NEIDE APARECIDA RIBEIRO
NÚBIA SILVA DOS SANTOS
(orientadores)
RESUMO: A pesquisa teve como tema a evolução histórica da família e os formatos contemporâneos. O objetivo principal foi conhecer a evolução histórica e os novos modelos das famílias contemporâneas. O estudo busca responder a seguinte problemática: quais os aparatos jurídicos que os novos modelos de família estão ancorados? Para atingir o objetivo proposto realizou-se uma pesquisa com uma abordagem qualitativa do tipo bibliográfica e de caráter exploratório. Os resultados da pesquisa revelaram a existência de novas constituições familiares e a possibilidade de surgimento de outras. Na formação dessas famílias, a sociedade deve se basear na afetividade e nos princípios que orientam o direito familiar. A legislação é aplicável a todos, independentemente do tipo de família em que o indivíduo se enquadre, e o sistema jurídico garante a igualdade e a proteção dos direitos, os quais devem ser preservados, embora possam ser modificados, uma vez que o direito acompanha as transformações sociais.
Palavras-chaves: Família. Direito. Formatos contemporâneos.
ABSTRACT: The research theme was the historical evolution of the family and contemporary formats. The main objective was to learn about the historical evolution and new models of contemporary families. The study seeks to answer the following problem: what legal apparatus are the new family models anchored to? To achieve the proposed objective, research was carried out with a qualitative, bibliographical and exploratory approach. The research results revealed the existence of new family constitutions and the possibility of the emergence of others. In the formation of these families, society must be based on affection and the principles that guide family law. The legislation is applicable to everyone, regardless of the type of family the individual belongs to, and the legal system guarantees equality and protection of rights, which must be preserved, although they can be modified, since the law accompanies the social transformations.
Key-words: Family. Right. Contemporary formats.
A pesquisa tem como tema: A evolução histórica da família e os formatos contemporâneos e parte da seguinte problemática: quais os aparatos jurídicos que os novos modelos de família estão ancorados? Tendo como objetivo geral conhecer a evolução histórica das famílias e os novos modelos de famílias contemporâneas e seus aparatos jurídicos.
A pesquisa se justifica em face do tema do direito da família, pois o modelo de família patriarcal tem sido reformulado em virtude das mudanças sociais. Hodiernamente, o Direito vem buscando acompanhar as transformações da sociedade e regulamentou novos formatos de famílias pós-modernas com referência no afeto entre os indivíduos que constituem o ciclo social/familiar. E foi realizada através de uma metodologia que segue uma abordagem qualitativa, com um estudo do tipo estudo bibliográfico de caráter explicativo e buscou, conforme Vergara (2016, p. 47), “esclarecer fatores que contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno”.
Sendo assim, a concepção de entidade familiar não pode ser limitada, a fim de evitar a censura de relações afetivas. Acredita-se que o Estado não deve interferir na liberdade dos indivíduos de estabelecerem vínculos afetivos ou afetivo-sexuais autênticos. Adotar uma posição contrária seria uma clara violação da autonomia individual de cada pessoa em escolher seus relacionamentos. Competindo ao Estado reconhecer a existência de uma entidade familiar e regular suas relações, sem invadir indevidamente a intimidade e a autonomia de seus membros. É crucial destacar que a intervenção estatal na família deve visar ao bem-estar de seus integrantes e da sociedade em geral, assegurando a equidade e a proteção dos direitos individuais.
Definir o que é a entidade familiar não é uma tarefa simples, uma vez que ela pode ser constituída de diversas formas. Por esse motivo, o Direito de Família deve buscar uma definição ampla e inclusiva. Em virtude dessa amplitude, muitas vezes, em vez de estabelecer um conceito preciso de entidade familiar, é necessário elencar os institutos que regulam as relações entre pessoas por meio de laços matrimoniais, afetivos ou de vínculo sanguíneo (DIAS, 2007).
Diante dessa diversidade de formas de constituição familiar, o Direito deve estar atento para não discriminar ou excluir determinadas configurações familiares, reconhecendo e protegendo as diferentes formas de diversidade familiar existentes na sociedade. É preciso garantir a igualdade de direitos e oportunidades para todos os membros da entidade familiar, independentemente de sua forma de constituição.
A família é uma das instituições mais importantes e desempenha um papel crucial no contexto histórico das famílias no Brasil, pois reflete e molda as relações familiares e os direitos e responsabilidades dos indivíduos dentro dessas relações, isso porque ao longo dos tempos as mudanças sociais e culturais exigem que a legislação se adapte e evolua para atender às necessidades e demandas da sociedade.
2.1 A família e sua evolução histórica
Assim como todas as instituições sociais, a família está em constante evolução, adaptando-se aos valores e normas da sociedade em que se encontra. Para compreender melhor o papel e a dinâmica da família, é essencial levar em conta o contexto geográfico, político, social e cultural em que ela está inserida. Afinal, esses fatores influenciam diretamente as expectativas e comportamentos dos membros da família, assim como suas interações com a comunidade ao redor.
Engels (1979) explica que a família, considerada a primeira unidade básica da sociedade, surgiu há aproximadamente 4.600 anos. O termo "família" tem origem no latim famulus, que significa "escravo doméstico" e foi usado na Roma antiga para designar grupos submetidos à escravidão agrícola. A família se organizou principalmente no patriarcado, um sistema em que mulheres, filhos e servos eram submetidos ao poder restritivo e intimidador do pai, que assumia a liderança dessa entidade familiar e dos bens. Ao longo do tempo, a família passou por transformações e evoluções.
Costa (2021) ao conceituar família menciona que o termo família tem sua origem etimológica no latim familae, que se referia ao conjunto de escravos e servos chamados de famulus. O conceito de família brasileira tem suas raízes no direito romano e canônico, consistindo em um grupo de pessoas e bens que estavam sujeitos a um líder, conhecido como pater famílias. Essa entidade familiar era considerada patriarcal e reunia seus membros para fins políticos, econômicos e religiosos.
A família, tal qual se conhece hoje, foi sendo constituída ao longo do tempo e passou por diferentes estágios. Sobre isso Engels (1979), faz uma análise histórica profunda e controversa sobre a origem da família. Ele investiga os estágios sociais mais primitivos para identificar seu surgimento, peculiaridades e transformações ao longo do tempo. Antes de abordar a família em si, ele faz uma breve referência aos estágios pré-históricos: estado selvagem, barbárie e civilização.
Estado Selvagem: - Período em que predomina a apropriação de produtos da natureza, prontos para serem utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo, destinadas a facilitar essa apropriação. Barbárie. - Período em que aparecem a criação de gado e a agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano. Civilização – Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria propriamente dita e da arte. (ENGELS, 1979, p. 28)
O conceito e modelo de família, o patriarcal, foi o que existiu e predominou entre os séculos XVIII e meados do século XX, mas, este foi sendo ampliado na sociedade contemporânea e não corresponde somente ao núcleo familiar decorrente unicamente do casamento entre homem e mulher. Segundo Poli e Corcione (2020, p. 281), “a família característica do período romano era constituída unicamente pelo matrimônio. Qualquer organização que diferisse desse modelo era discriminada”.
A igreja católica estabeleceu o Direito Canônico, a respeito disso, Maluf (2010) enfatiza que a concepção familiar sob a égide da Igreja Católica, em contraste com a família romana, é sintetizada de maneira magistral. De acordo com o Direito Canônico, a família se forma por meio do matrimônio, que carrega consigo a ideia de sacralização e vínculo eterno.
Diferentemente da visão romana, na qual a figura do pater familias era essencial para a formação da família, o Direito Canônico enfatiza o casamento como a origem da família. Gradualmente, a ideia de família passa a ser associada ao vínculo matrimonial, e os filhos se tornam a máxima expressão dessa união. Com a expansão do cristianismo e a crescente onda protestante a Igreja Católica decidiu, após o Concílio de Trento (1543-1563), estabelecer a obrigatoriedade dos registros de batismos, casamentos e óbitos de todos os fiéis, visando fortalecer sua influência e manter a disciplina eclesiástica em meio à expansão do protestantismo. Dessa forma, foi estabelecida a sacralidade do casamento, onde o vínculo entre duas pessoas adquiria uma dimensão divina, conectando-os diretamente a Deus. Como resultado, o casamento passou a ser regulado por uma série de normas que deviam ser rigorosamente seguidas pelos párocos e pelos cônjuges, sob pena de excomunhão. (LONDONO, 1994)
A noção de família tradicional, patriarcal e hierarquizada, composta por um homem, uma mulher e seus filhos, está em declínio na maioria das civilizações. Dias (2007), discorre que:
Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Existe uma nova concepção da família, formada por laços afetivos de carinho e amor. A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso, resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir dignidade da pessoa (DIAS, 2007, p. 28).
Isto porque o vínculo de casamento entre um casal que se une para constituir família e ter filhos foi ampliado por união de pessoas no formato de união estável e, recentemente, pela união de pessoas do mesmo sexo. Sobre a evolução do conceito de família, Vasconcelos (2018) explica que:
O instituto da família com o passar das gerações sofreu uma série de mudanças, houve evolução no sentido da expressão família perante seus membros e a forma como se relacionavam. Do patriarcalismo até hoje em que a autoridade familiar é partilhada entre os pais foi um longo caminho, que sofreu influências culturais e religiosas. Com tantas mudanças foi necessário que o direito se adequasse as novas realidades que foram surgindo. (VASCONCELOS, 2018, p.3)
As famílias brasileiras são amplamente influenciadas pelo direito romano e canônico, que remontam às primeiras sociedades primitivas politicamente organizadas. Santos (2021) esclarece que advindo o cristianismo, ficou a encargo do direito canônico tutelar e definir as regras e permissões para que os indivíduos celebrassem o matrimônio. Com a influência da Igreja Católica ao longo da história e principalmente diante de seu poder estrutural, inúmeros países foram submetidos às ideologias cristãs, inclusive Portugal, desse ponto, nasce a influência romana-canônica na formação das famílias brasileiras.
No Brasil, o casamento católico foi a única forma de união juridicamente reconhecida e de competência do juízo eclesiástico, até o ano de 1861 – quando da aprovação de um regulamento para casamento de acatólicos. (FLEITER; SOUZA, 2010). O casamento civil foi introduzido no Brasil durante o período imperial, mais especificamente em 16 de dezembro de 1830, com a promulgação da Lei Imperial nº 3. O imperador Dom Pedro I assinou essa lei, que estabelecia as normas para o casamento civil no país. A partir desse momento, o casamento civil passou a ser reconhecido e realizado como uma instituição jurídica, separada do casamento religioso. No entanto, é importante ressaltar que, mesmo com a criação do casamento civil, o casamento religioso ainda era amplamente valorizado e praticado pela população brasileira.
A concepção de família foi evoluindo e ampliando-se à medida que a sociedade brasileira avançava. Inicialmente, valorizava-se mais o patrimônio do que os indivíduos que compunham essa relação familiar. Por muito tempo, as mulheres foram consideradas como propriedade e submissas aos maridos, enquanto os filhos nascidos fora do casamento e os adotivos não tinham seus direitos garantidos. Além disso, a possibilidade de constituir uma família não era reconhecida para casais homoafetivos.
Ao longo da história teve-se dois Códigos Civis, o primeiro foi em 1916, também conhecido como código de Beviláqua e foi instituído pela Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916, abrangia três aspectos fundamentais do Direito de Família: o casamento, o parentesco e os institutos de proteção legal, como tutela, curatela e ausência.
O Código Civil de 1916 refletia os comportamentos, pensamentos, cultura e desejos daquela época, um exemplo disso é que ele enfatiza a distinção fundamental entre os filhos legítimos, ilegítimos, naturais e adotivos, estabelecendo que os filhos legítimos são aqueles: Art. 337: “São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado (Art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa-fé. (Art. 221).
O parâmetro para identificar se o filho era legítimo ou não estava bem claro no Art. 338, tendo em vista que o Código específica o período de dias antes do nascimento da criança, para constatar que ele foi gerado durante casamento: I- os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (Art. 339); II - os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite ou anulação.
Os filhos que nascessem fora do período descrito no Código e os filhos frutos de relações de adultério também não era considerada uma situação legitima para que o filho tivesse a filiação paterna reconhecida, nessas situações os filhos não tinham o direito de questionar a sua filiação legítima, apenas na Constituição de 1988 é que os filhos, independe de período de nascimento e em quais situações foram concebidos, seriam igualados perante a Lei.
O Código Civil de 1916 trazia claramente em seus artigos como devem ser tratadas situações de adultério que envolvam filhos, de acordo com o novo código, mesmo que a mulher tenha cometido adultério e concebido um filho durante o casamento, a lei presume que o marido seja o pai biológico da criança. Era necessário recorrer ao processo legal para impugnar essa presunção, apresentando provas convincentes de não paternidade. E os filhos resultantes de relações de adultério ou incestuosas não poderiam ser reconhecidos legitimamente.
O Capítulo IV do atual Código Civil trata exclusivamente dos requisitos para o reconhecimento dos filhos ilegítimos, ele marcou a transição do sistema brasileiro das regras do período colonial, influenciadas pelo direito canônico, para um sistema próprio. Essa mudança permitiu a existência de uniões não formalizadas pelo casamento, como o concubinato, que era reconhecido pelas decisões judiciais. Atualmente, o Código Civil estabelece a união estável como um formato de convivência semelhante ao concubinato. Uma das características herdadas do período colonial e presente no Código Civil de 1916 é o poder paternal, em que o pai de família é o administrador do lar e dos filhos, que devem obedecer às suas ordens e ensinamentos enquanto menores.
Vale destacar a autoridade que o marido tinha sob a mulher, ela só poderia trabalhar fora da sua residência, mediante prévia autorização do marido. Ele permanecia como o chefe da família, apenas quando se referia a criação dos filhos a mulher tinha o direito da colaboração: Art. 233. “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”. (arts. 240, 247 e 251) À mulher não lhe competia maiores decisões dentro do lar, mas auxiliar o marido em situações que fossem de interesse comum para o casal e os filhos.
As relações familiares fora do matrimônio, que podem envolver aspectos pessoais, patrimoniais e assistenciais, foram amplamente ignoradas pelo nosso Código Civil de 1916, que as regulava apenas indiretamente (nos artigos 248, IV, 1.177 e 1.719, III), com o intuito de fortalecer a instituição da família legítima. Em todo o diploma legal de 1916, o concubinato foi mencionado apenas uma vez, no artigo 363, I, que permitia ao requerente da investigação de paternidade obter êxito na ação se comprovasse que, no momento de sua concepção, sua mãe estava em concubinato com o suposto pai. (DINIZ, 2023)
O novo Código Civil de 1916, em relação ao seu antecessor, trouxe algumas mudanças e avanços significativos, como a modernização das normas, já que refletiu um avanço em relação ao código anteriormente vigente, o Código Civil de 1889, ao atualizar e modernizar várias áreas do direito civil. E o novo código abordou questões emergentes da época, como as relações familiares e a propriedade e o aperfeiçoamento do direito de família, embora ele ainda tivesse algumas visões conservadoras em relação ao direito de família, ele trouxe avanços importantes, como a regulamentação do casamento, filiação, adoção e proteção dos direitos das crianças.
Barreto (2014, p. 12) diz que “desta forma é visível que o Código Civil de 1916 foi elaborado para um país diferente, para um povo de costumes distintos em face de outros anseios e de outros valores pregando que a família é necessariamente composta pelo casamento”. Mas, como mencionado o Código Civil é reflexo da cultura da sociedade daquela época, as mudanças sociais e outras que foram ocorrendo posteriormente levaram à criação do novo Código Cível em 2002.
O Código Civil de 2002 foi criado para substituir o antigo Código Civil de 1916, que já não atendia às demandas e às transformações sociais ocorridas ao longo do século XX. A principal motivação para a elaboração de um novo código foi a necessidade de modernizar e atualizar a legislação civil brasileira, adequando-a aos novos desafios e realidades da sociedade contemporânea. O Código Civil de 1916 estava defasado e não conseguia abranger todas as questões e situações jurídicas emergentes, o novo código buscou atualizar e modernizar as normas, incorporando novos institutos jurídicos e regulamentando áreas do direito que antes não eram abordadas.
O código procurou unificar e sistematizar as normas civis em um único documento, facilitando a compreensão e a aplicação do direito civil. O objetivo era oferecer uma legislação mais clara, coerente e acessível para os juristas, magistrados e cidadãos em geral. O novo código levou em consideração as mudanças sociais ocorridas desde a promulgação do Código Civil de 1916 até a promulgação da CF de 1988. Houve uma maior valorização dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da proteção aos direitos fundamentais, refletindo os avanços sociais e as demandas por uma legislação mais inclusiva. Ele também buscou harmonizar a legislação nacional com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos e aos direitos das crianças.
Além disso, marca um momento em que se enfatiza a importância da paternidade responsável e reconhecer a existência de um sistema familiar baseado nos vínculos afetivos em detrimento da mera biologia. Esse reconhecimento se fortalece com os avanços científicos relacionados aos estudos do DNA. O código também destaca a valorização da convivência familiar e comunitária, priorizando a família socioafetiva e eliminando a discriminação contra os filhos. Além disso, promove o exercício das responsabilidades familiares e reconhece o núcleo monoparental como uma entidade familiar.
O novo Código enfatiza que os cônjuges são iguais nos deveres relacionados com o casamento, ambos têm o dever de: Art. 1.566, I - fidelidade recíproca; - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; e V - respeito e consideração mútuos.
Uma mudança em relação ao código anterior diz respeito a construção de uma unidade familiar realizada na união estável, o casamento civil deixou de ser obrigatório para se caracterizar uma união familiar e passou a reconhecer essa nova forma de união entre um homem e uma mulher: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Ao tratar da legitimidade dos filhos no novo Código inclui os filhos nascidos durante o casamento, ou em relações fora do casamento, e ou após através de técnicas de inseminação ou fecundação. Todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos perante o Art. 1.597 do código civil, presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos, a antiga lei previa o período de nascimento dos filhos, a partir de sua concepção, para serem declarados legítimos ou não. Por exemplo, os nascidos dentre de um período de cento e oitenta dias, pelo menos, do início da união conjugal ou os nascidos após trezentos dias após o término da união conjugal.
O reconhecimento dos filhos fora do casamento é regulado pelo art. 1.607, ao estabelecer que os filhos havidos fora do casamento podem ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no registro civil, desde que haja manifestação de vontade nesse sentido. O reconhecimento dos filhos fora do casamento pode ser feito tanto durante a vida dos pais quanto após o falecimento de um deles.
O novo Código Civil brasileiro, promulgado em 2002, não menciona especificamente os filhos de união homoafetiva. No entanto, é importante destacar que o STF reconheceu, em 2011, a união estável entre casais do mesmo sexo e equiparou seus direitos aos casais heterossexuais. Com base nessa decisão, a jurisprudência brasileira tem entendido que os filhos provenientes de uniões homoafetivas têm os mesmos direitos e proteções legais que os filhos de casais heterossexuais. Isso inclui o reconhecimento da parentalidade, a possibilidade de adoção conjunta e a garantia de direitos e obrigações em relação à filiação. É importante ressaltar que os avanços legais e jurisprudenciais têm sido feitos para garantir a igualdade de direitos e a proteção das famílias homoafetivas no Brasil.
As mudanças promovidas por meio das modificações do Código Civil refletem melhorias significativas para a população brasileira, uma vez que visam garantir e fortalecer os direitos individuais e estabelecer deveres que contribuam para a harmonia e equilíbrio no âmbito das relações familiares.
Tem-se discussões entorno das constituições familiares, dentre essas discussões temos na Câmara, em tramitação o Projeto de Lei 3369/15, de autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que propõe a criação do Estatuto das Famílias do Século 21. Segundo o texto, o poder público será responsável por reconhecer formalmente e garantir todos os direitos a todas as formas de família. O projeto define família como a união entre duas ou mais pessoas, baseada no amor e na socioafetividade, independentemente de laços consanguíneos, gênero, orientação sexual, nacionalidade, religião ou raça, incluindo também os filhos ou pessoas assim consideradas.
3.OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM MATÉRIA DE DIREITO DA FAMÍLIA
Os Princípios Constitucionais são diversos, mas a pesquisa centra-se em três: o Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, o Princípio da dignidade humana e o Princípio do planejamento familiar.
3.1 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros
Esse princípio está estabelecido no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal (CF), que estipula que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher e no código civil no artigo 1.511 e estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Esses dispositivos reforçam o princípio geral da isonomia (art. 5º, caput, da CF), bem o processo de despatriarcalização do Direito de Família, superando a antiga ideia de que a figura paterna era quem exercia o poder de dominação na família, com a figura de pai de família (paterfamilias).
Assim, o ordenamento vigente assenta a completa isonomia dos cônjuges e dos filhos, do homem e da mulher, contudo, esses dispositivos não eliminaram a subsistente fragilidade e vulnerabilidade da mulher, do idoso, da criança e do adolescente em confronto com a persistente superioridade social e econômica do homem. (PEREIRA, 1993).
3.2 O Princípio da Dignidade Humana
A dignidade assume uma importância fundamental, pois engloba todos os demais princípios e representa os valores essenciais para a humanidade. Ela abarca a liberdade, autonomia privada, cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político. Esses valores são resultado de conquistas associadas à evolução do pensamento da população e refletem a noção de dignidade e indignidade humana, possibilitando a concepção, organização e desenvolvimento dos direitos humanos.
Segundo Lisboa (2010, p.36):
O princípio da dignidade humana é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, que deve ser observado em todas as relações jurídicas públicas ou privadas. Assim as relações jurídicas privadas familiares devem sempre se orientar pela proteção da vida e da integridade biopsíquica dos membros da família, consubstanciada no respeito e asseguramento dos seus direitos de personalidade.
O princípio da dignidade humana é um conceito fundamental nos direitos humanos e nas leis de muitos países ao redor do mundo. De acordo com esse princípio as pessoas são reconhecidas como iguais e todas têm os mesmos direitos. Diniz (2023) explica este princípio como sendo o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana e ele deve ser a base para toda e qualquer constituição familiar.
3.3 O Princípio do Planejamento familiar
Gozzi (2019) menciona que o Princípio do Planejamento Familiar é um conceito que reconhece o direito das pessoas de tomar decisões informadas e autônomas sobre o número de filhos que desejam ter e o espaçamento entre eles, bem como os métodos e meios para alcançar essas decisões. Esse princípio está relacionado à autonomia reprodutiva e à liberdade de escolha das pessoas em relação à sua vida familiar. Envolve a disponibilidade de informações, serviços de saúde reprodutiva, métodos contraceptivos e apoio para que as pessoas possam planejar, de forma consciente e responsável, a constituição de sua família.
Ainda, de acordo com a mesma autora, Gozzi (2019), o artigo 226, § 7º, da CF, é de responsabilidade do casal realizar o planejamento familiar, pois essa é uma decisão livre que está em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre cônjuges mencionados anteriormente. Tanto os genitores quanto os cônjuges ou companheiros têm a responsabilidade de decidir, de acordo com o planejamento de sua família, a fim de seguir um caminho saudável ao longo de sua trajetória familiar. Conforme estabelecido pelo Código Civil de 2002, no Artigo 1.565, o planejamento familiar é uma decisão livre do casal, e é proibido qualquer tipo de coerção por parte de instituições públicas ou privadas.
Este princípio também abrange o planejamento familiar em relação à decisão sobre o número de filhos a ter e o espaçamento entre as gestações, incluindo o uso de técnicas de reprodução assistida. É importante destacar que o planejamento familiar não deve envolver a seleção de embriões com base em atributos físicos, bem como deve respeitar a filiação por meio da monoparentalidade e outras formas de constituição familiar. De acordo com Lisboa (2010, p.39):
Planejamento familiar é o direito que os representantes da entidade familiar (os cônjuges ou, na união estável, os conviventes) têm de livremente deliberar acerca do planejamento da família, em especial sobre a constituição, limitação e aumento de prole; e a adoção dos meios lícitos necessários para o desenvolvimento físico, psíquico e intelectual dos integrantes da sua família.
Para garantir o exercício do planejamento familiar, é de extrema importância preservar a autonomia e a dignidade humana. Homens e mulheres têm o direito de decidir quantos filhos desejam ter e quando desejam tê-los, uma vez que são titulares de direitos fundamentais que garantem a liberdade e a consciência necessárias para fazerem suas escolhas de forma autônoma. Percebe-se que este princípio está ligado ao anterior,
Ao abordar o tema do planejamento familiar, também estamos discutindo a segunda geração dos direitos humanos, conhecidos como direitos sociais. Esses direitos são garantidos pelo Estado, conforme estabelecido no artigo 6º da CF, e visam atender às necessidades básicas dos cidadãos. No contexto da saúde, por exemplo, as pessoas que utilizam os serviços de saúde têm o direito de fazer escolhas conscientes em relação à formação de suas famílias.
No casamento, o planejamento familiar será feito em conjunto pelos cônjuges, na união estável será elaborado em conjunto pelos companheiros ou conviventes, e na relação monoparental será elaborado pelo ascendente responsável. É importante ressaltar que o planejamento familiar na relação monoparental não envolverá aspectos relacionados à constituição, limitação ou aumento da prole, mas sim à guarda, educação, trabalho e lazer dos seus membros.
Para Diniz: (2023) O art. 226, §7º da CF estabelece que o planejamento familiar é uma decisão livre do casal, baseada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Essa responsabilidade é compartilhada pelos pais, sejam eles cônjuges ou companheiros. A Lei nº 9.253/96 regulamentou esse assunto, especialmente no que diz respeito à responsabilidade do Poder Público. Já o Código Civil de 2002, em seu art. 1.565, estabelece algumas diretrizes, afirmando que o planejamento familiar é uma decisão livre do casal e proibindo qualquer forma de coerção por parte de instituições públicas ou privadas.
Pode-se notar que tanto o casal no casamento, os companheiros na união estável e o ascendente na relação monoparental têm total liberdade na realização do planejamento familiar. No artigo 226, parágrafo 3° da CF, a união estável entre homem e mulher foi equiparada ao casamento, sendo reconhecida como uma entidade familiar. A lei facilitou essa relação e possibilitou sua conversão em casamento, dispondo também no parágrafo 4° “entende-se também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
4.OS MODELOS DE FAMÍLIAS NA CONTEMPORANEIDADE
A sociedade atual reconhece e valoriza a diversidade familiar, respeitando diferentes formas de constituição e relacionamento entre as pessoas. Diversos foram os fatores que contribuíram para a formação de novos modelos de instituições familiares na contemporaneidade. A seguir são apresentados três modelos de constituições famílias que fazem parte das novas relações sociais contemporâneas.
4.1 Família decorrente de união estável
O Código Civil estabelece as condições para a constituição da união estável, reconhecendo-a como uma entidade familiar entre homem e mulher. Deve-se facilitar a sua conversão em casamento, caso preencham os requisitos legais. A união estável é caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, com o propósito de formar uma família. O direito à união estável é garantido pelo artigo 1.723, que concede proteção a essa forma de união equiparada ao casamento, merecendo o mesmo respeito que o matrimônio.
Segundo Gonçalves (2010, p. 579):
A união prolongada entre o homem e a mulher, sem casamento, foi chamada, durante longo período histórico de concubinato. O conceito generalizado do concubinato, também denominado “união livre”, tem sido invariavelmente, no intender de Washington de Barros Monteiro, o de vida prolongada em comum, sob o mesmo teto, com a aparênciade casamento.
Esta forma de união também pode ser caracterizada pela convivência sob o mesmo teto, embora a coabitação não seja um requisito obrigatório para sua configuração. Além disso, não há um prazo específico estabelecido para a convivência, sendo que o reconhecimento da união estável cabe ao juiz, levando em consideração as circunstâncias particulares de cada caso, independentemente da duração do relacionamento.
A união estável é a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento (more uxório). É um estado de fato que se converteu em relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos e deveres. Ainda que o casamento seja sua referência estrutural, é distante deste; cada entidade familiar é dotada de estatuto próprio, sem hierarquia ou primazia. (LÔBO, 2009, p. 148)
Algumas regras do direito comum para a união estável incluem: a convivência pública, contínua e duradoura, afetividade e intenção de constituir família, a ausência de impedimentos matrimoniais e os direitos e deveres dos companheiros, pois na união estável, os companheiros têm direitos e deveres semelhantes aos do casamento, como lealdade, respeito, assistência mútua, guarda, sustento e educação dos filhos, entre outros. Esses direitos e deveres podem variar de acordo com a legislação de cada país. Vale destacar que a relação além de ser duradoura e não simplesmente eventual, deve ser comprovada para ser caracterizada como união estável.
4.2 Família decorrente de União Homoafetiva
Os princípios da dignidade, igualdade, liberdade e intimidade têm sido fundamentais nesse processo, buscando superar o preconceito e reconhecer o direito de cada indivíduo escolher seu parceiro afetivo, sem qualquer forma de discriminação em relação aos casais heterossexuais. Brito (2000, p.66) menciona que:
A união afetiva entre homossexuais, por mais estável que seja, não se caracteriza como uma entidade familiar. Porém, é perfeitamente admissível o reconhecimento de uma sociedade de fato entre parceiros homossexuais, se o patrimônio adquirido em nome de um deles resultou da cooperação comprovada de ambos.
Essa mudança na denominação foi introduzida com o objetivo de combater as práticas homofóbicas que eram comuns, principalmente entre os jovens, que não aceitavam e discriminavam os relacionamentos homoafetivos. Esta união deve ser respeitada, uma vez que não cabe ao Direito determinar como as pessoas devem regular seus sentimentos.
Barreto (2014) diz que apesar de gerar efeitos jurídicos, a união estável homoafetiva não é especificamente regulamentada por uma lei específica, embora este relacionamento esteja vinculado ao direito. Nesse sentido, os mesmos dispositivos legais que regem as uniões estáveis heteroafetivas também se aplicam às uniões estáveis homoafetivas. É fundamental destacar que a homossexualidade é uma expressão legítima da sexualidade humana, e, portanto, é de extrema importância que essa orientação seja respeitada.
Nesse sentido, Lôbo postula que “as uniões homossexuais são entidades familiares constitucionalmente protegidas quando preencherem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade e tiverem finalidade de constituição de família”. (LÔBO, 2009, p. 68)
A afirmação de Venosa (2003) de que a família não pode ser reduzida apenas a si mesma ministra que ela não é um objeto desprovido de personalidade jurídica, mas sim um conjunto de direitos subjetivos inerentes aos seus membros, não limitados a uma condição pré-determinada.
Fiúza (2016) também reconhece a complexidade do conceito de direito de família diante da evolução do ordenamento jurídico. Ele destaca que o conceito de família é mutável e argumenta que a Constituição rejeitou a ideia de um modelo estritamente matrimonial, presente no Código de 1916 e nos dogmas da Igreja Católica.
As normas constitucionais devem ser interpretadas em conformidade com o preâmbulo da Carta, pois nele estão expressas as intenções do Constituinte. Como a Constituição é a base para todas as normas subsequentes, toda legislação infraconstitucional deve ser interpretada de acordo com a vontade do Poder Originário.
Destaca-se o papel pioneiro do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, especialmente do então Desembargador José Carlos Teixeira Georgis, na adoção de um olhar mais abrangente das constituições familiares. Foi nesse contexto que o tribunal garantiu a aplicação dos direitos relacionados à divisão patrimonial em uma relação que, à época, era considerada homoerótica:
Ementa: RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas. (Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº 70005488812, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 25/06/2003
Do mesmo tribunal, destaca-se ainda os ensinamentos da renomada Desembargadora Maria Berenice Dias, uma das principais autoridades do Direito de Família no Brasil. Esta, em 2004, fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, reconheceu a primeira união homoafetiva entre dois homens oficializada no Brasil, considerando-a uma entidade familiar devido à presença do amor inerente à relação. Para ela, o amor é o elemento caracterizador da família:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de
ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004.
Nessa direção, o mesmo Tribunal da Cidadania (STJ, REsp 1.183.378 - RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25/10/2011), foi além e abriu precedente no ano de 2011 ao permitir o casamento entre homossexuais.
A decisão do STJ de permitir o casamento entre homossexuais foi importante por várias razões. Primeiramente, representou um avanço significativo na garantia dos direitos e da igualdade para casais do mesmo sexo, reconhecendo o direito fundamental à livre orientação sexual e ao casamento civil. Isso contribuiu para combater a discriminação e o preconceito contra a comunidade LGBTQ+ e promover a inclusão social.
Além disso, essa decisão trouxe segurança jurídica e igualdade de tratamento para os casais homoafetivos. Ao permitir o casamento, esses casais passaram a ter acesso aos mesmos direitos e benefícios legais que os casais heterossexuais, como o direito à herança, pensão alimentícia, plano de saúde, adoção e outros direitos familiares.
Essa decisão também influenciou outros tribunais e jurisdições no Brasil, incentivando a ampliação dos direitos e o reconhecimento das uniões e casamentos homoafetivos em todo o país. Contribuiu, assim, para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
Na referida ementa, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça constataram que, com a promulgação da Constituição de 1988, uma nova etapa do direito de família teve início, incluindo o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como uma forma de entidade familiar. Isso reflete a existência de diversidade familiar:
[…] O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamada “família”, recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". […] O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. [...] (STJ, REsp 1.183.378 - RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25/10/2011).
Ao aceitar o casamento homoafetivo, a lei também reconhece as famílias homoafetivas, o casamento é uma forma de reconhecimento legal e social de uma união afetiva entre duas pessoas, independentemente do sexo ou gênero. Ao permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a lei reconhece que essas uniões têm o mesmo valor e merecem os mesmos direitos e proteções legais que as uniões entre pessoas de sexos diferentes. Dessa forma, ao reconhecer o casamento homoafetivo, a lei valida e aceita as famílias formadas por casais do mesmo sexo como entidades familiares legítimas. Isso implica em direitos e responsabilidades semelhantes aos casais heterossexuais, como direitos parentais, herança, benefícios previdenciários, acesso a serviços de saúde, entre outros.
A aceitação das famílias homoafetivas é importante por diversos motivos. Em primeiro lugar, reconhecer e respeitar a diversidade familiar é um princípio fundamental de igualdade e não discriminação. Todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, têm o direito de formar uma família e desfrutar dos mesmos direitos e proteções legais.
Além disso, reconhecer as famílias homoafetivas fortalece a coesão social e promove a inclusão. Ao serem reconhecidas e apoiadas, essas famílias têm acesso a benefícios legais, como proteção jurídica, direitos parentais, herança, benefícios previdenciários e saúde, entre outros. A aceitação das famílias homoafetivas também contribui para a construção de uma sociedade mais justa e tolerante, combatendo o preconceito e a discriminação. Isso cria um ambiente em que todas as pessoas possam viver livremente, expressar seu afeto e ter suas relações reconhecidas e respeitadas pela sociedade e pelas instituições.
Uma família monoparental é aquela em que há apenas um dos pais ou responsáveis legais envolvido na criação e no cuidado dos filhos. Geralmente, uma família monoparental ocorre quando um dos pais é solteiro, divorciado, viúvo ou separado, assumindo a responsabilidade exclusiva pelos filhos.
Essa configuração familiar pode ocorrer de diferentes maneiras. Por exemplo, uma mãe ou um pai solteiro criando os filhos sozinho, um dos pais assumindo a responsabilidade principal após uma separação ou divórcio, ou um dos pais sendo viúvo ou viúva e cuidando dos filhos por conta própria.
Conforme Diniz (2023) A família monoparental ou unilinear é caracterizada pela convivência dos filhos apenas com um dos genitores devido a diversas circunstâncias, como viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, falta de reconhecimento de filiação pelo outro genitor, produção independente, entre outros.
No que se refere à proteção desse tipo de estrutura familiar, a Constituição Federal assegura em seu texto a proteção especial do Estado a essas famílias. No entanto, a realidade revela uma falta de intervenção estatal, especialmente em relação a esse tipo de situação, evidenciada pela ausência de apoio ao genitor solitário na sustentação econômica dos filhos. Esse é o primeiro aspecto de negligência, uma vez que o Brasil não possui uma política governamental direcionada ao auxílio desse genitor.
De forma distinta dos fundamentos do casamento e da união estável, a família monoparental se caracteriza pelo vínculo estabelecido por apenas um dos pais com seu(s) filho(s). Segundo Brauner (2004), essa forma de família já estava presente na sociedade mesmo antes de ser reconhecida pela Constituição Federal de 1988. Embora o texto do artigo 226, § 4º da Constituição defina a família monoparental como aquela formada por um dos pais e seus descendentes, não há impedimento para considerar como entidade familiar monoparental aquela constituída por um dos avós e seus netos. Na realidade, conforme Brauner, a intenção do legislador foi trazer para o âmbito legal o reconhecimento dessa forma de família, sem necessariamente impor uma interpretação restrita.
Esta entidade familiar e todas as outras existenciais devem sempre ser respeitadas, pois são a pura demonstração de afeto e amor entre os seres humanos e desta forma qualquer que seja a sua composição devem ser interpretadas da melhor forma possível junto à formalização de seus direitos.
Nesse sentido, Carvalho (2015, p. 56) explica que “o princípio da afetividade é hoje o norteador do direito das famílias”. Observa-se que, o modelo de família tradicional com o trinômio pai, mãe e filhos está sendo modificado por novas formas de entidades familiares como a família monoparental que constitui a estrutura familiar formada com a ausência da figura dos pais e baseada na construção de laços afetivos (SILVA; ROSA, 2017).
Em relação ao afeto, Dias (2007, p. 432) destaca que diante das inúmeras transformações sociais e nas relações parentais, o afeto é o “elemento identificador” que atualmente serve de parâmetro para identificar as relações parentais. Igualmente comparada à relação biológica parental, a relação socioafetiva é responsável pela estabilidade dos laços familiares. Assim, o afeto é um fator diferencial nas decisões judiciais acerca da multiparentalidade.
Maluf (2010) discorre sobre os diversos formatos de famílias estruturadas por indivíduos do mesmo sexo e estados intersexuais que formam a família homoafetiva. Embora a doutrina pátria não equipare a entidade familiar com o relacionamento homossexual, a jurisprudência que se baseia em costumes, tem majoritariamente legitimando tais uniões, permitindo que os novos formatos familiares tenham a proteção jurídica de forma igualitária ao formato de família tradicional. Hironaka (2005) e Rocha-Coutinho (2006), evocam princípios fundamentais como da não-discriminação, autodeterminação, pluralidade das estruturas familiares, isonomia, liberdade individual, dentre outros, para legitimar os novos formatos familiares.
Após o estudo e discussão da temática, com base nos avanços jurídico-científicos no âmbito do Direito de Família, conclui-se que é fundamental reconhecer e respeitar igualmente essas novas formas de instituições familiares, conferindo-lhes todos os direitos e responsabilidades atribuídos às famílias constituídas por meio do casamento e do parentesco. A presença de afeto e amor na formação de todas as uniões é de extrema importância, uma vez que tanto a estrutura familiar quanto a sociedade estão passando por mudanças significativas.
Ao se abordar o Direito de Família, é essencial estar atentos às constantes transformações que essa área tem enfrentado. Essas mudanças têm influenciado a maneira como as pessoas vivem, pensam e se comportam na sociedade, exigindo uma mentalidade aberta e livre de preconceitos. A sociedade é dinâmica e isso traz mudanças em todas as áreas, especialmente na família, como vimos, assim como a sociedade evoluiu até se tornar patriarcal, ela tem evoluído e fez surgido novas instituições familiares, muitas delas sem a presença paterna.
Conclui-se ainda que é importante destacar que essas mudanças também têm proporcionado a valorização da união baseada no afeto e convívio familiar, resultando no surgimento de novas formas de entidades familiares, como a união estável, a união homoafetiva e a família monoparental. Essas evoluções têm ampliado as possibilidades de configuração familiar, refletindo a diversidade e a complexidade das relações contemporâneas.
A união estável, considerada a primeira forma de união, caracteriza-se como uma convivência duradoura entre um homem e uma mulher, sem necessidade de formalização matrimonial. Anteriormente, essa modalidade era conhecida como concubinato, mas atualmente é reconhecida e respaldada pelos direitos legais.
A união homoafetiva, por sua vez, refere-se à união estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, que são atraídas e têm desejo romântico ou afetivo entre si. Apesar dos preconceitos que ainda persistem em relação a essa escolha, é fundamental que todas as formas de união sejam tratadas com respeito e aceitação, valorizando a diversidade e a liberdade de cada indivíduo em buscar a felicidade e a realização pessoal.
Que a família monoparental, por sua vez, configura-se como uma comunidade composta por um dos pais e seus descendentes. Atualmente, essa forma de família é reconhecida constitucionalmente como uma entidade familiar, possuindo características próprias que a distinguem de outras configurações familiares.
Por fim, conclui-se que o direito da família tem como objetivo regular as relações jurídicas que envolvem a instituição familiar. Ele tem a função de estabelecer normas e princípios que garantam a proteção dos direitos e deveres dos membros da família, bem como a promoção do bem-estar e da segurança dessas relações. Em suma, o direito da família busca promover a harmonia, a estabilidade e o respeito nos relacionamentos familiares, buscando sempre o interesse e o bem-estar dos seus membros.
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graduanda em Direito pela Universidade Federal do Tocantins – Campus Universitário de Palmas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GLORIA, marlete alves. A evolução histórica da família e os formatos contemporâneos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2023, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63981/a-evoluo-histrica-da-famlia-e-os-formatos-contemporneos. Acesso em: 23 dez 2024.
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