Resumo: O presente artigo pretende abordar e analisar as modificações no direito de família, enfatizando as possibilidades de concessão de danos morais provenientes da Síndrome da Alienação Parental, que se torna cada vez mais comum no cotidiano forense. O dano moral resultante da alienação parental, além de ser um tema polêmico, é pouco abordado no âmbito do direito de família. Devido a lesão advinda da prática de alienação parental causar danos morais muitas vezes identificáveis, e muito tempo após a ocorrência do fato, o referido dano moral deveria ser analisado como violação ao direito fundamental da pessoa em desenvolvimento, levando em consideração a responsabilidade dos pais que exercem a autoridade parental. O tema é de suma importância para a sociedade, e sua imperiosidade encontra-se corroborada pela Lei nº 12.318/2010, que regulamentou aspectos jurídicos da Síndrome da Alienação Parental. O objetivo do artigo, portanto, é elencar o que é e quais são as consequências jurídicas quando uma criança sofre Alienação Parental, sobretudo, baseando-se no Direito de Família e nos Direitos da Criança e Adolescente.
Palavras-chave: Família; Alienação parental; Dano moral.
Abstract: This article aims to address and analyze changes in family law, emphasizing the possibilities of granting moral damages arising from Parental Alienation Syndrome, which is becoming increasingly common in everyday forensic practice. The moral damage resulting from parental alienation, in addition to being a controversial topic, is little addressed in the scope of family law. Due to the injury arising from the practice of parental alienation causing moral damage that is often identifiable, and long after the occurrence of the fact, said moral damage should be analyzed as a violation of the fundamental right of the developing person, taking into account the responsibility of the parents who exercise parental authority. The topic is of utmost importance for society, and its imperativeness is corroborated by Law No. 12.318/2010, which regulated legal aspects of Parental Alienation Syndrome. The objective of the article, therefore, is to list what it is and what the legal consequences are when a child suffers from Parental Alienation, above all, based on Family Law and the Rights of Children and Adolescents.
Keywords: Family; Parental alienation; Moral damage.
1. INTRODUÇÃO
A família é a base de toda sociedade, e no decorrer do tempo, foi a instituição que mais sofreu com as modificações, em detrimento da constante evolução social, econômica e política. Considerando o passado não tão distante, os modelos familiares foram alterados para dar espaço as novas formas de estruturas parentais, como famílias reestruturadas de casais que se separaram e constituíram novas famílias, famílias formadas por uniões homoafetivas e as famílias monoparentais, surgindo uma pluralidade de modelos familiares.
Com a evolução das estruturas familiares, também adveio consequências, e novos problemas sociais começaram a surgir, principalmente no que concerne as rupturas conjugais e formações de novas famílias, desencadeando novos problemas psicológicos na sociedade, visto que muitos cônjuges, após a separação do relacionamento afetivo, passaram a desenvolver formas de afastar os filhos da convivência dos ex-cônjuges e minar o relacionamento dos filhos com eles, como forma de afronta ou punição pela separação conjugal, o que se enquadra na situação de alienação parental.
Durante um bom tempo, apesar da recorrência dos casos, somente em 2010, com o advento da Lei n. 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, o qual passou a resguardar o direito de convivência familiar, e conforme a lei preconiza, quem dificulta a convivência estará cometendo alienação parental.
Os casos mais frequentes da Alienação Parental estão associados a situações em que a ruptura da vida conjugal gera, em um dos genitores, uma tendência vingativa muito grande. Quando um dos cônjuges não consegue superar o luto da separação, desencadeando um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge que utiliza, como instrumento de vingança, o filho, que passa a desenvolver um verdadeiro sentimento de rejeição em relação ao genitor alienado.
Procura-se, ainda, enfatizar ao longo do artigo a possibilidade de indenização a título de dano moral decorrente de tais condutas. Para essas situações, se estabelece como premissa a reflexão sobre a possibilidade de responsabilização civil do alienante frente ao alienado e ao menor, ensejando assim a indenização por danos morais, visto que a possibilidade de aplicação desta responsabilidade tem sido cada vez mais discutida pela doutrina e jurisprudência, ficando o questionamento se seria possível a indenização por danos morais ao filho e ao alienado. De construção doutrinária e jurisprudencial, ainda recente, sinaliza para uma responsabilização do alienante que comete verdadeiro crime vez que é direito de toda criança e adolescente a garantia ao desenvolvimento saudável, ao convívio familiar e a participação de ambos os genitores em sua vida.
Busca-se, assim, despertar a atenção para o aumento da síndrome da alienação parental, vez que tem sido cada vez mais vista nas relações familiares, e, portanto, é de grande necessidade compreender o que vem a ser referida síndrome, bem como as suas consequências na vida das vítimas, ante ao frequente número de divórcios no país.
2. CONCEITO DE FAMÍLIA E O PODER FAMILIAR
Inicialmente, impende destacar que em seus arts. 1.630 e 1.638, o Código Civil de 2002 trouxe ao ordenamento jurídico o "Poder Familiar", além do último Capítulo de seu Título I que trata dos Direitos Pessoais relativos ao Direito de Família (Livro IV da Parte Especial).
A palavra família é derivada do latim, tendo origem no termo “famulus”, que significava “criado ou servidor”. Inicialmente remetia a um conjunto de empregados de um só senhor e mais tarde, a palavra família passou a ser empregada para o grupo de pessoas que, unidas por laços de consanguinidade, viviam na mesma casa unidas por um único chefe, o pai de família.
Etimologicamente falando, retrata a realidade que as mulheres viviam em outra época, sendo submetidas à todas as ordens que os maridos davam, como se fossem seus donos, e os filhos, pertenciam aos pais, a quem deviam respeito e obediência. O sentimento de posse e a questão do poder estão, portanto, intrinsecamente ligadas a origem e evolução do grupo familiar, visto que, atualmente esse conceito etimológico está ultrapassado, servindo apenas de demonstração para a ideia de agrupamento.
No que se refere ao conceito de família, aduzem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, que:
O conceito de família mudou significativamente nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou socioafetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um. (2009, p.08)
Para o Direito Brasileiro, o que se entende por família sempre foi aquela constituída de pai, mãe e filhos, unidos por um casamento regulamentado pelo Estado e procedente de uma cerimônia religiosa. Somente com o advento da Constituição Federal de 1998 que o referido conceito foi ampliado, pois o Estado passou a reconhecer “como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”, bem como a união estável entre homem e mulher (art. 226).
Atualmente o conceito de família é mais abrangido, visto que engloba pessoas que se unem por terem laços afetivos umas com as outras, independente de sexo, cor, raça, etnia ou ligação biológica, portanto, em decorrência dessas mudanças, foram inseridos na sociedade novos costumes, hábitos, culturas, e consequentemente novas famílias, como as monoparentais, advindas por união estável, e também as uniões homoafetivas, e nesse sentido, prelecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (Não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade. (2009, p. 09)
O poder familiar é um dever dos pais para com os filhos menores de 18 anos e não mais uma relação onde só impera a autoridade patriarcal, o Estado impõe o dever que os pais possuem em cuidar e proteger seus filhos menores, para que cresçam saudáveis fisicamente e emocionalmente, e se tornem adultos saudáveis e equilibrados, preparados para a vida adulta, ressaltando-se ainda, que essa responsabilidade é de ambos os pais.
Ainda que as famílias de dissolvam, o poder familiar deve continuar sendo exercido tanto pelo pai quanto pela mãe, visto que o poder familiar não se vincula mais ao estado civil dos pais e sim, baseia-se na relação entre pai e filho ou mãe e filho. Nesse sentido, leciona Venosa:
Nenhum dos pais perde o exercício do poder familiar com a separação judicial ou divórcio, O pátrio poder ou poder familiar decorre da paternidade e da filiação e não do casamento, tanto que o mais recente Código se reporta também a união estável. A guarda normalmente ficará com um deles, assegurando ao outro o direito de visitas. (2010, p. 305)
Assertivamente, em decorrência das rupturas dos relacionamentos tanto o pai quanto a mãe continuam a exercer o poder familiar sobre os seus filhos menores, assim, o poder familiar não se desfaz com a dissolução da união ou divórcio. Ademais, com os rompimentos das uniões, um dos cônjuges ou conviventes, deverão regularizar a guarda dos filhos menores, podendo ser a guarda unilateral ou compartilhada, geralmente o que é melhor para o menor, dessa forma, o pai ou a mãe que permanecer com a guarda exercerá de maneira mais preponderante o poder familiar, pois o filho estará constantemente sob seus cuidados. No entanto, aquele que não detiver a guarda, não perderá o poder familiar, bem como possui o direito de visitar o filho e fiscalizar o exercício da guarda do outro.
Acerca da guarda, pontua Maria Berenice Dias:
Falar em guarda de filhos pressupõe a separação dos pais. Os filhos, querendo ou não participam dos conflitos e se sub- metem a entraves inerentes ã dissolução do laço amoroso dos sofrendo consequências desse desenlace. (...). Porém, o fim do relacionamento dos pais não pode levar a cisão dos direitos parentais. O rompimento do vínculo familiar não deve comprometer a continuidade da convivência dos filhos com amos os genitores. É preciso que eles não se sintam objeto de vingança, em face dos ressentimentos dos pais. (2006, p. 358)
Para possibilitar a convivência mútua do filho com os pais o mais aconselhável é a guarda compartilhada, pois dificulta veementemente a ocorrência do fenômeno da alienação parental. Com consonância com este pensamento aponta Analícia Martins de Sousa:
A guarda compartilhada pode servir como recurso a impedir, ou pelo menos dificultar, o estabelecimento de alianças entre a criança com um dos pais, uma vez que a mesma não conviveria exclusivamente com um deles. Ela circula livremente entre suas duas residências, fortalecendo, assim, os vínculos parentais por meio da ampla convivência. (2010, p. 48)
Todavia, é sabido que ainda prevalece a guarda unilateral, e diante do crescente número de divórcio e dissolução de uniões, começaram a surgir várias consequências relacionadas aos filhos de pais separados, pois muitos casais, após o rompimento da união, não conseguem superar o fim do relacionamento, a perda, o abandono do outro cônjuge e desenvolvem a alienação parental com o filho em comum.
3. ALIENAÇÃO PARENTAL
Inicialmente, cabe conceituar o instituto da alienação parental quando o genitor, ora alienante, que, via de regra, é aquele que detém a guarda do filho por expressa determinação judicial ou por acordo consensual – realiza um processo de afastamento do outro genitor da vida do filho, por meio de variadas atitudes mesquinhas, com intuito de prejudicar a relação parental ali existente.
Na maioria dos casos em que há a ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue superar a separação, e acaba usando a criança como uma forma de se vingar do ex cônjuge/companheiro. Dessa forma, o alienante começa a introduzir, psicologicamente, falsas memórias e contar inverdades na cabeça do filho, que passa a rejeitar o pai ou a mão, quem estiver sendo o alvo da alienação. Nada mais é do que uma “lavagem cerebral” feita com a finalidade de prejudicar a imagem do ex cônjuge perante o filho.
A criança ou o adolescente, na maioria das vezes, acredita no guardião, criando antipatia e até certo medo da outra parte, pois o filho é utilizado como instrumento da agressividade, sendo induzido a odiar o outro genitor, ocorrendo, dessa forma, uma grande desmoralização do outro genitor, fazendo com que o filho perca o vinculo de confiança que existia naquela relação, pois as crianças são facilmente manipuláveis em alguns momentos da vida.
Cabe ressaltar que a Constituição Federal em seu artigo 227, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, acolheram o princípio da proteção integral ao menor, e sendo assim, estabelece explicitamente que a convivência dos filhos com os pais não é um direito e sim um dever. Ainda, defende que o afastamento de pais e filhos pode incorrer em inúmeras sequelas de ordem emocional comprometendo o seu bom desenvolvimento. Porém, o sentimento que o alienante nutre no menor é o sentimento de raiva, dor e abandono com relação ao genitor alienado o que pode vir a deixar reflexos permanentes em sua vida, e o faz sem pensar nas consequências que a criança terá que arcar quando adulta.
Embora a referência neste artigo, como sendo um dos genitores o alienante, ressalta-se que é dito na própria Lei 12.318 em seu artigo 2º, que o alienante pode ser pessoa diversa da mãe e do pai, podendo ser sujeitos ativos de conduta alienante, também os avós ou aqueles que possuem a guarda ou vigilância do menor, no momento da prática alienante.
A Lei n. 12.318, de 26 de agosto de 2010, conhecida como a Lei da alienação parental teve origem por meio do Projeto de Lei 4.053/2008, apresentado na Câmara dos Deputados pelo Deputado Régis de Oliveira, que após aprovação da Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 07/07/2010, foi sancionada pelo Presidente da República em agosto de 2010.
De acordo com o que aduz o parágrafo único do artigo 2º da referida Lei, nesse processo de enfraquecimento de convivência e construção de falsas memórias, o alienante pode adotar diversos comportamentos dos mais variados graus de seriedade, como, por exemplo, não lembrar o outro genitor sobre datas ou eventos importantes em relação ao filho, fazer chantagens de cunho emocional, enaltecendo apenas suas ações para denegrir a imagem do alienado, em em casos mais graves, podendo chegar à imputar ao alienado a prática de atos de abuso sexual tendo como vítima a criança/adolescente.
Impende destacar que, não obstante as formas de alienação parental supramencionadas sejam as mais frequentes, vem se tornando cada vez mais comum uma espécie de alienação parental disfarçada, sobretudo, no rompimento conjugal entre casais em que há considerável diferença econômica entre os genitores, se utilizando de condições financeiras superiores para ganhar a admiração da criança com presentes ou experiências que apenas quem possui de renda alta poderia realizar.
Ademais, tem-se que o guardião também é, via de regra, o genitor alimentante, e não é raro que tal genitor, tente “comprar” a criança/adolescente, oferecendo-lhe um padrão de vida que jamais conseguiria ter na companhia do outro genitor. Não se tratando de um comportamento afetivo com a intenção de proporcionar bem-estar ao filho, mas sim de uma forma indireta de tentar tirar a criança da convivência do outro genitor, que cada vez mais preferirá ficar com o genitor alienante do que com o alienado, visto que esse não lhe proporciona tantas comodidades, tal prática é igualmente reprovável, considerando, sobretudo, a vulnerabilidade da criança/adolescente, enquanto indivíduo em formação.
A Lei de Alienação Parental visou, independentemente da efetiva constatação da presença da Síndrome de Alienação Parental, a eliminar a presença e coibir as práticas lesivas ao menor, bem como evitar os prejuízos surgidos, até da mera constatação da possibilidade da incidência do instituto.
Portanto, observa-se que a alienação parental é um instituto extremamente sério, que pode levar a consequências desastrosas à vida de uma criança e ou adolescente, desta forma, apesar de parte da doutrina sustentar a incidência do princípio da intervenção mínima do Estado nas relações familiares, para defender a impropriedade da manifestação estatal em editar a Lei de Alienação Parental, é um posicionamento que não merece prosperar, visto que o poder judiciário não pode simplesmente fechar os olhos para algo tão grave que envolve pessoas em formação, que serão o futuro do país, não se pode compactuar com o comportamentos de genitores que, em verdade, não zelam pela adequada formação psicológica de seus filhos, mas, somente, os utilizam como instrumento para atingir o outro cônjuge, por não suportar a mágoa da separação em seus relacionamentos conjugais.
4. A POSSIBILIDADE DE DANOS MORAIS POR ALIENAÇÃO PARENTAL
A conhecida frase: “Não cabe ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor”, por muito tempo foi utilizada pela doutrina e jurisprudência para negar a indenização por danos morais pelo abandono afetivo. Ainda hoje é um tema polêmico, porém o cenário começou a mudar em 2012, quando o Superior Tribunal de Justiça reconheceu essa possibilidade no julgamento do REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012.
Ocorre que não se pode confundir a alienação parental com o abandono afetivo. Pelo contrário, o abandono é uma espécie de omissão por parte dos pais, que não dão a devida atenção e carinho para o menor, enquanto a alienação parental se configura como uma prática ativa do alienador, configurando-se como um ato ilícito, culpável, gerador de dano, constituindo os elementos mínimos e necessários para configuração da responsabilidade civil à luz dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
Neste cenário, salienta Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias de Carvalho e Douglas Philips Freitas, que o que se espera com o advento da Lei de Alienação Parental, é que a fixação de danos morais decorrentes do “abuso moral” ou “abuso afetivo”, advindos da prática alienante se torne pacífica diante da doutrina e jurisprudência, permitindo tanto ao menor como ao genitor alienado, o direito de tal pleito, pois aqui, não se trata de indenizar o desamor, mas de buscar a compensação pela prática ilícita (senão abusiva) de atos de alienação parental.
Insta observar que essa afirmação advém da própria Lei de Alienação Parental, que em seu artigo 3º estabelece que “fere direito fundamental da criança ou do adolescente”, ou seja, constitui ato ilícito, gerando o dever de indenizar. No artigo 6º da mesma lei, está a complementação, afirmando que todas as medidas descritas na nova legislação não excluem a “responsabilidade civil.”
Diante disso, não restam dúvidas de que a prática da alienação parental gera dano moral, não só ao menor quanto ao genitor alienado. No mesmo sentido:
[... essencialmente justo, de buscar-se indenização compensatória em face de danos que os pais possam causar a seus filhos por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles são negados a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência materna ou paterna concretas, o que acarretaria a violação de direitos próprios da personalidade humana.]
Todavia, mesmo com a possibilidade de responsabilizar quem realiza a alienação, quem será mais prejudicado é o filho, que em razão de sua pouca idade está em posição vulnerável e de defasagem, não podendo se defender, pois está em uma situação de dependência e à mercê do genitor alienador, sobretudo, não se deve esquecer o genitor alienado, que sem o convívio do filho também se torna vítima. Sendo o poder familiar um instituto de proteção, cabe aos pais desempenhar esse papel mediante a representação desses interesses pessoais do filho. Sendo assim, quando esse poder familiar é exercido de forma irregular, ocorre o verdadeiro abuso de direito, podendo, assim, os pais responderem por negligência ou desídia.
O direito de convivência entre pais e filhos é garantido constitucionalmente no artigo 227 da CF/88 e, portanto, deve ser preservado, sendo papel do Estado intervir quando exista impossibilidade da família em fazê-lo.
Havendo a negligência na relação entre pais e filhos pode o Estado exigir o cumprimento das obrigações pelos pais, aplicando até mesmo a extinção do poder familiar. Em recente julgado a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) decidiu, por unanimidade de votos, que a criança deve morar com a mãe, deferindo assim a guarda unilateral a genitora, após comprovação que o pai praticava alienação parental.
Grande parte da doutrina, que defende a não incidência do dano moral em relações familiares, sustenta que é a alegação da conhecida “indústria do dano moral”, ou seja, que qualquer contratempo familiar enseje uma ação indenizatória. Porém, a preocupação não vem de hoje, visto que desde que o dano moral foi constitucionalizado surgiu a possibilidade de que tudo fosse enquadrado como dano moral, ocorrendo assim uma enxurrada de processos fazendo com que o judiciário ficasse cada vez mais abarrotado de ações, banalizando o instituto de certa forma.
Ademais, como aduziram Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias de Carvalho e Douglas Philips Freitas, o tempo mostrou que a jurisprudência soube distinguir aquilo que merece indenização e o que não passa de mero dissabor, ocorrendo o mesmo com o abuso efetivo, motivo pelo qual não se buscará monetizar o afeto, nem fomentar a vingança de filhos contra pais ou entre ex-cônjuges ou companheiros, mas, corroborar os danos causados com decisões pautadas na razoabilidade, havendo concessões de indenizações para compensar a prática ilícita advinda da alienação e punir/dissuadir o alienante da reiteração de atos dessa espécie.
Dessa forma, mesmo antes da Lei de Alienação Parental o abuso afetivo já vinha ensejando reparação por danos morais, como é possível perceber da decisão abaixo:
DANO MORAL. CALÚNIA. Acusação de prática de crime sexual pelo autor contra seus filhos. [...] ausência de provas da veracidade da imputação. Ocorrência de abalo moral. Dever de indenizar.
Pela simples leitura da ementa citada, é possível perceber que se trata de clara prática de alienação parental, mesmo que na referida época ainda não fosse conhecida com essa nomenclatura, visto que há expressa previsão no artigo 2º da Lei 12.318/10, a hipótese de apresentar falsa denúncia contra genitor, como causa exemplificativa de Alienação parental.
Em recente caso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp 1.159.242, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi (DJE de 09.05.2012), implementou a condenação de genitor por falta de dever de cuidado, ressaltando-se, na ocasião, que amar é faculdade, mas cuidar do filho, seja biológico ou adotivo, é dever. Assim, a Turma decidiu que é possível a indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. Para a ministra, porém, não há porque excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral.
A Ministra sustentou:
“Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar - sentimentos e emoções -, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores. Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família.”
Sabiamente, a relatora fez uma interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal, apontando que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando, inclusive, “os intrincados meandros das relações familiares”, nada impedindo a apreciação com base em vínculos objetivos, para os quais há previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas, como no caso da relação de pais e filhos, cabendo ao julgador, diante dos casos concretos, ponderar também do dano moral, como ocorre no material, a necessidade do demandante e a possibilidade do réu na situação fática posta em juízo, mas sem nunca deixar de prestar efetividade à norma constitucional de proteção dos menores.
Posto que, uma vez externada pelo Estado-juiz a prática de ato de alienação parental, com reconhecimento do fato objetivo, comprovando-se a interferência na formação e desenvolvimento psicológico do filho, gera evidência de violação ao direito fundamental da criança/adolescente e compromete a formação saudável da sua personalidade e, também, o direito do próprio genitor alienado, de conviver de forma harmônica com o filho mesmo estando separado do outro genitor, sendo outra vítima da conduta do alienador.
Restando evidente o dano moral, o abalo, a angústia, e sendo possível identificar o resultado danoso na compreensão de que existe in re ipsa, ou seja, que deriva do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto, fica demonstrado o dano moral de forma que gera uma presunção natural, hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Exemplifica o professor Cavalieri, citando a prova da perda de um filho, v.g., quando não há de se exigir a prova do sofrimento.
Diante de todo exposto, será que não restaria evidente o dano moral in re ipsa ao filho e genitor vítimas de ato de alienação parental praticado pelo alienador?! A resposta é afirmativa.
Assertivamente, em muitas das situações, a condenação pelo dano moral não será a medida mais recomendável, visto que as outras sanções estampadas no art. 6º da Lei de Alienação Parental poderão garantir maior rapidez e efetividade quando se pensa em penalizar o alienador, até porque, como aduz Frederick Gondin, a rapidez na alteração de uma guarda ou visitação, de logo, já poderá gerar no alienador a consciência de que não mais terá controle sobre a situação, o que poderá fazer com que acate a ordem judicial. Entretanto, em casos singulares, desde que provocado, o Judiciário não se deverá furtar de aplicar a sanção, cumulativa ou isoladamente, de maneira também a se reprimir a prática da agressão moral que gerou dano irreparável de convivência ao filho e ao genitor alienados.
Diante disso, é possível perceber que tanto na doutrina como na jurisprudência, existe a possibilidade de danos morais nos casos de alienação parental, síndrome essa que deve ser combatida de todas as formas, visto que é um mal que tem se alastrado pela sociedade trazendo consequências devastadoras para crianças e adolescentes.
CONCLUSÃO
O artigo se prestou apenas a relatar algumas considerações sobre o tema. Não sendo possível aqui esgotar o assunto, o qual, como já visto, tem fundamento no Direito de Família, Direito da Criança e do Adolescente e, ainda, no Direito Constitucional, estando o princípio da dignidade da pessoa humana intimamente ligado com a questão tratada no presente artigo.
Conclui-se, portanto, que o instituto da alienação parental é um distúrbio proveniente de famílias reestruturadas e que só muito recentemente o ordenamento jurídico brasileiro firmou esse conceito, tendo em vista a edição da Lei de alienação Parental no ano de 2010. O dano moral como consequência deste processo é assunto polêmico, recente e divergente.
O objetivo de demonstrar a possibilidade do dano moral quando ocorre a alienação parental, é, para que se possa identificar o dano ocorrido pela alienação parental e buscar medidas que possam coibir o mesmo. Conforme se explana no presente artigo, o ressarcimento do dano moral sofrido pela alienação parental deve levar em conta os critérios de tutela de dignidade de cada pessoa, de forma distinta, não devendo ser levado em consideração o nível econômico da vítima e considerando cada caso como único, devendo ser analisado de forma minuciosa todas as circunstâncias do caso.
O que se pode afirmar é que, as pessoas que são vítimas da alienação parental possivelmente não serão mais as mesmas, visto que a visão que terão dos modelos familiares será distorcida, e por uma pessoa de sua confiança, cabendo à sociedade, à família e ao Poder Judiciário se integrar no sentido de minimizar os efeitos sofridos.
A alienação parental e a patologia que lhe acompanha, qual seja a Síndrome da Alienação Parental, representam mais um dos tantos males que a intolerância produz na sociedade moderna, pois diante de cenários de términos dos relacionamentos amorosos, devem os ex-cônjuges ou ex-companheiros reconstruírem suas vidas de forma saudável, visando, prioritariamente, o bem-estar de seus filhos. Porém, infelizmente, não é dessa forma que acontece na prática, visto que muitos casais demonstram explicitamente suas mágoas e rancores aos filhos, e acabam por anular a felicidade de seus filhos a favor de uma iludida vingança dirigida ao ex-parceiro.
Quando é percebida a ocorrência da alienação parental, deve o Poder Judiciário, agora com muito mais propriedade tendo em vista os ditames da Lei nº. 12.318/2010, intervir no seio das relações familiares, buscando a solução que melhor conduza o direito à convivência familiar ao princípio do melhor interesse da criança/adolescente.
Por fim, como apontado no decorrer do presente artigo, ainda há resistência jurisprudencial quanto à possibilidade de indenização por danos morais decorrentes do abandono, hoje de forma minoritária, acreditando ser impossível monetizar o afeto e considerar ato ilícito o desamor. Todavia, as doutrinas mais sensatas afirmam que a assistência moral é direito subjetivo dos filhos, sendo eles os principais negligenciados, e quem realmente possuem a decisão de requerer essa indenização ou não. Sendo assim, a esse direito corresponde um dever jurídico, qual seja o dever de ambos os pais darem todo suporte necessário aos filhos, com base no Princípio da Paternidade Responsável.
Cabe destacar que a compensação por danos morais não é uma finalidade buscadas pelos filhos, mas sim um meio, sendo apenas mais uma tentativa de minorar o drama das crianças que foram alienadas. O mesmo direito possui o genitor alvo do bullying familiar, ou seja, o alienado – vítima das consequências do assédio moral cometido em face do seu filho. Diante de todo o exposto, conclui-se que o combate à alienação parental é um dever de toda a sociedade, que transcende os ambientes familiares, visto que as principais vítimas da alienação familiar são crianças e adolescentes, a quem toda a sociedade deve garantir seus direitos fundamentais, com base no Princípio da Solidariedade Social.
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Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Faculdade CERS. Pós-graduada em Direito Processual Penal pela FASUL Educacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Larissa Romero de. A possibilidade de danos morais nos casos de alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2023, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64110/a-possibilidade-de-danos-morais-nos-casos-de-alienao-parental. Acesso em: 23 dez 2024.
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