RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar se há, na Constituição Federal da República, um mandado de criminalização da homofobia e da transfobia e, em sendo a resposta positiva, se o Supremo Tribunal Federal poderia ter reconhecido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n.º 26/DF, a inconstitucionalidade por omissão à regulamentação dos incisos XLI e XLII do artigo 5º da Constituição Federal. O método de análise será exclusivamente jurisprudencial, dogmático e doutrinário, por meio do estudo dos autos da ADO n.º 26/DF e da doutrina especializada. A tese principal é a de que há omissão inconstitucional na criminalização da homotransfobia no Brasil, ante o descumprimento do mandado constitucional previsto no art. 5º, incisos XLI e XLII, da Constituição Federal.
PALAVRAS-CHAVE: Homofobia; Transfobia; Homotransfobia; Mandados de Criminalização; Art. 5º, XLI e XLII, da CF/88; ADO 26/DF.
ABSTRACT: This article aims to analyze whether there is, in the Federal Constitution of the Republic, a mandate to criminalize homophobia and transphobia and, if a positive response, whether the Federal Supreme Court could have recognized, in the judgment of the Direct Action of Unconstitutionality for Omission No. 26/DF, unconstitutionality due to failure to regulate items XLI and XLII of article 5 of the Federal Constitution. The method of analysis will be exclusively jurisprudential, dogmatic and doctrinal, through the study of the records of ADO no. 26/DF and specialized doctrine. The main thesis is that there is an unconstitutional omission in the criminalization of homotransphobia in Brazil, due to non-compliance with the constitutional mandate provided for in art. 5th, items XLI and XLII, of the Federal Constitution.
KEYWORDS: Homophobia; Transphobia; Homotransphobia; Criminalization Warrants; Items XLI and XLII of article 5 of the Federal Constitution; ADO no; 26/DF.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Do alegado descumprimento do dever constitucional de criminalizar a homofobia e a transfobia no brasil (incisos XLI e XLII); 3. Do artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal; 4. Do artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal; 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Para dar início à discussão que se empreende neste trabalho, a qual desembocará na conclusão acerca da existência ou não de omissão inconstitucional no caso objeto de análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO n.º 26/DF, é indispensável que se parta da origem e da conceituação do fenômeno da inconstitucionalidade por omissão, bem como dos requisitos necessários à sua configuração.
Preliminarmente, no que se refere ao conceito amplo de inconstitucionalidade, entende Jorge Miranda se tratar de uma “relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”[1].
Sustentando a incompletude do conceito acima transcrito, o Ministro Gilmar Mendes, também doutrinador, em referência à expressão de Orlando Bittar em obra de sua autoria, explica que a ideia de constitucionalidade ou inconstitucionalidade não se resume à conformidade ou não com a Constituição. Vejamos:
Assim, (...) dir-se-á que constitucional será o ato que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente competente e sob a forma que a Constituição prescreve para a sua perfeita integração; inconstitucional será o ato que incorrer em sanção – de nulidade ou de anulabilidade – por desconformidade com o ordenamento constitucional[2] (grifos acrescidos).
Da leitura de ambos os excertos se extrai que é inconstitucional todo ato normativo, primário ou secundário, legal ou infra legal, administrativo ou legislativo, que se mostrar incompatível com as normas (princípios e regras) da Constituição Federal e, em razão disso, como sanção – constitucional, por assim dizer, já que não ostenta caráter de punição no âmbito cível ou penal –, puder ter declarada a sua invalidade na ordem jurídica.
Ocorre, contudo, que o entendimento acima consubstanciado envolve apenas os atos que, válidos ou não sob a perspectiva constitucional, já foram inseridos no ordenamento jurídico. É dizer: passaram pelo prévio processo administrativo ou legislativo necessário à sua elaboração e entraram em vigência, produzindo efeitos.
Trata-se da chamada inconstitucionalidade por ação, que, segundo ensinam Nelson Nery Junior e Georges Abboud, “é a inconstitucionalidade positiva e consistente na prática de ato jurídico-público que, por qualquer de seus elementos, infringe a Constituição”[3].
Para casos tais, a própria Constituição da República prevê ações específicas do controle concentrado de constitucionalidade aptas a atacar o ato normativo já vigente, mas eivado de nulidade: a Ação Direta de Inconstitucionalidade por ação (ADI) e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Essas ações se encontram previstas, respectivamente, no art. 102, I, alínea “a” e 102, §1º, do texto constitucional.
Tendo em vista não haver espaço, na presente discussão, para abordar os aspectos relativos aos objetos específicos das ações acima referidas, mister se faz adentrar no ponto que findará na análise das ações voltadas à declaração de inconstitucionalidade por omissão de ato normativo.
Nessa senda, sob outro aspecto, há também a possibilidade de se reconhecer a chamada inconstitucionalidade por omissão, que, nos dizeres de Gilmar Mendes, pressupõe a observância de um dever constitucional de legislar, conforme abaixo se vê:
A omissão legislativa inconstitucional pressupõe a observância de um dever constitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explícitos da Lei Magna como de decisões fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação[4].
Como é cediço, o direito das obrigações nos traz a noção que a todo direito se contrapõe um dever. Por exemplo, quando a Constituição prevê, em seu art. 5º, inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, extrai-se que é direito de toda a classe consumidora receber proteção estatal. Por outro lado, é, na mesma medida, dever do Estado promover tal proteção por meio da implementação de legislação protetiva, instituição de políticas públicas, criação de órgãos responsáveis pela defesa do consumidor etc.
Tomando isso como base, pode-se inferir que o legislador – a que se restringe a presente análise – poderá atuar de três maneiras: (i) primeiro, respeitando o mandamento constitucional e, por consequência, editando leis conforme dispõe a Constituição; (ii) segundo, atuando de maneira completamente desidiosa, olvidando-se de seu dever constitucional de legislar e deixando um grupo ou grupos de cidadãos sem o manto da proteção estatal; e, por fim, (iii) terceiro, atuando de força insuficiente, legislando sem cumprir, de forma integral, o seu dever constitucional, deixando, só que dessa vez em menor medida, cidadãos ou grupos de cidadãos sem a proteção determinada por meio da Lei Maior.
Desse último ponto (iii) decorre a existência da inconstitucionalidade por omissão total ou parcial. Acerca do assunto, preleciona Gilmar Mendes: “tem-se a omissão absoluta ou total quando o legislador não empreende a providência legislativa reclamada. Já a omissão parcial ocorre quando um ato normativo atende apenas parcialmente ou de modo insuficiente a vontade constitucional”[5].
A par disso, e restringindo-se ao recorte da presente discussão, a inconstitucionalidade por omissão, parcial ou total, encontra previsão no art. 103, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)[6].
O fenômeno da inconstitucionalidade por omissão surgiu a partir da promulgação da CRFB/88, quando o constituinte originário incluiu nas atribuições do Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a qual funciona, até hoje, como mecanismo fundamental do controle concreto, objetivo e difuso de constitucionalidade.
Acerca da origem da ADO, Gilmar Mendes, em artigo intitulado “Jurisdição Constitucional no Brasil: o problema da omissão legislativa inconstitucional”, destaca o seguinte:
Ao lado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) criou-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), que, tal como a ADI, não tem outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais ou de relações subjetivadas, mas visa, precipuamente, à defesa da ordem jurídica[7].
Nesse ínterim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), surgida em 1988, própria do processo objetivo do controle de constitucionalidade, tem como metas combater a síndrome da inefetividade das normas constitucionais; salvaguardar a força normativa da Constituição; e evitar os desmandos e as arbitrariedades cometidas por parte das autoridades legislativas em desrespeito aos direitos fundamentais.
Em suma, a ADO existe para minorar os efeitos da omissão legislativa inconstitucional, notadamente provocando a atuação do Poder Legislativo na elaboração das normas exigidas, explícita ou implicitamente, pela Constituição da República.
No âmbito infraconstitucional, o processo e o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão são regulados pela Lei n.º 9.868/1999, que a regula em seu Capítulo II-A, englobando aspectos referentes à admissibilidade e ao procedimento da ADO (Seção I); à possibilidade de concessão de medida cautelar em sede de ADO (Seção II); e à decisão a ser proferida na ADO (Seção III).
Vê-se, assim, que apesar da clara lentidão na edição da legislação acima referida – onze anos após a previsão constitucional –, há, hoje, no ordenamento pátrio, significativo aparato jurídico direcionado ao enfrentamento da inércia das Casas Legislativas.
Em tempos de pós-positivismo jurídico, que, consoante ressalta Gilmar Mendes (2015, p. 53), tem como principal característica “a superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade” [8], não há mais espaço para a desídia do Poder Legislativo na implementação dos mandamentos constitucionais.
No contexto, emerge o Supremo Tribunal Federal, responsável, segundo reza o art. 102, caput, da CRFB/88, pela guarda da Constituição, como principal órgão de jurisdição constitucional, competente para o exercício do controle concentrado federal de constitucionalidade das leis ou atos normativos elaborados – ou não elaborados, nos casos de omissão legislativa – no país.
Além da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, própria do controle de constitucionalidade, que inaugura processo objetivo, há também, com o fim precípuo de combater a inefetividade de normas constitucionais, o Mandado de Injunção, remédio constitucional previsto no art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal e regulamentado, no âmbito infraconstitucional, pela Lei n.º 13.300/2016 (frise-se: vinte e oito anos depois da promulgação da CF/88).
Contudo, apesar de ambos combaterem a omissão legislativa, há diferenças significativas entre os institutos, às quais serão a seguir resumidas.
Inicialmente, o rol de legitimados ativos para a propositura da ADO é taxativo e se encontra previsto no art. 103, incisos I a IX, da Constituição Federal, reproduzido no art. 2º da Lei n.º 9.868/1999. Já o MI não prevê rol de legitimados ativos de forma taxativa, de modo que, segundo extrai-se da leitura dos artigos 2º e 3º da Lei n.º 13.300/2016, serão legitimados ativos para a impetração do MI as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, liberdades ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.
Quanto ao objeto das referidas ações, a ADO, de acordo com o que preleciona Gilmar Mendes (2015, p. 1200), visa a confutar “a mera inconstitucionalidade morosa dos órgãos competentes para a concretização da norma constitucional” [9]. Vê-se, assim, que o alvo da ADO é a omissão inconstitucional genérica, que pode estar relacionada ao exercício de direito (s) fundamental (is) ou não.
Por sua vez, o MI, conforme prevê o art. 5º, LXXI, da CF/88, limita-se ao pleito de regulamentação de norma que torne viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Ou seja, não se enquadrando em tais hipóteses (de direitos fundamentais), a mora legislativa relativa a direitos e garantias (outros, que não fundamentais) previstos na CF/88 será combatida por meio de ADO.
Nessa esteira de entendimento, Gilmar Mendes (2015, p. 1224) explica que:
O mandado de injunção há de ter por objeto o não cumprimento de dever constitucional de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionalmente assegurados (falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania).
Outrossim, no que se refere à competência para o processamento e julgamento dessas ações, a ADO será de competência privativa (indelegável) do Supremo Tribunal Federal, na dicção do art. 102, I, alínea “a”, da CF/88. O MI, por outro lado, não é de competência exclusiva do STF, que poderá recebê-lo no exercício de sua competência originária (art. 102, alínea “q”, da CF/88) ou derivada (art. 102, II, alínea “a”, da CF/88); podendo ser processado e julgado também, por exemplo, pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, alínea “h”, da CF/88) ou pelos Tribunais de Justiça Estaduais (art. 125, §1º, da CF/88).
Fincadas as bases acima, questão que atine à presente discussão é a relativa aos critérios analíticos utilizados pelo julgador para a constatação da ocorrência de omissão legislativa. É que não poderá o Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, usurpar da competência típica do Poder Legislativo, passando a legislar deliberadamente sempre que observar a ausência de concretização de um comando constitucional.
Com efeito, deverá o STF, fundamentando-se em dados concretos, demonstrar a ocorrência de omissão legislativa por meio da constatação objetiva de requisitos essenciais à sua configuração. Agindo de tal forma, estará o órgão homenageando o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º, caput) e atuando dentro de sua esfera de competência.
Sobre o assunto, o Ministro Celso de Mello, no voto proferido nos autos da ADO n.º 26/DF, objeto da presente análise, destaca que:
(...) para que possa atuar a norma pertinente ao instituto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e a constatação de inércia congressual, de outro, de tal forma que, inadimplida a obrigação jurídico-constitucional de produção de provimentos legislativos, tornar-se-á possível imputar comportamento moroso ao Estado (ao Poder Legislativo da União, no caso), e reconhecer admissível, para efeito de eventual colmatação da omissão denunciada, o acesso legítimo à presente ação de controle normativo abstrato. (STF, 2019, on-line)[10] (grifos acrescidos).
A partir do trecho acima transcrito, conclui-se, nas palavras do Ministro Celso de Mello, que a omissão inconstitucional se configura a partir da união de dois requisitos objetivos: (i) a imposição constitucional de legislar e (ii) a inércia congressual.
Numa análise perfunctória, ambos os requisitos aparentam ser de fácil visualização, mas, na realidade, a gama de variáveis que envolve tais critérios finda por tornar a discussão densa e complexa.
Inicialmente, antes da conclusão acerca da ocorrência ou não de omissão inconstitucional, há que se responder à seguinte questão: haverá inércia legislativa mesmo que o Congresso Nacional já tenha iniciado o processo legislativo de elaboração da norma responsável por concretizar o mandamento constitucional, como foi, o que ocorreu no presente caso?
Tradicionalmente, vinha o STF entendendo que, caso já se houvesse iniciado o processo legislativo, não havia que se cogitar em omissão inconstitucional por parte do legislador. Esse parece ter sido o entendimento predominante até 2007, como fixado pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.495[11].
Ora, é fato que há temas deveras sensíveis, que demandam discussões complexas e longas, notadamente pela exigência de difíceis negociações nas comissões e nos plenários das duas Casas Legislativas, o que torna inviável a conclusão das respectivas obras legislativas em prazo exíguo.
Todavia, é preciso pontuar que a complexidade de alguns temas não dá aos parlamentares carta branca para atuar de forma desidiosa, em completo desrespeito à ordem constitucional e aos próprios fundamentos democráticos. Não foi outra a conclusão a que se chegou o Ministro Gilmar Mendes, na relatoria da ADI n.º 3682/MT[12].
Sendo assim, o STF, a partir do julgamento acima referido, em 2007, alterou seu entendimento, para assinalar que o estado de mora legislativa poderá ocorrer tanto na fase exordial ou inaugural (inertia agendi), quando as Casas Legislativas deixam de promover a iniciativa do projeto da lei que irá concretizar o mandamento constitucional, quanto na fase de deliberação sobre as proposições já veiculadas (inertia deliberandi).
Dessa forma, evidenciada a superação excessiva de prazo razoável, inércia abusiva e inconstitucional do Poder Legislativo, seja na fase inaugural, seja na fase de deliberação; e constatada a existência de mandamento constitucional de legislar, configurada estará a omissão inconstitucional.
Assim ocorrendo, prima facie, a intervenção do Poder Judiciário, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, será legítima, nos termos do que dispõe o art. 102, I, alínea “a”, da Constituição Federal e a Lei n.º 9.868/1999, no que se refere às disposições relativas à ADO ali previstas.
2. DO ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO DEVER CONSTITUCIONAL DE CRIMINALIZAR A HOMOFOBIA E A TRANSFOBIA NO BRASIL (IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL?)
No que tange ao caso sob análise, que envolve o pleito de tipificação penal das práticas discriminatórias de homofobia e transfobia, urge ressaltar que a presente discussão foi levada ao Plenário do Supremo Tribunal Federal por meio do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n.º 26/DF e do Mandado de Injunção n.º 4.733/DF, dois instrumentos próprios ao combate de omissões inconstitucionais – nesta hipótese, relativa a direitos fundamentais.
Tendo em vista a identidade de objeto entre ambas as ações próprias da jurisdição constitucional, as referidas ações terão julgamento único, sob o fim de evitar decisões conflitantes ou contraditórias, já que apresentam conexão entre si (CPC/15, art. 55, §3º).
O objeto, em síntese, das ações acima referidas é a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia. Para fundamentar o pedido principal, sustentam os autores que a criminalização específica seria mera decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art. 5º, inciso XLII, da CF/88) e de combater todas as discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, inciso XLI, da CF/88), na qual se incluiriam as duas espécies de ignorância psicológica aqui tratadas.
Levando-se em consideração que o presente estudo tem como objetivo revisitar e contrapor, técnico-juridicamente, as teses argumentativas defendidas pelo Min. Celso de Mello na relatoria da ADO n.º 26/DF, a análise a seguir somente se fará restrita a essa última ação constitucional, malgrado, por óbvio, de forma inevitável, eventualmente também se faça referência aos pormenores do objeto do MI n.º 4.733/DF, conexo à ADO n.º 26/DF, como visto.
Buscando dar início ao debate acerca da criminalização da homofobia e da transfobia, o Partido Popular Socialista – PSS, autor da ADO n.º 26/DF, partindo do pressuposto de que tais práticas discriminatórias estariam inseridas nos comportamentos subsumíveis à noção de racismo, na latitude dessa expressão, arguiu que a Lei n.º 7.716/89, ao prever sanção penal tão-somente para a discriminação oriunda de preconceitos de cor, etnia, religião ou procedência nacional, teria negligenciado quanto às demais formas de racismo a que se refere o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. Nesse sentido, veja-se:
O fundamento em que se apoia a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor nesta sede processual reside, essencialmente, na alegação de que a homofobia e a transfobia caracterizariam comportamentos subsumíveis à noção de racismo, tal como concebida, na latitude dessa expressão, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do caso Ellwanger (HC 82.424/RS), de tal modo que o legislador ordinário, ao restringir-se, tão somente, a dispensar tutela penal em relação às práticas discriminatórias resultantes de preconceito de cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei n.º 7.716/89), teria realizado de maneira incompleta o que impõe o texto constitucional, vulnerando, desse modo, por omissão, o que estabelece a Lei Fundamental da República (CF, art. 5º, XLII)[13].
De outro modo, além da alegação de que a homofobia e a transfobia estão inseridas no conceito amplo e moderno de racismo, essas práticas de discriminação dirigidas contra os integrantes da comunidade LGBT, segundo sustentado pelo PPS, também se encontram abrangidas pelo mandamento constitucional de criminalização constante do art. 5º, inciso XLI, que determina que “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” será punida pela lei:
Alega-se, de outro lado, que a discriminação dirigida contra os integrantes da comunidade LGBT, além de estar compreendida na noção conceitual de racismo (CF, art. 5º, XLII), encontra-se igualmente alcançada pela norma constitucional que preconiza a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (CF, art. 5º, XLI), a significar, de acordo com o autor, que também essa cláusula constitucional submete o Congresso Nacional à obrigação de editar o diploma legislativo necessário à incriminação dos atos e comportamentos resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero[14].
Tratando do tema, José Afonso da Silva (2015, p. 227), em tópico intitulado “O princípio da não discriminação e sua tutela penal”, pondera que os incisos ora invocados (XLI e XLII) obrigam o legislador a tipificar as condutas sociais discriminatórias, como se vê a seguir:
A Constituição traz agora dois dispositivos que fundamentam e, mais do que isso, exigem normas penais rigorosas contra discriminações. Diz-se num deles que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, e o outro, mais específico porque destaca a forma mais comum e não menos odiosa de discriminação, para estabelecer que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei (art. 5º, respectivamente, incisos XLI e XLII)[15].
Nesse diapasão, a fim de adentrar de modo mais profundo na análise dos dispositivos invocados pela agremiação partidária para sustentar o pleito de tipificação penal da homofobia e da transfobia, faz-se mister a análise, em separado, dos incisos XLI e XLII, do art. 5º, da Constituição Federal.
3. DO ARTIGO 5º, INCISO XLII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA DE 1988
Por opção metodológica, o inciso XLII, do art. 5º, da Constituição Federal será objeto inicial de investigação, porquanto envolve uma análise específica da doutrina do “racismo social”, que culmina na conclusão acerca da possibilidade ou não de se aplicar a Lei de Racismo aos casos de homofobia e transfobia, pedido principal da ADO n.º 26/DF.
O inciso XLI, do artigo 5º, da Constituição Federal, por outro lado, funciona na ADO n.º 26/DF como causa de pedir complementar, que somente dá causa ao pedido de reconhecimento da alegada omissão legislativa inconstitucional.
Dessa forma, a fim de averiguar os limites interpretativos que se pode alcançar por meio da utilização desse inciso como base argumentativa para a criminalização da homotransfobia, é válido que se parta da literalidade do texto.
Tem-se, então, na Constituição Federal da República, que:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Como é cediço, todo o art. 5º, bem como seus incisos, se encontra inserido no Título II da Constituição Federal, que engloba os chamados “Direitos Fundamentais”. Leonardo Martins, em sua obra jurídica intitulada “Teoria Geral dos Direitos Fundamentais”, elaborado em coautoria com o Dimitri Dimoulis, conceitua direitos fundamentais da seguinte forma:
Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual[16].
Por conseguinte, é indubitável que o inciso XLII, do art. 5º, da Constituição Federal, traz para o ordenamento jurídico constitucional direito público subjetivo, que, por sua vez, tem aplicação imediata, segundo determina o art. 5º, §1º, também da CF.
Acerca da titularidade dos direitos enunciados no art. 5º da CF, Leonardo Martins anuncia que são somente os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil[17].
É dizer, então, que os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, caso possam sofrer racismo, em qualquer de suas formas, têm direito público subjetivo de ver concretizado o mandamento constitucional referente à criminalização dessa forma de discriminação e preconceito. Ou seja, a eles deve ser garantida legislação penal que comine sanção àqueles que praticarem racismo.
Com base na doutrina constitucional norte-americana, importada por José Afonso da Silva em seu livro “Aplicabilidade das normas constitucionais”, que divide as normas constitucionais em self-executing e not self-executing, sendo aquelas “as desde logo aplicáveis, porque revestidas de plena eficácia jurídica, por regularem diretamente as matérias, situações ou comportamentos que cogitam”[18], e estas “são as de aplicabilidade dependente de leis ordinárias”[19], a norma incutida no inciso XLII do art. 5º da CF/88 é uma norma not self-executing, ou não auto executável.
De fato, no momento em que o constituinte atribuiu à lei (em sentido estrito = legislação infraconstitucional) a tipificação do crime de racismo, o cumprimento do mandamento constitucional passou a ser submetido à boa vontade do legislador ordinário.
Outrossim, a título de complementação, pode-se inferir também que a norma jurídico-constitucional ora em riste classifica-se, na esteira da divisão tripartite levada a efeito por José Afonso da Silva, como de eficácia limitada ou reduzida.
Nesse diapasão, ao lado das normas constitucionais de eficácia plena e as de eficácia contida, as normas de eficácia limitada são assim denominadas porque, na dicção do próprio José Afonso da Silva (2014, p. 82-83):
(...) não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.
(...). As normas de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade[20].
Assim, no mister de cumprir com a determinação constitucional, realizando a eficácia integrativa da norma, o legislador ordinário promulgou, em 5 (cinco) de janeiro de 1989, a Lei n.º 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Logo no artigo 1º do referido texto legal, verifica-se que, à época, se julgou prudente e adequado tipificar, tão-somente, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, não incluindo, ali, os relativos à orientação sexual ou identidade de gênero, mesmo com todo o histórico de violência homofóbica e transfóbica que o Brasil já carregava naquele contexto.
Ocorre que, à primeira vista, a partir de uma análise superficial e baseada no que usualmente (senso comum) se entende como racismo, o legislador, por meio da edição da Lei n.º 7.716/89, parece ter se desincumbido do papel que a Constituição lhe atribuíra: tipificar a conduta de racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
É que o surgimento do conceito de “racismo” está intrinsecamente ligado à ideia de divisão da espécie humana em raças, possibilitando que certos agrupamentos humanos, com características físicas similares (brancos), se autoconsiderassem superiores com relação a outros agrupamentos humanos, com características físicas diferentes dos primeiros (negros).
Sobre esse aspecto histórico, Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro entendia
(...) a desigualdade racial persistente na sociedade brasileira, em primeiro lugar, como um “resíduo do antigo regime” (Fernandes, 1978, I: 268). Para ele também, a sociedade escravista representava um mundo dicotomizado entre brancos e negros, “dois mundos cultural e socialmente separados, antagônicos e irredutíveis um ao outro” (Fernandes, in: Bastide e Fernandes, 1971:91). “Na verdade, diz o autor, senhores e escravos formavam duas ‘sociedades’ distintas, que coexistiam no seio de uma ordem social inclusiva” (:95)[21].
Ou seja, há não muito tempo a sociedade brasileira, e de diversos outros países no globo terrestre, não só legitimou como institucionalizou a escravidão, já que, inclusive legalmente, o negro não passava de uma coisa, um bem com todas as suas consequências jurídicas: possibilidade de instituição de condomínio, alienação, permuta, empréstimo etc. Sobre o cenário jurídico, Teixeira de Freitas ilustra que os escravos, para o Direito à época, eram considerados bens móveis, figurando como acessórios dos bens imóveis[22].
Destaca-se que, apesar da libertação, em tese, dos escravos por meio da assinatura da Lei Áurea em 1888, a população negra, até os dias atuais, ainda se depara com manifestações, veladas/discretas e explícitas, de discriminação e preconceito em razão de sua cor e/ou etnia, principalmente porque, durante muito tempo, foi incutido na sociedade a existência de grupos superiores (brancos), aos quais os negros estariam subjugados.
A discriminação racial era – e ainda é, mesmo que significativamente reduzida nos dias atuais – tanta que havia especialistas, na metade do século XIX, a exemplo do médico Samuel Morton, que defendia que os seres humanos poderiam ser classificados em cinco raças, cada qual resultante de um ato distinto de criação. Não por outra razão o pesquisador é conhecido como o pioneiro do racismo científico, como descrito em reportagem da National Geographic[23].
Contudo, em que pese as poucas vozes no sentido contrário, a comunidade científica moderna tem, praticamente de forma uníssona, afirmado que não há evidências de que a espécie humana é dividida em raças (ou sub-raças). É o que afirma, por exemplo, Sérgio Pena, pesquisador na Universidade Federal de Minas Gerais; para ele:
As diferenças icônicas de ‘raças’ humanas correlacionam-se bem com o continente de origem (já que são selecionadas), mas não refletem variações genômicas generalizadas entre os grupos[24].
E conclui:
O conceito de raça é carregado de ideologia e sempre traz consigo algo não explicitado: a relação de poder e dominação (Munanga, 2004). Assim, o conceito social de raça é ‘tóxico’, como nos ensina o sociólogo Paul Gilroy (2000), ‘contamina’ a sociedade e tem sido usado para oprimir e fomentar injustiças, mesmo dentro do contexto médico. As raças existem porque estão dentro das cabeças das pessoas, não estão dentro da cabeça das pessoas porque existem (Kaufman, 1999). Como disse Munanga (2004), é a partir dessas raças fictícias ou ‘raças sociais’ que se reproduzem e se mantêm os racismos populares (Munanga, 2004). Assim, na nossa opinião, a medicina brasileira teria muito a ganhar, e pouco ou nada a perder, banindo de seus cânones o conceito de ‘raça’[25].
Com efeito, sem qualquer base científica, o racismo ainda se manifesta popularmente não porque existem diferenças, geneticamente falando, entre uma pessoa negra e uma pessoa branca, mas porque o meio social não foi capaz de expurgar, por completo, essa espécie de ignorância.
A conclusão, diante disso, não pode ser outra, senão a de que o termo “racismo” precisa sofrer uma ressignificação, ou uma reteorização. Ora, se não há base na ciência moderna que aponte para a existência de diferenças, genéticas ou de qualquer sorte, entre pessoas de cores diferentes, o “racismo” deve ser lido com outra conotação, agora social, para conceituar a histórica acepção de pessoas com base na cor de suas peles.
Tratando do assunto, o Ministro Celso de Melo, na relatoria da ADO n.º 26/DF, pontuou que:
A Constituição Federal de 1988 e todos os documentos internacionais destinados a promover a eliminação de quaisquer formas, sempre odiosas, de discriminação racial, reconheceram, tal como proclamado pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, na Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais (1978), “a unidade intrínseca da espécie humana e, por conseguinte, a igualdade fundamental de todos os seres humanos e de todos os povos”, afirmando, com irrecusável correção, que “Todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem”, pois “Nascem iguais em dignidade e direitos e todos formam parte integrante da humanidade”, razão pela qual “a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem, em nenhum caso, servir de pretexto aos preconceitos raciais”, mesmo porque as diferenças entre os povos do mundo não justificam qualquer classificação hierárquica entre as nações e as pessoas[26] (grifos acrescidos).
Na esteira do mesmo entendimento, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (1999, 11, em seu livro intitulado “Racismo e Antirracismo no Brasil”, instrui:
Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais (...). A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social (...). O racismo é, portanto, uma forma bastante específica de “naturalizar” a vida social, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir de diferenças tomadas como naturais[27] (grifos acrescidos).
E segue:
A noção de raça, neste sentido, difere de outras noções “essencialistas”, como a de sexo, por exemplo, embora se preste às mesmas práticas discricionárias e naturalizadoras do mundo social, em pelo menos dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar, porque a noção de raça não se refere a nenhuma diferença física inequívoca, como ocorre com a noção biológica de sexo (cuja naturalidade, para ser suplantada, precisa da noção de gênero); segundo, porque a noção de raça classifica os indivíduos segundo critérios ambíguos, mas justificados numa teoria específica, em que a ideia de “raça” é central[28].
John Rex, citado por Antônio Sérgio, sustenta que todos os “ismos” – racismo, sexismo, etnicismo, exclusivismo de classe – se enquadram no mesmo “campo das relações raciais”, por representarem:
(1) uma situação de diferenciação, desigualdade e pluralismo entre grupos; (2) a possibilidade de distinguir, de modo preciso, esses grupos pela sua aparência física, sua cultura ou, ocasionalmente, apenas por sua ancestralidade; (3) a justificativa e explicação de tal discriminação em termos de alguma teoria implícita ou explícita, muitas vezes, mas nem sempre, de tipo biológica[29].
Surge, então, o conceito de “racismo social”, que dá nome a um processo de discriminação e exclusão social de um grupo em relação a outro (s), sem que, necessariamente, as atitudes discriminatórias decorram de diferenças entre as tonalidades das peles dos sujeitos envolvidos. Foi esta a conclusão a que se chegou Norberto Bobbio, quando se manifestou a respeito dos fundamentos ideológicos da ideologia racista[30].
A principal consequência gerada a partir da reteorização do termo “racismo”, considerando-o, agora, a partir de seu viés social, é a de que este consubstanciaria gênero a comportar, como espécies suas, as demais formas de discriminação existentes socialmente, incluídas as relacionadas à identidade de gênero e à orientação sexual, objeto da presente discussão.
Tal tese parece ser adotada também no plano internacional. A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial[31] (frise-se: não sexual, não religiosa, não xenofóbica, mas somente racial), promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 65.810, apresenta, já em suas considerações, a promoção e encorajamento ao respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.
Outrossim, observa-se, ainda nas considerações, que os Estados Membros se mostram convencidos de que “a doutrina da superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, e que não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar nenhum”.
O Ministro Celso de Mello, relator da ADO n.º 26/DF, referindo-se ao posicionamento observado internacionalmente, explica:
Na verdade, o exame do conteúdo material dos estatutos internacionais que integram o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos – Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Declaração de Durban e Programa de Ação (2001), entre outros – revela que a comunidade internacional elegeu o termo racismo como expressão que designa, sob o mesmo signo, todas as formas de discriminação e de intolerância que, representando a negação da igualdade e da dignidade que qualificam os seres humanos, fomentam o ódio e a divisão entre grupos sociais[32].
Na mesma esteira argumentativa, Christian Delacampagne (1990, p. 85-86), revisitado por Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, define racismo da seguinte forma:
O racismo, no sentido moderno do termo, não começa necessariamente quando se fala da superioridade fisiológica ou cultural de uma raça sobre a outra; ele começa quando se faz a (pretensa) superioridade cultural de um grupo direta e mecanicamente depende de sua (pretensa) superioridade fisiológica; ou seja, quando um grupo deriva as características culturais de outro grupo das suas características biológicas. O racismo é a redução do cultural ao biológico, a tentativa de fazer o primeiro depender do segundo. O racismo existe sempre que se pretende explicar um dado status social por uma característica natural[33].
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 82.424/RS[34], em 2004, adaptou o conceito de racismo para o contexto histórico-científico atual, reconstruindo o termo. Na ementa do julgado, observa-se que, partindo da premissa de que, de acordo com dados científicos, os seres humanos não se encontram divididos em raças, o racismo se construiria a partir dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, não se restringindo aos aspectos de coloração da pele[35].
Foi seguindo a mesma linha de raciocínio acima explicitada (que defende ser o “racismo social” gênero do qual seriam espécies a homofobia e a transfobia) que a agremiação partidária (PPS), autora da ADO n.º 26/DF, sustentou a omissão inconstitucional do Congresso Nacional na regulação do art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal.
Noutras palavras, o Partido Popular Socialista arguiu que o legislador ordinário teria incorrido em omissão parcial na tarefa constitucional de tipificação dos crimes de racismo, porquanto somente teria punido, por meio da edição da Lei n.º 7.716/1989, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
É importante anotar-se, em crítica, que a redação original da Lei n.º 7.716/1989 somente punia os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; foi somente em 1997 que, por meio da promulgação da Lei n.º 9.459, a etnia, a religião e a procedência nacional também passaram a compor as espécies de preconceito puníveis.
De todo modo, o que se evidencia, na verdade, é que, na visão distorcida e conservadora do legislador, a raça, a cor, a etnia, a religião e/ou a procedência nacional de um sujeito são elementos de diferenciação aptos a configurar crime de racismo, enquanto que o mesmo não se observa com relação à identidade de gênero e à orientação sexual de quem quer que seja.
Tal cenário legislativo revela, de forma clara, a histórica e já conhecida postura homofóbica e transfóbica das Casas Legislativas federais brasileiras, composta por parlamentares que, em vez de representarem todos os brasileiros e brasileiras, preferem ceder a pressões de grupos com visões retrógradas, no intuito de se reelegerem de quatro em quatro anos.
Noutro aspecto, se a não inclusão da homofobia e da transfobia como práticas de racismo puníveis tivesse razão no fato de o Congresso Nacional rechaçar por completo a tese de “racismo social”, a legislação, em nome da coerência, deveria punir, tão-somente, os crimes de preconceito e discriminação estritamente relacionados à cor, à raça e à etnia.
Assim, levando-se em conta que os elementos relativos à religião e à procedência nacional da vítima estão enquadrados como prática de racismo – já que previstos na conhecida Lei de Racismo (Lei n.º 7.716/1989) –, resta nítida a posição do legislador em estender o alcance do termo “racismo”, ressignificando-o, de modo a englobar condutas outras, não necessariamente associadas à cor da pele, à raça ou à etnia, mas relativas à estrutura social de modo geral.
E, por fim, se mesmo com toda a pressão exercida pelos movimentos sociais de defesa dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQI+ o legislador segue a optar por, deliberadamente, não incluir a homofobia e a transfobia nos casos de racismo social, conceito que adotou, está, de fato, incorrendo em omissão parcial na consolidação do mandamento constitucional previsto no art. 5º, inciso LXII, da CF/88.
A conclusão, por conseguinte, é no sentido de que o art. 5º, inciso LXII, da CF/88 consubstancia mandamento constitucional de criminalização da homofobia e da transfobia, por estarem, estas espécies de discriminação, incluídas no conceito moderno de “racismo social”, gênero que as abarca.
4. DO ARTIGO 5º, INCISO XLI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA DE 1988
De modo a complementar os fatos jurídicos que deram sustentação ao pedido, a agremiação partidária autora da ADO n.º 26/DF alegou, também, como visto acima (tópico 2.1), que a discriminação dirigida contra os integrantes da comunidade LGBT, além de estar compreendida na noção conceitual de racismo (CF, art. 5º, XLII), encontra-se igualmente alcançada pela norma constitucional que preconiza a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (CF, art. 5º, XLI).
Tal afirmação consiste em dizer, de acordo com o autor, que essa outra norma constitucional também submeteria o Congresso Nacional à obrigação de editar o diploma legislativo necessário à incriminação dos atos e comportamentos resultantes de discriminação ou preconceito contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero.
Assim como foi feito no subtópico anterior (2.1.1), optar-se-á por partir da literalidade do texto e da classificação da norma para que, posteriormente, seja possível a conclusão acerca da existência ou não de imposição constitucional de legislar. Veja-se, então:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLI – A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Da mesma forma que o inciso XLII, trabalhado anteriormente, o inciso XLI ora em análise encontra guarida no Título II da Constituição Federal, que trata dos Direitos Fundamentais, de modo a trazer para o ordenamento jurídico constitucional direito público subjetivo que, por sua vez, tem aplicação imediata, na exata dicção do art. 5º, §1º, também da CF/88.
É, também, norma constitucional not self executing, o que quer dizer que somente por meio de sua regulação infraconstitucional, pelo legislador ordinário, é que alcançará o seu maior grau de eficácia/aplicabilidade[36]. Em razão dessa mesma característica, recebe ainda a classificação de norma constitucional de eficácia limitada, de acordo com a famigerada divisão tripartite de José Afonso da Silva (2014, p. 82)[37].
Passadas essas considerações básicas, mister se faz indagar acerca do substrato normativo da norma constitucional a ser estudada, para fins de averiguação dos limites de exigência institucional do Congresso Nacional, no que diz respeito à elaboração de legislação penal tipificando atos discriminatórios.
Inicialmente, verifica-se que o art. 5º, inciso XLI, da CF/88 consubstancia um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, qual seja, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Outrossim, a norma em análise também privilegia a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), fundamento da República Federativa do Brasil, que, nas palavras do Ministro Luís Gilberto Barroso, constitui um valor moral, “ligado à ideia de bom, justo, virtuoso”[38], e possui três elementos essenciais, os quais formam seu conteúdo mínimo: (i) valor intrínseco, “do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros”[39]; (ii) autonomia da vontade, “associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer escolhas existenciais básicas”[40]; e (iii) valor comunitário, funcionando a dignidade, nesse aspecto, “como um limite às escolhas individuais”[41].
A norma constitucional extraída do art. 5º, inciso XLI, da CF/88 apresenta redação mais genérica comparada à do art. 5º, inciso XLII, também da CF/88, isto porque esclarece a preocupação do poder constituinte originário com o combate às demais formas de discriminação que atente contra os direitos e liberdades fundamentais, que não aquelas relacionadas ao conceito clássico de racismo: raça, cor, etnia.
Além do mais, a questão envolve maior cuidado interpretativo, já que também foi intenção do legislador constituinte dar tratamento diferenciado ao crime de racismo (em seu conceito clássico, provavelmente) com relação às demais espécies de discriminação.
É que o racismo, na dicção do inciso XLII, constitui crime inafiançável e imprescritível, necessariamente. Isso significa dizer que não foi dada ampla margem de discricionariedade ao legislador infraconstitucional na edição da legislação penal que viesse a regulamentar o crime de racismo, impedindo-o de, por exemplo, prever possibilidade de pagamento de fiança; fixar prazos de prescrição para a persecução criminal do agente que o cometer; e sujeitar o agente à pena diferente da de reclusão.
Situação diferente se observa no caso do inciso XLI, no qual somente se determina a necessidade de legislação apta a punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. É por essa razão que o legislador, no artigo 88, caput[42], da Lei n.º 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), passou a prever a pena de reclusão, de um a três anos, e multa, àqueles que praticarem, induzirem ou incitarem discriminação de pessoa em razão de sua deficiência.
Na mesma ideia, verifica-se que a Lei n.º 7.437/1985, na contramão do conceito de “racismo social”, inclui, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de sexo.
Ocorre, contudo, que o STF, no julgamento do Habeas Corpus n.º 82.424[43], analisando o sentido e o alcance da expressão “racismo”, concluiu o seguinte: (i) a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista; (ii) a ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.
Tal cenário deixa clara a insegurança jurídica – e até mesmo a falta de isonomia – no trato da punição dos crimes de racismo, porquanto revela espécie de hierarquização das discriminações. É que, a partir do julgamento do STF acima mencionado, a raça, a etnia, a cor, a religião e a procedência nacional passaram a formar o restrito grupo de objetos jurídicos alvos de maior proteção, garantida pela maior rigidez e severidade na punição dos atos que venham a atacar tais elementos.
Ora, o ataque à raça, à cor, à religião, à etnia e à procedência nacional consubstanciam, na esteira do entendimento do STF, racismo (em seu sentido social, claramente), tendo em vista a análise, sob a ótica constitucional, da Lei n.º 7.716/1989. Disso decorre que as características originais do crime de racismo (imprescritibilidade e infiançabilidade), previstas no art. 5º, inciso XLII, da Constituição da República, se aplicam a todas essas outras formas de discriminação.
Para Simone Andréa Barcelos Coutinho, “nada justifica, à luz do Direito Constitucional, que o preconceito de sexo tenha tratamento penal mais brando do que as outras formas de preconceito capituladas como crime de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”[44], e continua:
Para a lei penal atual, destarte, temos uma primeira categoria de grupos tradicionalmente discriminados, tutelados pela Lei n. 7.716/1989, com a redação dada pela Lei n. 9.459/1997. A discriminação contra estes é crime. Há uma segunda categoria, tutelada pela Lei n. 7.437/1995, contra a qual condutas discriminatórias constituem contravenções penais: as mulheres e as pessoas discriminadas em razão de seu estado civil. Há uma terceira categoria de grupos discriminados, que não tem proteção da lei penal: os idosos, os deficientes físicos, os pobres, os homossexuais, os que sustentam opiniões divergentes dos valores da sociedade. Remarco que esse parece ser o critério do legislador, pois uns são mais protegidos do que os outros. Não é crível que as pessoas se distingam enquanto cidadãs; essa não é a vontade da Constituição. (grifos acrescidos)
É pela necessidade de proteção da segunda e da terceira categorias acima mencionadas, bem como outras que porventura venham a se estabelecer, que emerge o inciso XLI ora estudado.
Portanto, ao que parece, quis o constituinte salvaguardar, por meio de mandamento constitucional direcionado à elaboração de legislação penal protetiva, todas as demais espécies de discriminação, diferentes do racismo (na concepção clássica do termo).
Nesse sentido, o constituinte, por meio do art. 5º, inciso XLI, da Constituição Federal, conforme alegado pela agremiação partidária autora da ADO n.º 26/DF, de fato, submete o Congresso Nacional à obrigação de editar o diploma legislativo necessário à incriminação de atos e comportamentos resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero.
Outrossim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é na direção de reconhecer a existência de mandados constitucionais de criminalização na Constituição Federal, os quais têm por dever tutelar, por meio da tipificação de condutas, direitos fundamentais previstos na própria Carta Magna[45].
Deixando de lado, por ora, a questão relativa à suposta inércia congressual, pode-se concluir que o inciso XLI, do art. 5º, da CF/88: (i) consubstancia mandado de criminalização direcionado ao Congresso Nacional; e (ii) alberga a obrigação de tipificação e imposição de sanção a condutas preconceituosas e discriminatórias direcionadas à vítima LGBTQI+ em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
5. CONCLUSÃO
No intuito de prosseguir com a análise acerca da viabilidade jurídica da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, ajuizada, no presente caso, com a intenção de obter provimento jurisdicional que garantisse aos pleiteantes a criminalização da homofobia e da transfobia no Brasil, é imprescindível que se parta de um dos grandes pilares argumentativos envolvidos no caso concreto: o da existência ou não de omissão inconstitucional relativa ao mandado de criminalização dessas formas de discriminação.
Nesse ínterim, do relatório redigido pelo Ministro Relator Celso de Mello nos autos da ADO n.º 26/DF, extrai-se que:
(o Partido Popular Socialista – PPS, na referida ação constitucional) denuncia, em sua postulação, o Poder Legislativo da União, afirmando que estaria ele descumprindo, quanto aos integrantes desse grupo vulnerável, o mandamento constitucional que impõe ao Estado o dever de proteção à essencial dignidade das pessoas, a ser efetivado mediante tipificação penal dos atos de discriminação praticados em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero das vítimas de tais práticas discriminatórias[46] (grifos acrescidos).
Para fundamentar o pleito principal da ação constitucional em análise, qual seja, o reconhecimento da mora legislativa e a consequente tipificação penal dos atos de discriminação praticados em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero das vítimas de tais práticas discriminatórias, a agremiação partidária sustentou que o Congresso Nacional, por desídia e negligência preconceituosas, deixou de dar concretude aos “mandados de criminalização” extraídos dos incisos XLI e XLII, do art. 5º, da Constituição Federal.
Assim, conforme visto acima, a referida agremiação partidária enfatiza que as normas constitucionais constantes nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal consubstanciam verdadeiros mandados de criminalização, de modo que “a superação irrazoável do lapso temporal necessário à implementação das medidas determinadas pelo texto constitucional tem causado indevida frustração à legítima pretensão dos integrantes da comunidade LGBT (...)[47]”.
De acordo com o que aqui já fora destacado, para que reste configurada a omissão inconstitucional, é necessário, segundo jurisprudência do STF, que se observe a presença de dois elementos, quais sejam: a imposição constitucional de legislar e a inércia congressual.
Pela análise aqui empreendida, já se sabe que os incisos XLI e XLII, do art. 5º da Constituição Federal, de fato, consubstanciam mandados de criminalização direcionados ao Congresso Nacional, e que, em razão disso, a edição de diploma legislativo penal voltado à proteção daqueles que sofrem preconceito/discriminação por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero é medida que se impõe.
Há de se destacar, no aspecto agora referente à análise da suposta inércia congressual, que as referidas normas constitucionais são originárias [48] – e não derivadas –, ou seja, entraram em vigor no ordenamento pátrio junto com a promulgação da Constituição, em 5 (cinco) de outubro de 1988. Assim, de forma objetiva, há pelo menos trinta anos o Congresso Nacional não tem interesse em punir atos e comportamentos resultantes de discriminação contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.
Segundo consta nos autos do Voto do Ministro Celso de Mello, Relator da ADO n.º 26/DF, houve, no decorrer da instrução processual, pedido de informações ao Senado Federal, que, sendo contrário ao acolhimento do pedido formulado na referida ação constitucional, informou da existência do Projeto de Lei do Senado n.º 515, de 2017, que altera a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Com efeito, da leitura do projeto acima referido extrai-se que, por meio de seus artigos primeiro, segundo e terceiro, é proposta a alteração do art. 1º, do art. 8º e do art. 20 da Lei n.º 7.716/89; bem como do §3º do art. 140 do Código Penal, todos no afã de incluir a homofobia e a transfobia – por meio das expressões gênero e identidade de gênero[49], sexo[50] ou orientação sexual – nas hipóteses de crime de discriminação ou preconceito.
Diante de tais informações, para que se possa concluir se houve ou não inércia legislativa por parte do Congresso Nacional, faz-se mister que se detalhe o histórico de tramitação dos projetos que deram causa ao PLS n.º 515/2017, hoje em discussão.
Num resgate histórico, observa-se que, a fim de dar início às discussões legislativas acerca do tema ora tratado, a Deputada Federal Iara Bernardi, no ano de 2001, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 5.003/2001, cujo objetivo era de regular os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Após cinco anos de discussão, o projeto foi aprovado pela referida Casa Legislativa.
Por conseguinte, o PLS n.º 5.003/2001 foi encaminhado ao Senado Federal, onde foi convertido no Projeto de Lei n.º 122/2006.
Ocorre, entretanto, que o PLS n.º 122/2006 permaneceu em tramitação por mais de oito anos – duas legislaturas –, sem qualquer movimentação do Senado Federal, o que culminou no seu arquivamento automático, tendo em vista a disposição constante no art. 332, §1º, do Regimento Interno do Senado Federal, que prevê o arquivamento automático para os casos de proposições que se encontrem em processamento há mais de duas legislaturas.
Posteriormente, por meio do Requerimento n.º 46/2011, foi formulado pedido de desarquivamento do PL n.º 122/2006, acima referido. Com a aprovação do requerimento ora em tela, o projeto então retornou à apreciação das comissões temáticas.
Nada obstante, conforme destacado pelo Min. Celso de Mello, Relator da ADO n.º 26/DF:
Essa medida sofreu a oposição de parlamentares, contrários ao adimplemento das já referidas cláusulas constitucionais de incriminação, da homofobia e da transfobia, circunstância essa que os levou, em clara manobra protelatória, destinada a frustrar a tramitação legislativa do projeto de lei que tipificava crimes contra a comunidade LGBT, que importou na anexação do projeto em questão (PL da Câmara n.º 122/2006) ao de instituição do Novo Código Penal brasileiro (PL do Senado n.º 236/2012), criando, desse modo, evidente embaraço e retardamento na apreciação do projeto apresentado pela Deputada Federal Iara Bernardi (PLC n.º 5.003/2001, que se converteu, no Senado, no PL n.º 122/2006)[51].
Assim, o PLS n.º 122/2006, atualmente, encontra-se vinculado ao PLS n.º 236/2012, sem que sua apreciação tenha sido sequer concluída por parte da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal[52]. É dizer, portanto, que o Projeto de Lei n.º 5.003/2001, proposto há mais de 17 (dezessete) anos pela Deputada Federal Iara Bernardi, ainda não teve qualquer resultado efetivo na proteção penal dos integrantes da comunidade LGBT.
Situação semelhante é a do PLS n.º 515/2017, que também se encontra pendente de análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
Ou seja, diante de todo o exposto, a problemática a ser enfrentada é a seguinte: a mera existência de proposições legislativas no Congresso Nacional teria o condão de afastar, por si só, a configuração de inércia por parte do Poder Legislativo?
Em momento pretérito já se mencionara a chamada inertia deliberandi, termo utilizado pelo Min. Celso de Mello, Relator da ADO n.º 26/DF – objeto de análise da presente discussão – para designar a situação de mora legislativa que ocorre quando as Casas Legislativas negligenciam, por qualquer motivo, a discussão e a votação de projetos de lei propostos.
Conforme já explicitado, até 2007, o Supremo Tribunal Federal entendia que somente a inertia agendi, ou seja, aquela que ocorre quando as Casas Legislativas deixam de promover a iniciativa do projeto da lei que irá concretizar o mandamento constitucional, seria apta a configurar mora legislativa e, consequentemente, oferecer subsídio para o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão[53].
Não obstante, em 9 (nove) de maio de 2007 o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n.º 3.682[54], em virada jurisprudencial, passou a entender que “a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão”.
Dessa maneira, seguindo à lógica do que vem sendo aplicado pelo órgão incumbido da proteção da Constituição, é seguro juridicamente – levando-se em conta pelo menos doze anos de jurisprudência consolidada - afirmar que tanto a inertia agendi quanto a inertia deliberadi configuram omissão inconstitucional, de modo a autorizar o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
Restringindo-se ao caso concreto, e diante de tudo o quanto fora acima exposto, é evidente que o legislador, apesar de ter dado início ao processo de elaboração do diploma legislativo referente à criminalização da homofobia e da transfobia no Brasil (PLS n.º 122/2006 e PLS n.º 515/2017), vem agindo de forma negligente há mais de trinta anos, porquanto desde 1988 a regulamentação dos incisos XLI e XLII, do artigo 5º, da Constituição da República ainda se encontra pendente.
Assim entenderam, até o momento, os seguintes Ministros: Celso de Mello (Relator da ADO n.º 26/DF)[55], Alexandre de Moraes[56] e Edson Fachin (Relator do Mandado de Injunção n.º 4.733/DF)[57].
Em conclusão, tendo em vista o preenchimento dos requisitos da imposição constitucional de legislar (incisos XLI e XLII, do art. 5º da Constituição Federal) e da inércia congressual, configura-se a omissão inconstitucional por parte do Congresso Nacional na elaboração de legislação penal voltada à criminalização das condutas discriminatórias/preconceituosas em razão da identidade de gênero ou da orientação sexual da pessoa LGBTQI+.
REFERÊNCIAS
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[1] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, p. 273-274.
[2] MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional, p. 1046-1047, apud BITTAR, Orlando. A lei e a Constituição, in Obras completas de Orlando Bittar, Brasília, Conselho Federal de Cultura, 1978, v. 2, p. 39; e A lei e a Constituição, in Obras completas de Orlando Bittar, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, v.1, p. 477.
[3] NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 653.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 1070.
[5] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 1070.
[6] Que assim dispõe: Art. 103: (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
[7] MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional no Brasil: o problema da omissão legislativa inconstitucional. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/Omisao_Legislativa_v__Port.pdf> Acesso em: 16 de março de 2019.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 53.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 1200.
[10] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 17 de março de 2019.
[11] Analise-se a ementa da ADI n.º 2.495: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC N.º 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). ESTADO DE SANTA CATARINA. Mora inconstitucional que não se verifica, tendo o Chefe do Executivo estadual, em cumprimento ao dispositivo constitucional sob enfoque, enviado à Assembleia Legislativa projeto de lei sobre a revisão geral anual dos servidores catarinenses. Ação direta prejudicada”. (grifos acrescidos)
(STF – ADI: 2495 SC, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 02/05/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 02-08-2002 PP-00057 EMENT VOL-02076-03 PP-00505).
[12] Analise-se a ementa da ADI n.º 3.682/MT: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O §4º DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional nº 15, que alterou a redação do §4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, §4º, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, §4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, §4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, §4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios”[12]. (grifos acrescidos)
(STF – ADI: 3683 MT, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09/05/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 EMENT VOL-02288-02 PP-00277 RTJ VOL-00202-02 PP-00583)
[13] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[14] Idem.
[15] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2005, p. 227.
[16] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 41.
[17] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 72.
[18] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 74.
[19] Idem.
[20] Idem.
[21] HOFBAUER, Andreas. Ações afirmativas e o debate sobre racismo no Brasil. Lua Nova, São Paulo, 68: 9-56, 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n68/a02n68.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2019.
[22] FREITAS, Augusto Teixeira. Consolidação das Leis Civis, 3ª Ed, Rio de Janeiro, H. Garnier, Livreiro – Editor, 1896 (p. 37).
[23] KOLBERT, Elizabeth. Não há base científica para raça – trata-se de um rótulo inventado. National Geographic, 2018. Disponível em: < https://www.nationalgeographicbrasil.com/2018/04/raca-nao-existe-conceito-cientifico-racismo-revista>. Acesso em: 25 abr. 2019.
[24] PENA, Sérgio D. J. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. Dossiê: raça, genética, identidades e saúde, 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n2/05.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2019.
[25] Idem.
[26] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de abril de 2019.
[27] GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 11.
[28] GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 12.
[29] GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 28 apud REX, John. Race Relations in sociological theory. 1983, p. 30.
[30] BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade, p. 127/128, item n. 3, Unesp, 2002.
[31] BRASIL. Decreto n.º 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 10 de dezembro de 1969. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvIntElimTodForDiscRac.html>. Acesso em: 26 de abril de 2019.
[32] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 26 de abril de 2019.
[33] GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 31-32.
[34] STF. HABEAS CORPUS N.º 82.424/RS. Relator: Ministro Moreira Alves. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052> Acesso em: 27 de abril de 2019.
[35] Analise-se trechos da ementa: HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. (...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição do mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela pigmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. (...) (grifos acrescidos) (STF – HC: 82.424-2 RS, Relator: Min. Moreira Alves, Data de Julgamento: 17/09/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ- 19.03.2004).
[36] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 82.
[37] Idem.
[38] BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010, p. 9.
[39] BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010, p. 38.
[40] Idem.
[41] Idem.
[42] Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
[43] STF. HABEAS CORPUS N.º 82.424/RS. Relator: Ministro Moreira Alves. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052> Acesso em: 28 de abril de 2019.
[44] COUTINHO, Simone Andréa Barcelos. Um caso de omissão inconstitucional. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista5/5rev6b.htm>. Acesso em 28 de abril de 2019.
[45] Analise-se trecho do Habeas Corpus n.
º 104.410/RS: 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandados constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (‘Eingriffsverbote’), expressando também um postulado de proteção (‘Schutzgebote’). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (‘Übermassverbote’), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (‘Untermassverbote’). Os mandados constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente (…)”. (grifos acrescidos)
[46] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[47] Idem.
[48] Apesar de não existir hierarquia entre as normas da Constituição Federal, a doutrina, para fins didáticos, as divide em originárias e derivadas. As normas constitucionais originárias são aquelas editadas pelo Poder Constituinte Originário na ocasião da promulgação da nova ordem constitucional, representando a instauração de um novo fundamento de validade na ordem jurídica. Por sua vez, as normas constitucionais derivadas são expressão do Poder Constituinte Derivado, que, por meio da elaboração de emendas ou de constituições estaduais, reforma ou altera o texto da Constituição original (no caso das emendas) ou cria uma constituição no âmbito estatal (que, pelo princípio da simetria, deve seguir os princípios e valores da Constituição Federal). Ver: MELO, Carlos Antonio de Almeida. A Constituição originária, a Constituição derivada e o direito adquirido: considerações, limites e possibilidades. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/509/r143-11.PDF?sequence=4> Acesso em: 21 de março de 2019.
[49] Termo que se refere “à forma como é culturalmente identificada, no âmbito social, a expressão da masculinidade e da feminilidade, adotando-se, como parâmetro, para tanto, o modo de ser do homem e da mulher em suas relações sociais. A identidade de gênero, nesse contexto, traduz o sentimento individual e profundo de pertencimento ou de vinculação ao universo masculino ou feminino, podendo essa conexão íntima e pessoal coincidir, ou não, com a designação sexual atribuída à pessoa em razão de sua conformação biológica”. Ver: STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[50] Termo que se refere à “mera verificação de fatores genéticos (cromossomos femininos ou masculinos), gonadais (ovários ou testículos), genitais (pênis ou vagina) ou morfológicos (aspectos físicos externos gerais). Esse critério dá ensejo à ordenação das pessoas, segundo sua designação sexual, em homens, mulheres e intersexuais (pessoas que apresentam características sexuais ambíguas). Ver: STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[51] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[52] Segundo informações obtidas no sítio do Senado Federal. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>. Acesso em: 21 de março de 2019.
[53] Nesse sentido, analise-se trecho da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n.º 2.495/SC:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC N.º 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). ESTADO DE SANTA CATARINA. Mora inconstitucional que não se verifica, tendo o Chefe do Executivo estadual, em cumprimento ao dispositivo constitucional sob enfoque, enviado à Assembleia Legislativa projeto de lei sobre a revisão geral anual dos servidores catarinenses. Ação direta prejudicada.
(STF – ADI: 2495 SC, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 02/05/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 02-08-2002 PP-00057 EMENT VOL-02076-03 PP-00503)
[54] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 3.682-3/MT. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=485460>. Acesso em: 23 de março de 2019.
[55] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2019.
[56] STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO N.º 26/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMAM.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2019.
[57] STF. MANDADO DE INJUNÇÃO N.º 4.733/DF. Relator: Ministro Edson Fachin. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MI4733mEF.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2019.
Pós-graduado em Processo Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABRAL, Vinícius Fernandes de Lima. O legislador infraconstitucional tem a obrigação de criminalizar a homotransfobia? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2024, 06:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66107/o-legislador-infraconstitucional-tem-a-obrigao-de-criminalizar-a-homotransfobia. Acesso em: 23 dez 2024.
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