RESUMO: O presente artigo aborda as perspectivas que existem em torno da aplicação de medidas alternativas à pena privativa de liberdade. Trata-se da análise de diversos institutos que são utilizados para evitar o encarceramento no contexto do sistema de justiça criminal, sem ignorar os fundamentos de um sistema de justiça criminal garantista. Ao abordar as suas perspectivas, o presente artigo propõe-se a contribuir para a compreensão do tema em um enfoque mais abrangente desses instrumentos no ordenamento jurídico, além de tratar dos seus efeitos e benefícios ao sistema de justiça penal. Dentre as medidas alternativas ao cárcere que serão analisadas, o artigo abordará o acordo de não persecução penal, a transação penal, a suspensão condicional do processo, a suspensão condicional da pena e a composição civil dos danos. Por fim, também considerará alguns efeitos que refletem para toda a sociedade na utilização dessas medidas, como no que diz respeito ao sistema penitenciário e à situação carcerária em que os indivíduos privados de liberdade estão acometidos, em razão do ‘Estado de coisas Inconstitucionais’ (ADPF 347).
Palavras-chave: Medidas alternativas. Pena privativa de liberdade. Encarceramento. Medidas alternativas penais.
1. INTRODUÇÃO
As medidas alternativas à pena privativa de liberdade são de fundamental importância no âmbito do sistema de justiça criminal. Trata-se de ações visam evitar o encarceramento, sem ignorar a necessidade de preservação do ordenamento jurídico e recuperação dos bens lesionados. Nesse contexto, o objetivo do artigo é estudar alguns desses institutos como medidas alternativas à pena privativa de liberdade, abordando seus conceitos, aspectos de incidência, requisitos e fundamentos legislativos e doutrinários. Dentre esses institutos, serão abordados o acordo de não persecução penal, a transação penal, a suspensão condicional do processo, a suspensão condicional da pena e a composição civil dos danos. Ao final do artigo, serão analisados alguns efeitos inerentes à utilização dessas medidas.
O presente artigo realizará uma abordagem abrangente dos institutos, sem a pretensão de esgotar cada um, para uma compreensão satisfatória do tema. Ao destacar os argumentos críticos na análise da utilidade dos institutos, seus limites e benefícios como alternativas penais, o objetivo é, também, contribuir para facilitar o entendimento dessas matérias presentes no ordenamento jurídico, auxiliando no estudo e compreensão dos seus conceitos.
Por fim, o artigo explora a relação entre as medidas alternativas penais e a situação atual no sistema penitenciário brasileiro para compreender circunstâncias em que a preferência pelas medidas alternativas penais pode constituir a melhor opção nos casos em que caiba a sua incidência. Nesse contexto, o presente artigo abordará a atual situação do sistema penitenciário brasileiro, que, pelo atual “Estado de Coisas Inconstitucionais” (ADPF 347), torna cada vez mais importantes soluções que possam substituir o recolhimento do indivíduo ao cárcere.
2. AS MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO E ALGUNS DESDOBRAMENTOS
As medidas alternativas penais consistem na imposição de medidas que se distinguem do encarceramento, oferecendo outros caminhos além da privação da liberdade, a partir da prática de um crime. Dentre as diversas alternativas penais previstas no ordenamento jurídico, o presente artigo iniciará abordando as que estão consolidadas na Lei 9.099/95, que disciplina o procedimento sumaríssimo do Juizado Especial Criminal. São medidas alternativas penais destinadas para as infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa – art 61, da Lei 9.099/95), orientado o procedimento sumaríssimo pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade – art. 62, da Lei 9.099/95.
A composição civil dos danos é prevista no art. 74 da lei supramencionada, que assim dispõe:
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.
Analisando a norma acima destacada, a composição civil dos danos constitui num acordo realizado pelo suposto autor de um determinado delito e a vítima para reparar os danos causados pela infração penal, instituída pela Lei 9.099/95, no art. 74. Portanto, em vez de ser o indivíduo levado ao cárcere, prioriza-se a restituição dos danos à situação anterior, sem que haja a necessidade de supressão da liberdade individual.
A segunda medida alternativa penal a ser mencionada no presente artigo é a transação penal. Disposta no artigo 76 da Lei 9.099/95, vejamos:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.
Sobre o instituto da transação penal, convém mencionar a doutrina de Leonardo Barreto Moreira Alves, que ensina sobre o tema:
A transação penal é a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa (não privativa de liberdade ou alternativa), a ser feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor do delito. O Ministério Público somente poderá formular a proposta de transação penal se presentes indícios de autoria e prova de materialidade delitiva. Além disso, no crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, o Ministério Público apenas poderá apresentar proposta deste benefício se houver o oferecimento de tal representação. (…) A transação penal não é um direito público subjetivo para o autor dos fatos, constituindo-se em um verdadeiro poder-dever para o Ministério Público, no sentido de que, preenchidos tais requisitos exigidos por lei, deverá oferecer a proposta ao agente delitivo. É esse inclusive o posicionamento majoritário do STJ (HC Apn 634/Rj). (…) É por isso que se afirma que a transação penal constitui uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, falando-se em princípio da discricionariedade regrada ou obrigatoriedade mitigada.[1]
A terceira medida alternativa penal a ser destacada é a suspensão condicional do processo, disposta no art. 89, da Lei 9.099/95. Conforme a redação do dispositivo legal:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.
Sobre o instituto da suspensão condicional do processo e, também, relacionando-o com a transação penal, ensina a doutrina de Eugênio Pacelli, que também aborda os desdobramentos dos institutos que importam para o presente artigo:
A seu turno, a Lei nº 9.099/95 inseriu (art. 89) também uma espécie de suspensão do processo para crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, e desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, e, ainda, estejam presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena, o chamado sursis do art. 77 do CP.
Certamente por isso, parte da doutrina acostumou-se a se referir ao citado art. 89 da Lei 9.099/95 como a hipótese de sursis processual.
E a lembrança é mesmo pertinente, no tanto em que se revela verdadeiro juízo de proporcionalidade. Tratando-se de pena mínima igual ou inferior a um ano e, mais, de réu não condenado anteriormente, ou que não esteja sendo processado por outro crime (requisitos legais para o cabimento da suspensão), a pena final a ser imposta, se condenatória a decisão, provavelmente permitiria a aplicação do sursis do art. 77 do CP. (…)
A transação penal tem propósitos bem delimitados e insere-se como uma das mais importantes medidas descarcerizadoras do nosso ordenamento processual, ainda que com todas as críticas que lhe possam ser dirigidas. Por meio dela (transação penal), torna-se possível até mesmo a imposição de sanção penal, embora vedada, diante de suas peculiaridades (restrição de garantias individuais), a pena privativa de liberdade.
De se ver, também, que, ainda que aplicada consensualmente uma sanção tipicamente penal, não se pode afirmar a culpa ou a responsabilidade penal daquele que transaciona, já que o modelo consensual há de transitar em via dupla: de um lado, permitindo a aplicação de lei penal; de outro, reconhecendo a ausência de qualquer condenação.
Já a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95) não apresenta, nem de longe, as mesmas características, sobretudo porque não se pode condicionar a sua aplicação a nenhuma imposição de sanção penal prevista em lei. As restrições de direitos a serem impostas ao réu durante a suspensão não se configuram (e não podem configurar) aplicação de pena, quaisquer que sejam as atuais modalidades previstas na legislação penal brasileira.
A sua principal justificativa seria a reparação do dano, se possível, o que, por si só, de um lado, já relativizaria uma eventual qualificação exclusiva de sanção penal, e, de outro lado, atenderia aos interesses mais pragmáticos da Justiça Penal, às voltas com uma incapacidade concreta de resolver suas deficiências em relação ao acúmulo de processos. Quanto ao mais, as restrições devem se localizar no comportamento social do agente, que, aliás, há de ser tratado como inocente, já que ausente qualquer condenação criminal.[2]
No que diz respeito à suspensão condicional da pena, a sua previsão legislativa é disposta no art. 77 do Código Penal:
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
Sobre o instituto da suspensão condicional da pena, ensina a doutrina de Cleber Masson, que também aborda os incentivos relacionados para essa medida alternativa à privação da liberdade:
Sursis é a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade, na qual o réu, se assim desejar, se submete a período de prova à fiscalização e ao cumprimento de condições judicialmente estabelecidas.
Há três posições acerca da natureza jurídica do sursis: a) Instituto de política criminal: cuida-se de execução mitigada da pena privativa de liberdade. O condenado cumpre a pena que lhe foi imposta, mas de forma menos gravosa. É, assim, benefício, tal como proclama o art. 77, II, do Código Penal, e também modalidade de satisfação da pena. É o entendimento dominante; b) Direito público subjetivo do condenado: consubstancia-se em benefício penal assegurado ao réu. O juiz tem liberdade para analisar a presença dos requisitos legais, os quais, se presentes, impõem a concessão do sursis; c) Pena: trata-se de espécie de pena, embora não prevista no art. 32 do Código Penal.
A Portaria 495/2016, do Ministério de Estado da Justiça, instituiu no âmbito de seu Ministério a Política Nacional de Alternativas Penais, com o objetivo de desenvolver ações, projetos e estratégias voltadas ao enfrentamento do encarceramento em massa e à ampliação da aplicação de alternativas penais à prisão, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade.
Seu art. 1º, parágrafo único, inc. III preceitua que as alternativas penais abrangem a suspensão condicional da pena privativa de liberdade (sursis).[3]
Por fim, a última medida alternativa à privação da liberdade a ser analisada é o acordo de não persecução penal, instituído a partir da Lei 13.964/19:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Acerca do acordo de não persecução penal, para a melhor elucidação do instituto, o presente artigo destaca novamente a doutrina de Leonardo Barreto Moreira Alves, que explica o tema e ainda aborda os seus benefícios, relacionando-o, também, com as outras medidas alternativas à privação de liberdade:
O acordo de não persecução penal é definido como o ajuste passível de ser celebrado antes do início da ação penal (ou seja, da persecução penal em juízo), no âmbito da investigação criminal, entre o Ministério Público e o investigado (acompanhado de defensor) que, uma vez homologado judicialmente e cumprido, enseja a extinção da punibilidade.
Configura-se mais uma nítida hipótese de mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, seguindo a experiência de países como os Estados Unidos e a Alemanha, em que os casos penais são resolvidos, em sua grande maioria, por meio de acordo. Insere-se, pois, no contexto de justiça penal consensual ou negociada, que também é válido no Brasil, basta verificar os institutos da composição civil dos danos, transação penal, suspensão condicional do processo, colaboração premiada e o acordo de leniência. Como tal, permite o debate, o diálogo, sendo a solução para o caso concreto construída pelas próprias partes envolvidas, o que certamente confere a ela uma aceitação e uma legitimidade muito maiores. Atende perfeitamente às relações dialógicas que são reconhecidas e estimuladas em um Estado Democrático de Direito. Ademais, resulta em outros benefícios, como a diminuição de sobrecarga do Judiciário, a resposta estatal à prática de uma infração penal com muito mais eficiência e celeridade, reduzindo a sensação social de impunidade, evita-se a estigmatização do investigado, que responde a uma infração penal que praticou sem ser condenado criminalmente, não havendo sequer registro em certidões de antecedentes criminais, o que contribui para facilitar a sua ressocialização, tudo isso sem falar na diminuição de custos por parte do Estado e do próprio investigado com o não prosseguimento da persecução penal.[4]
Assim sendo, o acordo de não persecução penal é um negócio jurídico pré-processual, constituindo um poder-dever do Ministério Público, de modo que o seu não oferecimento tempestivo, desacompanhado de motivação idônea, constitui nulidade absoluta (informativo 769 do STJ).
3. A JUSTIÇA RESTAURATIVA E SEUS BENEFÍCIOS COM A UTILIZAÇÃO DE MEDIDAS ALTERNATIVAS PENAIS
De acordo com o art. 1º da Resolução nº 225/2016 do CNJ, a justiça restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado.
Observando o conceito do instituto da justiça restaurativa, vislumbra-se uma manifestação de busca pelo acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da CFRB. Mais especificamente, a justiça restaurativa e o sistema multiportas encontram-se na terceira onda de acesso à justiça, de acordo com Cappelletti e Garth (Cappelletti, Mauro. Acesso à Justiça. Página 67.) Trata-se de uma forma necessária de enfrentar os problemas advindos do processo judicial, que envolvem desde os custos de sua tramitação até a morosidade do Poder Judiciário, de modo a buscar outras soluções alternativas e mais satisfatórias. Nesse sentido, importa salientar que é função institucional da Defensoria Pública a promoção prioritária da solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio da mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos, além da difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico, bem como a atuação nos Juizados Especiais (art. 4º, incisos II, III e XIX, da LC. 80/94).
A estrutura da justiça restaurativa é realizada da seguinte forma: (i) necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos; (ii) práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras; (iii) foco à satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro – art 1º, incisos I a III, da Resolução 225 do CNJ.
Dessa maneira, enfatiza-se a participação das partes diretamente envolvidas na situação de conflito, buscando a pacificação social e a redução dos danos. Assim, a justiça restaurativa busca superar a finalidade retributiva da pena – de retribuição ao mal causado – para enfrentar o crime e efetivamente alcançar a resolução dos conflitos. Com base nessa ideia, a Resolução da ONU 2002/12 regulamenta os princípios básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal, para assegurar o desenvolvimento adequado e qualificado das práticas restaurativas, para a materialização de direitos por meio de soluções de conflitos pelas vias consensuais, voluntárias e mais consentâneas à pacificação da disputa.
Como formas de negociação e justiça restaurativa, portanto, há as medidas alternativas penais abordadas no presente artigo, dentre outras que também estão positivadas no ordenamento jurídico, como, por exemplo, a delação premiada, nos termos da Lei 12.850/2013.
Além do que exposto, no que diz respeito à situação penitenciária e a utilização de medidas alternativas penais, convém salientar os ensinamentos da doutrina de Natacha Alves de Oliveira:
Inicialmente, cabe ressaltar que as penas não privativas de liberdade e as medidas cautelares alternativas à prisão são de irrefutável importância para reduzir o índice de encarceramento, propiciar maior aproximação entre o autor do fato e a vítima com vistas à reparação do dano, evitar os efeitos da “prisionização” e reduzir o estigma de “criminoso”, com reflexos, inclusive, nas taxas de reincidência.[5]
De acordo com a ADPF 347, o Supremo Tribunal Federal mencionou o “Estado de Coisas Inconstitucionais” que acomete o sistema penitenciário brasileiro. Trata-se de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causada pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar essa conjuntura, de modo que apenas alterações estruturais de atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.
Portanto, considerada a extrema superlotação carcerária e condições insalubres que acometem as penitenciárias, a utilização de medidas alternativas penais demonstram-se imprescindíveis, de modo que é fundamental a observância por meios que busquem reduzir cada vez mais esse quadro de violação de direitos básicos fundamentais, em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CFRB).
Vale destacar que o princípio da subsidiariedade penal preconiza que o Direito Penal é subsidiário por natureza, de modo que apenas as lesões mais graves aos bens jurídicos é que demandam a atuação do Direito Penal. Sendo possível a solução de uma lesão a partir do Direito Civil ou de outro ramo do direito, por exemplo, o Direito Penal não deve agir, sob pena de se tornar ilegítimo, o que consiste na sua classificação como a ‘’última ratio’’. Por isso, para os delitos de menor lesão ao ordenamento jurídico, devem ser aplicadas as medidas alternativas, em vez do encarceramento.
Por fim, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade, aprovadas pela Assembleia Geral da ONU, salientam a adoção de medidas contra o encarceramento pelos Estados-membros, recomendando os meios necessários para que se atinjam as finalidades da justiça restaurativa, do mesmo modo que o ordenamento jurídico interno busca alcançar.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das medidas alternativas penais revela a busca pela efetividade do sistema de justiça criminal. Ao abordar os institutos como a transação penal, a suspensão condicional da pena, a suspensão condicional do processo, o acordo de não-persecução penal e a composição civil dos danos, como exemplos, demonstra-se alternativas que objetivam preservar os direitos fundamentais dos envolvidos e alcançar respostas mais justas e adequadas para os casos concretos que demandam a atuação do sistema de justiça criminal.
Ao estudar as disposições da Lei 9.099/95, vislumbra-se a fundamental importância de procedimentos mais simplificados para lidar com as infrações de menor potencial ofensivo, buscando a reparação dos danos causados à vítima e os meios alternativos às penas privativas de liberdade. A oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, consagrados pela Lei 9.099/95, formam as bases que podem ensejar futuras reformas no sistema penal como um todo, para um tratamento cada vez mais equitativo e célere aos envolvidos num processo judicial.
Além disso, deve-se observar que a adoção dessas medidas gera um profundo impacto ao sistema carcerário brasileiro. Em razão da necessidade de redução do encarceramento em massa, a observância das medidas alternativas penais tornam-se ainda mais imprescindíveis para tentar reduzir cada vez mais as violações de direitos que existem no sistema penitenciário.
Portanto, a redução do encarceramento em massa no Brasil justifica uma abordagem que valorize a dignidade humana, a proporcionalidade das penas e a ressocialização como bases do sistema de justiça criminal. Desse modo, enfatiza-se um sistema de justiça criminal mais justo, eficiente e condizente com os princípios democráticos da nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Sinopse para Concursos: Processo Penal – Parte Especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, v.8.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 14. ed. [3. Reimpr.]. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012.
OLIVEIRA, Natacha Alves de. Criminologia: Sinopses para concursos. 2. ed., rev. e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
[1] ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Sinopse para Concursos: Processo Penal – Parte Especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, v.8, p. 272.
[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 694-696.
[3] MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 14. ed. [3. Reimpr.]. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 676-677.
[4] ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Sinopse para Concursos: Processo Penal – Parte Geral. 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, v.8, p. 112.
[5] OLIVEIRA, Natacha Alves de. Criminologia: Sinopses para concursos. 2. ed., rev. e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2019, p. 275-304.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALVES, Sérgio Vinícius. A aplicação de medidas alternativas à prisão: um estudo em torno de medidas alternativas ao cárcere e a aplicação desses institutos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2023, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63967/a-aplicao-de-medidas-alternativas-priso-um-estudo-em-torno-de-medidas-alternativas-ao-crcere-e-a-aplicao-desses-institutos. Acesso em: 23 dez 2024.
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