RESUMO: A partir de um método dialético, com análise bibliográfica, consultiva e jurisprudencial, o presente estudo foca sua atenção em um segmentos extremamente sensível e delicado, sob o ponto de vista das relações humanas, dentro do Direito de Família: a guarda dos filhos quando ocorre a separação do casal. Antes, porém, de discorrer sobre a guarda em si, são elencadas as formas existentes para a separação conjugal, pois pode ressoar na questão da guarda. Em seguida, o estudo aborda o processo da guarda, seus tipos e consequências práticas na vida da criança. A atuação contemporânea do Judiciário frente a conflitos nos processos de guarda de filhos é tratada por fim.
PALAVRAS CHAVES: Guarda, Separação, Divórcio, Conflito, Mediação, Constelação Familiar
INTRODUÇÃO:
As relações sociais estão se modificando em ritmo acelerado. O conceito de família se alargou, e o número de separações conjugais aumenta a cada dia. Quando isso ocorre em um relacionamento conjugal, seja num casamento civil ou em uma união estável, a questão da guarda dos filhos é crucial. Ambos os cônjuges têm obrigações, ambos têm o mesmo direito ao convívio. Isso inclui casais homoafetivos.
Nesse sentido, o Código Civil aponta claramente que a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal não altera os deveres e direitos dos pais com relação aos filhos. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.632, afirma que:
"Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos."
E, ainda, nem mesmo o pai ou a mãe que se casa novamente ou estabelece uma nova união estável perde os direitos e deveres que possui com relação aos filhos de relacionamento anterior, como também estabelece o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.636:
"Art. 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável."
Fundamental que a guarda seja escolhida visando o melhor para a criança, com o objetivo de garantir a convivência familiar com ambos os pais e a divisão de responsabilidades, assegurando assim uma boa formação e seu desenvolvimento integral. Essa é a maior preocupação que os pais devem levar consigo durante o processo de separação, a despeito de problemas de relação e sentimentos que estejam presentes entre eles durante o processo. Essa também deve ser a maior preocupação e o maior cuidado do Judiciário, e de outros Órgãos eventualmente envolvidos, ao decidir sobre a guarda.
1- TIPOS DE SEPARAÇÃO CONJUGAL:
No ordenamento jurídico brasileiro, há previsão das formas que o casal deve utilizar para proceder ao encerramento oficial do relacionamento conjugal, seja ele um casamento civil ou uma união estável. No caso de um casamento civil, o Código Civil prevê o instituto da separação (propriamente dita) e do divórcio. Para a união estável, existe a figura da dissolução da união.
Entretanto, e isso significa mudança significativa, após recente decisão do STF, em novembro de 2023, a separação judicial não subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. O tópico Separação, abaixo, aborda tal decisão, mas também, como registro histórico, o que ainda consta do Código Civil.
1.1 DIVÓRCIO
O instituto do divórcio existe desde 1977 no Brasil e sofreu alterações ao longo do tempo, como com a Emenda Constitucional 66/2010.
O divórcio é forma de fim de casamento com ambos em vida. Subdivide-se em litigioso e consensual, sendo que esse último ainda se divide em judicial e extrajudicial.
O divórcio consensual ocorre quando ambas as partes querem se divorciar e também estão de acordo com os termos.
A realização extrajudicial do divórcio consensual é em cartório, por meio de escritura pública. O art. 733 do CPC elenca as condições para tal: não estar a mulher grávida e inexistência de filho menor ou incapaz, além da necessidade de assistência por advogado ou defensor público. Nenhum outro procedimento é necessário, bastando a escritura pública. Diz o CPC:
"Art. 733: O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 .
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
O divórcio consensual realizado de forma judicial se dá quando as condições necessárias para o extrajudicial não são atendidas, como a existência de filho menor, ou por livre opção do casal, quando mesmo preenchendo as condições para o extrajudicial, prefira o rito judicial. O casal deve estar assistido por advogado ou defensor público.
Já o divórcio litigioso ocorre quando somente uma das partes o deseja, sem necessidade de aquiescência da outra parte, ou quando ambas as partes o desejam, mas não estão de acordo com os termos, havendo também previsão para quando uma das partes não foi encontrada. As normas do divórcio litigioso estão elencadas no art. 693 do CPC.
Portanto, nos casos de divórcio judicial, consensual ou litigioso, os termos do divórcio estarão na sentença judicial. Os termos abrangerão questões como nome, partilha (pode ser feita posteriormente), pensão alimentícia para o ex-cônjuge (temporária e pode ser pedida posteriormente em ação autônoma), pensão alimentícia para filhos, guarda do filhos, guarda de pet, plano de convivência (visitas), administração de imóveis alugados anteriormente e sociedade empresarial, dentre outros.
Conforme art. 1.582 do Código Civil Brasileiro, o pedido de divórcio compete aos cônjuges, mas, se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender- se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.
Divórcio é averbado no registro de casamento (Art. 10,I, do CCB). Para novo casamento, é necessária apresentação da certidão de averbação (Art. 1.525,V, do CCB).
No caso de divórcio judicial consensual, se diz que foi homologado. No caso de divórcio judicial litigioso, se diz que foi decretado.
Não se discute culpa no divórcio e sim se o quer ou não e os termos dele. A culpa pode ser levada para ação autônoma de perdas e danos.
Não há prazo mínimo para o divórcio desde a Emenda Constitucional 66/2010, que suprimiu o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
1.2 SEPARAÇÃO
1.2.1 APÓS DECISÃO, EM NOVEMBRO DE 2023, DO STF:
O Recurso Extraordinário (RE) 1167478 (Tema 1.053) contestou decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) que manteve sentença decretando o divórcio sem que tenha havido a separação prévia do casal. Segundo o TJRJ, a EC 66/2010 afastou essa exigência, bastando manifestar a vontade de romper o vínculo conjugal. No recurso, um dos cônjuges alegou que a alteração constitucional não afastou as regras do Código Civil.
Em decisão proferida em 08/11/2023, o STF entendeu que as normas do Código Civil que tratam da separação judicial perderam a validade com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66/2010. Segundo essa decisão, de repercussão geral, depois que a exigência temporal foi retirada da Constituição Federal, a efetivação do divórcio deixou de ter qualquer requisito, a não ser a vontade dos cônjuges. E mais, a figura da separação judicial não pode continuar a existir como norma autônoma.
Ainda segundo a decisão, o estado civil das pessoas que atualmente estão separadas, por decisão judicial ou por escritura pública, permanece o mesmo, por se tratar de um ato jurídico perfeito.
1.2.2 SEPARAÇÃO COMO AINDA CONSTA DO CÓDIGO CIVIL:
Como registro histórico, e para conhecimento mais integral sobre o tema, são colocadas as previsões ainda constantes do Código Civil sobre o instituto da separação.
O instituto da separação não dissolve o casamento civil. O casal se separa legalmente, mas o casamento persiste. Há a dissolução da sociedade conjugal.
A separação só põe fim a três deveres do casamento: fidelidade, coabitação e regime de bens (Art. 1.576 do CCB).
A qualquer momento o casal pode continuar o casamento, não sendo um novo casamento (Art. 1.577 do CCB). Os cônjuges não estão livres para casar novamente com outros.
Os tipos de separação são: Judicial, Extrajudicial e De fato.
A separação judicial ocorre quando um ou os dois cônjuges não querem mais continuar casados. Quando somente uma das partes quer a separação, a separação será litigiosa. Quando ambas as partes desejam a separação, a separação será consensual (Art. 1.571 ao 1.574 do CCB).
separação. Já se faz logo a partilha de bens e deve conter os termos da separação (art. 1.575 do CCB).
A separação extrajudicial é feita em cartório, por escritura pública, quando estiverem presentes as condições de haver acordo, não haver nascituro e não haver filho menor ou incapaz, devendo ser assistida por advogado ou defensor público (Art. 733 do CPC).
A separação de fato é o nome dado à situação em que um casal já não convive em uma relação conjugal propriamente dita, morando juntos ou não, mas ainda não se divorciou oficialmente. Ou seja, as pessoas estão, na prática, já separadas, mas ainda estão oficialmente sob a determinação de um casamento. Muitos casais assim procedem em fase anterior ao divórcio, a fim de terem tempo de se estruturarem. O principal efeito jurídico de uma separação de fato diz respeito à interrupção dos deveres e responsabilidades típicos do casamento, incluindo os patrimoniais, sem que se altere o estado social do casal. Os bens em comum deixam de serem compartilhados de forma integral a partir do momento da separação de fato. Com o passar do tempo (como em dois anos, cinco anos) surgem outras consequências jurídicas, principalmente patrimoniais.
1C) DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL:
Sendo a união estável uma situação de fato, que garante direitos como os do casamento civil, seu fim não é caso de divórcio porque esse dissolve casamento civil. Tem-se, então, o instituto da dissolução, que pode ser por ação judicial ou não, conforme o caso.
A dissolução extrajudicial, ou em cartório, é aquela em que há consenso entre as duas partes e ela é simples de ser feita, mediante a elaboração de Escritura Pública de Dissolução de União Estável. Além de acordo entre as partes, inclusive em relação à partilha de bens e pensão, há as condições de não haver filhos menores ou incapazes, não haver nascituro e haver presença de advogado ou defensor público.
Caso não exista consenso na dissolução da união estável, ou seja, se uma das partes não quiser a separação ou não houver acordo, ou ainda se os conviventes tiverem filhos menores de 18 anos ou incapazes ou nascituro, é necessário acionar a Justiça para a ação, assistidos por advogado ou defensor público.
A união estável não precisa ser necessariamente registrada em um cartório para ter validade. Porém, mesmo que um casal não possua a Declaração de União Estável, eles podem solicitar a dissolução da união.
2- GUARDA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Um processo de separação conjugal gera muitas mudanças na vida do casal. No entanto, a responsabilidade dos pais em relação aos filhos permanece inalterada e a definição da guarda objetiva garantir o cumprimento dos deveres e a observação dos direitos relacionados aos pais e aos filhos, principalmente aos filhos.
A guarda pode ser definida de várias formas. Existem vários tipos de regimes, modelos de guarda. Vamos definir esses tipos e verificar quais são os adotados no ordenamento jurídico brasileiro. Em teoria, resumidamente, temos:
- Guarda unilateral, onde questões decisórias diárias dos filhos ficam na responsabilidade de um dos genitores. É essa pessoa quem vai ficar com o filho e administrar sua vida. Vai definir sua escola, seu plano de saúde, dar consentimentos do dia-a-dia, etc. Ao outro genitor cabe o direito de visitas e o de acompanhar e supervisionar as decisões quanto à criação do filho. Neste caso, quem não estiver com a guarda deverá contribuir para o sustento do filho, mediante o pagamento de pensão alimentícia.
- Guarda compartilhada, onde a responsabilidade pelas decisões, todas, é conjunta. É preciso definir o lar de referência da criança, até necessário para questões de Direito, como jurisdição. Pode haver dias em que a criança fique com o outro genitor, que não seja aquele do lar de referência, pois a questão central aqui é que as decisões são conjuntas. Pode existir guarda compartilhada com regime de convivência alternado ou até com residência alternada. Isso quer dizer que a criança dorme um tempo com um genitor e outro tempo com o outro, mas, em cada um desses tempos, o outro genitor ainda detém a guarda compartilhada, sendo as decisões conjuntas.
- Guarda alternada, onde cada genitor possui a guarda por determinado tempo. Por um tempo, um dos genitores possui individualmente e totalmente a guarda. Após, e também por tempo determinado, o outro genitor possuirá a guarda, da mesma forma individual e integral. E assim alternadamente.
- Guarda nidal, ou nidação, ou aninhamento, é a possibilidade dos genitores manterem sempre a criança em um mesmo lar, o antigo dela onde morava o casal preferencialmente. São os cônjuges que se deslocam. Nesse tipo, pode haver várias combinações quanto à responsabilidade pela guarda e quanto à convivência em si.
Em seguida, o estudo se volta a aspectos do ordenamento jurídico brasileiro, mostrando direitos e deveres dos pais e como se dá a guarda dos filhos na separação conjugal. Para maior clareza, desde já é conveniente destacar que somente há previsão da guarda unilateral ou compartilhada.
Dentre os deveres dos cônjuges, estão o sustento, a guarda e educação dos filhos (Art. 1566, IV, do CC). Não há alteração disso nos casos de separação conjugal, até mesmo quando ocorre novo casamento. O Código Civil assim prevê:
“Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.”
“Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.”
Como ressaltado anteriormente, o ordenamento jurídico prevê o guarda unilateral e a compartilhada (art. 1.583 do CC), sendo em regra, a princípio, a guarda compartilhada. Quando os genitores não decidirem sobre a guarda, ela será compartilhada. Isso quer dizer que os genitores podem decidir que a guarda será unilateral. Pelo art. 1.584 do CC, quando ambos querem a guarda unilateral ou não se decidem, a guarda será compartilhada, a não ser que haja demonstração para o juiz de elementos que provem a impossibilidade de um genitor exercer também a guarda. Isso gera muita divergência na doutrina pois uma guarda compartilhada com pais que não entram em acordo, que brigam muito, não seria ideal para o filho. Também, um dos genitores pode declarar que não deseja a guarda do filho. A decisão judicial pode levar em conta orientações técnico-profissionais, questões de afinidade, local da escola, etc., sempre visando como será melhor para a criança.
“Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
(...)
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.
§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.”
Em julgamento, ocorrido em 25/05/2021, do REsp 1.878.041/SP, ficou decidido pelo STJ que mesmo para genitores que residam em cidades ou países distintos é possível haver a guarda compartilhada do filho. Isso leva em conta que o avanço tecnológico possibilitou meios para que à distância decisões possam ser compartilhadas. Outro importante ponto da decisão é ressaltar o aspecto flexível na implantação da guarda compartilhada, adequando cada caso às necessidades específicas, de acordo com o melhor para o filho.
Ementa Oficial
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. OBRIGATORIEDADE. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA ALTERNADA. DISTINÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. RESIDÊNCIA DOS GENITORES EM CIDADES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
(...)
3- O termo “será”, contido no § 2º do art. 1.584, não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção relativa de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
4- Apenas duas condições podem impedir a aplicação obrigatória da guarda compartilhada, a saber: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; e b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar.
5- Os únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada são a suspensão ou a perda do poder familiar, situações que evidenciam a absoluta inaptidão para o exercício da guarda e que exigem, pela relevância da posição jurídica atingida, prévia decretação judicial.
6- A guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada e não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário dos filhos com os pais, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, esta modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada.
7- É admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos.
8- Recurso especial provido. “
Importante pontuar que o tipo de guarda adotado e o regime de convivência estabelecido podem ser alterados com o tempo. Mesmo em caso de consenso entre as partes, pode sempre o juiz decretar diversamente, se assim entender, novamente e sempre, que é o melhor para o filho.
Apesar de não inserido explicitamente no Código Civil, é obrigatório registrar que há decisões judiciais que indicam para o caso específico um tipo de guarda diverso do estritamente previsto pelo Código. Aqui elencamos, para efeito de conhecimento, casos como:
-TJMA, disponível em < https://www.tjma.jus.br/midia/cgj/noticia/509719/crc32>:
“Pais garantem guarda compartilhada na modalidade "ninho":
Um acordo firmado esta semana entre o pai e a mãe de duas crianças, no Centro de Conciliação e Mediação de Família do Fórum Des. Sarney Costa (Calhau), garantiu a guarda compartilhada, na modalidade ninho (guarda nidal). A medida, inédita no Maranhão, é resultado de ação de reconhecimento e dissolução de união estável com guarda e alimentos, proposta pelo casal. Com a decisão, as filhas – de seis e dois anos de idade – continuam morando na residência onde o casal vivia, alternando-se a presença dos genitores. (...) A juíza Joseane de Jesus Corrêa disse que a guarda nidal, também chamada de aninhamento, é muito favorável e bastante utilizada em países da Europa e nos Estados Unidos. No Maranhão é a primeira guarda concedida nessa modalidade.”
- TJMG: guarda alternada concedida já que consolidada na prática, observando o melhor interesse da criança.
“TJ/MG, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0153.08.072716-4/001, RELATOR DES. ALBERTO VILAS BOAS, julgado em 02/08/2011 FAMÍLIA. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA. SITUAÇÃO DE ALTERNÂNCIA QUE, EMBORA NÃO ACONSELHÁVEL PELA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA, SE CONSOLIDOU NO TEMPO. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ESTUDOS PSICOSSOCIAIS. PROVA SEGURA. CRIANÇA ADAPTADA E FELIZ. SENTENÇA MANTIDA- A guarda alternada de filho entre pais não é providência que se recomenda quando a autoridade judiciária irá, pela primeira vez, definir quem conservará a prole consigo. - No entanto, se a guarda alternada consolidou-se por mais de três anos e os estudos sociais realizados indicam que o filho encontra-se saudável, feliz e com desenvolvimento emocional normal, não é razoável modificá-la para estabelecer a guarda unilateral.”
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/943535013/inteiro-teor-43535150>.
3- INICIATIVAS E UM OLHAR CUIDADOSO DO JUDICIÁRIO NA GUARDA.
Uma vez que a prestação da tutela jurisdicional veio, ao longo do tempo, perdendo sua eficiência em dirimir os conflitos oriundos das relações do Direito de Família, posto sua complexidade e transformações, surgiu a necessidade de composição de forma mais célere e, respeitando o princípio da afetividade, e principalmente priorizando o princípio do superior interesse da criança.
A Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, foi instituída no Brasil através da publicação da Resolução nº 125 de 2010 do Conselho Nacional de Justiça, no qual um dos pontos principais está na promoção da autocomposição. Nesse sentido, foram criados os CEJUSCs, Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania.
A principal finalidade dos CEJUSCs é fornecer à população, gratuitamente, um serviço de conciliação e mediação de qualidade, por meio de profissionais capacitados, seja na fase processual ou ainda quando não há processo na Justiça. Tanto a conciliação como a mediação são métodos reconhecidos e utilizados para soluções de conflitos.
A conciliação e a mediação utilizam a figura de um terceiro imparcial, intervindo no processo de negociação, com o intuito de auxiliar as partes a construírem uma solução para o conflito. Na mediação, o mediador atua facilitando a comunicação entre as partes, as quais mantém uma relação continuada no tempo e não devem ser entendidas como adversárias, identificando seus interesses e questões para que ambas cheguem, com seu auxílio, a uma composição satisfatória. Na conciliação, há atuação mais efetiva do conciliador que pode sugerir soluções. Nela, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial.
Mediação Familiar revela sua importância para o desenvolvimento da sociedade, pois seu objetivo está na busca do comportamento apropriado entre as partes, sendo um novo desafio do Direito de Família contemporâneo.
Como visto em capítulo anterior, a guarda compartilhada é tida como a mais adequada para o filho. Não havendo consenso entre as partes, será aplicada a guarda compartilhada, sempre que possível. Tal medida tende a repercutir de forma não tão positiva para as partes que estão litigando, pois a guarda compartilhada requer entendimento e cooperação. Portanto, a fase da mediação nos processos de guarda tem grande relevância, pois nela se busca a solução pacífica do conflito, de forma a priorizar o bem-estar e a garantia dos direitos da criança.
Conta-se com a intervenção de uma equipe multiprofissional, dispondo de técnicas especializadas para entender o sofrimento, acompanhar a decisão e ajudar na organização da separação por meio de uma integração do saber. Tem por finalidade o gerenciamento do conflito e não a reconciliação ou modificação das decisões tomadas pelos cônjuges. Amenizando o conflito entre as partes, processo se mostra menos traumático, principalmente para os filhos.
Iniciativas diversas, no sentido de promover maior número de acordos para guarda, são realizadas nos Tribunais de Justiça pelo país, como:
-TJDFT: Realizou Mutirão de Família, conforme notícia disponível em <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2024/janeiro>, para questões como guarda, visando soluções céleres e desburocratizadas. Durante os seis dias de mutirão de família, que teve início dia 20 de dezembro de 2023, o TJDFT atendeu cerca de mil pessoas, realizou 400 audiências de mediação e a taxa de acordo foi acima de 90%.
-TJMA: Realiza também mutirão itinerante para tratar questões como a guarda, quando agendava audiências de mediação, a serem realizadas presencialmente ou por videoconferência, conforme notícia disponível em < https://www.tjma.jus.br/midia/portal/noticia/503739/cidadaos-podem-solucionar-conflitos>.
- Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com os tribunais, realiza anualmente a Semana Nacional de Conciliação, iniciativa visa incentivar a solução de questões por meio do diálogo, do acordo, com vistas à pacificação social.
Outro método empregado para solucionar conflito relativo à guarda é a Constelação Familiar. Trata-se de uma técnica vivencial, que pode revelar dinâmicas ocultas das relações familiares, possibilitando um conhecimento mais pleno do conflito para o indivíduo.
A Constelação Familiar foi desenvolvida pelo filósofo alemão Bert Hellinger na década de 1970 e foi aplicada no Judiciário inicialmente pelo Tribunal de Justiça da Bahia, a partir de 2012. É utilizada ao menos em 16 estados e Distrito Federal, pois muitos estão em fase de implementação.
É uma técnica de autocomposição e conscientização. Além da pessoa a ser constelada, há a figura do constelador, capacitado, que conduz a prática, e participação de pessoas convidadas a representar papéis de familiares ou de relacionados com o participante constelado. Nessa técnica, as partes recriam suas relações por meio de representações, que também podem ser feitas por bonecos. A ideia é que os litigantes compreendam a origem de seus desentendimentos e busquem encontrar uma saída amigável para a questão
O emprego da Constelação Familiar no Judiciário surge como uma forma efetiva de atendimento humanizado, a fim de propiciar às partes uma melhor percepção acerca do conflito.
Ainda há dificuldades para que haja CEJUSCs em todas as comarcas. Tanto o CNJ quanto os Tribunais se esforçam no sentido de implementar eficazmente um programa voltado à solução de conflitos. Onde há maior concentração de centros de atendimentos (CEJUSCs), o percentual de acordos homologados é expressivamente superior ao resultado dos locais com menor concentração.
CONCLUSÃO:
É sabido que o número de casamentos cresce no Brasil. É sabido que o número de separações cresce no Brasil. É de se esperar que o número de conflitos gerados a partir da separação igualmente cresça. A partir da forma como se deu uma separação, há indícios de maior ou menor número de conflitos gerados.
Esforços no âmbito do Poder Legislativo e do Poder Judiciário são feitos ao longo do tempo para diminuir efeitos nocivos gerados na separação conjugal, especialmente no tocante ao bem-estar dos filhos. A guarda tornou-se instituto a ser melhor tratado, estudado, pensado e até mesmo sentido. Tudo que possa contribuir positivamente para o desenvolvimento da criança deve ser perseguido.
Priorizar o Princípio do Superior Interesse da Criança e o olhar mais humanizado e individualizado nas ações e decisões do Estado tornam-se cada vez mais necessários e presentes.
A mudança de uma antiga cultura litigiosa, tutelada pelo Poder Judiciário, para uma cultura mais consensual deve ser fortemente estimulada, sob pena de efeitos cada vez mais danosos para a sociedade. Se as gerações se formam observando e vivendo conflitos, mais deles existirão progressivamente.
A priorização da guarda compartilhada e a previsão da mediação de conflitos como um instrumento de concretização de seu exercício, representa um verdadeira conquista para a sociedade brasileira. Filhos formados por pais alinhados e preocupados, acima de tudo, com o bem-estar integral deles resultarão em adultos mais conscientes, em melhores cidadãos, em melhores pessoas.
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Advogado, formado pela UFRJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Gustavo Cordeiro Lomba de. Guarda dos filhos: o grande desafio na separação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65194/guarda-dos-filhos-o-grande-desafio-na-separao. Acesso em: 23 dez 2024.
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