavel/561393292. Acesso em: 15 de agosto de 2023.
[21] GONÇALVES, Gabriela. Champinha Lidera Rebelião Com Refém Na Unidade Experimental De Saúde Na Zona Norte De SP. G1, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/09/04/champinha-lidera-rebeliao-com-refem-na-unidade-experimental-de-saude-na-zona-norte-de-sp.ghtml. Acesso em: 18 de agosto de 2023.
[22] Ele Ainda Está Vivo! Conheça A História De ‘Chico Picadinho’, Famoso Serial Killer Brasileiro. Canal Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/historia-de-chico-picadinho-conheca/. Acesso em: 20 de agosto de 2023
PINHO, Ana Clara. Psicopatia E O Direito Penal Brasileiro: A Devida Punibilidade Dos Psicopatas Em Decorrência De Sua Natureza. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 19 maio 2023, 04:04. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61488/psicopatia-e-o-direito-penal-brasileiro-a-devida-punibilidade-dos-psicopatas-em-decorrncia-de-sua-natureza. Acesso em: 08 agosto 2023.
graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Sabrina Pereira de. Psicopatia e imputabilidade penal: um enfoque jurídico-criminal à luz do ordenamento brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2023, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63896/psicopatia-e-imputabilidade-penal-um-enfoque-jurdico-criminal-luz-do-ordenamento-brasileiro. Acesso em: 21 nov 2024.
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