JACQUELINE APARECIDA DOS SANTOS[1]
JANAINA ALCÂNTARA VILELA[2]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo discute o incidente de estupro envolvendo a jovem que foi abandonada desacordada no passeio de sua por um motorista de aplicativo em Belo Horizonte. O tema é importante em função da atual discussão sobre o episódio, especialmente em relação à conduta do motorista que deu causa ao estupro. Assim, analisou-se a possibilidade da aplicação da Teoria da Imputação Objetiva de Roxin para apurar a responsabilidade criminal do motorista. O objetivo geral verificou se o motorista pode responder objetivamente pelo crime de estupro. Para tal, foi abordada a teoria, constatada a teoria adotada pelo Código Penal e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Realizou-se a apreciação dos crimes de estupro e estupro de vulnerável. O estudo de caso tratou do dever de cuidado e da aplicação da teoria à conduta do motorista. Por meio da metodologia estudo de caso e pesquisa bibliográfica obteve à conclusão de que o motorista não poder responder de forma objetiva pelo crime de estupro. Porque o risco criado e concretizado pela sua conduta gerou um resultado típico diverso.
Palavras-chave: Abandono. Estupro. Responsabilidade criminal. Teoria Imputação Objetiva
ABSTRACT: This article discusses the rape incident involving the young woman who was abandoned unconscious on her ride by an app driver in Belo Horizonte. The topic is important due to the current discussion about the episode, especially in relation to the conduct of the driver who caused the rape. Thus, the possibility of applying Roxin's Theory of Objective Imputation to determine the driver's criminal liability was analyzed. The general objective was to verify whether the driver can be objectively liable for the crime of rape. To this end, the theory adopted by the Penal Code and the understanding of the Superior Court of Justice were verified. The crimes of rape and rape of a vulnerable person were assessed. The case study dealt with duty of care and the application of theory to driver conduct. Through the case study methodology and bibliographic research, he reached the conclusion that the driver could not answer objectively for the crime of rape. Because the risk created and materialized by their conduct generated a different typical result.
Keywords: Abandonment. Rape. Criminal liability. Objective Imputation Theory
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre o estudo do caso conhecido como estupro de BH, sob a ótica da aplicabilidade da teoria da imputação objetiva. Em 30/07/2023, uma mulher de 22 anos foi vítima de estupro depois de ter sido deixada desacordada no passeio de sua casa por um motorista de aplicativo. Este tema é relevante devido à discussão atual do caso, na esfera jurídica, social e moral, especialmente em relação às condutas que contribuíram para o resultado. Por esse motivo, optou-se em delimitar o tema e discorrer acerca da responsabilidade criminal do motorista.
Diante do exposto, surgiu o seguinte problema: a possibilidade da aplicação da teoria da imputação objetiva nesse caso, e consequentemente a responsabilização penal do motorista pelo crime de estupro de vulnerável. É possível perceber alguns desdobramentos jurídicos em torno desta questão como o dever de agir do motorista; a divergência da doutrina sobre a imputação do resultado nos casos de crimes omissivos impróprios.
Conforme a teoria da imputação objetiva, a hipótese inicial é no sentido de que a teoria tem aplicação no caso pelo fato da conduta ter produzido um risco juridicamente proibido. Mas, para chegar à resposta definitiva é necessária uma análise mais profunda dos objetivos gerais e específicos, e assim: explicar a teoria da imputação objetiva; verificar qual é a teoria adotada pelo Código Penal; avistar qual é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça; identificar quem pode ser considerado vulnerável no crime do artigo 217-A do Código Penal, a fim de compreender melhor o caso e fazer o estudo.
No que concerne à metodologia, optou-se pelo estudo de caso, e pesquisa bibliográfica, a partir da análise de suas implicações no âmbito do Direito Penal, à luz da teoria da imputação objetiva. Para isto, foi feito o estudo documental através de matérias jornalísticas, uma vez que as investigações e a ação tramitam em segredo de justiça, bem como revisão literária dos autores Cezar R. Bitencourt, Guilherme de S. Nucci, Luís Greco, dentre outros especialistas no tema, leis e jurisprudências. Foi empregada a abordagem qualitativa, pois ela visa analisar, descrever e compreender o fenômeno de forma mais aprofundada, e o método dedutivo, devido ao estudo contemplar a aplicação ou não da teoria no caso eleito.
Para tanto, o artigo foi divido em três seções: a primeira seção abordou o conceito e os critérios da teoria, constatou a teoria adotada pelo Código Penal e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Já a segunda seção fez uma breve consideração sobre a cultura do estupro e analisou os elementos e características dos crimes de estupro e estupro de vulnerável. E a terceira seção estudou o caso, apreciou o dever de cuidado e a aplicação da teoria à conduta do motorista.
2 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Inicialmente, o propósito desta seção é explicar a teoria da imputação objetiva. Por essa razão, as ideias foram distribuídas da seguinte maneira: no primeiro tópico será abordada a teoria da imputação objetiva segundo Claus Roxin trazendo o conceito e seus critérios normativos. O segundo tópico verifica e expõe a teoria empregada pelo Código Penal brasileiro. E, por fim, o objetivo do terceiro tópico é mostrar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a teoria elaborada por Roxin.
2.1 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA SEGUNDO CLAUS ROXIN
Quando se fala em teoria da imputação objetiva o entendimento inicial é de que uma pessoa pode responder objetivamente por um crime no qual sua conduta originou o resultado. Todavia, o principal intuito dessa teoria é a apuração dos elementos normativos para, então, verificar a possibilidade de responsabilidade criminal.
A obra dos autores Junqueira e Figueiredo traz o conceito da teoria criada pelo alemão Claus Roxin, uns dos penalistas mais renomado na atualidade:
Na explicação do próprio Roxin em sua forma mais simplificada a teoria da imputação objetiva diz que um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra se preencher o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação; quando o risco se realiza no resultado concreto e quando o resultado alcançado se encontra dentro do âmbito de proteção do tipo (Estudos de direito penal, p. 104). (Roxin, 2006, p. 104 apud Junqueira e Figueiredo, 2024, p. 119)
Como se pode notar, Roxin aponta que a imputação objetiva depende da presença de três requisitos essenciais na conduta do agente: a criação de um risco proibido; que o risco promova o resultado; e o resultado venha alcançar o tipo penal.
Nessa concepção afirma Bitencourt (2024, p. 163), que a teoria de Roxin tem por base o risco permitido. Um risco permitido é aquele aceito pela sociedade, que atende às regras de convívio e não gera dano ao outro. Dessarte, havendo a criação de um risco permitido não se admite a imputação objetiva.
Outro fato importante é que a teoria somente terá cabimento nos crimes materiais, sendo necessária a concretização do resultado, logo, “[...] a imputação objetiva é de antemão impossível nos delitos comissivos se o autor não causou o resultado[...]” (Roxin, 1997, p. 345 apud Junqueira e Figueiredo, 2024, p. 119). Dessa forma, após essas considerações preliminares, serão analisados os critérios.
a) criação de um risco não permitido ou proibido
A conduta deve ser vista pela sociedade como algo reprovável, precisa também ter criado perigo ao bem jurídico de outrem para ser reputada como juridicamente relevante e não estar enquadrada no risco permitido. No entendimento de Bitencourt (2024, p. 164), “[...] se trata de uma conduta perigosa, idônea para a produção de um resultado típico, não coberta pelo risco permitido. [...]”. Isso quer dizer, não é qualquer risco causado que irá apresentar um perigo expressivo a ponto de configurar o primeiro critério para a imputação. Assim, condutas que afastam a criação de risco proibido por gerarem risco irrelevante, ou risco permitido, até mesmo a diminuição do risco, são tidas por excludentes da imputação objetiva, de acordo com a teoria.
b) realização do risco não permitido no resultado
No ponto de vista de Roxin é crucial a verificação da realização do risco proibido no resultado. Após a criação desse risco pode suceder que o próprio agente ou inclusive um terceiro impeça o seu cumprimento. Por isso, as condutas que criaram o risco proibido, mas não efetivaram o perigo criado pela conduta ou inexistiu a realização do risco não permitido, também se tornam excludentes da imputação. Consoante a afirmação dos autores Figueiredo e Junqueira (2024, p. 123) “[...] A ação gera para o bem jurídico um risco determinado. Só é resultado imputável a concretização desse risco determinado. [...]”. Para a conduta ser a responsável pelo resultado, deve tanto originar certo risco quanto materializá-lo.
c) resultado incluído no alcance do tipo
O terceiro critério proposto por Roxin é o resultado produzido estar contido no alcance do tipo penal, ou seja, obrigatoriamente o efeito do perigo criado pela conduta deve resultar em um tipo, crime ou contravenção penal. Caso o agente com sua conduta criasse o risco não permitido de ofender a integridade física de alguém e esse risco se realizasse, lesionado de forma permanente um membro do corpo, essa lesão tem previsão em algum tipo penal? Sim, a conduta corresponde ao crime de lesão corporal grave, artigo 129, § 1.º, inciso III, do Código Penal. Isto significa o alcance do tipo. De modo igual, a conduta que contém os três critérios admite a imputação objetiva do resultado. Se o risco proibido não se concretizar em resultado típico, afasta-se a imputação objetiva e a tipicidade.
Luís Greco (2014, p. 137) ressalta que quando o resultado do tipo decorrer de contribuições posteriores de terceiros acontece a exclusão da imputação nos casos de culpa grave ou dolo de terceiro. Embora uma conduta crie certo risco proibido e ela venha a se concretizar em resultado típico por dolo de terceiro, não há que se falar em responsabilização criminal, porque o dolo de terceiro no resultado é excludente de imputação objetiva.
Ante o exposto, percebe-se a importância da teoria da imputação objetiva elaborada por Roxin, em razão da previsão de três critérios normativos nos quais permitem um juízo de valor mais profundo para a apreciação da imputação. Também foi constatado que após o preenchimento dos requisitos objetivos será analisada a imputação subjetiva, existência de dolo ou culpa, para, somente assim o agente responder criminalmente.
2.2 TEORIA UTILIZADA PELO CÓDIGO PENAL
Em relação à causalidade, o Código Penal optou pela utilização da teoria da equivalência dos antecedentes com base no artigo 13 caput, (Brasil, 1940): “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Para que haja a imputação do crime a conduta do agente, ação ou omissão, tem que ter promovido resultado.
A constatação acima manifesta-se pelo nexo causal, em outros termos, é a conexão existente entre conduta e o resultado. Deve-se apurar as condutas que antecederam o resultado e verificar se elas são imprescindíveis para a existência deste, caso não seja, rompe-se o nexo causal e inexiste a imputação.
Nesse contexto, segundo a explicação Nucci (2023, p. 381) na teoria da equivalência dos antecedentes “forma-se o nexo causal levando-se em consideração todas as condutas anteriores ao resultado sem as quais este não ocorreria”. Nota-se que essa teoria possui lacunas, uma vez que não estabelece critérios normativos para aferir quais condutas são relevantes para a criação do resultado, assim, serão consideradas todas. Por essa razão é criticada pela doutrina por permitir o regresso ao infinito.
Ao que se percebe, no contexto atual a teoria adotada pelo Código Penal está defasada e outras teorias têm sido desenvolvidas para aprimorar e corrigir suas falhas, como é o caso da teoria da imputação objetiva criada para preencher as lacunas da teoria da equivalência dos antecedentes.
Por esse motivo, diante de sua repercussão e relevância jurídica está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 236 de 2012 para reformar o Código Penal e introduzir a teoria da imputação objetiva no parágrafo único do artigo 14: “o resultado exigido somente é imputado a quem lhe der causa e se decorrer da criação ou incremento do risco tipicamente relevante, dentro do alcance do tipo”, (Brasil, 2012). Caso seja aprovado, irá trazer critérios normativos para serem utilizados na comprovação do nexo de causalidade.
2.3 ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A TEORIA
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aceitado a teoria da imputação objetiva elaborada por Roxin, e aplicado os critérios para fundamentar suas decisões, como se pode observar nesses dois julgados recentes a seguir:
Habeas Corpus de n.º 704.718 de São Paulo, (Brasil, 2023):
[...] Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva, mencionada pela zelosa Defesa, conduziria a outra conclusão. Como se sabe, “[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte geral: arts. 1 a 120. 27. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 161). Nos limites cognitivos possibilitados na via do habeas corpus, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa (um senhor de 84 anos) e usarem de exacerbada violência, os Pacientes criaram, sim, um risco juridicamente proibido – conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos Réus (art. 157, § 3.º, inciso II, do Código Penal) [...]. (HC n. 704.718/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 23/5/2023.)
A decisão proferida acima evidencia a aplicação da teoria para atribuir a imputação objetiva quando há a criação de um risco não permitido pelo Ordenamento Jurídico e ele se concretiza no resultado, tal como observado neste caso específico de latrocínio contra uma idosa.
Por outro lado, no Habeas Corpus de n.º 900.720 do Maranhão, a decisão foi a não imputação objetiva por inexistir os critérios da teoria, (Brasil, 2024):
[...] Destaca que os fatos imputados ao paciente são atípicos, uma vez que “se a própria beneficiária abriu mão da proteção que lhe foi conferida, não há razão para a responsabilização criminal daquele que descumpriu a ordem judicial” (fl. 17), não havendo, assim, a criação ou o implemento de um risco relevante, nos termos do que preceitua a teoria da imputação objetiva. [...] (HC n. 900.720, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 05/04/2024.)
O Tribunal identifica as características importantes de serem analisadas no caso concreto e utiliza seus elementos objetivos para a imputação. Assim, cada caso deve ser apreciado para verificar a possibilidade de sua aplicação tal como tem procedido o STJ.
Diante do exposto, a teoria da imputação objetiva é um conceito doutrinário moderno que está ganhando força no Brasil, dado que, é utilizada atualmente pelos Tribunais para fundamentar suas decisões.
3 ESTUPRO
A finalidade dessa seção é abordar o tema estupro. No primeiro tópico será feita uma breve consideração sobre a cultura do estupro para a compreensão posterior do caso. O próximo tópico abordará a análise dos elementos que compõem o crime de estupro conforme descrito no artigo 213 do Código Penal. E o terceiro tópico tem por objetivo especificar as pessoas consideradas vulneráveis conforme o artigo 217-A do referido Código.
3.1 CULTURA DO ESTUPRO
A cultura do estupro ocorre desde a formação da sociedade, mas, em pleno século XXI é pouca discutida. Teve início com o patriarcado, no qual homem era o detentor de poder e a mulher um mero objeto, sem ter o direito de dizer não a qualquer violência sexual.
Essa situação começou a mudar com igualdade de direitos e deveres entre os gêneros estabelecidos no artigo 5.º da Constituição Federal de 1988. Contudo, ainda existe forte estigmatização da mulher, vítima que passa a ser ré, e, com isso, prevalece o constrangimento e o medo de denunciar.
Devido à cultura do estupro quem sofre a agressão acaba responsável por algo que, na verdade não cometeu. A sociedade tende a culpar a vítima pelo abuso sofrido, dizendo “ela provocou, estava usando roupas curtas”. O que muitos não compreendem é que a culpa não é da vítima, mas do agressor.
Portanto, essa percepção machista da realidade tem que ser mudada, visto que, além da violência física, ocorre a violência moral e psicológica, bem mais difíceis de serem curadas.
3.2 CRIME DE ESTUPRO DO ARTIGO 213 DO CÓDIGO PENAL
O Código Penal em seu artigo 213 prevê o crime de estupro e faz menção a seguinte conduta incriminadora, (Brasil, 1940):
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O estupro é um crime comissivo, o tipo penal requer uma ação de constranger uma pessoa a praticar conjunção carnal, ou ato libidinoso, forçados ou sem o consentimento. É importante salientar que se trata da prática da conjunção carnal, que consiste na introdução total ou parcial do pênis na vagina, sendo dispensável a consumação do ato sexual. Já o ato libidinoso poder ser a masturbação feita na vítima ou o agente forçar a vítima fazer nele, passar a mão em partes do corpo, ou da forma mais agressiva o coito anal, ou oral. Por se tratar de crime material a conduta incriminadora deve se concretizar no resultado, e, consequentemente, se comprova por meio de prova pericial.
Segundo Bitencourt (2023, p. 32), “[...] O bem jurídico protegido, a partir da redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, é a liberdade sexual da mulher e do homem”. Nota-se que o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, isso é, o direito de escolher com quem se tem relação sexual, poder falar sim ou não e ser respeitado pelo parceiro ou cônjuge.
Outro componente relevante do crime é o elemento subjetivo dolo. “É o dolo. Não existe a forma culposa. Há, também, a presença do elemento subjetivo específico, consistente na finalidade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, satisfazendo a lascívia [...]” (Nucci, 2023, p. 13). Portanto, não existe a previsão da culpa. O tipo exige o dolo, isto é, ter a consciência de que estupro é crime e a vontade de realizá-lo, bem como a finalidade destinada em atingir o prazer sexual.
Quanto a pena, esta pode variar de seis a dez anos de reclusão. Contudo, as qualificadoras estabelecidas nos § § 1.º e 2.º têm a função de agravar a pena. Como ocorre quando a vítima tem entre quatorze e dezoito anos incompletos e nos casos em que a conduta acarreta lesão corporal grave a pena é de oito a doze anos de reclusão. E em caso de óbito da vítima, a pena é aumentada para doze a trinta anos.
Perante o exposto, observa-se que o estupro é considerado o crime contra a dignidade sexual mais grave, por isso é hediondo de acordo com o artigo 1. °, inciso V, da Lei n.º 8.072/1990.
3.3 QUEM PODE SER CONSIDERADO VULNERÁVEL NO CRIME DO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL
O crime de estupro de vulnerável, estabelecido no artigo 217-A do Código Penal descreve a pessoa apontada como vulnerável, isto é, aquela que requer proteção. Com o propósito de compreender sobre a vulnerabilidade de que se trata o crime, Pereira Júnior (2021, p. 1888) apresenta o relevante conceito do autor Prado:
A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. É dizer: o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou esta suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la. (Prado, 2011, p. 832 apud Pereira Júnior, 2021, p. 1888)
Assim, percebe-se a situação de vulnerabilidade na pessoa que não tem o discernimento, condição física ou psíquica para praticar ou se defender do ato sexual. O referido artigo 217-A elenca os sujeitos passíveis de serem reputados por vulneráveis, (Brasil 1940):
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. [...].
Em consonância ao disposto nota-se semelhança entre a conduta deste, com a do artigo 213, já examinada. Em suma, tal crime envolve a prática de atos de conjunção carnal ou libidinosos, porém a distinção está na condição da vítima. Deste modo, existem três grupos de pessoas vulneráveis, cada um com uma modalidade de vulnerabilidade, (Bitencourt, 2023, p. 66): a) menor de catorze anos, absoluta; b) pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental não possuidor de capacidade necessária para a prática do ato sexual, relativa; e c) aquele que por outra razão não pode apresentar qualquer tipo de resistência, por interpretação analógica.
a) menor de catorze anos
O tipo incriminador ressalta a qualidade da vítima de estupro devido à grave violação da liberdade e dignidade sexual do menor, aqui, de catorze anos. Todos os dias várias crianças são alvos desta crueldade, e, na maioria dos casos, dentro da própria casa por um familiar. É um abuso tão grave, uma vez que deixa sequelas físicas e mentais difíceis de serem tratadas. Por esse motivo o grau de vulnerabilidade é absoluto, não importando a concordância ou o histórico sexual da vítima, § 5.º, do artigo 217-A, do referido Código.
b) enfermo ou deficiente mental sem o discernimento para praticar o ato
O legislador foi pertinente ao especificar o sujeito passivo que se enquadra nesse tipo. Não será todo doente ou portador de deficiência mental que irá configurar vulnerável, somente aqueles sem discernimento para o ato sexual. Dado isso, verifica-se a existência de vulnerabilidade relativa consoante ao § 1.º, do artigo 217-A.
c) aquele que não pode oferecer resistência
Corresponde à pessoa que se encontre temporariamente vulnerável em virtude do uso de medicamento, ingestão de álcool ou de substâncias entorpecentes que tire seu estado de plena lucidez para consentir ou resistir a qualquer ato sexual cometido por terceiro. Em tais casos, é imprescindível a aferição do grau de incapacidade de resistência por meio de interpretação analógica do juiz. Assim, se for comprovada a incapacidade plena tem-se a vulnerabilidade absoluta e consequentemente o crime, caso contrário, de vulnerabilidade relativa afasta-se o crime.
Atualmente, o grau de incapacidade da pessoa que não está na condição de apresentar resistência tem originado muita discussão na esfera judicial porque o legislador deixou lacunas e requer o uso de analogia. Por isso, ocorrem situações nas quais existiu o estupro, mas devido à dificuldade da análise do grau de incapacidade, este não resta configurado.
Por esse motivo, encontra em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 228/2023. Cujo objetivo é a alteração no artigo 213 do Código Penal visando esclarecer o conceito e elementos do crime de estupro. Se aprovado, o estupro passará a ser definido como “ato de constranger alguém a ter conjunção carnal em caso de aproveitamento de sua vulnerabilidade ou ausência de sentido que o impeça de consentir expressamente”, (Brasil, 2023). Sem dúvidas, contribuirá para a análise.
Em face de tudo o que foi abordado nessa seção, o estupro é um tema juridicamente relevante porque envolve várias vertentes, mas é fundamental a atuação do Estado na prevenção do crime, a fim de evitar novos casos.
4 ESTUDO DO CASO
O estupro da jovem abandonada desacordada na calçada por motorista de aplicativo em Belo Horizonte causou grande repercussão em Minas Gerais, como também comoveu o Brasil. Segundo fontes do Estado de Minas, na madrugada do dia 30 de julho de 2023, ao sair de um show de pagode no estádio do Mineirão, o amigo da jovem solicitou uma corrida por aplicativo para levá-la até sua casa. Todavia, ao chegar no endereço, ela estava desacordada. O motorista saiu do carro e tentou contato com o irmão da jovem, mas ninguém atendeu o interfone, aguardou um tempo e como nenhum familiar apareceu retirou ela do carro e a colocou na calçada com a ajuda de motociclista que passava no local. Minutos depois, um homem veio na direção da mulher que estava sozinha a coloca em suas costas e caminha até um campo de futebol, com a finalidade de praticar o estupro.
4.1 AS CONDUTAS QUE PRECEDERAM O CRIME
O estupro sobreveio de outras condutas penalmente relevantes cometidas anteriormente por pessoas diferentes: amigo, motorista, motociclista e homem suspeito de cometer o crime.
A primeira delas envolve o amigo da jovem que contratou um motorista de aplicativo para levá-la até sua residência e compartilhou a viagem com o seu irmão. Sabe-se que houve ingestão de álcool pela vítima e no momento que o carro chegou ao local do embarque, as imagens das câmeras de segurança do local mostram o amigo conduzindo a jovem até a entrada no veículo. O Ministério Público interpretou essa conduta como omissão de socorro, fazendo a denúncia deste, conforme o artigo 135 do Código Penal, (Brasil, 1940):
Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Observa-se que a conduta é omissiva não dar assistência ou não acionar a autoridade competente com o objetivo de socorrer as pessoas citadas acima, que necessitem de ajuda. Nucci (2023, p. 205) expressa essa perspectiva:
“[...] A ordem de utilização dos núcleos é bem clara: em primeiro lugar, podendo fazê-lo sem risco pessoal, deve o sujeito prestar socorro à vítima; não conseguindo prestar a assistência necessária ou estando em risco pessoal, deve chamar a autoridade pública [...]”.
Em razão disso, a conduta do amigo não se enquadra ao tipo penal porque no momento em que ele despede da amiga ela estava passando bem e não apresentava nenhum risco iminente e grave de encontro à sua vida ou saúde.
A segunda está relacionada com as ações do motorista. Ao chegar no local de destino, percebe-se algo incomum, pois a jovem não desce do carro. O motorista sai do carro e vai até a casa dela interfonar, volta para o interior do veículo. Chama outra vez e sem conseguir retorno pede ajuda a um motociclista e os dois retiram a mulher do veículo e a colocam na calçada desacordada. Ele interfona mais uma vez, e sem resposta abandona sua passageira. Em decorrência dessas ações, o motociclista foi denunciado pelo crime de omissão de socorro, com base no artigo 135, enquanto o motorista foi denunciado por estupro de vulnerável por omissão imprópria, de acordo com o artigo 217-A, ambos do Código Penal.
Nessa ocasião a jovem precisava de socorro, mais precisamente, ser levada ao hospital porque já tinha perdido os sentidos. Tanto é que ao ser carregada de cabeça para baixo não demonstra nenhuma reação.
A terceira conduta e a mais repulsiva foi do agente que cometeu o estupro, pelo fato da vítima não ter condições de oferecer resistência o crime é o estupro de vulnerável, com a pena maior devido o estado em que se encontrava a jovem.
O processo tramita em segredo de justiça, nos termos do artigo 234-A do Código Penal, uma vez que o seu objetivo é averiguar crimes contra a dignidade sexual e preservar a intimidade da vítima. Sendo assim, as informações do caso são obtidas através da mídia. De acordo com fatos divulgados pelo G1 que teve acesso à decisão da 10.ª Vara Penal de Belo Horizonte, o amigo e o motociclista foram denunciados por omissão de socorro. Na medida em que o amigo foi inocentado e o motociclista responde o processo em outro estado. O autor do estupro recebeu uma condenação de 10 anos, 8 meses e 10 dias.
Por outro lado, o motorista denunciado pelo estupro de vulnerável por omissão imprópria foi absolvido do crime, pelo juiz entender que a sua conduta alcançou o tipo penal previsto no artigo 133 do referido Código abandono de incapaz. (Brasil, 1940): “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. Analisando a conduta significa deixar sozinho, desamparado, sem a assistência apropriada. Isto é, a vontade e a consciência de abandonar a pessoa que está debaixo de sua proteção, podendo ser cuidado, guarda, vigilância ou autoridade. É indispensável a incapacidade de defender-se dos perigos iminentes (Nucci, 2023, p. 198).
Mesmo o crime sendo próprio e o tipo exigir dever de cuidado entre os sujeitos ativo e passivo, nesse caso, utilizando de analogia, resta comprovado o dever de vigilância por parte do motorista desde o momento em que a jovem entrou no carro. Esperava-se que ela saísse do veículo após ter chegado ao seu destino, não ser retirada à força e abandonada desfalecida na calçada incapaz de se defender. Logo, o entendimento do juiz é o mais apropriado ao caso.
4.2 DEVER DE CUIDADO DO MOTORISTA
No que diz respeito a atitude do motorista surge o confronto em torno do dever de agir, condição para a imputação do resultado no crime omissivo impróprio.
De acordo com os autores Junqueira e Figueiredo (2024, p. 103), no crime omissivo impróprio o agente responde pelo resultado de um crime comissivo por não fazer algo para o impedir, possuindo o dever de realizá-lo. Logo, o dever de agir intenta a evitabilidade do resultado material.
Ademais, assevera Bitencourt (2024, p. 155), que a omissão imprópria demanda três pressupostos de existência, são eles: a) poder agir; b) evitabilidade do resultado; e c) dever de impedir o resultado.
a) poder de agir: é a condição física de poder agir, sem colocar sua vida em risco. É óbvio que o motorista podia agir naquele momento. Quando voltou para o carro após interfonar na casa da jovem, ele tinha condições de deixá-la em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima, ao invés de abandoná-la na calçada.
b) evitabilidade do resultado: é atuar de forma a evitar a concretização do resultado. É evidente que a omissão em relação ao estado da jovem e o abandono contribuíram para o estupro, sendo essenciais para a ocorrência do crime.
c) dever de agir: refere-se àqueles que possuem a obrigação legal de intervir para evitar um resultado, conhecidos como garantidores. Conforme prevê o artigo 13, § 2.º do Código Penal: pessoas dentre as quais a lei determina obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; aqueles que assumem a responsabilidade de impedir o resultado; e, aqueles que criaram o risco de o resultado ocorrer com seu comportamento anterior. A ação do motorista se enquadra nessa última categoria de garantidor, uma vez que seu comportamento prévio deu origem ao estupro.
Deste modo, a responsabilidade penal do garantidor está atrelada ao resultado no qual ele tinha o dever legal e condições físicas de evitar. Nessa concepção, assevera Bitencourt (2024, p. 157) que “a condição de garantidor são elementos constitutivos do tipo omissivo impróprio, que devem ser abrangidos pelo dolo. Por isso, o agente deve ter consciência da sua condição de garantidor da não ocorrência do resultado”. Por isso, para o motorista responder pelo estupro de vulnerável na omissão imprópria, teria que ter a plena consciência de estar como garantidor da jovem, e, mesmo sabendo, não agir a fim de impedir o resultado.
Contudo, entende-se que ele tinha o dever de cuidado, isso corresponde a zelar pela saúde e proteção da jovem, visto que, naquele momento, ela passou mal e ficou inconsciente dentro do seu veículo. Nesse entendimento, afirma Coutinho (2023): “[...] Logo, tal condição da vítima em se encontrar ‘incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono’, alçou e impôs ao motorista, o dever de cuidado”. Portanto, não restam dúvidas quanto ao dolo de abandono, e o seu dever de cuidado.
4.3 APLICAÇÃO DA TEORIA IMPUTAÇÃO OBJETIVA AO MOTORISTA
Na teoria da imputação objetiva de Roxin, já explicada, uma pessoa responderá objetivamente pela conduta que implementou um risco proibido, desde que esse risco se realize no resultado e alcance um tipo penal. Segundo Bitencourt (2024, p. 164):
Na concepção de Roxin, a teoria da imputação objetiva estabelece três requisitos básicos para a imputação objetiva do resultado, que representam, em realidade, três grandes grupos de problemas: a) a criação de um risco jurídico-penal relevante, não coberto pelo risco permitido; b) a realização desse risco no resultado; e c) que o resultado produzido entre no âmbito de proteção da norma penal.
Diante disso, passa-se a análise da conduta da motorista para a verificação dos três critérios da imputação objetiva do resultado e a possibilidade de sua aplicação.
a) criação de um risco não permitido ou proibido
Abandonar uma mulher desacordada, incapaz de se defender ou de oferecer resistência, na rua às 3 (três) horas da madrugada constitui a criação de risco não permitido. É uma conduta considerada perigosa, por causa da alta taxa de estupros ocorridos na cidade de Belo Horizonte, segundo Juliana Siqueira, (2023, O Tempo), entre janeiro e julho do ano de 2023, 294 pessoas foram vítimas do crime em BH.
Nessa acepção, Junqueira e Figueiredo (2024, p. 121) destacam que como o Direito Penal tem a função de proteger os bens jurídicos, somente tem cabimento a proibição de condutas perigosas, ou melhor, aquelas que criem ou aumentem o risco ao bem jurídico. Isso é basilar na confirmação do primeiro critério proposto por Roxin.
Bitencourt, (2024, p. 164) afirma que “[...] a criação de um risco jurídico-penal relevante, visa identificar se a conduta praticada pelo agente infringe alguma norma do convívio social, e pode ser valorada como tipicamente relevante”. Neste ponto demonstrado pelo autor, e, já visto, a conduta não deve ter aprovação da sociedade.
Diante do que foi exposto, a atitude do motorista gerou um risco proibido que é juridicamente significante para a integridade sexual da jovem. A condição em que se encontrava, incapaz, o horário do abandono, 3 horas da madrugada, e o local, onde acontece vários de casos de estupro contribuíram para a constituição do risco. Portanto, incide o primeiro critério nesse caso.
b) realização do risco não permitido no resultado
O segundo critério requer que o risco criado se realize no resultado, isto é, o abandono precisa resultar em um perigo concreto, que, no caso, foi o estupro. Sendo assim, “para que determinado resultado possa ser imputado à conduta como obra desta, é preciso que ele constitua exatamente a concretização do risco específico gerado pela ação”, (Junqueira e Figueiredo, 2024, p. 123), observando o nexo causal.
Tal noção vai ao encontro da percepção do autor Bitencourt, (2024, p. 164):
A responsabilidade pelo delito consumado deve ser inicialmente inferida pela constatação da relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado típico. Além disso, é necessário demonstrar se o resultado típico representa, precisamente, a realização do risco proibido criado ou incrementado pelo agente.
Ao avaliar a conduta do motorista, nota-se a existência do nexo de causalidade entre ela e o resultado. Se a jovem não tivesse sido deixada sozinha na calçada, sem condições de se defender, não teria sido estuprada pelo homem que andava na rua. Outra hipótese, é que se o motorista voltasse ao local antes do estuprador chegar o risco não teria se concretizado, afastando sua realização, mas, voltou tarde para impedi-lo.
O homem que passava pela rua poderia também ter socorrido a jovem, ao invés de estuprá-la, deste modo, o risco não teria se efetivado. No entanto, a conduta desse homem está enraizada na cultura do estupro. O fato de uma mulher estar sozinha, deitada na calçada de madrugada não quer dizer que um homem possa fazer com ela o que quiser, ou ter bebido e ficado naquela condição não a torna culpada do crime.
Diante disso, o abandono além de criar o risco foi essencial para cumprimento deste resultado, existindo também o segundo critério para a imputação objetiva.
c) resultado incluído no alcance do tipo
O risco produzido sucedeu em resultado inserido dentro da proteção do Direito Penal, é um tipo penal previsto no artigo 217-A, o crime de estupro de vulnerável. A conduta de abandonar produziu o risco e sua materialização, enquanto o resultado alcançado foi concebido por dolo de um terceiro, não exatamente ação do motorista.
Segundo Bitencourt (2024, p. 164), o terceiro critério imposto por Roxin: “trata-se de um limitador da imputação objetiva, que visa à interpretação restritiva dos tipos penais, de tal modo que, em determinados casos, seja possível negar a imputação do resultado, inclusive quando os outros dois requisitos estejam presentes”. É o que acontece no caso, o fato de o estupro ter sido cometido por um terceiro excluiu a imputação objetiva do motorista quanto ao crime de estupro de vulnerável. Embora sua conduta tenha preenchido os dois primeiros critérios, não alcançou o tipo penal em análise.
Por conseguinte, o terceiro critério adequa-se ao caso em estudo para imputar ao motorista outro tipo penal. Conforme expõem Junqueira e Figueiredo (2024, p. 125): “[...] havendo uma conduta que constitua a criação ou o aumento de um risco não aprovado e sobrevindo um resultado que constitua a exata concretização daquele risco não permitido, em tese, haveria com isso a imputação ao tipo objetivo”. Em tal caso, o tipo penal correto para imputação objetiva do resultado é o artigo 133 do referido Código, o crime de abandono de incapaz.
A teoria da imputação objetiva tem aplicação ao caso para afastar a responsabilização penal do motorista pelo crime de estupro de vulnerável por não atingir o terceiro critério desenvolvido por Roxin. Nota-se que a conduta do motorista alcança os dois primeiros critérios, mas o dolo do homem que cometeu o estupro exime a responsabilidade objetiva. Não obstante, o resultado da sua conduta configura o tipo penal abandono de incapaz, que por analogia impõe ao motorista o dever de cuidado. Portanto, ele deve ser responsabilizado objetivamente pelo crime previsto no artigo 133 do Código Penal.
Posteriormente, deve-se averiguar a imputação subjetiva que é a regra. Houve o dolo de abandono por parte do motorista, isto é, ele teve a consciência e a vontade de abandonar a jovem que estava incapaz de se defender dos riscos inerentes ao abandono. Esse caso também aferiu a responsabilização criminal por conduta dolosa.
5 CONCLUSÃO
O artigo abordou o caso do estupro da jovem que foi abandonada na calçada por um motorista de aplicativo em Belo Horizonte. O tema teve por delimitação a responsabilização penal do motorista analisada a partir da teoria da imputação objetiva. Justificou-se a sua relevância em razão da divergência dos entendimentos da Polícia Civil apontados no inquérito policial e do Ministério Público de Minas Gerais. Repercutiu em todo o país, diante da atualidade do tema por meio das notícias veiculadas na mídia, houveram limitações uma vez que processo é sigiloso e agora está na fase recursal. Por isso, explicou-se a teoria, a fim de, esclarecer o resultado da conduta que gerou o nexo de causalidade entre o abandono e o estupro da jovem.
Sobre os objetivos traçados, enfatizou a Teoria da Imputação Objetiva, trazendo o conceito e os critérios de Roxin, constatou-se que o Código Penal adota a Teoria da Equivalência dos Antecedentes. Contudo o Superior Tribunal de Justiça tem aceitado e aplicado a teoria de Roxin em alguns casos. A cerca do estupro, foi apresentado elementos e características do crime e identificou quais pessoas são consideradas vulneráveis. Por último, abordou-se o caso analisando o problema responsabilidade e imputação do motorista e aplicou a teoria para chegar na hipótese.
Em relação à hipótese inicial levantada, foi da aplicabilidade da Teoria da Imputação Objetiva ao caso em questão e a responsabilização penal do motorista pelo crime do artigo 217-A do Código Penal, estupro de vulnerável. Em virtude de sua conduta ter criado um risco considerado proibido, quer dizer, não permitido e esse risco ter se concretizado em um resultado típico previsto na norma penal. No entanto, a conduta do motorista por si só não alcançou o resultado do tipo penal do estupro de vulnerável, o resultado adveio de conduta dolosa de um terceiro, como visto, o dolo de terceiro é excludente de imputação objetiva. Logo, não se justifica falar em responsabilidade criminal pelo estupro de vulnerável. A hipótese definitiva obtida pelo aprofundamento da pesquisa foi que a Teoria da Imputação Objetiva tem aplicação à conduta do motorista para imputá-lo objetivamente por atingir o resultado típico do crime de abandono de incapaz, artigo 133 do Código Penal.
REFERÊNCIAS
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[1] Acadêmica em Direito pela Faculdade FASEH. E-mail: [email protected].
[2] Orientadora: Mestre em Direito Privado pela PUC/MG; pós graduada em Direito de Empresa pelo IEC/MG, Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Anhanguera Uniderp. Professora Universitária. Advogada. E-mail: [email protected]
Acadêmica em Direito pela Faculdade da Saúde e Ecologia Humana - FASEH
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Janaina Alencar dos. Aplicação da teoria da imputação objetiva ao caso do estupro da jovem abandonada desacordada na calçada por motorista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2024, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65502/aplicao-da-teoria-da-imputao-objetiva-ao-caso-do-estupro-da-jovem-abandonada-desacordada-na-calada-por-motorista. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
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