RESUMO: O presente artigo teve como objetivo-problema analisar o entendimento dos tribunais superiores quanto a aspectos relevantes dos crimes contra o patrimônio na atuação prática do profissional do direito, com ênfase nos crimes de maior incidência: furto e roubo. Examinou-se, ainda, as causas que levam à prática de crimes patrimoniais. Os resultados demonstraram que fatores socioeconômicos influem diretamente na criminalidade. Concluiu-se que não é incomum divergência entre a interpretação da lei feita pelo Supremo Tribunal Federal e aquela realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, assim como são frequentes as mudanças de posicionamento das cortes superiores. O artigo adotou o procedimento de revisão bibliográfica, método documental, descritivo e explicativo, com abordagem dedutiva.
Palavras-chave: Crimes patrimoniais; Furto e roubo; Atuação prática; Supremo Tribunal Federal; Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT: The present article had as an objective to verify the understanding of Superior Courts regarding relevant aspects of property crimes in the practical work of legal professionals, with an emphasis on the most common offenses: theft and robbery. It also examined the causes leading to the commission of property crimes. The results demonstrated that socioeconomic factors directly influence criminality. It was concluded that divergence in the interpretation of the law between the Brazilian Supreme Federal Court and the Brazilian Superior Court of Justice is not uncommon, and changes in the positions of the higher courts are frequent. The article adopted the procedure of bibliographical review, documentary method, descriptive and explanatory approaches, with a deductive approach.
Keywords: Property Crimes; Theft and robbery; Practical work; Brazilian Federal Supreme Court; Brazilian Superior Court of Justice.
INTRODUÇÃO
Os crimes contra o patrimônio sempre desafiaram o Estado. Os números indicam que tais infrações penais representam parcela significativa de delitos cometidos no Brasil.
Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais[1], órgão executivo responsável por acompanhar e controlar a aplicação da Lei de Execução Penal e das Diretrizes da Polícia Penitenciária Nacional, nos termos dos arts. 71 e 72 da Lei nº 7.210/84, relativos ao período de referência de janeiro a junho de 2023, indicam que os presos por roubo, em cela física, totalizam 174.035, número insuperável por outros crimes previstos na legislação penal brasileira, enquanto são 66.927 presos por furto. São 4.777 presos por extorsão e extorsão mediante sequestro; 1.100 por apropriação indébita; 3.601 por estelionato; e 19.672 por receptação.
Apenas para ilustrar e comparar, são 78.422 presos por homicídio doloso; 11.617 por estupro; 24.951 por estupro de vulnerável; 12.141 por associação criminosa; 158.589 por tráfico de drogas; 26.616 por associação para o tráfico; 8.337 por tráfico internacional de drogas; 18.152 por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido; 11.483 por posse ou porte ilegal de arma restrita; e 11.092 por crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pode-se visualizar, portanto, que os crimes contra o patrimônio objeto da pesquisa (furto e roubo) emplacam dois dos quatro delitos de maior incidência de presos na legislação penal brasileira.
Quanto ao problema-objetivo, os crimes encimados serão tratados nesta pesquisa sob o enfoque dos tribunais superiores e considerará questões e dúvidas práticas que podem surgir na atuação do exegeta do direito.
Serão demonstrados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre aspectos relevantes dos crimes contra o patrimônio, além de identificadas divergências existentes entre a interpretação da lei feita Supremo Tribunal Federal (STF)[2] e a realizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[3].
No que diz respeito à metodologia e o referencial teórico, o artigo adotou o procedimento de revisão bibliográfica, método documental, descritivo e explicativo, com abordagem dedutiva.
Nesse sentido, o trabalho se pauta em informações extraídas da lei, doutrinas, jurisprudência, artigos e outros recursos bibliográficos disponíveis, abordando peculiaridades dos crimes patrimoniais.
1 DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL
Para melhor compreensão da temática, inicialmente é imperioso destacar o que é o direito penal.
Nessa esteira, o direito penal se traduz numa ciência e conjunto de normas (lei e princípios) que buscam tranquilizar o meio social mediante a previsão de condutas criminosas que se praticadas resultam na imposição de uma pena, afastando temporariamente os violadores do convívio social.
Direito penal não se confunde com Criminologia, tratando-se de áreas autônomas das denominadas ciências criminais.
A criminologia pode ser conceituada como o: “[...] conjunto ordenado de saberes empíricos sobre o delito, o delinquente, o comportamento socialmente negativo e sobre os controles dessa conduta.” (KAISER, 1996 apud VIANA, 2018, p. 146).
Nota-se, pois, que enquanto o direito penal analisa o delito sob o enfoque normativo interpretativo a Criminologia vai além e interpreta o crime numa ótica social.
Direito penal e criminologia estão entrelaçados, mas não se confundem com política criminal. Por este instrumento o Estado enfrenta a criminalidade se valendo de medidas estatais específicas, adotadas após o estudo do delito e sua repercussão social. É possível, por exemplo, que se edite uma lei em virtude do quadro socioeconômico do país e a reiterada prática de crimes.
Um exemplo de política criminal é o instituto do crime continuado em material penal.
Imagine-se que um indivíduo pratique em sequência, no mesmo dia, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução, cinco crimes de roubo simples contra cinco vítimas diferentes.
Considere-se que a infração penal possui pena de quatro a dez anos de reclusão.
No caso narrado, não existente a figura da continuidade delitiva, o acusado poderia receber a reprimenda de cinquenta anos, em caso de condenação. Com o reconhecimento do crime continuado, o agente receberá no máximo uma pena de quinze anos (aumentada da metade), nos termos do art. 71 do Código Penal.
Pode-se dizer que na situação encimada o legislador, ciente da superlotação do sistema carcerário, quis que tal sujeito fosse colocado em liberdade de forma mais rápida, tendo em vista o sistema progressivo de execução penal, desafogando as unidades prisionais. Esta é uma medida de política criminal e que visa, dentre ouros motivos, desafogar o sistema penitenciário, privilegiando o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
2 CRIMINALIDADE E FATORES SOCIAIS
Os crimes patrimoniais estão positivados na parte especial do Código Penal, especificamente no título II, capítulos I a VIII.
Primordialmente, necessário conceituar o que é patrimônio, afinal se trata do bem jurídico tutelado pela norma.
Para Masson (2018, p. 357): “Patrimônio é o complexo de bens ou interesses de valor econômico em relação de pertinência com uma pessoa”.
Crimes contra o patrimônio, por sua vez, são comportamentos típicos que atacam um determinado bem com relevância econômica.
O estudo dos crimes patrimoniais imprescinde da análise dos fenômenos socioeconômicos, afinal eles influem diretamente no fenômeno criminógeno.
Certo é que a deficitária educação no país, fato notório, somado à inércia estatal, é situação preponderante na criminalidade.
Nesse desiderato, análises criminológicas revelam que os crimes patrimoniais surgiram e são praticados em razão da não efetivação das políticas públicas e descuido com a res publica, o que provoca desigualdade social e causa desagregação entre as classes sociais (GRECO, 2016, p. 601).
O narrado acima é confirmado pelos já mencionados dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, os quais informam que dos 644.305 presos no país 503.705 não concluíram o ensino médio, o que representa 78% da população carcerária. O número é representativo!
Nota-se que os fatores sociais influenciam não somente na criminalidade em si, como também no tratamento dado aos crimes na ótica jurisprudencial.
Modificações de entendimento das cortes superiores com relação à determinada matéria são comuns, a depender das circunstâncias sociais, muito em razão das políticas públicas e criminais adotadas numa época específica.
Um exemplo a ser citado é a possibilidade ou não de execução provisória da pena, após encerrados os recursos em segunda instância.
O tema já foi objeto de entendimentos diversos pela Suprema Corte. Até fevereiro de 2009 prevalecia o entendimento de que era possível a execução provisória da pena[4]. De fevereiro de 2009 a fevereiro de 2016 se entendia que era inviável[5]. No período de fevereiro de 2016 a novembro de 2019 a Suprema Corte voltou para sua posição anterior de possibilidade da execução provisória da pena[6], que foi abandonada em novembro de 2019, prevalecendo desde então que a execução provisória da pena viola o comando constitucional do art. 5º, LVII, que considera que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória[7].
Interessante observar que os Ministros da Suprema Corte destacaram em seus votos que as decisões do Supremo Tribunal Federal não podem se expor a pressões externas, decorrentes do clamor público, sob pena de aniquilar o devido processo legal e demais direitos e garantias do réu.
A circunstância encimada leva a crer que em algum momento o entendimento sobre a execução provisória da pena considerou o quadro social vivido e o clamor público.
3 CRIME DE FURTO – CONSUMAÇÃO, TENTATIVA E CRIME IMPOSSÍVEL
O delito epigrafado está esculpido no art. 155 do Código Penal e se trata de uma subtração patrimonial sem uso violência ou grave ameaça.
No que diz respeito ao momento consumativo do furto, a doutrina diverge.
Quatro teorias buscam explicar quando resta configurada a infração penal.
Cunha (2016, p. 471) ensina que para a teoria da contrectatio o mero contato do agente com o objeto alheio, aliado ao animus furandi, consuma o crime de furto, ainda que não haja transferência da coisa alheia de um lugar para outro.
Os defensores da teoria da amotio, por sua vez, sustentam que o furto se consuma com a inversão da posse da res furtiva da vítima para o criminoso, mesmo que por curto lapso temporal, isto é, ainda que a posse não seja pacífica e mansa o crime estará consumado.
Já a teoria da ablatio está em sentido oposto. Para ela, o furto estará consumado com a retirada do bem da esfera de disponibilidade e proteção da vítima, com a posse mansa e pacífica da coisa.
Por fim, a teoria da illatio descreve que a infração penal se consuma com o transporte do bem alheio até o lugar desejado pelo agente, podendo ele usufruir tranquilamente da coisa subtraída.
Não obstante a divergência doutrinária, a matéria é pacífica no âmbito das cortes superiores. Tanto o Supremo Tribunal Federal[8] quanto o Superior Tribunal de Justiça[9] adotam a teoria da amotio. Desta forma, o delito estará consumado com a inversão da posse do bem, ainda que por breve período de tempo.
Imagine-se, pois, que um determinado indivíduo adentre em um supermercado e sem que ninguém perceba coloque em sua bolsa alguns objetos, vindo, na sequência, a sair pela porta da frente do estabelecimento. Suponha-se que o indivíduo seja perseguido por um segurança e preso na esquina ao lado do estabelecimento, estando na posse dos objetos subtraídos.
Nesse contexto, a solução é tranquila: ainda que o agente tenha ficado por poucos segundos com a res furtiva, ocorreu a consumação do crime de furto, pois não exigível a posse mansa e pacífica e o agente já estava fora do supermercado.
Por outro lado, nebulosa seria a situação encimada caso o indivíduo fosse preso ainda no estacionamento. Poder-se-ia argumentar uma tentativa de furto, dado que o indivíduo, apesar da inversão da posse, ainda estava dentro da esfera patrimonial da vítima (o estacionamento é parte do supermercado). Seria possível defender também que o crime estaria consumado, haja vista que o indivíduo passou pela porta da frente do estabelecimento e havia encerrado os atos executórios, havendo a inversão da posse, ainda que por breve período de tempo.
A situação específica acima ainda não foi enfrentada pelas cortes superiores, mas para o caso narrado pode ser aplicado o raciocínio da Sexta Turma do STJ ao julgar o AgRg no AREsp n. 1.990.868/TO, abaixo explicado, tendo em vista a máxima do ubi eadem ratio ibi idem jus, entendendo-se que houve a consumação.
Imagine-se agora que José e Pedro adentrem na residência de Maria com intuito de furtar. Considere-se que os agentes separaram todos os bens, colocaram no interior do veículo e iniciaram a saída da residência, mas foram abordados pela polícia militar ainda dentro da casa. Surge a dúvida de crime tentado ou consumado. A matéria é controversa, mas há precedente do STJ indicando que o caso é consumação, uma vez que ao serem surpreendidos os agentes não mais estavam na fase de execução da conduta, pois já tinham separado todos os bens e estavam na iminência de deixar a residência, já na posse dos bens furtados (AgRg no AREsp n. 1.990.868/TO, julgado em 5/4/2022).
Agora imagine-se uma outra situação. Lucas adentra num automóvel que está aberto em via pública, retira o aparelho de som, fixo no painel do veículo, aloca-o dentro de sua mochila, mas é abordado pela polícia ainda no interior do carro. Questiona-se: consumação ou tentativa? Há precedente da 6º Turma do STJ indicando ser crime tentado, pois não iniciada a fuga em poder do objeto. Para o Tribunal da Cidadania, o fato do bem já estar na bolsa é algo que deve ser levado em consideração na dosimetria da pena, ou seja, refletirá no quantum a ser empregado na diminuição pela tentativa (AgRg no REsp n. 1.976.970/DF, julgado em 5/4/2022).
Agora considere-se a seguinte situação hipotética em um caso um pouco diferente. Bruno e Thiago se dirigem à residência de Joana com intuito de furtar. Na entrada da residência há um cadeado e fechadura que os agentes rompem para ter acesso à garagem. Bruno e Thiago, antes da entrada na residência, são avistados pela polícia, perseguidos e presos. Pergunta-se: há crime de furto tentado? Para o 5º Turma do STJ, não. Entendeu a Corte Cidadã que os atos, no caso concreto, são meramente preparatórios e impuníveis, por não iniciar o núcleo do verbo subtrair (AREsp n. 974.254/TO, julgado em 21/9/2021).
Imagine-se agora que Marcelo e Ricardo pretendam furtar a casa de Bruna. Considere-se que os agentes estejam observando o local há dias e que no dia X se desloquem para lá para consumar a infração penal. Imagine-se que antes de adentrarem na residência os agentes sejam abordados pela polícia, em virtude de uma denúncia anônima em razão de comportamento suspeito. Para o STJ, também não há falar em crime tentado, uma vez que não se notou o início da conduta e tentativa de subtração da coisa (CC n. 56.209/MA, julgado em 14/12/2005).
Discute-se se a existência de sistema de vigilância por monitoramento eletrônico em determinado local seria empecilho para a configuração do crime de furto.
Parcela da doutrina defende que não há infração penal no caso de o delito estar na fase de execução e sendo acompanhada a prática delitiva por câmeras de segurança, em razão da absoluta impropriedade do meio escolhido. Para os defensores de tal corrente, não haveria como o delito se consumar, já que o agente está sob vigilância e jamais conseguiria inverter a posse do bem, daí por que incidiria o crime impossível. Ocorre que esse entendimento não se sustenta, já que na hipótese o meio escolhido pelo agente é apenas relativamente ineficaz, existindo possibilidade de efetuar a subtração e consumar o crime (CAVALCANTE, 2018, p. 713).
Hodiernamente o tema é pacificado nos tribunais superiores, sendo o seguinte o teor do Verbete da Súmula 567 do Superior Tribunal de Justiça: “Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.
4 FURTO MAJORADO – REPOUSO NOTURNO
Estabelece o art. 155, § 1º, do Código Penal, que se o furto for praticado durante o repouso noturno a pena é aumentada de um terço. A razão? o patrimônio em tais horários se encontra mais vulnerável, tendo em vista o descanso da população.
Discute-se no âmbito doutrinário sobre o que é o repouso noturno.
Prevalece no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[10] o entendimento defendido e explicado por Bittencourt (2012, p. 94), no sentido de que o conceito é variável e deve considerar os hábitos e costumes do local em que ocorrido o crime.
Certo é que repouso noturno não se confunde com noite. Numa grande cidade, Salvador-BA, por exemplo, 20 horas é noite, mas não é horário de repouso noturno, na medida em que parte da população ainda está se recolhendo para suas casas.
Debate-se na doutrina a necessidade de o local estar habitado ou não para a incidência da causa de aumento.
Para Bittencourt (2012, p. 95) é necessário que o local esteja habitado e que lá tenha alguém repousando: “O acerto dessa orientação reside no fato de que a majorante está diretamente ligada à cessação ou afrouxamento da vigilância. Ora, em lugar desabitado ou na ausência de moradores não pode cessar ou diminuir algo que nem sequer existe.”
Em sentido contrário está a doutrina de Cléber Masson (2018, p. 375), em que se defende que basta que ocorra a subtração patrimonial em horário noturno para que incida a causa de aumento.
Em recente decisão, em sede de recurso repetitivo, o STJ reafirmou sua jurisprudência de que é irrelevante o fato de o local estar habitado ou que tenha alguém dormindo, bastando que o furto ocorra em horário de repouso noturno (REsp n. 1.979.989/RS, julgado em 22/6/2022).
Em outra recente decisão, em sede de recurso repetitivo, o STJ alterou sua jurisprudência dominante para considerar que não se aplica a causa de aumento do repouso noturno no caso de o furto ter sido qualificado (REsp n. 1.888.756/SP, julgado em 25/5/2022).
A Corte Cidadã concluiu que o entendimento anterior adotado violava a posição topográfica da causa de aumento e o princípio da proporcionalidade, pois, por exemplo, aquele que praticara furto qualificado majorado poderia receber reprimenda maior que aquele que praticara crime de roubo, de maior gravidade.
Nada impede que, sendo o furto qualificado, a majorante seja utilizada na primeira fase da dosimetria como circunstância judicial negativa para exasperar a pena base. Tal proceder, aliás, encontra guarida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC n. 818.182/SC, julgado em 2/10/2023).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[11] está em sentido contrário, todavia o Pretório Excelso não se manifestou expressamente sobre a questão após a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Resta aguardar para verificar se a Suprema Corte se alinhará ao Tribunal da Cidadania.
5 FURTO PRIVILEGIADO
O art. 155, § 2º, do Código Penal, estabelece que se o réu for primário e coisa furtada de baixa monta o magistrado pode, em vez de aplicar a pena de reclusão, optar pela detenção. A lei ainda confere ao juiz a possibilidade de reduzir a pena de um a dois terços ou até mesmo aplicar a pena de multa.
Aqui cabe ressaltar que coisa pequeno valor não se confunde com coisa de valor insignificante, vale dizer: o privilégio é diferente da insignificância.
O furto privilegiado tem natureza jurídica de causa de diminuição de pena, ao passo que o furto insignificante representa causa supralegal de exclusão da tipicidade material, ou seja, no primeiro caso há delito, mas com pena diminuída, enquanto no segundo caso sequer há crime.
Ocorre que o legislador não explicou o que é “coisa de pequeno valor”.
Para o Superior Tribunal de Justiça se trata da importância que não ultrapasse o salário-mínimo vigente à época do fato criminoso (AgRg no REsp n. 1.706.416/SP, julgado em 27/2/2018).
Interessante notar que o Código Penal quando trata do furto privilegiado usa a expressão “pequeno valor da coisa”, enquanto ao versar sobre o crime de estelionato privilegiado (art. 171, § 1º, do Código Penal) utiliza o termo “pequeno valor o prejuízo”, para fins de avaliação do cabimento do privilégio.
O uso das expressões é proposital pelo legislador.
No furto privilegiado não se leva em consideração a condição financeira da vítima para avaliar a concessão do privilégio. O benefício é direito subjetivo do réu se preenchidos os requisitos previstos em lei. Caso o legislador quisesse que a situação financeira do ofendido influenciasse na obtenção do privilégio no furto, teria o feito expressamente da mesma forma que fez no estelionato (MASSON, 2018, p. 377).
O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a linha de raciocínio encimada, firmou entendimento de que o privilégio não configura mera faculdade do julgador, sendo impositiva caso preenchidos os requisitos legais (AgRg no HC n. 724.176/SC, julgado em 17/4/2023).
Já o furto insignificante possui outro regramento.
Aqui as condições da vítima devem ser levadas em consideração para se apurar a insignificância.
A conduta daquele que furta um pacote de bolacha de uma grande rede de supermercados, por exemplo, pode ser considerada insignificante, enquanto não o é caso praticada contra uma pessoa em situação de rua.
A insignificância é aplicada quando presentes os requisitos indicados pelo Supremo Tribunal Federal, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (RHC 216258 AgR, julgado em 19-06-2023).
Para o Superior Tribunal de Justiça insignificante é o valor que não ultrapasse 10% o salário-mínimo (AgRg no HC n. 811.618/MS, julgado em 2/10/2023).
Não obstante os regramentos mencionados, na prática não é tarefa fácil se concluir pela insignificância ou não de determinada conduta. Até mesmo por que as próprias decisões das cortes superiores são, por vezes, contraditórias e conflitantes.
Certo mesmo é que os tribunais superiores entendem que a análise do princípio da insignificância deve ser feita caso a caso.
O Plenário da Suprema Corte no julgamento dos HCs 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, em 03/08/2015, reafirmou que: “A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados.”
Igualmente certo é que a reincidência, por si só, não impede que seja reconhecida a insignificância no caso concreto (HC 227410 AgR, julgado em 02-10-2023).
No AgRg no HC n. 852.800/SP, julgado em 23/10/2023, a Quinta Turma do STJ entendeu que não era insignificante a conduta de sujeito reincidente e com maus antecedentes que furtou peça de contrafilé cujo valor era acima do patamar de 10% do salário-mínimo.
Já no AgRg no HC n. 784.148/SP, julgado em 17/4/2023, a Sexta Turma do STJ entendeu que era insignificante a conduta do agente reincidente específico que furtou duas peças de picanha em valor acima de 10% do salário-mínimo.
No HC n. 221623, julgado em 01/3/2023, a Primeira Turma do STF entendeu que não era insignificante a conduta de acusado considerado criminoso habitual que furtou seis garrafas de shampoo, avaliadas em R$ 68,00.
Já no HC n. 192744, julgado em 29/3/2021, a mesma Primeira Turma do STF entendeu que era insignificante a conduta de réu reincidente que furtou 3 cuecas e 1 boneco de brinquedo, avaliados em R$ 145,00.
Esses são apenas alguns exemplos.
Há decisões em todos os sentidos, a reforçar a tese que a análise da insignificância deve ser casuística, sendo meros parâmetros aqueles fixados pelas cortes superiores, logo, não absolutos.
6 FURTO QUALIFICADO COM DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA
Situação prática relevante é atinente ao furto qualificado pela destruição ou pelo rompimento de obstáculo e a necessidade de perícia para comprovação da qualificadora.
O art. 158 do Código de Processo Penal estabelece que quando a infração deixa vestígios deverá ser realizado o exame de corpo de delito. Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[12], de maneira que, havendo furto qualificado pela destruição ou pelo rompimento do obstáculo, a realização da perícia é imprescindível para qualificar o crime.
Contudo, o Tribunal da Cidadania entende que se a perícia não foi realizada em razão dos vestígios terem desaparecido; por um fato não imputável ao Estado; ou porque as circunstâncias do delito não permitiram a confecção do laudo, a prova testemunhal pode suprir-lhe a falta, conforme comando do art. 167 do Código de Processo Penal (AgRg no REsp n. 1.822.262/MG, julgado em 22/10/2019).
Veja, pois, que se a perícia não for realizada por displicência estatal (por exemplo, perícia foi acionada e não compareceu ao local; ou o laudo foi elaborado, mas se perdeu), não será caso de substituição do laudo pela prova testemunhal.
Situação diferente e comum seria se houvesse a “modificação da cena do crime”, a tornar inviável a elaboração do respectivo laudo pericial.
Nessa toada, imagine-se que Jean ingresse na casa de Joaquina e quebre o vidro da frente da residência para ingressar no imóvel. Considere-se que Joaquina, antes da chegada da perícia, limpe o local com medo de algum acidente com os estilhados e isole-o por medo de que terceiros adentrem na localidade. Nessa hipótese a prova testemunhal pode suprir a falta do laudo pericial, pois as circunstâncias do caso concreto impediram a realização da perícia em fato não imputável ao Estado. Foi nesse sentido o decidido pelo STJ ao julgar o AgRg no HC n. 570.476/SC em 13/12/2021.
Portanto, o julgador deverá agir com parcimônia no caso concreto para se verificar por qual motivo o laudo não foi realizado, para só então se concluir pela incidência ou não da majorante.
7 CRIME DE ROUBO – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A infração penal em comento encontra tipificação no art. 157 do Código Penal e se trata de um furto com o plus da violência e/ou grave ameaça.
Interessante observar que o dispositivo legal indica que também configura roubo a subtração de coisa alheia móvel com a redução de impossibilidade de resistência da vítima, parte final da redação que, por vezes, passa despercebida.
Quanto ao momento em que o delito se consuma, segue a mesma linha do mencionado no crime de furto, adotando-se a teoria da amotio. A questão se encontra consolidada nas cortes superiores e é objeto do Verbete da Súmula 582 do STJ: “Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.”
Agora imagine-se a seguinte situação hipotética. Rita e Júnior se conhecem durante uma confraternização. Após a festa, se dirigem à casa do segundo. Já no local, em determinado momento, Júnior ingressa no banheiro, ocasião em que Rita, sem qualquer violência ou grave ameaça, coloca um pedaço de ferro na fechadura, deixando Júnior preso no local. Em seguida, Rita subtrai vários bens da residência e deixa o imóvel, enquanto a vítima nada faz em razão de estar impossibilitada de reagir. Há crime de cárcere privado e furto em concurso material ou crime roubo? Crime de roubo! Isso porque, embora não empregada violência ou grave ameaça, Rita se utilizou de um recurso que reduziu a possibilidade de resistência de Júnior, nos termos da parte final do caput do art. 157 do Código Penal.
9 ROUBO MAJORADO – CONCURSO DE PESSOAS
O Código Penal estabelece que a pena é aumentada de um terço caso o roubo seja praticado em concurso de duas ou mais pessoas.
E se o crime for praticado por um imputável na companhia de adolescente (inimputável), incidirá a majorante? Sim, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça. Para a Corte Cidadã é irrelevante ter sido o crime praticado com agente inimputável, bastando a participação do menor no ato criminoso, uma vez que a razão de a pena ser maior é o incremento do risco que a presença de mais de uma pessoa causa no patrimônio de terceiro e à integridade física da vítima, além de tornar mais fácil a consumação do delito (AgRg no HC n. 181.333/DF, julgado em 2/8/2012).
Na hipótese narrada, não apenas incide a causa de aumento, como o imputável responde também pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B da Lei 8.069/90), inexistindo bis in idem no emprego da causa de aumento no roubo e na condenação pelo crime do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que os bens jurídicos protegidos pela norma são distintos e as ações autônomas (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.995.823/SP, julgado em 20/3/2023).
Como se dá a comprovação da condição de inimputável do agente? A Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça diz que: "Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil."
Documento hábil para o mesmo STJ não é apenas a certidão de nascimento, mas qualquer documento de lavra de agente público, como, por exemplo, uma informação constante no Boletim de Ocorrência lavrado pela vítima (AgRg no REsp n. 2.051.115/MG, julgado em 18/4/2023).
O Tribunal da Cidadania também entende que não é preciso a identificação e qualificação do coautor para que incida a causa de aumento, bastando que haja prova de que no caso concreto o agente identificado agiu na companhia de terceira pessoa (HC n. 206.944/RJ, julgado em 13/8/2013).
10 ROUBO MAJORADO – RESTRIÇÃO DE LIBERDADE DA VÍTIMA
Se durante o roubo o indivíduo mantém a vítima em seu poder, mediante restrição de sua liberdade, a pena também é aumentada, conforme art. 157, § 2º, V, do Código Penal.
A circunstância, inclusive, torna o crime hediondo, conforme alterações recentes promovidas pela Lei 13.964/19.
Cunha (2016, p. 492) leciona que:
Nesta hipótese, o agente, para consumar o crime ou garantir o sucesso da fuga, mantém a vítima em seu poder, restringindo a sua liberdade de locomoção. Não se confunde com a hipótese do agente privar desnecessariamente a liberdade de locomoção da vítima, por período prolongado, caso em que teremos roubo em concurso material com o delito de sequestro.
Salim e Azevedo (2017, p. 351) acrescentam que três situações podem ocorrer durante a prática do roubo em que a vítima tem a liberdade tolhida pelos agentes. A primeira delas é que se a restrição for por poucos instantes não incidirá a causa de aumento, uma vez que o tempo é somente o necessário para execução do crime. A segunda delas é que se a restrição se der por tempo juridicamente relevante, mais que o necessário para execução do crime, incidirá a causa de aumento. A terceira hipótese é caso a restrição da liberdade se dê por tempo mais que suficiente para executar o delito ou garantir a fuga, hipótese em que haverá concurso entre roubo e sequestro.
Dúvida prática que pode surgir é referente a qual período de tempo é considerado juridicamente relevante para fins de incidência da causa de aumento.
A minutagem não é objeto de estudo aprofundado na doutrina, mas há precedentes do STJ indicando que 10 (dez) minutos não é considerado tempo juridicamente relevante[13], enquanto 15 (quinze) a 20 (vinte) minutos é relevante e hábil para configurar a majorante[14].
11 ROUBO MAJORADO – EMPREGO DE ARMA DE FOGO
O estatuto penal determina que a pena seja aumentada de dois terços caso o roubo seja praticado com uso de arma de fogo.
Discute-se se é necessária a apreensão e perícia do artefato bélico para incidência da majorante.
Prevalece no STJ que não é preciso que a arma de fogo seja apreendida e consequentemente periciada, bastando que haja prova de que no caso concreto houve uso do instrumento, cujo porte deve ser ostensivo, ou seja, visível para a vítima (AgRg no HC n. 842.317/SP, julgado em 18/9/2023).
Assim, se a vítima afirma com convicção que na execução do crime o agente se utilizou de arma de fogo, deve ser reconhecida a causa de aumento, desde que em consonância com os demais elementos de prova, ainda mais se considerada a maior relevância das declarações do ofendido nos crimes patrimoniais, os quais costumam ocorrer em lugares ermos, sem a presença de testemunhas (AgRg no HC n. 711.887/PE, julgado em 5/6/2023).
Destaque-se que, embora prescindível a apreensão da arma de fogo para majorar o roubo, se esta for apreendida, deve ser periciada para atestar sua potencialidade lesiva.
De acordo com o STJ, se o laudo apontar que o artefato não funciona não há falar na incidência da majorante, pois o que faz a pena ser maior é a potencialidade ofensiva agravada pela arma de fogo, e não o fator de intimidação que o artefato possa vir a ocasionar (HC n. 331.338/RJ, julgado em 13/10/2015).
Ainda, para a Corte Cidadã, não sendo apreendida, cabe à defesa, e não à acusação, provar que a arma de fogo era desprovida de potencial lesivo (AgRg no AREsp n. 2.055.425/DF, julgado em 15/8/2023).
Ademais, entende o STJ que o uso de arma de fogo desmuniciada caracteriza o emprego de violência ou grave ameaça no roubo, mas não permite o reconhecimento da causa de aumento, uma vez que está vinculada ao potencial lesivo do artefato, dada a sua ineficácia para realizar disparos (AgRg no HC n. 665.770/GO, julgado em 14/9/2021).
Os entendimentos levam a uma curiosa questão prática.
Veja que para o acusado que pratica um crime de roubo mediante simulacro de arma de fogo (arma de brinquedo, por exemplo, desprovida de potencial lesivo), é mais interessante que, caso preso, esteja na posse da réplica do artefato bélico. Isso porque se a vítima sustenta em juízo que o réu portava uma arma de fogo, em tese, ele responderia pelo crime de roubo majorado, já que dificilmente o acusado conseguiria provar o álibi de que estava com um simulacro. Por outro lado, caso seja preso com o artefato, o instrumento será submetido à perícia que constatará sua ausência de potencialidade lesiva, fazendo com que o agente responda tão somente pela modalidade simples do roubo, mesmo que a vítima insista na tese de que houve uso de arma de fogo.
Outra situação que provoca debates no âmbito jurídico é a possibilidade de aplicação do princípio da consunção entre o roubo praticado com uso de arma de fogo e o porte ilegal de arma de fogo.
Imagine-se a seguinte situação hipotética. Bernardo no dia 30.10.23, por volta de 10 horas, adentra num estabelecimento comercial e subtrai bens de um cliente mediante porte de arma de fogo, evadindo na sequência. Considere-se que no dia 31.10.23, por volta de 18 horas, após incessantes diligências da Polícia Militar, Bernardo seja localizado em via pública, na rua de sua casa, com a arma de fogo usada no roubo. Questiona-se: o roubo majorado absorve o crime de porte de arma de fogo? Nesse caso a resposta certamente é não.
O Superior Tribunal de Justiça entende que somente se aplica o princípio da consunção entre roubo e porte de arma se os delitos ocorrerem no mesmo contexto fático e com nexo de dependência entre as condutas (AgRg no HC n. 836.737/PR, julgado em 22/8/2023).
No caso narrado, não há falar em apenas um crime, tendo em vista o lapso temporal percorrido entre o roubo e a prisão. Durante esse tempo o agente poderia se desfazer da arma de fogo. Como manteve o artefato consigo, entende-se que o dolo estava direcionado também ao porte, daí por que responderá pelos dois delitos, haja vista os dolos são distintos, assim como os contextos fáticos, não havendo liame entre as condutas.
Agora considere-se que Valter e Nicolau abordem um transeunte em via pública e deem voz de assalto mediante porte ostensivo de arma de fogo. Imagine-se que após a subtração dos bens os agentes empreendam fuga, mas sejam abordados e presos numa pela polícia militar logo adiante numa rua paralela.
No caso acima, certamente incide o princípio da consunção, respondendo os agentes tão somente pelo roubo majorado, uma vez que o uso da arma de fogo visava apenas a prática do roubo, tendo os fatos ocorrido no mesmo contexto.
A situação narrada, aliás, foi semelhante ao contexto fático ocorrido no AgRg no AREsp n. 1.891.254/GO, julgado em 14/6/2022 pela Quinta Turma do STJ, ocasião em que se concluiu pela absorção dos delitos de roubo e porte de arma. Trata-se de um exemplo prático já decidido pelo Tribunal da Cidadania.
12 ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE
Ocorre latrocínio quando na execução da infração penal de roubo ocorre morte da vítima em razão da violência empregada pelo latrocida, nos termos do art. 157, § 3º, II, do Código Penal.
Atente-se que se a morte resultar da grave ameaça empregada não incide a qualificadora, em homenagem ao princípio da legalidade.
Acalorado é o debate acerca da consumação e tentativa da infração penal em comento.
Imagine-se que Gilberto, durante a prática de roubo com uso de arma de fogo, efetue disparos contra Fernanda. Considere-se que o agente não logre êxito na subtração, mas que a vítima venha a falecer em razão dos disparos.
Nessa situação narrada, há consumação ou tentativa de latrocínio, tendo em vista que o agente não praticou o verbo nuclear do tipo, qual seja, subtrair? Para o Supremo Tribunal Federal o caso é de consumação. A temática encontra-se, inclusive, sumulada, conforme Verbete da Súmula 610: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.”
Se no caso narrado Gilberto subtraísse alguns bens, mas Fernanda não falecesse, haveria latrocínio tentado.
Veja, pois, que o que importa para a consumação do latrocínio não é a efetiva subtração patrimonial, mas a consumação da morte da vítima.
Questão polêmica se refere a hipótese de haver dois resultados morte, com uma única subtração no crime de latrocínio.
Suponha-se que Adamastor aborde Ana e Cláudia em via pública e dê voz de assalto mediante uso de arma de fogo, visando subtrair bens de ambas. Imagine-se que durante a prática do crime Adamastor atire contra as vítimas, que vêm a falecer. Considere-se que Adamastor tenha subtraído apenas bens de Cláudia. Questiona-se: há concurso formal de latrocínios ou crime único de latrocínio?
O STJ durante muito tempo entendeu que haveria dois crimes de latrocínio, em concurso formal impróprio, diante dos desígnios autônomos e considerando que o agente buscou alcançar mais de um resultado. Para a Corte Cidadã, isto se daria em razão do latrocínio ser crime complexo e tutelar bens jurídicos diferentes, isto é, o patrimônio e a vida (AgRg no HC n. 710.327/SP, julgado em 2/8/2022; e AgRg no REsp n. 1.907.409/SP, julgado em 8/6/2021).
Por outro lado, o entendimento das duas turmas do STF divergia do STJ, uma vez que o Pretório Excelso considera que no caso apontado há um único crime de latrocínio, devendo o segundo resultado morte ser analisado quando da fixação da pena-base na primeira fase, pois o latrocínio está inserto nos crimes contra o patrimônio, e não nos crimes contra a vida (HC n. 140368 AgR, julgado em 21-02-2017).
Ocorre que em recente decisão a Terceira Seção do STJ modificou o entendimento então vigente para se adequar à jurisprudência do STF e considerar que a subtração de único patrimônio, com pluralidade de vítimas da violência, não impede que seja reconhecido crime único de latrocínio (AgRg no AREsp n. 2.119.185/RS, julgado em 13/9/2023).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se que os crimes contra o patrimônio continuam sendo praticados em virtude da não efetivação das políticas públicas.
A pesquisa demonstrou que fatores socioeconômicos influenciam na prática de crimes patrimoniais.
Constatou-se ainda que o quadro social vivido pela sociedade pode implicar modificações do entendimento jurisprudencial e das políticas criminais adotadas.
Em relação ao problema-objetivo da pesquisa, o artigo trouxe questões, dúvidas e respostas práticas que podem auxiliar o operador do direito.
Averiguou-se que não é incomum divergência entre os tribunais superiores na interpretação da lei.
Notou-se que questões práticas penais implicam esforço do exegeta, notadamente no que diz respeito à tipificação da infração penal, uma vez que há decisões “em todos os sentidos” no âmbito das cortes superiores. A depender do entendimento adotado o caminho pode ser diferente.
Certo é que as constantes mudanças de entendimento dos tribunais superiores são importantes para a evolução jurisprudencial e demonstram maturidade na tratativa de um determinado tema, evitando a fossilização constitucional e extraconstitucional.
Por outro lado, é preciso ter cuidado com as reiteradas mudanças de posicionamento, pois a segurança jurídica deve imperar no ordenamento jurídico.
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[1] Relatório de Informações Penais. Brasília, 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios>. Acesso em: 9 nov. 2023.
[2] Também conhecido como Pretório Excelso ou Suprema Corte.
[3] Chamado igualmente de Tribunal da Cidadania ou Corte Cidadã.
[4] HC 68726, julgado em 28-06-1991.
[5] HC 84078, julgado em 05-02-2009.
[6] HC 126292, julgado em 17-02-2016.
[7] ADC 43, julgado em 07-11-2019.
[8] RE 1140538, julgado em 21/06/2018.
[9] REsp 1716938/RJ, julgado em 19/04/2018.
[10] REsp n. 1.979.989/RS, julgado em 22/6/2022.
[11] HC 180966 AgR, julgado em 04-05-2020.
[12] HC 330.156/SC, julgado em 03/11/2015.
[13] AgRg no HC n. 751.383/SC, julgado em 14/3/2023.
[14] EDcl no REsp n. 1.286.810/RS, julgado em 23/4/2013.
Assessor Ministerial no Ministério Público do Estado do Tocantins. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós graduado em Execução Penal e Tribunal do Júri. Aprovado no concurso público para Promotor de Justiça do Estado do Amazonas (2023). Aprovado no concurso público para Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (2019).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Jefferson Matheus Carvalho. Crimes patrimoniais na jurisprudência das cortes superiores: teoria e prática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2024, 04:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65253/crimes-patrimoniais-na-jurisprudncia-das-cortes-superiores-teoria-e-prtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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