RESUMO: Este artigo analisa a posse, a usucapião e os principais direitos reais que hoje buscam alcançar a satisfação do direito social da propriedade. A propriedade, o imóvel, a moradia, são objetos das intenções humanas, necessários para uma existência digna, sendo de suma importância o entendimento da posse, da usucapião e principais institutos de direitos reais que buscam a realização do comando constitucional. Este estudo, através da pesquisa dos institutos na Constituição Federal, Código Civil, legislação ordinária e regramentos administrativos, busca verificar a proteção que se dá a propriedade e o enfoque social do Estado quanto à propriedade, moradia e regularização da questão fundiária no plano de organização de ocupação urbana e rural. O desenvolvimento do tema encontra-se estruturado da seguinte forma: regramento constitucional; noções introdutórias de direitos das coisas; posse; usucapião; direito real de laje; concessão de uso especial para fins de moradia; concessão de direito real de uso. Por fim, temos a conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: Função Social - Posse - Usucapião - Laje - Uso - Moradia
ABSTRACT: This article analyzes possession, usucaption and the main rights in rem that today seek to achieve satisfaction of the social right to property. Property, real estate and housing are the objects of human intentions, necessary for a dignified existence, and it is of the utmost importance to understand possession, usucaption and the main real rights institutes that seek to fulfill the constitutional command. This study, by researching the institutes in the Federal Constitution, the Civil Code, ordinary legislation and administrative regulations, seeks to verify the protection given to property and the state's social approach to property, housing and regularization of the land issue in the urban and rural occupation organization plan. The development of the theme is structured as follows: constitutional rules; introductory notions of the rights of things; possession; usucaption; real right of slab; concession of special use for housing purposes; concession of real right of use. Finally, there is the conclusion.
KEY-WORDS: Social Function - Possession - Usucaption - Slab - Use - Housing
1- REGRAMENTO CONSTITUCIONAL
O Estado assegura a todos, brasileiros e estrangeiros, o direito de propriedade, a qual deve atender a sua função social (artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal).
Dentre as funções sociais a serem perseguidas pelo ente estatal, temos o direito à moradia (artigo 6º, caput, CF). O que justifica uma ordem de poder soberano é o seu povo, elemento constitutivo do Estado, o qual tem direito a uma existência digna (artigo 1º, inciso III, CF), cumprido aos representantes erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III, CF).
Numa sociedade de economia liberal, na qual se prestigia a livre iniciativa e a intervenção mínima do Estado (artigo 1º, inciso IV, artigo 170, ambos da CF), ganha muito relevo os aspectos do estudo da posse e dos direitos reais, a fim de entender os contornos sociais e econômicos que devem ser conciliados.
2- NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITOS DAS COISAS
É o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio (Clóvis Beviláqua).
Direito Real é o vínculo jurídico entre o sujeito ativo e determinada coisa.
Coisa é o gênero do qual bem é espécie.
São elementos essenciais dos direitos reais: Sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito sobre a coisa, chamado domínico.
No polo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado.
Adotamos quanto a diferenciação entre direitos reais e pessoais a teoria dualista (teoria clássica ou tradicional), a qual considera que os conceitos de direito real e pessoal são apresentados como distintos, o direitos real é uma relação direta e imediata entre seu titular (sujeito de direito) e a coisa (objeto do direito), e o direito pessoal é concebido como a relação entre uma pessoa, titular do direito (sujeito ativo) e o devedor (sujeito passivo) obrigado a cumprir uma prestação (objeto do direito) em benefício do primeiro.
Os princípios fundamentais dos direitos reais são:
a) Absoluto (oponível erga omnes )
b) Direito de seqüela
c) Princípio da taxatividade, rol taxativo (numerus clausus), imposição de tipos jurídicos.
d) Aderência ou inerência: estabelece um vínculo, uma relação de senhoria entre o sujeito e a coisa, não dependendo da colaboração de nenhum sujeito passivo para existir. Tal princípio é encontrado, dentre outros, no artigo 1.228, CC. Ex.:usufruto não é prejudicado com a alienação da propriedade.
e) Princípio da legalidade ou tipicidade
f) Princípio da publicidade (exceções: direito real de habitação...)
g) Especialidade (os direitos reais só podem ser constituídos sobre coisa certa e determinada)
h) Perpetuidade: não se perde pelo não uso, mas somente pelos meios e formas legais: desapropriação, usucapião, renúncia, abandono etc.
i) Exclusivo (não é possível instituir-se direito real de igual conteúdo onde outro já exista)
j) Princípio do desmembramento: Os direitos reais sobre coisas alheiras são transitórios, desmembrando-se do direito-matriz, que é a propriedade. Quando se extinguem, como no caso de morte do usufrutuário, por exemplo, o poder que existia em mão de seus titulares retorna às mãos do proprietário, em virtude do princípio da consolidação
k) As ações reais sobre imóveis dependem da autorização do cônjuge do autor e citação do cônjuge do réu.
l) As ações reais são movidas no local da situação do bem
m) Os direitos reais podem ser perpétuos (propriedade, a enfiteuse e a servidão) e temporários.
n) Os direitos reais têm por objeto uma coisa corpórea
o) Regidos por normas de ordem pública
p) O titular do direito real tem a faculdade de abandoná-lo
As obrigações propter rem ou reipersecutória (obrigações em conseqüência da coisa) é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. Decorre da contiguidade dos dois prédios.
Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel (ambulat cum domino), é também denominada obrigação ambulatória.
Essas obrigações são concebidas como ius ad rem (direito por causa da coisa, ou advindos da coisa).
A natureza jurídica das obrigações propter rem, configura-se um direito misto, constituindo um tertium genus. Tem características de direito obrigacional, por recair sobre uma pessoa que fica adstrita a satisfazer uma prestação, e de direito real, pois vincula sempre o titular da coisa. Exemplos: Obrigação de concorrer para a construção do muro comum; obrigação imposta ao condômino de concorrer para as despesas de conservação da coisa comum; na do condomínio, no condomínio em edificações, de não alterar a fachada do prédio; na obrigação que tem o dono da coisa perdida de recompensar e indenizar o descobridor; na dos donos de imóveis confinantes, de concorrerem para as despesas de construção e conservação de tapumes divisórios; na obrigação de dar caução pelo dano iminente (dano infecto) quando o prédio vizinho estiver ameaçado de ruína; na obrigação de indenizar benfeitorias.
Os ônus reais são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes. Aderem e acompanham a coisa, por isso se diz que quem deve é esta e não a pessoa. Tem mais afinidade com os direitos reais de garantia.
As obrigações com eficácia real são as que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são oponíveis a terceiros que adquira direito sobre determinado bem.
Nossa legislação traz exemplos de relações contratuais que, por sua importância, podem ser registradas no Cartório de Imóveis, ganhando eficácia que transcende o direito pessoal.
Exemplo é a obrigação estabelecida no artigo 576 do Código Civil, pela qual a locação pode ser oposta ao adquirente da coisa locada, se constar do registro. A que resulta de compromissos de compra e venda, em favor do promitente comprador, quando não pactua o arrependimento e o instrumento é registrado no Cartório de Registro de Imóveis, adquirindo este direito real à aquisição do imóvel e à sua adjudicação compulsória.
3 – POSSE
Adotamos a teoria objetiva (Ihering). A posse depende exclusivamente do corpus. Corpus, para Ihering, é o comportamento de dono. Não significa contato físico com a coisa, mas, sim, conduta de dono. Possuidor é todo aquele que se comporta como real proprietário. Posse é a exteriorização, visibilidade da propriedade.
A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa.
A aquisição da posse é ato jurídico de forma livre.
Detentor ou fâmulo ou servidor da posse não são possuidores, o que ocorre é uma relação de dependência (subordinação) ou permissão (concessão expressa) ou tolerância (concessão tácita, omissão a certos fatos, passividade. ex.: tolerar que vizinho passe por um atalho ou jardim).
A detenção não gera efeitos jurídicos. Na hipótese de ser demandado, ocorrerá a extromissão processual, ou seja, a substituição do detentor pelo possuidor no processo.
O detentor pode fazer uso da defesa direta para proteger a posse. Ex.: expulsar com as próprias mãos os invasores do imóvel.
Quanto à natureza jurídica da posse, observamos que a mesma é ao mesmo tempo fato e direito (Savigny).
É um fato, pois existe independentemente das regras de direito, não tem autonomia, não tem valor jurídico próprio. O fato possessório não está subordinado aos princípios que regulam a relação jurídica no seu nascimento, transferências e extinção.
É um direito, porque gera conseqüências jurídicas, tais como os interditos possessórios e a usucapião.
A posse não pode ser considerada direito real, uma vez que o Código Civil adotou o princípio do numerus clausus, não incluindo no rol taxativo dos direitos reais (1225).
A posse não é direito real nem pessoal, mas direito especial, sui generis, por não se encaixar perfeitamente em nenhuma dessas categorias.
Referente as espécies de posse, podemos elencar:
Posse indireta que é a do proprietário que concedeu a outra pessoa o direito de possuir e posse direta que é o que detém materialmente a coisa.
Posse justa é a que não for violenta, clandestina ou precária e posse injusta é a que for violenta, clandestina ou precária. Será injusta em face do legítimo possuidor, porém será justa em relação às demais pessoas estranhas ao fato.
A posse violenta (vis) pode ser física ou moral.
A posse clandestina (clam) é a posse de quem ocupa o imóvel às escondidas ou do que furta um objeto.
A posse precária: é aquela em que o possuidor direto, vencido o prazo de duração da relação jurídica se recusa a restituir a coisa ao possuidor indireto.
O vício da precariedade nunca se convalesce (exceção: o possuidor direto, por meio de atos exteriores e visíveis, altere o animus da posse. Ex. efetua a demolição do imóvel, construindo um estabelecimento comercial).
Cessa a violência quando a situação de fato consolida-se se o esbulhado deixar de reagir. A lei não estabelece prazo para a aquisição dessa posse. Para que cesse o vício, basta que o possuidor passe a usar a coisa publicamente, com conhecimento do proprietário ou com a possibilidade de existir tal conhecimento, sem que este reaja.
Para cessar a clandestinidade não se exige demonstração de que a vítima tenha efetivamente ciência da perpetração do esbulho. Impõe-se tão só que o esbulhador não a oculte mais dela, tornando possível que venha a saber do ocorrido. Pouco importa se a vítima tenho conhecimento ou não, basta que pudesse conhecer.
Posse de boa-fé: é a que o possuidor (erro escusável), ignora o vício ou obstáculo que impede a sua aquisição. A boa-fé não é essencial para o uso das ações possessórias. Basta que a posse seja justa.
Posse de má-fé: o possuidor tem ciência do vício ou possibilidade de conhecê-lo empregando a diligência ordinária.
Para intentar ação possessória basta a posse justa, é desnecessária a boa-fé. Esta é importante para o fim de direito de retenção, indenização pelos frutos, benfeitorias e perda ou deterioração da coisa.
Posse natural é a que se constitui pelo exercício de poderes de fatos sobre a coisa, ou, segundo Limongi França, a que se assenta na detenção material e efetiva da coisa.
Posse jurídica ou civil é a que se adquiri por força da lei, sem necessidade de atos físicos ou da apreensão material da coisa. Ex.: constituto possessório.
Posse nova é a de menos de ano e dia, enquanto psse velha é a de mais de ano e dia.
Ação de força nova ou velha (campo processual) é determinada pelo tempo de turbação ou esbulho. Tem previsão de medida liminar em ação de força nova (contra posse nova) e negativa de liminar em ação de força velha (contra posse velha). Não se confunde com posse nova ou velha, sendo possível, por exemplo, quem tenha posse velha ajuizar ação de força nova ou de força velha, dependendo do tempo que levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou esbulho.
Posse ad interdicta é a que pode ser defendida pelas ações (interditos) possessórias. Exige posse justa (boa-fé não é requisito). Pode ser animus domini ou nomine alieno.
Posse ad usucapionem – é a exercida com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e justa, durante lapso de tempo necessário à aquisição da propriedade.
Composse pro diviso ocorre quando os compossuidores estabelecem uma divisão de fato para a utilização pacífica do direito de cada um. Não há uma divisão de direito, mas existe uma repartição de fato, que faz com que cada compossuidor já possua uma parte certa.
Composse pro indiviso é verificada quando não estabelecem uma divisão de fato, todos exercem ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa os poderes para utilização ou exploração comum do bem.
Posse trabalho ou pró-labore é aquela que há moradia ou investimentos econômicos no imóvel. É a posse que cumpre a função social da propriedade.
Posse improdutiva é a que torna o imóvel inútil, sem servir de moradia ou explorá-lo economicamente.
Composse simples ou romana – cada um dos possuidores pode exercer sozinho o poder de fato sobre a coisa. Ex.: direta (vários inquilinos) e indireta (vários locadores).
Composse de mão comum – o poder de fato sobre a coisa só pode ser exercido em conjunto por todos os compossuidores. Ex.: posse de um armário que só abre com duas chaves, que se encontra como possuidores distintos.
Jus possessionis ou posse formal é a posse mansa e pacífica por mais de ano e dia, independente de qualquer título, derivado de uma posse autônoma.
Jus possidendi ou posse causal: conferida ao portador de título devidamente transcrito, bem como ao titular de outros direitos reais. A posse não tem autonomia, constituindo-se em conteúdo do direito real. Ex.: locador e locatário, ambas são posses jurídicas.
São obstáculos para aquisição da posse os atos de mera permissão, tolerância, violentos, clandestinos, precários.
A acessão da posse é a soma do tempo de posse do atual possuidor com o de seus antecessores. Pode ocorrer de duas formas:
a) Acessão por sucessão: ocorre na sucessão a título universal (totalidade dos bens ou quota ideal deles). A soma é obrigatória, com os mesmos caracteres.
b) Acessão por união: ocorre na sucessão a título singular (comprador, donatário, legatário). A soma é facultativa. Divergência quanto ao legatário: a) é acessão por sucessão, mantendo os mesmos caracteres da anterior; b) é acessão por união, sendo facultativa a continuidade dos caracteres da posse.
São efeitos da posse a defesa direta (legítima defesa e o desforço imediato); o direito ao uso dos interditos possessórios (manutenção e reintegração de posse, interdito proibitório); a percepção dos frutos; a indenização por benfeitorias; o direito de retenção por benfeitorias; a responsabilidade pelas deteriorações; a usucapião.
A defesa direta caracteriza-se pela: 1) legítima defesa da posse, que consiste na reação imediata e moderada à turbação (molestação) da posse; e 2) desforço imediato, que é reação imediata e moderada ao esbulho (perda da posse) possessório.
Entende-se por turbação a molestação da posse e esbulho a perda da posse pela prática de atos violentos, clandestinos ou precários.
O detentor também pode fazer uso das defesas diretas, amparado inclusive pelo artigo 25 do Código Penal.
Os interditos são as ações possessórias. Para propor uma ação possessória basta que a posse seja justa (boa-fé não é requisito). Os interditos tipicamente possessórios são: ação de manutenção de posse; ação de reintegração de posse e interdito proibitório.
O interdito proibitório é intentado quando houver justo receio de turbação ou esbulho iminente (proteção preventiva).
Os princípios aplicáveis às ações tipicamente possessórias são:
1) Princípio da fungibilidade ou conversibilidade dos interditos: A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obsta a que o juiz conheça do pedido, conferindo a proteção possessória necessária ao caso concreto.
2- Natureza dúplice: Excepcionalmente permite o legislador ao réu a formulação de seu pedido na própria contestação, podendo o juiz apreciá-lo como se tratasse de reconvenção. A ação é dúplice, por isso não se admite reconvenção.
3- Proibição da exceptio proprietatis: Não se discute propriedade em ação possessória ( a discussão de domínio ou propriedade ocorre nas ações petitórias).
4- USUCAPIÃO
É o modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, superfície, habitação, laje, enfiteuse e servidão) pela posse prolongada da coisa.
Pelo fato de ser modo originário de aquisição da propriedade não é cobrado ITBI, extinguindo-se os direitos reais que oneravam o bem, como, por exemplo, a hipoteca.
A regra é que todos os bens podem ser objeto de usucapião, exceto: 1) bens públicos; 2) coisa fora do comércio (ex.: ar atmosférico). 3) bens pertencentes a absolutamente incapaz, visto que não corre prescrição quanto a estes.
Área inferior ao módulo estabelecido em leis municipais é possível a usucapião, uma vez que a legislação infraconstitucional não pode criar o impedimento, não podendo limitar o direito a usucapião de base constitucional.
São requisitos comuns à usucapião: 1) Posse justa; 2) Ânimo de dono (animus domini); 2) Posse mansa, pacífica e ininterrupta.
A sentença de reconhecimento da usucapião tem natureza declaratória.
As espécies de usucapião previstas no ordenamento jurídico são as que passamos discorrer.
1- Usucapião extraordinária: a qual não se exige justo título e nem boa-fé, bastando a posse justa, ânimo de dono, posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo de 15 anos , no caso de bem imóvel e 05 anos quando o bem for móvel
Observamos quanto à usucapião extraordinária há uma redução para 10 anos no caso de bem imóvel, quando for moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
2- Usucapião Ordinária: Exige-se justo título, boa-fé, posse justa, ânimo de dono, posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo de 10 anos.
Justo título é o documento que seria capaz de transferir o domínio, se fosse emitido pelo verdadeiro dono, ou estivesse isento de defeitos ou vícios. Ex.: aquisição a non domino; cônjuge que aliena imóvel sem autorização do outro; procurador com procuração falsa; alienante relativamente incapaz. Em regra, o justo título compreende os atos anuláveis.
A boa-fé consiste na crença do possuidor na legitimidade de sua posse, por ignorar o vício ou obstáculo que impede a aquisição. Exige-se a boa-fé apenas no início da prescrição, não há necessidade de existir durante todo o curso do prazo prescricional.
3- Usucapião tabular ou de livro ou de documento, que é a convalescência, em razão do decurso do tempo, de um registro inválido da propriedade ou de outro direito real. Ocorre na nulidade relativa. Caso a nulidade for absoluta a ação é imprescritível, mas na hipótese do possuidor, cujo título seja nulo, preencher os requisitos da usucapião extraordinária, o registro, através da via indireta da usucapião, também se convalidará.
4- Usucapião especial urbana ou pro moradia ou pro misero: não se exige justo título e nem boa-fé.
Incide sobre área urbana de até 250 m², exigindo cinco anos ininterruptos, residência do usucapiente ou de sua família, os quais não podem ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Não é permitido cindir o imóvel para usufruir da usucapião especial.
5- Usucapião especial rural pro labore ou rural é o destinado a área de terra em zona rural, não superior a 50 ha, tendo nele fixado a sua moradia, tornando a área produtiva por seu trabalho ou de sua família. O prazo é de 05 (cinco) anos. Não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Estrangeiro também pode requerer.
Inadmissível na usucapião especial rural a soma de posses, pois a lei exige a posse pessoal do possuidor.
6- Usucapião especial coletiva irá ocorrer se preencher os seguintes requisitos: a) que se trate de um núcleo urbano informal; b) que o lote de cada possuidor seja inferior a 250 m²; c) 05 (cinco) anos de posse; d) posse justa, a lei não exige a boa-fé ; e) que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
7- Usucapião familiar: o cônjuge ou companheiro pode usucapir a meação do imóvel urbano do outro que abandonou o lar injustificadamente há mais de dois anos.
É possível o reconhecimento e registro da usucapião pela via administrativa nos Cartórios de Registros de Imóveis.
Os documentos necessário para o reconhecimento extrajudicial da usucapião são os seguintes:
1) Ata notarial: atestando o tempo de posse do requerente e, se o caso, dos seus antecessores;
2) Planta do imóvel e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional;
3) Certidões negativas do distribuidor judicial da comarca do imóvel e do domicílio do requerente;
4) documentos que comprovem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo de posse. Ex.: pagamento de impostos e taxas sobre o imóvel. Na ausência, a posse e os demais dados necessários
5) anuência dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes.
5– DIREITO REAL DE LAJE
O direito real de laje consiste no fato do proprietário de uma construção-base permitir que um terceiro edifique uma nova unidade imobiliária autônoma acima da superfície ou abaixo da superfície inferior daquela construção.
O direito real de laje foi incluído pela Lei 13.465/2017, a qual incluiu os artigos 1.510-A a 1.510-B no Código Civil.
Pode ser instituído sobre imóvel urbano ou rural. Imóveis residenciais ou não. Exemplo: garagem subterrânea.
O direito real de laje verifica-se por concreção ou por cisão:
Por concreção será quando se constrói sobre uma laje vazia. É a cessão da superfície ou do subsolo de uma construção para que se edifique outra construção.
Por cisão é quando já existe uma construção sobre ou abaixo de uma construção-base e o proprietário da construção-base aliena a outra construção sobreposta para que seja constituído o direito real de laje.
A mencionada laje deverá estar isolada da construção original, constituindo habitação distinta e o modo de acesso à unidade constituída deverá ser independente da construção original.
A ruína da construção-base implicará a extinção do direito real de laje, a qual somente não ocorrerá se estiver sido instituído sobre o subsolo ou se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos, consoante artigio 1.510-E do Código Civil.
6 - A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA
A previsão legal está inserida no Artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, que diz que a propriedade atenderá a sua função social, e também no artigo 183, § 1º, Constituição Federal, que trata da concessão de uso.
A concessão de uso especial para fins de moradia foi introduzida inicialmente de fato pela Medida Provisória nº 2.220/2001. Posteriormente a Lei 11.481/2007 a incluiu no rol de direitos reais do artigo 1225 do Código Civil. Já a Lei 13.465/2017, reiterou, em seu artigo 55, a presença da concessão do direito real de uso no rol dos direitos reais, realizando outros acréscimos importantes.
Quanto à natureza jurídica, observamos que a concessão de uso especial para fins de moradia é direito real sobre coisa alheia, classificado como direito real limitado de gozo ou fruição.
O objeto da concessão é área pública urbana, razão pela qual o título a ser conferido é a concessão de direito de uso e não a propriedade, visto que não é possível usucapião de bem público, conforme previsão do artigo 191, parágrafo único, da Constituição Federal.
Os requisitos para obter a concessão de uso especial para fins de moradia são: a posse até 22 de dezembro de 2016; que as pessoas beneficiadas sejam pessoas de baixa renda; que ocupem imóvel público urbano com área de até 250 m²; por cinco anos ininterruptos e sem oposição; que esta área seja utilizada para sua moradia ou de sua família.
A concessão é realizada de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, desde que não sejam proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural.
A concessão não será reconhecida ao mesmo concessionário mais de uma vez.
Admite-se a accessio possessionis, que é a soma ou adição da posse, permitindo ao possuidor acrescentar a sua posse a dos seus antecessores, desde que seja herdeiro legítimo e já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Verificamos assim que o Estado reconhece o problema fundiário, principalmente as moradias irregulares, como as favelas, cortiços, passando a trabalhar na regularização destas aglomerações urbanas.
A concessão de uso especial de moradia também pode ser concedida na forma coletiva.
Os imóveis com área superior a 250 m² também podem ser objeto de concessão de uso especial para fins de moradia, desde que contando com diversos possuidores o resultado da área dividida a cada um deles não seja superior a 250m².
Aqui também o possuidor pode, para completar o período de cinco anos de posse, acrescentar a sua posse à de seu antecessor, desde que ambas sejam contínuas.
Será atribuída fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo se apresentado acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas, desde que nenhuma fração seja superior a 250 m².
Há situações que a concessão do direito real de uso especial da moradia ocorrerá em local diverso daquele que às pessoas ocupam, situações que serão verificadas quando ocorrerem riscos à segurança e saúde; quando os bens forem de uso comum do povo; forem destinado a projeto de urbanização; de interesse da defesa nacional; da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; reservado à construção de represas e obras congêneres; ou situados em via de comunicação.
Importante ressaltar que este direito é transferível por ato inter vivos ou causa mortis.
O direito à concessão de uso especial para fins de moradia extingue em duas hipóteses legais: 1) no caso do concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família; 2) o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural.
Há previsão legislativa também para autorização de uso para fins comerciais, que é uma faculdade do poder público.
Para autorização de uso para fins comerciais é exigido: posse de 05 (cinco) anos ininterruptos e sem oposição, em área ate 250 m², situada em área com características e finalidade urbanas para fins comerciais. Será concedida de forma gratuita, podendo o possuidor acrescentar a sua posse à de seu antecessor, contando que ambas sejam contínuas.
O título de concessão de uso deverá ser registrado no Registro de Imóveis da circunscrição territorial do bem (princípio da territorialidade). O título hábil é o termo administrativo de concessão ou o mandado judicial ou sentença declaratória de concessão.
Ressalta-se que uma vez preenchido os requisitos, a concessão será efetuada, não tendo à Administração o poder de recusá-la, mas apenas de determinar que incida sobre outro imóvel nas hipóteses dos artigos 4º e 5º da Medida Provisória nº 2220/2001.
A concessão de uso especial para fins de moradia pode ser objeto de hipoteca, conforme artigo 1473, inciso VIII, do Código Civil.
7 – DA CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO
Quanto à concessão de direito real de uso, levantamos a seguintes legislações aplicáveis:
. Decreto-lei nº 271/67
. Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), artigo 5º, inciso V.
. Medida Provisória 2.220/2001, introduziu a concessão de direito real de uso no rol do inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73, como direito passível de registro.
. Lei 11.481/2007, incluiu como direito real no artigo 1225, inciso XII, do Código Civil, a cessão de direito real de uso.
. Lei 13.465/2017, a concessão de direito real de uso foi elencada Omo um dos instrumentos jurídicos da Reurb (regularização fundiária urbana), artigo 15.
O artigo 1225, inciso XII, do Código Civil traz, dentre os direitos reais, a concessão de direito real de uso, modalidade que também é prevista no artigo 4º, inciso V, “g”, do Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001).
O direito real de uso também é passível de hipoteca (artigo 1.473. inciso IX e parágrafo 2º do Código Civil) e alienação fiduciária de bens imóveis (artigo 22, da Lei 9.514/97).
A concessão de direito real de uso reveste-se das seguintes características: a) pode ser gratuita ou onerosa; b) admite estipulação por tempo certo ou indeterminado; c) é direito real resolúvel; d) tem por finalidade a regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seu meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social e áreas urbanas; e) admite transmissão por ato inter vivos ou causa mortis; f) É outorgada por termo administrativo ou escritura pública; g) requer registro no Cartório de Registro de Imóveis.
De acordo com Helly Lopes Meirelles, trata-se de contrato por meio do qual a Administração Pública, por um período de tempo determinado ou não, transfere, de forma onerosa ou gratuita, o uso de terreno público ou privado. O concessionário, em contrapartida, tem o compromisso de usar o imóvel de acordo com os fins previstos em lei. Isso é feito em prol do princípio da supremacia do interesse público, impossibilitando especulações imobiliárias desfavoráveis a coletividade.
O direito da concessão de direito real de uso não permite a transmissão da propriedade, a qual continua sob a titularidade do Poder Público. Haverá tão somente a concessão da fruição do bem público, determinada pelos interesses social e público, que pode ser transmitida inter vivos e causa mortis. Mas a propriedade se mantém no Poder Público.
Assim, a cessão do direito real de uso concedido é lícita, nos termos do §4º do artigo 7º do Decreto-lei 271/67, in verbis: “ a concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência”.
CONCLUSÃO FINAIS
Desde o momento que o ser humano deixou de ser nômade, passando a Revolução Agrícola e fixando a sua moradia em comunidades, passou a ser de fundamental importância o direito de habitar determinado lugar, que ali possa definir como seu e de sua família.
Nesta linha de raciocínio que ganha importância a organização dos Estados. O Estado brasileiro assegurou em diversas passagens de sua Constituição a função social que deve envolver a propriedade.
Cumprindo a função social, a posse é facilitada, adotando a teoria objetiva de Ihering e conferindo proteção possessória aos possuidores que exercem de fato alguns dos poderes inerentes a propriedade (uso, gozo, fruição e disponibilidade).
A posse prolongada leva à aquisição originária da propriedade pela usucapião, a qual, cumprindo a sua função social, é facilitada quanto ao tempo e cumprimento dos requisitos para quem fixa nela a sua moradia, não possuindo outra, ou, no caso da rural, a torna produtiva pelo seu trabalho ou de sua família.
O direito real de laje, recente inovação trazida para o Código Civil no ano de 2017, tem o escopo de regularizar habitações que de fato sempre constituíram unidade autônoma, mas não podiam ter ingresso no Registro Imobiliário, visto que construído sobre terrenos já edificados, com matrículas já registradas.
Permite o Estado agora, sob o manto do instituto do direito real de laje, que se forme nova unidade autônoma, edificando numa mesma área, beneficiando assim com a moradia principalmente familiares como os filhos, genros e noras, que possuindo poucas condições econômicas acabam edificando sobre construção já existente.
A regularização fundiária urbana, buscando alcançar principalmente pessoas que ocuparam áreas irregulares, formando em sua maioria cortiços e favelas, revelou-se preocupação do Estado, erigindo em regramento legislativo, dando oportunidade as pessoas de regularizarem a sua moradia, fazendo uso do instituto da concessão de uso especial para fins de moradia.
A concessão de direito real de uso também é importante instituto de regularização fundiária, principalmente tratando-se de áreas públicas que não podem ser objeto de usucapião, como, por exemplo, os terrenos da Marinha.
A busca pela função social da propriedade deverá sempre ser objetivo do Estado, sendo notável o avanço com o Código Civil e Lei 13.465/2017, as quais trouxeram importantes inovações legislativas, principalmente quanto à regularização fundiária. São institutos novos, alguns ainda de pouca aplicação prática, dependendo da conscientização principalmente dos aplicadores do direito e do Poder Executivo, mais já é um passo importante em direção a garantia da função social da propriedade.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gerson Maia da. Função social da posse, da usucapião e dos direitos reais de laje, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de uso. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2024, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65604/funo-social-da-posse-da-usucapio-e-dos-direitos-reais-de-laje-concesso-de-uso-especial-para-fins-de-moradia-e-concesso-de-uso. Acesso em: 24 nov 2024.
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