“ Uma mulher saudável assemelha-se muito a um lobo; robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular. Entretanto, a separação da natureza selvagem faz com que a personalidade da mulher se torne mesquinha, parca, fantasmagórica, espectral. Não fomos feitas para ser franzinas, de cabelos frágeis, incapazes de saltar, de perseguir, de parir, de criar uma vida. Quando as vidas das mulheres estão em estase, tédio, já está na hora de a mulher selvática aflorar. Chegou a hora de a função criadora da psique fertilizar a aridez”.
Clarissa Pinkola Estés – Mulheres que correm com os lobos
“A todos àqueles que desde criança me cederam um papel para rascunhar durante as “conversas de adulto”; aquele que me ensinou a pintar, bem como a tabuada de “cor e salteada”, além de ensinar sem palavras sobre força, honra, lealdade, honestidade, destemor e amor pela família; aquela que me sugeriu um diário; àqueles que me cederam um livro emprestado para as tarefas escolares do seu pequeno acervo. Dedico também aos inimigos que ensinam bem mais que os amigos me fazendo praticar a motivação reversa. Por fim, a todos àqueles que direta ou indiretamente me apresentaram a esse mundo fascinante dos livros”.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Evolução Histórica dos Direitos das Mulheres no Brasil. 2. Modalidades de Violências Praticadas Contra a Mulher. 3. Violência Obstétrica. 4. Lei Maria da Penha. 5. Violência praticada contra mulher na esfera virtual. 6. Inquérito Policial e Aspectos Processuais Penais. 7. Aspectos Psicológicos. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Aqui abordaremos sobre as mais diversas formas de violência contra mulher perpetradas ao longo da história, bem como aqueles presentes nos dias atuais, particularmente ocorridas no Brasil, com enfoque na legislação brasileira, discorrendo sobre como a lei e a doutrina se posicionam acerca do presente tema. Além disso, objetiva discutir e demonstrar como a legislação pátria aborda a violência contra mulher, as inovações trazidas pela legislação que alteraram o Código Penal Brasileiro, a respectiva aplicabilidade da lei, bem como suas penalidades. A violência contra a mulher é um tema tão atual e tão discutido nos mais diversos meios de comunicação, entretanto, sua ampla divulgação nas mídias, não faz cessar, nem inibir o agressor de praticar tais crimes vivenciados por milhares de mulheres todos os dias, de acordo com os relógios da violência. Pelo contrário, nem a exposição nas mais diversas mídias de comunicação, nem a lei e os seus efeitos punitivos, nem a moral, nem os bons costumes, fazem frear estes crimes de tamanha hediondez que se repetem todos os dias. Não há uma só corrente de pensamento que possa explicar a origem e a razão da prática destes delitos, se é que faz-se necessário justificar a maldade. Busca-se demonstrar alguns desses crimes que assolam as mulheres diariamente, além de levar à reflexão para além da ciência do Direito a ocorrência de tais delitos.
A história mundial e brasileira relata que a discriminação, preconceito e violência contra a mulher vem de muito tempo, desde os primórdios da humanidade. Alguns fariseus (religiosos dotados de falso moralismo) eram chamados de “os feridos e ensanguentados” porque fechavam os olhos sempre que viam uma mulher na rua, e, por causa disso, trombavam com muros e casas enquanto andavam”[1]¹ Todas as manhãs o fariseu começava o dia dando graças a Deus por não o ter feito “um gentio, uma mulher ou um escravo”[2]
Entretanto, quando Jesus veio ao mundo, através de uma mulher, restaurou a identidade de todas as mulheres consideradas para Ele, sua imagem e semelhança. A sua bondade permitiu Maria estar assentada aos pés de Jesus, na condição de aluna, aprendendo de um Mestre (o próprio Jesus), sim, pois naquela época apenas os homens eram considerados cidadãos e poderiam se assentar aos pés (ser aluno) de um mestre, um rabino, a exemplo disto, tem-se o Apóstolo Paulo que foi educado aos pés de Gamaliel. O próprio Jesus veio ao mundo, sendo gerado no ventre de uma mulher que se dispôs ao propósito de gerar o Homem que dividiu a história (antes e depois de Cristo) e se colocou como serva do seu próprio Filho e Salvador. Jesus restabeleceu a dignidade da mulher perdida lá no jardim do Éden quando Adão e Eva pecaram, mas através de uma outra mulher, chamada Maria, desposada de um homem justo chamado José, o próprio Jesus restituiu o valor da mulher e as colocou novamente como protagonistas de suas histórias.
Em razão disso, demonstraremos um recorte da discriminação e violência sofridas pelas mulheres, com enfoque no Direito brasileiro, porém sem deixar de refletir sobre toda violação, discriminação, violência e preconceito perpetrados contra as mulheres desde que o mundo é mundo.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS MULHERES NO BRASIL
As primeiras legislações brasileiras que tratavam sobre o direito das mulheres, iniciando das ordenações Filipinas até o atual Código penal, versavam sobre crimes sexuais, entretanto a proteção não dizia respeito a honra da mulher, mas sobretudo a honra da família.
Segundo Valéria Diez Sacarance Fernandes, no tempo do Brasil Colônia (1500 a 1822) reinava no País um sistema patriarcal. As mulheres eram destinadas ao casamento e aos afazeres domésticos, com total submissão e obediência aos homens. Enquanto os homens dominavam a leitura, a escrita e o poder na tomada de decisões, o papel social da mulher “era, necessariamente, o de esposa e mãe dos filhos legítimos do senhor”. (FERNANDES, 2023)
O que não retira necessariamente a dignidade da mulher ao exercer esses papéis de servir a sua família, de forma que estão arraigados na estrutura e na natureza da mulher, a sua função de auxiliadora idônea, uma vez que, a mulher é responsável pela nutrição de seus filhos, tanto em termos de alimentação, pois uma criança é totalmente dependente da mãe, mas também nutrição em relação aos laços afetivos e organização do lar.
Contudo, nas importantes observações de Valéria Diez Sacarance Fernandes, a mulher se casava ainda muito jovem e o marido, escolhido pelo pai, era geralmente bem mais velho”. O estudo era destinado apenas aos homens, havendo notícia que no século XVII, em São Paulo, apenas duas mulheres sabiam escrever seu nome. No âmbito legislativo, havia as Ordenações do Reino, dentre as quais as Ordenações Filipinas constituíram a legislação vigente até 1832. Neste Código Filipino, a religião, a moral e a divisão da sociedade em castas influíam diretamente na legislação, marcada pela crueldade das penas e desigualdade de tratamento das pessoas. (FERNANDES, 2023)
Ainda nas preciosas lições de Valéria Diez Sacarance Fernandes, trazendo à tona as ordenações Filipinas tem- se que:
“Com fundamento no Livro IV, Título LXI, § 9º e no Título CVII das Ordenações Filipinas, entendia-se que “a mulher necessitava de permanente tutela, porque tinha fraqueza de entendimento”. Esta tutela correspondia ao tratamento jurídico dado à mulher: alguém não plenamente capaz. Os tipos penais relacionados à mulher protegiam sua religiosidade, posição social, castidade e sexualidade, com elevação da pena em razão da classe social dos envolvidos. O estupro estava tipificado no Título XVIII – “Do que dorme per força com qualquer mulher, ou trava dela ou a leva per sua vontade” – apenado com a morte. Mesmo se houvesse o casamento entre as partes, por vontade da vítima, a pena de morte era mantida10 (Título XVIII, item 1). Ao mesmo tempo em que se protegia a sexualidade da mulher, autorizava- -se o homicídio da mulher surpreendida em adultério (Título XXXVIII). Nos termos do Código Filipino, o homem casado poderia licitamente matar. A mulher e o adúltero, salvo se o marido fosse peão e o adúltero de maior qualidade. Se por um lado o tratamento da mulher como um ser inferior importava em absoluta falta de liberdade e submissão ao homem, por outro, havia um cuidado especial do legislador com a preservação de sua origem e de seus bens quando o marido era condenado, ainda que por crime de lesa majestade. Nesta hipótese, a infâmia praticada pelo pai atingia mais gerações do que a praticada pela mãe (Título VI, item 13)12 e as mulheres inocentes conservavam seus direitos patrimoniais. Assim, as filhas de traidores poderiam herdar bens de mães, outros parentes e receber testamentos (Título VI, item 14) e resguardava-se sua parte do patrimônio quando a mulher era casada com o traidor (Título VI, item 20), como a meação ou dote13. Apesar da crueldade e desigualdade de classes, pode-se afirmar que o Direito colonial continha algumas sementes de ideias de proteção da mulher como alguém que vive uma situação peculiar. Assim, a tutela do patrimônio das mulheres nos crimes de lesa majestade e a previsão de que o casamento não isentava o agente da pena pelo cometimento do estupro com força são disposições que correspondem a modelos atuais de proteção à mulher. ” (FERNANDES, 2023)
No Brasil império, a Constituição Política do Império do Brasil, previa a igualdade de todos, homens e mulheres perante a lei, e deu início a alguns avanços em relação aos direitos das mulheres no campo social, estudantil, e do mercado de trabalho, ainda que de forma incipiente.
Nos ensinos de Valéria Diez Sacarance Fernandes, Já no início do Império, foi reconhecido o direito ao estudo, restrito ao ensino de primeiro grau e com conteúdo diverso daquele ministrado aos meninos. Nas escolas, o estudo destinado às meninas era voltado principalmente para “atividades do lar (trabalhos de agulha), em vez da instrução propriamente dita (escrita, leitura e contas). Na aritmética, por exemplo, as meninas só podiam aprender as quatro operações, pois para nada lhes serviria o conhecimento de geometria”. Somente em 1881, uma mulher frequentou curso superior e, em 1887, formou-se em medicina Rita Lobato Velho Lopes. Ainda para Valéria Diez, A legislação do Brasil era um reflexo da época. Teorias científicas sustentavam a inferioridade da mulher a partir das diferenças fisiológicas dos corpos. García Dauder e Eulalia Pérez Sedeño na obra “Las mentiras cientificas sobre las mujeres” apud Valéria Diez, mencionam que, nos séculos XVIII e XIX, surgiram as seguintes teorias: – Teoria da conservação da energia: com base nessa teoria, as mulheres não deveriam estudar (principalmente ensino superior) porque o desgaste mental retirava a energia essencial para as funções menstruais e reprodutivas. Entendia-se que, com o estudo, havia um aumento do tamanho do cérebro e a redução dos ovários, o que prejudicava a maternidade. – Diferenças anatômicas do cérebro: o tamanho inferior do cérebro das mulheres demonstrava sua menor capacidade e “de nada serviriam campanhas em favor da educação superior das mulheres, pois nunca chegariam a alcançar homens nesse aspecto”. – Teoria darwinista: darwinistas sustentavam que a mulher era um homem que não havia evoluído completamente, tanto sob o aspecto físico quanto mental. (FERNANDES, 2023)
Quanto a matéria de Direito Penal, o Código Criminal do Império do Brasil, revogou a lei que autorizava o marido a matar sua esposa que houvesse cometido adultério, atitude monstruosa prevista nas Ordenações Filipinas. Entretanto, a legítima defesa da honra era permitida pela legislação da época, conforme ensina Valéria Diez:
“Sob o âmbito da sexualidade da mulher, repetiu-se a proteção à reputação social da vítima, que já se encontrava no Código Filipino. No capítulo II, sob a denominação “Dos crimes contra a segurança da honra”, havia: o estupro (art. 219 a 225), o rapto (art. 226) e os crimes de calúnia e injúrias (art. 229 a 246), como se todos tivessem o mesmo bem jurídico. Em todas as modalidades de estupro previstas, inclusive aquele cometido com violência, não se impunha a pena aos réus que se casassem com as ofendidas (art. 225). Caso não o fizessem, além da pena de desterro, degredo ou prisão, deveriam “dotar” a ofendida. O aspecto da honra está presente também nos elementares dos tipos do crime de estupro, em que havia a referência à “mulher virgem” (art. 219), à “mulher honesta” (art. 222 e 224) e à “prostituta” (art. 222), com penalidade reduzida em razão desta circunstância” (FERNANDES, 2023)
No Brasil republicano houve um avanço, ainda que de forma tímida quanto aos direitos das mulheres, no campo social, estudantil e do mercado de trabalhado cumulando com suas funções de dona de casa, esposa e mãe.
Na constituição de 1824, apenas os homens possuíam ainda o direito ao voto. A Constituição de 1891, também é omissa e ainda não permitia o direito do exercício do voto para as mulheres. Somente com a constituição de 1934, quarenta e três anos depois, as mulheres puderem exercer seu direito ao voto. As constituições de 1937, 1946,1967 e 1969 são omissas quanto a manifestação acerca dos direitos das mulheres. E por fim, com a Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, ocorreram algumas conquistas assegurando garantias às mulheres tais como: aumento da licença maternidade de três para quatro meses, ou seja cento e vinte dias; proteção a mulher no mercado de trabalho; assistência gratuita aos filhos do nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas; e por fim, a previsão no art. 5º, categorizada como direito fundamental, a igualdade de homens e mulheres perante a lei, tanto na vida civil, quanto no trabalho e na seara familiar.
Em resumo, sobre a evolução da situação da mulher na legislação brasileira, tem-se as Ordenações Filipinas (Código Filipino): - Pátrio poder e a incapacidade das mulheres; castigar as mulheres com pau e pedra, de forma moderada, era permitido (Livro V, Título 36, § 1 º); Direito de matar nos casos de adultério; o Código Criminal do Império (1830): manutenção do crime de adultério para mulher e autorização para o homem, salvo se constante a relação e pública; o Código Penal da República 1890: legítima defesa da honra; o Código Penal de 1941: manutenção da legítima defesa da honra: Apenas em 1991, a figura da legítima defesa da honra foi definitivamente afastada por decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de que a “honra” é atributo pessoal e, no caso, a honra ferida é a da mulher, que cometeu a conduta tida por reprovável (traição), e não a do marido ou companheiro que poderia ter recorrido à esfera civil da separação ou divórcio (Recurso Especial 1.517, 11.03.19 91). Quarenta e sete anos após, a Constituição Federal de 1988 e em seguida a Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006).
2. MODALIDADES DE VIOLÊNCIAS PRATICADAS CONTRA A MULHER
A Lei 12.015/2009 alterou o Título VI do Código Penal brasileiro, anteriormente chamado dos crimes contra os Costumes, passando a tratar Dos Crimes contra a Dignidade Sexual e Dos Crimes contra a Liberdade Sexual no seu capítulo I. Como o presente trabalho trata de violência contra a mulher, todos os tipos penais elencados a seguir serão direcionados para a vítima mulher como sujeito passivo:
Estupro
“.... Alguns dias depois, o jornal local relatou mais uma surpreendente história de sequestro. Um casal – eram casados – voltava para casa em sua lambreta. Alguns homens pararam os dois na estrada e levaram a mulher. O marido foi para casa sem contar a ninguém. Na manhã seguinte, ela voltou para casa, foi até a cozinha, despejou querosene em si mesma, acendeu um fósforo e se consumiu em chamas. Segundo o artigo, o marido não interveio. ” (Abdulali, 2019).
“...Estupro é o único crime diante do qual as pessoas reagem querendo aprisionar as vítimas” (Abdulali, 2019).
Segundo a economista e socióloga Sohaila Abdulali, traz o conceito de estupro como: “Estupro. A palavra é muito rude. Em hindi, balatkaar. Em finlandês, raiskata. Em indonésio, memperkosa. Em árabe, aightisab. Em esloveno, posilstvo. Em zulu, ukudlwengula. A palavra inglesa rape provavelmente vem do latim rapere – arrebataar, levar embora. Nos últimos setecentos anos, significa “tomar à força...” (Abdulali, 2019).
De fato, este crime hediondo, infelizmente é praticado diariamente contra mulheres no Brasil e no mundo deixando marcas e sequelas físicas e psicológicas por toda a vida.
O Código penal brasileiro no seu artigo 213, define estupro como o fato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, tendo como pena de reclusão, de seis a dez anos.
Nas palavras do Professor Rogério Sanches Cunha, tutela-se a dignidade sexual da vítima, constrangida mediante violência ou grave ameaça. O vocábulo estupro, no Brasil, se limitava a incriminar o constrangimento de mulher à conjunção carnal. Outros atos libidinosos estavam tipificados no artigo seguinte, que protegia, também, o homem. Resolveu o legislador, com a edição da Lei 12.015/2009, seguir a sistemática de outros países (México, Argentina e Portugal), reunindo os dois crimes num só tipo penal, gerando, desse modo, uma nova acepção ao vocábulo estupro, hoje significando não apenas conjunção carnal violenta, contra homem ou mulher, (estupro em sentido estrito), mas também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. (SANCHES, 2020)
Por fim, outra modalidade bastante recorrente que mulheres enfrentam todos os dias quando saem para trabalhar ou estudar e se deparam com os abusadores de transportes públicos que existem aos montes e não é de hoje que as mulheres sabem disso, em geral por já terem passado por algum tipo de experiência similar às que eu descrevi. Uma pesquisa feita pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em fevereiro de 2019, entrevistou 1.081 mulheres com dezoito anos ou mais, em todas as regiões do país, que usaram transporte público ou privado nos três meses anteriores à pesquisa. Os entrevistadores apresentaram a elas uma lista de situações constrangedoras, abusivas, ou criminosas, desde olhares insistentes até recorrentes “encoxadas” e os estupros. O resultado foi que simplesmente 97% das mulheres afirmaram ter passado, pelo menos uma vez, por uma situação dessas, seja em ônibus, trens, metrôs, ou em táxis e carros de aplicativos de transporte particular. Quarenta e um por cento delas relataram já ter trocado de lugar no transporte coletivo por medo, depois de serem encaradas sem trégua por algum homem. Há ainda as cantadas indesejadas, os comentários de cunho sexual, os homens que passam a mão pelo corpo da passageira, os que se masturbam, os que fazem gestos obscenos ou mostram as partes íntimas, os que fotografam mulheres sem autorização e até os que beijam à força. Um por cento das entrevistadas contou ter sido vítima de estupro com penetração no transporte por aplicativo. (ARAÚJO, 2020)
Estelionato Sexual ou Stealthing
De acordo com o artigo 215 do Código Penal, ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima tem como pena de reclusão, de dois a seis anos.
Nas lições do Professor Rogério Sanches, chama-se stealthing ( dissimulação, em português) a conduta de alguém retirar preservativo duarnte a relação sexual sem o consentimento da parceira. Entre os estudiosos estrangeiros, temos opiniões no sentido de que o fato poderia ser etiquetado como estupro, tanto que existe uma condenação nesse sentido na Suíça. O fundamento para essa decisão foi a condicionalidade do consentimento, ou seja, a vítima que estava praticando a relação sexual só havia consentido com a condição que o preservativo fosse utilizado. A retirada do preservativo durante o ato sexual sem que a outra pessoa percebesse caracterizou um vício de consentimento que tornou criminoso um ato sexual até então indiferente em termos criminais.
No Brasil, as circunstâncias do fato é que devem indicar a tipificação correta: 1) O ato sexual é consentido, um dos parceiros o condiciona ao uso de preservativo, mas o agente, duarnte o ato, retira a proteção prometida. Percebendo a negativa séria e insistente da parceira, ele continua na prática do ato de libidinagem, usando violência ou grave ameaça: tipifica-se, no caso, o crime em estudo, hediono, sofrendo todos os consectários da Lei 8.072/90. 2) O ato sexual é consentido, desde que mediante o uso de preservativo, mas o agente, duarnte o ato, sorrateiramente retira a proteção e continua até a sua finalziação, assim agindo sem que a parceira perceba: nessa situação, não se cogita do crime de estupro, pois ausentes os meios típicos de execução: violência física ou moral. Pode caracterizar-se o art. 215 do CP, sem empego de qualquer espécie de violência, pratica com a vítima ato de libidinagem (conjunção carnal ou ato diverso de natureza libidinosa), usando de fraude. O crime não é hediondo, razão por que não sofre as consequências anunciadas na Lei 8.072/90. (SANCHES, 2020)
Gaslightinh
O termo inglês é utilizado para designar uma forma de abuso psicológico em que informações são manipuladas até que a vítima não consiga mais acreditar na própria percepção da realidade- “você está imaginando coisa”, “deixa de exagero”, “está maluca”, “você parece uma criança”, “você é sensível demais”, etc.)
O discurso da ‘mulher louca” acontece dentro de relacionamentos e se perpetua como forma de violência dentro de processos judiciais, tanto pelas partes processuais quanto pelos órgãos julgadores.
O ponto é que esse rótulo de ‘louca” geralmente é posto quando a mulher quebra o padrão comportamental social de submissão e se coloca num lugar de dignidade e igualdade, quando a mulher diz “não”, quando impõe limites e manifesta suas vontades individuais.
Essa nuance deve sempre ser levada em consideração nos casos de violência doméstica. Não basta olhar para o crime em si, é preciso enxergar as pessoas por trás do fato e as dinâmicas relacionais influenciadas por nosso contexto social.
O conceito usual — está em vários compêndios — de gaslighting é que se trata de uma forma de abuso psicológico em que informações são distorcidas, seletivamente omitidas (ignoradas) ou inventadas fazendo a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. (STRECK, 2022)
Upskirting
É a prática de fotografar ou filmar as partes íntimas de uma mulher, sem sua autorização, por debaixo da sua ou outra peça de roupa. É uma prática comum em locais públicos com grande concentração de pessoas, como trens, metrôs shows, e festivais.
Em que pese não termos, em nosso vernáculo, algo para exprimir a tradução de upskirting, trata-se de uma prática (ou fetiche) de fotografar e registrar imagens, em locais públicos ou privados, por debaixo da saia, vestido ou pelas entranhas de peças de roupa de uma pessoa sem o seu consentimento. Geralmente, os adeptos dessa prática abominável e ultrajante ficam monitorando suas vítimas (alvos) até o momento de distração para captar e registrar essas imagens, inclusive com exposição do rosto da vítima e do local da prática do upskirting. Após a captação ou o registro dessas fotos, com a nítida violação da imagem e da dignidade da pessoa humana, é comum que sejam disponibilizadas gratuitamente ou comercializadas na internet tais imagens. Sem sombra de dúvida, essa prática de upskirting causa angústia, dor, humilhação, exposição indevida da intimidade da vítima, sofrimento emocional, depressão e até mesmo suicídio. Portanto, em nossa concepção, a prática de upskirting deve ser abrangida pela violação de intimidade (art. 7.º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por força do advento da Lei n. º 13.772/2018, que acrescentou essa novel disposição). Desse modo, pensamos que, após a vigência da Lei n.º 13.772/2018, quem realizar a prática de upskirting estará sujeito às penas do art. 216-B do CP. No entanto, antes mesmo do advento da Lei n.º 13.772/2018, a Lei Maria da Penha já previa a violência sexual (art. 7.º, inciso III, da aludida lei), violência entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (art. 7.º, inciso III, da mencionada lei). O problema é que, apesar dos esforços hercúleos da doutrina em procurar conferir um injusto penal dentro da nossa legislação, em regra, não havia um tipo penal específico para a situação, diante da lacuna do ordenamento jurídico. Retomando a discussão, a expressão “violação de sua intimidade” trazida pelo art. 7.º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por força do advento da Lei n. º 13.772/2018, que acrescentou essa novel disposição, provocará grandes embates por ser ampla demais. Afinal, o que devemos entender por “violação de sua intimidade” da vítima? Qual o seu alcance? Essa tutela abrangeria apenas e tão somente a violação da intimidade da mulher vítima no âmbito doméstico no “aspecto sexual”, ou também a violação da sua intimidade no “seio familiar”, por exemplo, como exposição de brigas de família, humilhações, vexames etc. sem cunho sexual, mas que de certa forma viesse implicar a violação da intimidade? Em resposta a essas inquietações, seguindo a linha de interpretação (e exegese) sempre com observação da mens legis, pensamos que o legislador ordinário, por meio da alteração legislativa em comento, quis ampliar o âmbito de proteção da mulher, vítima de violência de gênero, mas apenas no campo da intimidade sexual. Tanto é verdade que, na parte da lei incriminadora, trouxe também um dispositivo legal sob a rubrica “registro de imagem não autorizada de intimidade sexual” (o que reforça nosso ponto de vista do viés apenas de a violação de intimidade estar relacionada com a intimidade sexual). Esse referido dispositivo veio para suprir uma lacuna no ordenamento jurídico penal, em que não criminalizava o registro não autorizado da intimidade sexual de dimensão sexual, lacuna apontada há tempos pela doutrina e agora suprida – como será abordado adiante. Assim, a interpretação mais adequada e em conexão com a mens legis a ser dada, em nossa singela opinião, é aquela que prestigie a maior amplitude e alcance possível dessa proteção à intimidade sexual propriamente dita, para se evitar a proteção deficiente diante do bem jurídico tutelado – embora não descartemos o surgimento de opiniões em sentido contrário, sob o argumento de que o Direito Penal como instrumento para tutelar a mulher, vítima de violência de gênero, deve ser dada à interpretação mais abrangente possível para outras situações que causem de certa forma violação da sua intimidade [saindo do enfoque propriamente sexual] (por exemplo, exposição de brigas de família, humilhações, vexames etc. sem cunho sexual, mas que de certa forma implique a violação da intimidade), não devendo o intérprete cingir a letra fria da lei. Mais um argumento para essa outra possível corrente é que a violação sexual já estaria prevista no art. 7.º, inciso III (pelas expressões: “qualquer conduta”; “qualquer modo” e ou que “limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”), da Lei Maria da Penha, logo, com essa inovação legislativa não faria sentido o legislador trazer palavras inúteis no texto da lei, assim o novo conceito da “violação da intimidade” (art. 7.º, inciso II, da Lei Maria da Penha) teria maior amplitude e não se limitaria à violação de intimidade de cunho sexual, uma vez que já existiria a violência sexual expressamente prevista, querendo o legislador, com isso, dar uma interpretação mais elástica à Lei Maria da Penha, no tocante à expressão “violação da intimidade”. Sob essa perspectiva, o art. 7.º, inciso III (pelas expressões: “qualquer conduta”; “qualquer modo” e/ou que “limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”), da Lei Maria da Penha poderia alcançar atos de conotações sexuais de violência ao gênero feminino, mas fato é que agora temos um novo inciso que não deixa mais margem para dúvidas. De qualquer forma, caberá à doutrina e à jurisprudência formar o entendimento sobre o tema. De outro lado, avançando nas análises, caso estejamos diante das condutas de oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia pensamos ser plenamente possível, a depender do contexto, que incida o art. 218-C do CP. Confronto entre o art. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e o art. 218-C, ambos do CP: os núcleos do art. 216-B do CP estão relacionados a registro, produção do vídeo, fotografia etc. Por outro lado, os núcleos do art. 218-C do CP estão associados à divulgação do vídeo, fotografia etc. de cena de sexo, nudez ou pornografia, também sem o consentimento da (s) vítima (s). Veja o quadro a seguir para melhor ilustração: Art. 216-B, CP Art. 218-C, CP. Registro não autorizado da intimidade sexual: Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia: Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Aumento de pena: § 1.º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Exclusão de ilicitude: § 2.º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. Observe que a pena do delito do art. 218-C do CP é muito mais elevada que a pena do art. 216-B do CP, porque o legislador pune mais severamente o ato de divulgar que o ato de registrar. Além do mais, o art. 218-C do CP dispõe de causa de aumento de pena e hipótese de exclusão da ilicitude, enquanto o art. 216-B do CP nada traz. Questão tormentosa que poderá causar celeuma na doutrina e jurisprudência seria o concurso entre os delitos dos arts. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e 218-C. Indaga-se: o agente que filma e em seguida divulga o vídeo incorre nos delitos dos arts. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e 218-C, em concurso material ou incidiria apenas no delito do art. 218-C, ficando o art. 216-B absorvido? O professor Rogério Sanches, a cuja posição nos filiamos, defende que, “caso o agente faça o registro indevido e posteriormente divulgue a cena, deve responder pelos crimes dos arts. 216-B e 218-C em concurso material” (SANCHES, 2018, p. 8) (contextos fáticos diversos). A despeito disso, não podemos ignorar que surgirá corrente defendendo absorção do art. 216-B do CP pelo delito do art. 218-C do CP (contextos fáticos diversos). O importante será analisar os contextos fáticos (se diferentes), porque, caso estejamos no mesmo contexto fático, as respostas poderão variar. Ademais, o art. 5.º, inciso X, da Constituição Federal prescreve que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, todavia, mesmo sendo passíveis de indenização, os casos do denominado upskirting só têm aumentado no Brasil e em outros países. – Análise da prática do upskirting sob o enfoque médico-legal das parafilias. Outro ponto a ser observado trata da prática do upskirting no enfoque médico-legal das parafilias. Diga-se de passagem, que, inclusive, o assunto é pouco tratado pela doutrina nessa vertente. Conforme Genival Veloso de França (2011, p. 271), as parafilias ou transtornos sexuais “são distúrbios qualitativos ou quantitativos, fantasias ou comportamentos recorrentes e intensos que surgem de forma inabitual, de origem orgânica ou simplesmente por preferências sexuais”. O professor Rogério Greco (2011, p. 194) ainda afirma que esses transtornos (sexuais) “podem vir a ocasionar atos delinquenciais, com graves repercussões jurídicas”. Como é o caso do upskirting que pode variar no autoerotismo ou na pictofilia (grafolagnia ou iconofilia). Podemos ainda dizer que o art. 216-B pode se encontrar associado a outras parafilias, tais como o voyeurismo, parascopismo e a grafelagnia. Dito isto, conceituemos cada uma das parafilias citadas:
– Da problemática do alcance do conceito de “nudez” e de sua abrangência sob os aspectos cultural, moral, legal, entre outros, para fins de upskirting e o novel delito em estudo. Advogamos a ideia de que o conceito de nudez vai além da noção simples e singela que vulgarmente é propagada. Tanto é assim que também entendemos que não se pode cingir apenas ao “nu” propriamente dito, sob pena de fazer interpretação rasa da vontade do legislador. Em verdade, a nudez pode se dar tanto de modo integral como parcial (seminudez) e o intérprete deve estar atento a isso. A abrangência da nudez integral e parcial (seminudez) dependerá também do aspecto cultural, moral e regional. Melhor exemplificando, ainda que de forma radical: em análise do aspecto da cultura e regional, não se tem como comparar a cultura e a moral caipira e do interior com uma cultura de uma capital brasileira litorânea, por exemplo. Obviamente, o alcance de nudez integral e parcial terá dimensões diferentes a depender dos aspectos culturais, morais, entre outros. De qualquer forma, o caso concreto será a diretriz da interpretação. Certamente, surgirão correntes interpretativas que rejeitem a ideia de que, estando a vítima sendo fotografada ou filmada com roupas íntimas (pessoas de calcinhas, saias e vestidos curtos [estando a vítima de calcinha ou desnuda], “lingerie”, cueca, biquíni, a depender do contexto, sutiã etc.), não haverá, é claro, ato sexual ou libidinoso e se questionará a configuração da “nudez” nesse ponto. Nos ensinamentos do festejado doutrinador e delegado Eduardo Luiz Santos Cabette (2019, p. 1): Entende-se, contudo, que a nudez a que se refere a lei não precisa ser completa, aliás não há essa exigência de completude na letra da legislação. A nudez pode ser completa ou parcial (seminudez). Ninguém pode duvidar que a filmagem, fotografia etc., de uma mulher em trajes íntimos, sem sua autorização configura o tipo penal em questão, não havendo necessidade de que não esteja vestida com nenhuma peça de roupa. O caso concreto deverá ser analisado. Possivelmente uma pessoa de pijamas ou camisola comprida não servirá, mas um homem de cuecas ou uma mulher somente com calcinha parecem se enquadrar na previsão legal. Ademais, no caso do “upskirting” há que levar em conta que em certos casos a vítima poderá estar desprovida de roupas íntimas e então a nudez será realmente completa nas imagens, fotos ou registros obtidos. Continuando com a exposição do delegado de polícia, Eduardo Luiz Santos Cabette, de forma profunda, seguindo nossa linha de entendimento, vai mais além quanto ao significado de nudez, asseverando, como mencionado, que é algo oscilante na cultura e na moral de um povo, uma vez que é a análise do caso concreto que nos dirá isso. Citemos: A palavra nudez ou somente nu, também é correto dizer, diz-se do estado de uma pessoa não estar vestida. Por diversas vezes, faz referência ao estado de desgaste, da pouca roupa, ou até mesmo das convenções ou regras de uma determinada cultura ou de uma determinada situação que tenha sido estabelecida […]. A nudez em algumas culturas ocidentais pode ser considerada erótica e em outro ponto é considerada como sendo um estado normal, ao qual não é atribuído qualquer sentimento ou qualquer emoção. Mesmo que existam muitas definições da palavra nudez, esta, na maioria das vezes, significa que o corpo não é coberto com roupas. […] a sua definição tem diferentes conotações que são subjetivas. A palavra nudez que tem sua origem etimológica no latim “nudus” é a tradução literal de alguém que está sem roupa. Um estado de nudez completa, é aquele em que não existem pessoas vestidas com cobertura das partes do corpo mais íntimas, ou seja, estão totalmente sem roupas. Já a nudez parcial pode se referir a alguém vestido apenas com uma canga cobrindo os órgãos genitais. Como exemplo da nudez parcial podem-se mencionar algumas tribos de índios, espalhados por algumas regiões do Brasil. No antigo Egito um ato de nudez feminina era considerado a maneira com que as mulheres exibiam seus cabelos naturais (CABETTE, 2019, p. 1; grifos nossos). Valendo-nos ainda das lições de Eduardo Luiz Santos Cabette acerca do problemática da nudez ou seminudez, temos ainda que: No que diz respeito aos casos de exposição sensual ou de nudez de crianças e adolescentes, já se tem interpretado, inclusive o STJ, que quando o artigo 241-E do ECA (Lei 8.069/90) se refere à exposição de órgãos genitais, estes podem estar recobertos ou totalmente em exibição, o que importa é o caráter de exploração da sensualidade. Parece óbvio que a exposição e uma menina trajando apenas calcinhas em circunstâncias insinuantes se adéqua aos tipos penais do Estatuto. Mutatis mutandis parece que o mesmo entendimento, por interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico, pode ser perfeitamente aplicável ao artigo 216-B, CP, nos casos de upskirting e outras situações de registro de seminudez sensual (CABETTE, 2019, p. 1). Por fim, entendemos que, havendo o zoom, close ou closed de imagem ou filmagens de registros com o nítido propósito e o contexto dessa captação é que serão imprescindíveis ao caso concreto para o alcance da nudez ou seminudez, lembrando que a intenção do legislador na justificativa do novo tipo penal foi contemplar também essas situações – por mais que a redação do texto legal não tenha sido das melhores, como de costume. (JÚNIOR, 2019).
Feminicídio
A Lei 13.104 de 09 de março de 2015, altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, sendo fechado seu regime inicial para cumprimento da pena.
Ao alterar o Código Penal, o legislador criou um novo tipo penal. Ao delito de homicídio (CP, art.121) foram acrescidas uma qualificadora e uma majorante. Ou seja, como o nome feminicído, é considerado homicídio qualificado o crime praticado contra a mulher em razão de ela ser de sexo feminino, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão. Tal circunstância é reconhecida quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher(CP, art.121,§2ºA) (DIAS, 2021)
De acordo com a Lei 13.104/15, considera-se feminicídio o crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.
Para configurar feminicídio, como se percebe do dispositivo acima transcrito, não basta que a vítima seja mulher. A morte tem que ocorrer por “razões da condição de sexo feminino” que, por sua vez, foram elencadas no § 2º-A do art. 121 do Código Penal como sendo as seguintes: violência doméstica e familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à condição de mulher. (BAZZO; BIACHINI; CHAKIAN, 2023)
Considera-se também que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolver violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Além disso, a pena do crime é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de catorze anos, maior de sessenta anos ou com deficiência, ou ainda na presença de descendentes ou de ascendetes da vítima.
Quanto a origem do Feminicídio, a antropóloga mexicana Marcela Lagarde y de Los Ríos (apud CHAKIAN, 2018) foi responsável por atribuir ao vocábulo femicídio, difundido pelas americanas Diana Russell, Jill Radford, dentre outras, conceito mais abrangente, tendo denominado como feminicídio, o conjunto de violações aos direitos humanos das mulheres, no contexto de inexistência ou debilidade do Estado de Direito, num quadro de violência sem limites. Em outras palavras, um conjunto de delitos de lesa humanidade, que compreende violências, sequestros e desaparecimento de mulheres num espectro de colapso institucional, revelando-se também um delito de Estado, que ocorre em tempos de guerra e em tempos de paz. A partir de sua definição, Lagarde (apud CHAKIAN, 2018) sustenta que o feminicídio pode ser praticado pelo atual ou ex-parceiro da vítima, parente, familiar, colega de trabalho, desconhecido, grupos de criminosos, de modo individual ou serial, ocasional ou profissional; e, em comum, denota intensa crueldade e menosprezo para com as mulheres, tratadas como mero objetos e, portanto, descartáveis, destituídas de direitos. Cuida-se de verdadeiro crime de ódio contra as mulheres, para o qual também concorre a negligência e omissão das autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses delitos, razão pela qual o feminicídio seria também um crime de Estado. Na análise do que denominou “teoria del feminicídio”, a também antropóloga Rita Laura Segato (apud CHAKIAN, 2018) ressalta que esse impulso de ódio com relação à mulher se explica como consequência à violação feminina às duas leis do patriarcado: a norma de controle e possessão sobre o corpo feminino e a norma de superioridade, de hierarquia masculina. Dessa forma, a reação de ódio surge quando a mulher exerce autonomia no uso do seu corpo, desrespeitando regras de fidelidade ou de celibato. Ou, ainda, quando a mulher ascende posições de autoridade, de poder econômico ou político, tradicionalmente ocupadas por homens, desafiando o equilíbrio assimétrico. (BAZZO; BIACHINI; CHAKIAN, 2023)
A rigidez com que a Lei Maria da Penha tratou os crimes praticados contra a mulher não foi suficiente para – se não estancar- ao menos diminuir a morte de mulheres. Daí a necessidade de uma nova estratégia para atacar especificamente desta trágica realidade. Por isso, o assassinato de mulheres recebeu uma designação própria: feminicídio – um crime de ódio para reconhecer e dar visibilidade à morte violenta de mulheres resultante da discriminação, opressão, desigualdade e violências sistemáticas. Claro que esses crimes sempre ocorrerão. Sob a alegação de resgatar a própria honra, maridos matavam suas mulheres em casos de traição. Os criminosos eram absolvidos por invocarem legítima defesa da honra. Os tempos mudaram e tal justificativa não mais autoriza a absolvição. Tanto que o Supremo Tribunal Federal, em sede de liminar, reconheceu a inconstitucionalidade desta linha de argumentação, ao conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, incisos II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa. O voto do Ministro Gilmar Mendes vai além, ao obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que utilize esta tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. Mesmo assim, homens continuam matando mulheres por ciúmes, por elas os terem abandonado ou simplesmente porque, depois da separação, terem elas um novo relacionamento. As justificativas são muitas, mas a causa é uma só: os homens ainda se consideram seus donos. O sentimento de posse transforma as mulheres em objeto de sua propriedade. E parece ser um direito o exercício de poder sobre elas, mesmo depois da separação. A preocupação em criar uma legislação específica no Brasil para punir e coibir o feminicídio segue as recomendações de organizações internacionais, como a Comissão sobre a situação da mulher (CSW) e o comitê sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher (CEDAW), ambos da ONU. A tipificação do feminicídio tem sido reivindicada por movimentos de mulheres, ativistas e pesquisadoras como um instrumento essencial para tirar o problema da invisibilidade e apontar a responsabilidade do Estado na permanência destas mortes. Femicídio era uma palavra que não existia nos dicionários e ninguém sabia do que se trtatava. Foi criada em 1970, mas só foi incorporada na legislação pátria em 2015. Agora, todo mundo sabe: é o homicídio de uma mulher pela simples razão dela ser do gênero feminino. São diversas formas de abuso físico e verbal – estupro, tortura, perseguição sexual e física, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, entre outros- que se encontram no topo da trajetória de perseguição à mulher e culminam com a sua morte. As expressões feminicído e femicídio costumavam ser consideradas sinônimas e retratavam, essencialmente, o assassinato de uma mulher, sem maiores distinções no tocante à motivação da conduta criminosa. Com o advento, da qualificadora, pela indicada Lei nº 13.104/2015, ao vocábulo femicídio tem sido atribuído conteúdo mais genérico, consistente em qualquer homicídio contra a mulher, ao passo que feminicídio seria o homicídio que se baseia em razões da condição do sexo feminino, ou seja, no assassinato movido pelo fato de a vítima ser mulher. Ao alterar o código penal, o legislador criou um novo tipo penal. Ao delito de homicídio (CP, art.121) foram acrescidas uma qualificadora e uma majorante. Ou seja, com o nome de feminicídio, é considerado homicídio qualificado o crime praticado contra a mulher em razão dela ser do sexo feminino, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão. Tal circunstância é reconhecida quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher (CP, art. 121, § 2º A). O feminicídio é considerado crime hediondo, não admitindo, portanto, indulto, graça ou anistia. Tampouco, é possível concessão de fiança, sendo fechado o regime inicial do cumprimento de pena. Para progressão do regime, o condenado, se for primário deverá cumprir 2/5 da pena e 3/5, se reincidente. Trata-se de qualificadora objetiva, uma vez que o conceito de violência doméstica prescinde de qualquer valoração específica. Há outras circunstâncias que levam ao aumento da pena de 1/3 até metade, ainda que não necessariamente a vítima seja mulher: quando o crime ocorrer durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de catorze anos, maior de sessenta anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental da vítima, ou em caso de descumprimento de medidas protetivas. Por fim, a competência para julgamento de processos que envolvam o crime de feminicídio são das Varas do Tribunal do Júri, e além disso, o juízo da Vara do Júri pode conceder as medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha. (DIAS, 2021)
Elenca a Lei Maria da Penha um rol de medidas para dar efetividade ao seu propósito: assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. Tentar deter o agressor, bem como garantir segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole agora não é encargo somente da polícia, mas também do juiz e do Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. As providências não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos artigos 22 a 24. Medidas outras voltadas à proteção da vítima e encontram-se espraiadas, em toda a Lei e merecem igualmente serem chamadas de protetivas. A autoridade policial deve tomar as providências cabíveis, no momento em que tiver conhecimento de episódio que configure violência doméstica. A Vítima tem direito de receber atendimento prestado por servidores capacitados. Havendo risco à vida ou a integridade física da vítima ou de seus dependentes, o agressor deve ser imediatamente afastado do lar. Esta é providência a ser tomada pela autoridade judicial. No entanto, nos municípios que não são sede de comarca, cabe à polícia civil realizar estas diligências. Quando não houver delegado no momento da denúncia, a autoridade policial pode promover o afastamento. Nessas hipóteses, no prazo de vinte e quatros horas, deve haver a comunicação ao juiz da medida aplicada, a quem cabe, em igual prazo, manter ou revogar a providência policial, dando ciência ao Ministério Público. A adoção de qualquer providência está condicionada à vontade da vítima. Ainda que a mulher proceda ao registro da ocorrência, é dela a iniciativa de pedir proteção por meio de concessão de tutela provisional de urgência. No entanto, a partir do momento em que a vítima requer medidas protetivas, o juiz pode agir de ofício, adotando medidas outras que entender necessárias para tornar efetiva a proteção que a Lei promete à Mulher. Não é apenas quando do recebimento do expediente da autoridade policial, com o pedido de medidas protetivas, que cabe a concessão de tutela de urgência. Novas medidas podem ser concedidas, quando do recebimento do inquérito policial ou durante a tramitação da ação penal. Para garantir efetividade às medidas deferidas, a qualquer momento cabe substituí-las ou até conceder outras medidas. Igual compromisso tem o Ministério Público de requerer a aplicação de medidas protetivas ou a revisão das que já foram concedidas, de modo a assegurar proteção à vítima. Seja o juiz do JVDFM, da Vara Criminal ou da Vara de Família, ele tem a faculdade de requisitar o auxílio da força policial, ou decretar a prisão preventiva do agressor. De outro lado, mesmo tramitando ação no juízo de família, nada impede que a vítima proceda ao registro da ocorrência perante a autoridade policial para que a concessão de medida protetiva. Trata- se de competência concorrente. Além das medidas protetivas, há outras. Basta lembrar a inclusão da vítima em programas assistenciais, que tem nítido viés protetivo. Dispõe da mesma natureza a possibilidade de assegurar à vítima servidora pública acesso prioritário à remoção. Trabalhando ela na iniciativa privada, lhe é garantida a manutenção do vínculo empregatício, por até seis meses, se for necessário seu afastamento do local do trabalho. Não há como deixar de reconhecer também como de caráter protetivo o direito de a vítima ser intimada pessoalmente dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente do seu ingresso e saída da prisão. De igual natureza é a vedação de ser ela a portadora da intimação ao agressor. O Conselho Nacional de Justiça expediu resolução sobre a forma de comunicação à vítima dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e a saída da prisão. Talvez uma das maiores revoluções provocadas pela Lei Maria da Penha foi admitir que medidas protetivas de urgência, do âmbito do Direito das Famílias, sejam formuladas perante a autoridade policial. A Vítima, ao registrar a ocorrência da prática de violência doméstica, pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor aproximar-se dela e de seus familiares ou ser ele proibido de frequentar determinados lugares. Essas providências podem ser pleiteadas pessoalmente pela parte, na delegacia de polícia. Ou seja, a Lei atribui à autoridade policial função de serventuário de justiça, ao permitir que a vítima demande medida protetiva de natureza cível quando do registro da ocorrência. Este momento da propositura da ação, em que se considera iniciada a litispendência em relação à vítima. A identificação deste momento é necessária, por exemplo, para estabelecer o fim da comunicabilidade patrimonial e fixar o termo inicial da obrigação alimentar. Quanto a natureza jurídica das medidas protetivas, debate-se a doutrina. Não se trata de discussão meramente acadêmica, pois significativos são os reflexos de ordem processual desta identificação. Uns afirmam que, se a medida protetiva for de natureza penal, pressupõe um processo criminal. Outros pregam sua natureza cível, servindo-se para resguardar um processo civil. Enquanto consideradas acessórias, somente teriam eficácia enquanto perdurassem o processo cível ou criminal. O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas. Certamente por isso as medidas deferidas em sede de cognição sumária, não dispõem de caráter temporário, não podendo ser imposto à vítima o dever de ingressar com a ação principal no prazo de trinta dias, limitação temporal existente na lei processual civil. Ainda pode dispor de natureza satisfativa, sem prazo de eficácia, perdurando indefinidamente, enquanto persistir situação de risco. Já se encontra pacificado na jurisprudência que, no âmbito do Direito de Família, que tais medidas não perdem a eficácia, se não intentadas a ação no prazo legal. A própria Lei Maria da Penha não dá margem a dúvidas: as medidas protetivas não são acessórias de processos principais e nem a eles se vinculam. No dizer de Fausto Rodrigues de Lima, assemelham-se aos writs constitucionais que, como o habeas corpus ou mandado de segurança, não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo. São, portanto, medidas cautelares inominadas que visam garantir direitos fundamentais e coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme preconiza a Constituição da República. A violência doméstica não configura somente um ilícito penal, mas também um ilícito civil, capaz de gerar efeitos na órbita civil. Como a jurisdição penal tem por objetivo punir o agente depois do ilícito consumado, há a necessidade de buscar a tutela jurisdicional prevista na lei processual civil. Tanto a tutela inibitória para inibir a prática do ilícito, como a tutela reintegratória para remover ou impedir a sua continuação. Desse modo, é importante distinguir: a sanção penal ao agressor; as consequências civis do ilícito cometido, e as medidas que visam impedir que a violência ocorra ou se perpetue. Para impedir a violência, a sua repetição ou continuação, a Lei Maria da Penha confere um procedimento diferenciado, denominado de medidas protetivas de urgência: providências de conteúdo satisfativo, concedida em procedimento simplificado. Trata-se de procedimentos cautelar, embora sem conteúdo cautelar. Como a ação para a obtenção da medida protetiva de urgência é satisfativa, dispensa o ajuizamento da ação principal em trinta dias. As medidas da Lei Maria da Penha são nada mais do que as medidas provisionais previstas a título de tutela antecipada no processo de conhecimento. Ainda que se processem pelo rito do procedimento cautelar, não dispõem de conteúdo cautelar. Sendo satisfativa não exigem o ajuizamento da ação principal. De muito se encontra pacificado que a separação de corpos, ainda que de natureza cautelar, é medida satisfativa, não estando condicionada à propositura de ação de divórcio ou desconstitutiva da união estável. Este é o motivo de a Lei Maria da Penha não ter imposto prazo de vigência das medidas protetivas. Na prática, os juízes deferem medidas protetivas que implicam em restrição à liberdade do agressor, com prazo de vigência e comunicam à vítima que, se a necessidade de a medida persistir, deve pedir sua prorrogação. Para isso não há a necessidade de ser representada por advogado. Basta comparecer pessoalmente a juízo e justificar o pedido. Tomada a termo a solicitação, é levada à apreciação judicial. Os pedidos de medidas protetivas são encaminhados pela autoridade policial ao JVDFM ou à Vara Criminal nas comarcas em que o juízo especializado não se encontre instalado. Apesar de deferido o prazo de quarenta e oito horas para a autoridade policial encaminhar o expediente a juízo, indispensável que a comunicação ocorra em tempo menor. De forma atenta o Conselho Nacional de Justiça determina que as medidas protetivas sejam apreciadas no período do plantão judiciário. Do mesmo modo, impõe aos oficiais de justiça o prazo de quarenta e oito horas para cumprirem os mandados referentes a medidas protetivas de urgência. Ao promover o registro da ocorrência e formar o expediente a ser encaminhado a juízo, em face do pedido de concessão de medida protetiva, a autoridade policial deve consignar o número do telefone fixo ou celular, WhatsApp, ou e-mail por intermédio dos quais a vítima pretende receber comunicações. Também deverá comunicar a vítima dos canais de medidas adequados e disponíveis para a comunicação do descumprimento das medidas protetivas de urgência. (DIAS, 2021).
3. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, é considerada violência obstétrica desde abusos verbais, restringir a presença de acompanhante, procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, recusa em administrar analgésicos, violência física, entre outros. A declaração diz ainda que mulheres solteiras, adolescentes, de baixo poder aquisitivo, migrantes e de minorias étnicas são as mais propensas a sofrerem abusos, desrespeito e maus-tratos.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, no mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde. Tal tratamento não apenas viola os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação. (OMS, 2014).
Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. (Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SD, 2015).
Ainda de acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, há muitos relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto em instituições de saúde, dentre eles incluem a violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos, a recusa em administrar analgésicos, violações da privacidade, a falta de confidencialidade, a recusa de internação nas instituições de saúde, o cuidado negligente durante o parto levando à complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida. (OMS, 2014).
A violência obstétrica é uma das nuances da violência institucional e abarca também a violência de gênero. Ocorre em desfavor de mulheres durante os procedimentos de gravidez, parto e aborto, sendo a sua maioria praticada pelas instituições públicas, e infelizmente nas instituições privadas, apesar da contraprestação paga pela paciente.
Dentre as formas de desrespeito e abusos relacionados à assistência obstétrica estão o abuso físico, a imposição de intervenções não consentidas, oferecimento de informações parciais e distorcidas, cuidados com ausência de confidencialidade, cuidado indigno e abusos verbais, discriminações baseadas em atributos físicos ou sociais, e abandono, negligência ou recusa de assistência.
O conceito de violência obstétrica também inclui práticas prejudiciais ou ineficazes, que não são recomendadas como rotina de assistência ao parto, tais como: monitorização fetal contínua, depilação do períneo e lavagem intestinal, intervenções para acelerar o trabalho de parto, separação da mãe do bebê, procedimentos desnecessários com o bebê, exame físico e manuseio da placenta de modo a promover dor e desconforto, restrição de movimentos, restrição alimentar, não ofertar métodos farmacológicos de alívio da dor e analgesia quando solicitada pela paciente, realização de cesariana sem indicação clínica e, por fim, restrição de apoio contínuo durante o parto e de acompanhante. (OMS, 2018).
Em razão disso, a legislação pátria decidiu em recentemente, em 27/11/2023, na qual entrou em vigor a Lei nº 14.737/23, que inseriu o capítulo VII, na Lei do SUS, o qual dispõe sobre o “SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO À MULHER NOS SERVIÇOS DE SAÚDE”: O caput do art. 19-J possui a seguinte redação: “ Em consultas, exames e procedimentos realizados em unidades de saúde públicas ou privadas, toda mulher tem o direito de fazer-se acompanhar por pessoa maior de idade, durante todo o período de atendimento, independentemente de notificação prévia”.
Dentre os tipos de violências obstétricas, estão intervenções para acelerar o parto, quais sejam: indução do trabalho de parto sem indicação, ocitocina de rotina, Episiotomia, Amniotomia, puxos rígidos, toques vaginais dolorosos e sem indicação, uso de fórceps sem indicação, acesso venoso precoce, posição litômica, Manobra de Kristeller.
Episiotomia
A episiotomia consiste num corte na vulva e na vagina feito com uma tesoura ou bisturi comumente chamado de “pique” ou “episio”. Tal procedimento aumenta o risco de laceração perineal de terceiro e quarto graus, de infecção e de hemorragia, sem diminuir complicações a longo prazo de dor e incontinência urinária e fecal.
A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde contraindicam o uso rotineiro da episiotomia. A episiotomia indiscriminada e rotineira é uma violação de direitos sexuais e reprodutivos e uma violação da integridade corporal da mulher.
Outra prática de violência bastante comum é a Manobra de Kristeller, que consiste na compressão do fundo uterino durante o segundo período do trabalho de parto objetivando sua abreviação. Não existem provas do benefício da manobra de Kristeller realizada no segundo período do trabalho de parto e, além disso, existem algumas provas de que tal manobra constitui um fator de risco de morbidade materna e fetal. (CONITEC, 2016)
Uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto
O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisa “Mulheres, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência. Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como explica a obstetra e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte: “impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento”. “Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, física, sexual” diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese “Violência que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. “Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica difícil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas” acredita. E dá alguns exemplos: “Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como ‘duvido que você reclame do seu marido’ e ‘Não está gostoso? ” Além do nosso código penal e dos vários tratados internacionais que regulam de forma geral os direitos humanos e direitos das mulheres em especial, a portaria 569 de 2000 do Ministério da Saúde, que institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS, diz: “toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura” e a Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005 garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais do SUS. Mas dificilmente essas normas são seguidas, como explica a pesquisadora Simone Diniz, formada em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, que participou de a pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, grande e minucioso panorama realizado pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde – ainda sem data para lançamento. “O parto é muito medicalizado e muito marcado pela hierarquia social da mulher no Brasil. Para algumas questões de saúde, como para quem tem HIV, precisa de um antirretroviral ou de uma cirurgia, você tem o mesmo procedimento público e privado, existe um padrão do que é considerado como aceitável. Para o parto não. A assistência ao parto para as mulheres de menor renda e escolaridade e para aquelas que o IBGE chama de pardas e negras, é muito diferente das mulheres escolarizadas, que estão no setor privado, pagantes. Normalmente as mulheres de renda mais baixa têm uma assistência que não dá nenhum direito a escolha sobre procedimentos. Os serviços atendem essas mulheres para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência, como ficar sem acompanhante e serem submetidas a procedimentos invasivos que não deveriam ser usados a não ser com extrema cautela, como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções, a ruptura da bolsa, como aceleração do parto. É uma ideia de produtividade que parte do pressuposto que o parto é um evento desagradável, degradante, humilhante, repulsivo, sujo e que, portanto, aquilo deve ser encurtado. No setor público é pior, mas é preciso levar em conta que no setor privado, 70% das mulheres nem entra em trabalho de parto, vão direto para cesarianas eletivas”. A imposição de uma cesariana desnecessária também tem sido vista pelos pesquisadores e pelas próprias mulheres como uma forma de violência porque além de um procedimento invasivo, oferece mais riscos a curto e longo prazo para a mãe e o bebê. “Hoje nós sabemos que existe muito mais segurança nos partos fisiológicos do que nas cesáreas. Não tenha dúvidas de que elas são um recurso importante que salva vidas quando realmente necessárias. Mas no parto fisiológico o bebê tem menor chance de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecções, tem o melhor prognóstico de todos” explica Simone Diniz. “O bebê nasce estéril e à medida que ele entra em contato com as bactérias da vagina durante o parto, é colonizado por elas e isso fará com que ele desenvolva um sistema imune muito mais saudável do que se nascer de cesárea e for contaminado por bactérias hospitalares. Esse é conhecimento recente, mas já saíram pesquisas sobre risco diferenciado de asma, diabete, obesidade e uma série de doenças crônicas”. Apesar do índice máximo de cesarianas aconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ser o de 15%, o Brasil lidera o ranking na América Latina, segundo a Unicef, com mais de 50% de nascimentos através da cirurgia. O índice sobe consideravelmente quando se olha apenas para os hospitais particulares. Em 2010, 81,83% das crianças que nasceram via convênios médicos, vieram ao mundo por cesarianas. Em 2011, o número aumentou para 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Há ainda hospitais particulares como o Santa Joana, em São Paulo, que no primeiro trimestre de 2009 apresentou taxa de 93,18% cesarianas, segundo o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Questionada a respeito, a ANS declarou por meio de assessoria de imprensa que “vem trabalhando, desde 2005, para a diminuição do número de partos cesáreos, mas o problema é bastante complexo e multifatorial, envolvendo a organização do trabalho do médico, dos hospitais e a própria cultura e informação da população brasileira”. Disse ainda que “não existe limite para a realização de partos cesáreos” e que isso depende da indicação médica. (SESC; ABRAMO, 2010).
A percepção das mulheres sobre violência institucional no parto está relacionada à falta de qualidade na assistência, destacando-se a ausência de vínculo e comunicação entre profissionais e pacientes, seus familiares e outros profissionais, problemas nos diagnósticos médicos, falta de acolhimento e resolutividade. [...] o médico deixou a desejar [...] eu não consegui tirar dúvidas com ele [...]. Não levantava a cabeça pra olhar pra gente [...] tinha uma má vontade de me responder, de atender (P21, 27a, R03).As parturientes identificaram os bons e maus profissionais pela relação que estes estabeleceram com suas pacientes:[...] se não fosse a doutora Y, que é muito boa [...] porque tem uns médicos brutos [...]que, quando a mulher sabe que está no plantão, até chora, de tão triste que fica (P36,35a, R04).A não identificação dos profissionais foi uma constante, conforme esta declaração:“[...] o médico nem mesmo falou o nome dele, me tratou super mal” (P10, 23a, R02) assemelha-se ao que já foi apontado em outras pesquisas (Ana Goretti Kalume MARANHÃO et al., 2012;SCHRAIBER, 2008), nas quais a violência obstétrica acontece no contexto da denominada crise de confiança da medicina tecnológica, com o distanciamento na relação entre profissionais e pacientes (Daphne RATTNER, 2009) paralelamente ao descumprimento das normativas nacionais vigentes de atenção segura à gestação, parto e nascimento, o qual compromete negativamente a qualidade do pré-natal e do parto (Izabel Cristina RIOS,2009).A ausência de informação e a informação negada, fragmentada ou confusa são descritas e assumem uma magnitude considerável de violência institucional, segundo já citado por outros pesquisadores (HOTIMSKY et al., 2002; LEAL; GAMA; CUNHA, 2005; D’OLIVEIRA;DINIZ; SCHRAIBER, 2002).A ausência de vínculo entre os serviços que realizam o pré-natal e a maternidade, ou seja, a descontinuidade da assistência, é apontada diversas vezes: “A gestação em si foi bem tranquila. Agora, se tu me perguntar em relação ao atendimento lá no hospital [...]deixou a desejar [...]”(P35, 34a, R04).O descumprimento da lei do acompanhante de livre escolha surgiu em muitos relatos: “Eu senti falta do acompanhante [...] porque minha mãe ou minha irmã seria uma segurança pra mim”(P35, 34a, R04).A restrição de acompanhante de livre escolha, no cenário do parto, apontada nos resultados desta pesquisa, demonstra que essa importante questão se constitui ainda como um desafio às maternidades do Estado do Tocantins, diante da implementação morosa da legislação e do seu descumprimento em várias maternidades investigadas. A necessidade da intervenção da acompanhante, durante o processo de parto, lutando por uma assistência melhor, também foi destaque nas falas: “[...] ele não olhou ultrassom [...] não olhou nada [...] simplesmente falou que ia tirar o bebê [...] se eu tivesse sozinha [...] ele teria feito [...]” A percepção – pelas entrevistadas – de que a violência institucional acontece mais frequentemente em serviços públicos aproxima-se de outros resultados encontrados (RIOS,2009; MUNIZ; BARBOSA, 2012).Outro aspecto observado é que o serviço público é percebido pelas mulheres como um favor e não como um direito garantido, vinculando o não pagamento com a falta de qualidade :Eu passei 30 horas de dor [...] e por sorte eu estou aqui para contar a história. Se eu tivesse como sair naquele momento para outra maternidade, pagar um parto, eu teria feito (P11, 36a, R02). A inadequação da ambiência e a precariedade das maternidades foram consideradas pontos negativos e presentes na assistência obstétrica: “Era um quarto comum as cinco pessoas, cheio [...]. A cama alta era muito ruim” (P16, 16a, R03) e “[...] faltou a UTI neonatal para ele”. Os sentimentos negativos vivenciados no momento do parto foram comuns às parturientes, o que também já foi observado em outro trabalho (NAGAHAMA; SANTIAGO,2011). A exteriorização desses sentimentos, ao longo das entrevistas, foi observada de modo bastante enfático por meio dos choros, gestos como o de roer as unhas, tremores nas mãos se movimentos bruscos, além das inúmeras interrupções que se teve que fazer, durante as falas, devido às emoções mais intensas. Muitos relatos expressaram reprovação da postura dos profissionais e reconhecimento de vitimização: [...] não gostei da assistência da médica [...] depois do parto, tive muito sangramento e, em momento algum, depois que saí do centro cirúrgico, a médica que fez o meu parto passou para me ver [...] tive que voltar para o centro cirúrgico novamente, para parar o sangramento [...]. Foi muito desrespeito, muita ignorância. Quase morri! (P01, 31a,R01).Muitas mulheres relataram que, em suas internações para o parto, vivenciaram momentos de chateação, tristeza, medo da morte de seus bebês e delas próprias, sentimentos de incapacidade e fragilidade atribuídos como consequência do atendimento inadequado proporcionado pelos profissionais: “Eu me senti incapaz, frágil [...] um certo medo [...] uma tristeza muito grande [...]” (P35, 34a, R04).A falta de escuta dos profissionais, a desvalorização da fala da mulher, a não utilização de tecnologias apropriadas e, consequentemente, a banalização da dor e da violência são percebidas e relatadas com reprovação pelas mulheres: “[...] é um descaso com as mulheres [...] com a evolução, com tanta tecnologia, eu acho que não era mais para a gente estar sofrendo tanto [...]” (P17, 18a, R03).A invisibilidade se manifesta pelo não reconhecimento da mulher como sujeito nessa relação entre os profissionais de saúde, no momento do parto, mas como objeto de intervenção para chegar a um produto, que é o nascimento. Nesse momento, os profissionais reforçam o poder, lhes sendo destinado todo o direito de ordenar, cabendo à mulher o direito de obedecer: “[...] parece que eles não acreditam que a pessoa está com toda aquela dor [...]”. Categorizar os tipos de violências não é tarefa simples, uma vez que as diversas formas de violências obstétricas se entrelaçam. Tendo em vista essa perspectiva, optou-se em identificá-los como negligência, violência verbal, violência psicológica, violência física e má qualidade do atendimento. A negligência foi o tipo de violência mais relatado: “Tive uma complicação no parto que foi um erro do médico [...] e eu não vou poder mais ter filhos” (P17, 18a, R03). A ausência de cuidados, atrelada aos abusos cometidos por profissionais de saúde, tem tido repercussões sérias na saúde das mulheres e crianças, aparecendo claramente nas falas, com desfechos trágicos. Esses relatos apontaram a relação desse tipo de violência a óbitos no período neonatal precoce: “[...] a médica nunca esteve presente nas minhas consultas, sempre ficou por conta do estagiário, ela só ia e assinava a receita [...] meu filho morreu [...]” (P12, 28a, R02). A violência física também está relacionada ao descumprimento de boas práticas, como a não utilização de métodos de alívio à dor, a utilização de ocitocina de forma indiscriminada, episiotomias de rotinas e kristeller. Nota-se, portanto, que a violências físicas e associa com a negligência, marcada pelos sentimentos de vergonha, constrangimento dor: [...] o médico falava que eu não sabia fazer a força correta [...]. Gritava que desse jeito não era possível. Ele forçou na barriga e lá embaixo. Colocou mais remédio no soro e nada. Mandou a estagiária empurrar a minha barriga e nada [...]. Aí a neném nasceu, mas sem chorar. Ele me cortou um bocado também [...] para costurar, e passei mal, desmaiei de dor [...] foram grandes os cortes. Sentia muita dor, fiquei uns dez dias sem poder sentar [...] ficou uma cicatriz muito grande, sinto muita dor nas relações com o meu marido (P40, 23a, R06).Como em outros estudos, a violência verbal destaca-se como o segundo tipo de violência mais identificado nas oito regiões de saúde, figurando sob a forma de tratamento grosseiro, ameaças, repressões, gritos, humilhações e desrespeito:[...] quando eu fui pra sala de cirurgia, o neném já estava apontando a cabeça [...] aí eu fiz cocô [...] eles gritaram que era pra eu ir pro banheiro pra eu me lavar. Em relação à violência física, destaca-se o exame de toque vaginal doloroso, repetitivo, sem obedecer a critérios, realizado na mesma parturiente por diversos profissionais ainda sob a alegação de finalidade didática. Percebe-se que não se observa a preocupação com a individualidade da parturiente. Há desconforto durante os procedimentos, desrespeito à fisiologia e exposição desnecessária da intimidade da mulher. Esses aspectos são semelhantes aos resultados de uma importante pesquisa nacional(LEAL; Silvana GRANADO, 2012).Me senti muito desrespeitada quando tive meu filho, me deixavam pelada, sem necessidade; toda hora, vinha uma pessoa diferente pra me tocar, sabe, assim, sem falar nada [...] Não tinha necessidade de me deixarem exposta daquele jeito, sabe, era o meu corpo, minha dignidade (P03, 24a, R01).A constatação dessas manifestações de violência obstétrica, com destaque, principalmente, para a violência física, demonstra o reconhecimento, por parte das mulheres, de que essas dores são desnecessárias. Para o meio científico, muitas dessas condutas já foram proscritas. Vasta literatura cita que intervenções inadequadas, feitas em cadeia, podem desenvolver um fenômeno chamado efeito cascata de intervenções. Como é ocaso da manobra de Kristeller, da condução para mesa de parto/mudança de ambiente, imposição de posição ginecológica, comandos de puxo, entre outros. Porém, os profissionais de saúde continuam a realizá-los, apesar de não os registrarem em prontuários (Cariny CIELLO et al., 2012). Verifica-se, ainda, nesta pesquisa, que, nos hospitais utilizados para o ensino de obstetrícia, a reprodução de atitudes e posturas dos profissionais atuantes funciona como mecanismos que colaboram para a perpetuação da violência obstétrica. Constatou-se que, nos hospitais que oferecem estágio, foram destaques, nas falas, as intervenções com finalidades didáticas nas quais as mulheres reclamaram dos procedimentos desnecessários, dolorosos, com exposição a mais riscos e complicações. A ausência do profissional responsável pelos estudantes, em campo de estágio, surgiu como questionamento da legalidade desses atos. Situação está que já foi mencionada em outros estudos (VENEZUELA,2007; NAGAHAMA; SANTIAGO, 2011). A imposição de normas e valores morais depreciativos por parte dos profissionais foi muito apontada pelas entrevistadas: “Se a mulher chorar, eles ficam com cara ruim [...]saem falando no corredor [...]” (P50, 21a, R08). Outro aspecto é a culpabilização da mulher, sendo ressaltada a questão do grito e característica de escandalosa. Foi comum as mulheres relatarem ter recebido orientações de outras parturientes a permanecerem caladas: “[...] quando as mulheres gritam demais, eles deixam lá e vai cuidar das outras que estão mais calmas [...]”(P39, 29a, R06).A falta de comunicação e ética reforça a violência verbal e psicológica, como se observa no relato abaixo:[...] senti mal e fui para o Regional, me consultaram e pediram um ultrassom, quando a médica estava fazendo o ultrassom, calada [...], resolvi falar pra ela assim: ‘Olhei já tive uma perda antes, tá acontecendo alguma coisa com o meu filho?’ Ela respondeu assim: ‘Minha filha, eu não posso te falar nada’. Aí eu perguntei de novo. Ela se irritou e disse: ‘Minha filha, seu filho morreu e pronto! ’ (P36, 35a, R04). A violência psicológica é materializada pela falta de acolhimento, rispidez, negligência: A médica falou assim: ‘Não, você veio de novo? [...] Eu só não vou te mandar embora porque está chovendo’. E, muitas vezes, a violência psicológica associa-se à violência verbal: “Me fizeram muitas perguntas maldosas [...] nunca eu esqueço aquelas coisas que eles me falaram lá no hospital” (P04, 43a, R01). O desrespeito à autonomia e aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher surge em diferentes momentos do trabalho de parto. Passa pela imposição da equipe e pela restrição na posição do parto e está presente igualmente na realização de procedimentos sem informação, esclarecimento e autorização da paciente: Eu gostaria de ter sido informada sobre aqueles procedimentos que eles fazem coma gente (P53, 33a, R08). [...] teve um médico que procurou: ‘Para que esse tanto de menino? ’ E saiu rindo [...] (P55, 25a, R08). [...] eu já tinha tido três perdas e três cesarianas, será que eu não merecia ter uma laqueadura pelo SUS? (P36, 35a, R04). A descrição de frases estigmatizantes surgiu muitas vezes, intimamente relacionadas à violência verbal, psicológica e à negligência: “Não chora que na hora que você estava lá você não lembrou da dor” (p37, 35a, R06). A violência obstétrica é difusa e contempla, além das relações interpessoais, outras relações e várias faces da violência institucional (MINAYO, 2009), (AMARAL; GUIMARÃES; JONAS; 2018).
4. A LEI MARIA DA PENHA
Eis uma parte do relato da história de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que, devido as diversas violências praticadas pelo seu marido, culminou em uma das mais importantes leis do país no que diz respeito a proteção das mulheres:
“No período compreendido entre 1973 e 1977, permaneci na cidade de São Paulo, a fim de fazer o meu curso de mestrado na Universidade de São Paulo, a prestigiosa USP, custeada por uma bolsa de estudos. Para complementar a minha renda salarial, responsabilizei-me, como farmacêutica, pelo funcionamento de uma grande farmácia pertencente ao grupo Farmasil. Posteriormente, mediante concurso público, assumi a função de farmacêutica-bioquímica do Banco de Sangue do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo. A decisão de ir para essa metrópole fazer mestrado deu-se quando eu já estava definitivamente separada, após um casamento que havia durado cinco anos, e me trouxera decepções. Apoiada por meus pais, viajei com um sentimento de segurança, pois colegas meus de faculdade estavam cursando mestrado na mesma universidade. Passei a viver na cidade universitária, dividindo o alojamento com duas economistas, uma do Rio Grande do Norte, terra de meu pai, e outra, pernambucana. No início, não existia a solidão, tudo era novidade. Eu tinha muitos amigos e amigas, e, geralmente, nos finais de semana, almoçávamos juntos em algum restaurante do bairro de Pinheiros ou na residência de um colega, quando conversávamos sobre nossos estudos, música, cultura em geral. Como o círculo de amizades era constituído por estudantes oriundos de diferentes partes do Brasil e do exterior, as turmas se encontravam nesses fins de semana, participando de reuniões tanto de trabalho como de lazer. Mas, principalmente, recordávamos nossa terra de origem, nossas famílias, amigos, e tudo o que nos trazia saudades. E aprofundávamos nossas amizades. A assiduidade dos encontros favoreceu que alguns namoros surgissem desse intercâmbio sociocultural. Foi através desses amigos que, numa comemoração de aniversário na casa de dois colombianos do nosso círculo de amizades, conheci Marco Antônio, também bolsista, recém-chegado da Colômbia. Ele não falava português, e essa fragilidade o tornava mais interessante, pois todos queríamos ajudá-lo. Ainda mais, eu, vinda de uma família nordestina, região onde prevalece o sentimento de hospitalidade que minha mãe sempre demonstrou em suas condutas. Mas ele não tinha aspecto frágil, ao contrário, frequentava ginásios esportivos, e não causava a menor sensação de haver algum distúrbio em seu temperamento, dava mesmo uma boa impressão a quem o conhecesse. Não senti por Marco o que costumamos chamar de amor à primeira vista. Fomos nos conhecendo paulatinamente, como amigos, e só depois consolidamos o nosso namoro. Quando isso aconteceu, Marco vinha ver-me todas as noites, depois da faculdade. Nos finais de semana, habilidoso para serviços de manutenção, sempre se dispunha a fazer reparos no apartamento que eu dividia com as colegas: ora consertava uma fechadura, ora um chuveiro elétrico ou um ferro de engomar.... Sua maneira educada e suas habilidades angariavam a simpatia dos que nos rodeavam. Muitos me parabenizavam por namorar uma pessoa tão atenciosa, gentil e prendada. Certa vez, a mãe de uma colega chegou a lamentar que Marco não tivesse escolhido a sua filha como namorada. Esses fatos e observações reforçaram minha convicção de que, caso nosso casamento se consumasse, teríamos grandes chances de sermos felizes. Quando as pessoas se encontram envolvidas sentimentalmente, tornam-se mais generosas. Eu não fugi à regra e atendia prontamente todas as dificuldades financeiras de Marco, exatamente porque durante o período em que vivi na capital paulista minha situação econômica foi sempre melhor do que a dele. Na condição de namorada, me antecipava e cobria suas despesas extras, pois o que ele ganhava como bolsista não lhe permitia gastos com cinema, passeios ou jantares. A sua situação financeira piorou ainda mais quando, segundo ele, por razões burocráticas, sua bolsa de estudos não foi renovada em tempo hábil e, por isso mesmo, suspensa. A partir daí, assumi todos os seus gastos em razão de sua família, numerosa e de poucos recursos, não ter condições de ajudá-lo, conforme ele me afirmara. Eu não conhecia sua família, que vivia em Bogotá, capital da Colômbia. Ao passar dos dias, como as dúvidas em relação aos nossos sentimentos não existiam mais, decidimos nos unir. Apesar de ser colombiano, ele preferiu que nos casássemos no consulado da Bolívia, por procuração, através de um escritório de advocacia. Não poderia ser um casamento brasileiro devido ao meu estado civil de desquitada, pois não havia ainda o divórcio em nosso país, criado, através de Emenda Constitucional, em 28 de junho de 1977. Marco declarava ser solteiro. Não houve pompas no casamento, nem festas; o fato foi comunicado através de cartas para as nossas famílias, que desejaram muita harmonia e felicidade ao casal. Tampouco houve lua de mel, e fomos residir no apartamento onde eu já morava, no bairro Itaim Bibi, pois era relativamente perto ao meu local de trabalho e da universidade. A notícia de uma gravidez deixou-nos muito felizes. Apesar de toda a luta diária que é comum na vida de jovens bolsistas, distantes de suas famílias, conseguimos organizar uma nova realidade para que nossa criança pudesse encontrar uma vida calma e saudável, dedicando-lhe o mais precioso afeto. Após o nascimento da nossa primeira filha, finalmente Marco conseguiu encaminhar a documentação necessária para sua naturalização, já que, pelas leis brasileiras, para um estrangeiro ser naturalizado é necessário que constitua família no Brasil. Esse era um dos objetivos que Marco perseguia. Ao se naturalizar, dentre outras vantagens ele seria beneficiado pelas oportunidades de trabalho que o nosso país oferecia, bem como se desligaria dos laços de responsabilidade em relação a um filho seu, nascido na Colômbia, detalhe este que eu viria a saber alguns anos depois da nossa união. Meu marido demonstrava afeto por mim e também pela filha. Era uma vida sacrificada, com muitas ocupações, mas minha mãe conseguiu-nos uma babá, a simpática Jovandira, sobrinha de Dona Olímpia, uma querida funcionária do Instituto de Previdência do Estado do Ceará (IPEC), que era de grande ajuda. Após alguns meses, face à necessidade de levar nossa filha até a creche do hospital onde eu trabalhava, comprei, com recursos advindos de uma poupança minha, um Chevette, ano 1975. A principal finalidade era a de facilitar a vida em relação a nossa filha. Depois de deixar-nos no Hospital do Servidor, no bairro Vila Mariana, Marco ia para a Faculdade de Economia e Administração da USP, onde trabalhava em sua tese de mestrado. No fim da tarde, ele ia nos buscar e voltávamos para o apartamento, com nossa filha querida. A compra do carro contribuiu para que ele aceitasse ser professor no turno da noite, creio que numa faculdade de economia. Quando Marco concluiu o curso de mestrado em administração, tentou conseguir emprego, enviando o seu currículo para empresas paulistas e comparecendo a algumas entrevistas, mas foi em vão: além da sua condição de estrangeiro não naturalizado, a concorrência era grande. Depois de muitas conversas, decidimos morar em Fortaleza. O aumento das despesas, a constatação de uma segunda gravidez e as dificuldades que Marco enfrentava para conseguir sua estabilização econômica justificaram a nossa volta para minha cidade natal. Isso ocorreu tão logo defendi tese de mestrado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Também eu sentia saudades da minha terra, do cheiro do mar, da família, de uma vida mais pacata e segura, ansiava por uma casa espaçosa e acolhedora para que as crianças pudessem crescer com qualidade de vida. Do lado financeiro, eu sabia que em Fortaleza o custo de vida era mais ameno. Além disso, eu possuía um terreno no bairro Papicu, onde poderíamos construir uma casa por meio de financiamento bancário. Chegando a Fortaleza, reassumi a minha função de farmacêutica bioquímica do Instituto de Previdência do Estado do Ceará, de onde estivera licenciada, e começamos a procurar um emprego para Marco. Por intermédio da minha amiga Janice, consegui uma carta de recomendação feita por um dirigente de empresa. Apresentada ao Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa, CEAG, hoje Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, SEBRAE, a carta possibilitou ao Marco seu primeiro emprego no Brasil, como economista. Nossa situação melhorou, como prevíamos, mesmo porque, a título de cooperação, ficamos por mais de três anos sem despesas com o aluguel da casa em que residíamos, pois, meus pais nos ajudaram nesse sentido. Após assumir o novo emprego, os contatos profissionais de Marco foram se ampliando, e a sua vaidade pessoal, também. Pouco a pouco, ele se integrou ao meu seleto círculo de amizades, sempre muito solícito, sem revelar interesses pessoais. Foi, ainda, através do CEAG que Marco expandiu-se profissionalmente, atuando depois no Centro de Treinamento e Desenvolvimento da Universidade Federal do Ceará, CETREDE; assim como na Fundação José Augusto e na Universidade do Rio Grande do Norte, ambas localizadas em Natal. A partir do momento em que Marco foi naturalizado e se estabilizou profissional e economicamente, modificou totalmente o seu modo de ser. O companheiro, até então afável, transformou-se numa pessoa agressiva e intolerante, não só em relação a mim, mas também às próprias filhas. Os meus pareceres já não eram solicitados, a troca de informações não mais fazia parte do nosso convívio. Ele não me permitia opinar, como mãe, o que melhor convinha para minhas filhas. Lembro-me que, certa ocasião, Marco plantou no jardim da nossa casa uma espécie de cacto. Minha filha mais velha, ao brincar, caiu sobre essa planta espinhosa e sentiu-se incomodada ante a penetração, no seu corpo, de inúmeros pelos transparentes, irritantes, provocando-lhe urticária. Quando mencionei a Marco a necessidade de ele mesmo retirar do jardim o cacto que plantara, ante o perigo que representava para suas filhas, ele respondeu: “Não! Evite que as crianças se aproximem do local! ” “Mas, como” retruquei, “se é este o espaço onde elas costumeiramente brincam? ” No dia em que, novamente, umas das minhas filhas foi vítima da planta, irritado pelo fato de eu estar insistindo para que a retirasse do jardim, Marco tomou o prato com o qual eu dava refeição a minha segunda filha e o jogou contra a parede, como ele costumava fazer nos momentos em que se sentia contrariado. Ante mais essa tentativa infrutífera de retirar aquela planta perigosa, através do diálogo, não me restou alternativa senão a de destruí-la de um modo que me ocorreu, regando-a com água fervente. Desse modo foi me possível preservar as crianças de novos acidentes e restituir-lhes a segurança dentro do espaço de suas brincadeiras. Eram muitos os caprichos de Marco. Ceder a eles se constituía, para mim, num misto de medo e esperança: medo da sua agressividade, esperança de que a minha aquiescência lhe tocasse o coração e ele reconsiderasse o seu proceder em relação a mim e às filhas. A mistura desses sentimentos confundia-me e, ao mesmo tempo, causava-me revolta, quando eu verificava que os esporádicos comportamentos aceitáveis de Marco só aconteciam para atender às suas conveniências, aos seus interesses. O meu pensamento me conduzia aos tempos universitários: onde estava o homem gentil e atencioso a quem eu entregara o mais puro dos meus sentimentos? Onde estava o companheiro que eu julgara ter encontrado para partilhar um relacionamento harmônico, maduro e duradouro? A mudança brusca no comportamento de Marco me levava a suspeitar que todas aquelas qualidades e sentimentos iniciais haviam sido forjados para atingir objetivos outros. Aos poucos, fui percebendo que a naturalização de Marco e as possibilidades de se projetar social e profissionalmente o tinham conduzido a uma união de conveniência. Essa minha observação era tão procedente que explicava o fato de que, a partir do momento em que os seus objetivos foram alcançados, Marco não se importava mais de mostrar sua face mesquinha e violenta. No íntimo, eu desejava ardentemente que tudo voltasse a ser como antes, quando reinava a paz em nossa convivência. Eu sofria tanto, sentia-me tão perdida, que apelei para psicólogos e para a religiosidade, participando, inclusive, do Movimento Familiar Cristão, entidade que trabalha com a participação de laicos na Igreja, em busca de uma fraternidade entre todos os membros da grande família humana. Mas tudo foi em vão. ” (FERNANDES, 2012).
A Lei Maria da Penha trata da violência praticada contra a mulher no contexto do convívio familiar ou das relações afetivas.
Sobre as relações íntimas de afeto, a Professora Maria Berenice Dias, ensina que a lei empresta proteção íntima de afeto (LMP, art. 5º, III), na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Diante desta nova realidade não há como restringir o alcance da previsão legal. Não importa o período do relacionamento e nem o tempo decorrente desde o seu rompimento. Basta a comprovação de que a ação agressiva decorreu da relação de afeto. (DIAS, 2021)
Ainda sobre as relações íntimas de afeto, o Professor Rogério Sanches Cunha leciona no mesmo sentido ao afirmar que a lei é clara ao assegurar a proteção da vítima em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação, isto é, dispensando os envolvidos viverem sob o mesmo teto. A coabitação, aliás, é dispensável em todas as situações anunciadas pelo art. 5º. da Lei. Nesse sentido, como já alertado anteriormente, o teor da Súmula n. 600 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”. (SANCHES, 2023)
Para o reconhecimento da violência doméstica, preocupou-se a Lei Maria da Penha em identificar seu âmbito de incidência. Assim, define unidade doméstica (LMP, art. 5º, I) espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. A expressão “unidade doméstica” deve ser entendida como conduta praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. Segundo Alice Bianchini, unidade doméstica abarca também as pessoas mulheres tuteladas, curateladas sobrinhas, enteadas e irmãs unilaterais. (DIAS,2021)
Para o Professor Rogério Sanches, a agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança (insere-se, na hipótese, a agressão do patrão em face da funcionária doméstica). A violência no âmbito da família engloba aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo ser conjugal, em razão de parentesco (em linha reta e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção). A propósito, o Enunciado 2, do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), prevê in verbis: “Inexistindo coabitação ou vínculo de afeto entre agressor (a) e ofendida, deve ser observado o limite de parentesco estabelecido pelos artigos 1.591 a 1.595 do Código Civil, quando a invocação da proteção conferida pela Lei nº 11.340/2006, decorrer exclusivamente das relações de parentesco”. De acordo com a Súmula 600 do STJ, “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima” (SANCHES, 2023)
Neste sentido, segue entendimento jurisprudencial:
“1. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, a agressão perpetrada pelo irmão contra a irmã incide na hipótese de violência praticada no âmbito familiar, tipificado no art. 5º, II, da Lei nº 11.340/06. Precedentes. 2. “Ademais a análise da demanda, na intenção de averiguar se a violência se deu em razão de gênero e em contexto de vulnerabilidade, demandaria o reexame fático-probatório, providência obstada pela Súmula n. 7 deste Superior Tribunal” (AgRg no REsp 1574112/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 7/11/2016). (...)5. Agravo regimental a que se nega provimento. ((STJ - AgRg no AREsp: 1437852 MG 2019/0029089-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/02/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/02/2020).
De acordo com a Professora Maria Berenice Dias, figuram como atores da violência nas relações de parentesco, é possível reconhecer assim a agressão do cunhado em desfavor da cunhada, entre irmãs ou entre ascendentes e descendentes tem admitido a imposição de medidas protetivas. No que tange ao sujeito passivo – ou seja, a vítima da violência – há a exigência de uma qualidade especial: Ser Mulher. Mas não basta esta condição. O STJ tem exigido que reste comprovado que a motivação do agressor seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. A incidência da Lei Maria da Penha não se cinge a agressões masculinas contra esposas ou companheiras. Estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica e podem integrar o polo passivo da ação delituosa esposas, companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor, e, também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com o agressor. A agressão do pai contra a própria filha está ao abrigo da Lei Maria da Penha. (DIAS, 2021)
O ciclo de violência contra a mulher baseia-se em três momentos distintos: Aumento de tensão: quando há o aumento de tensão, ou seja, tensões acumuladas no dia a dia, as injúrias e as ameaças feitas pelo agressor, criando uma sensação de perigo; Momento de explosão, quando o agressor maltrata a vítima física e psicologicamente, e pôr fim a fase da lua de mel, momento em que o agressor enche a vítima de carinho e atenções, pede desculpas pelas agressões, prometendo mudar e muitas mulheres acabam aceitando e acreditando.
Entre as formas de violência descritas na Lei Maria da Penha, estão a violência física, patrimonial, sexual, psicológica e moral.
O artigo 7º da referida lei preceitua violência física, aquela entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.
Quando inexistem elementos probatórios para a concessão de medida protetiva, basta a palavra da vítima. Dispõe de presunção de veracidade. Ocorre a inversão do ônus probatório. Cabe ao réu comprovar que não agrediu a vítima. Apesar de se tratar de prova negativa, difícil de ser produzida, empresta-se mais credibilidade à palavra de quem procedeu ao registro da ocorrência. Não é necessária a presença de hematomas, arranhões, queimaduras ou fraturas. Mas quando a violência física deixa sinais ou sintomas, sua identificação é facilitada. Para concessão de medida protetiva, não é necessária a existência de corpo de delito. Na esfera penal, este é elemento indispensável para a comprovação da materialidade do crime de lesões corporais. (DIAS, 2021)
A violência psicológica está preceituada no art.7º, II da referida lei e é entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, expor ao ridículo, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Já o inciso III, do mesmo artigo, trata da violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
Por sua vez, a violência Patrimonial contida no art. 7º, IV é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. E por fim, a violência moral que se trata de uma agressão a autoestima da mulher, concomitante a violência psicológica ensejadora de dano moral, consiste em qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Ao concluir, necessário se faz esclarecer que a Lei Maria da Penha não é uma simples lei, é um precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial. Verdadeiro microssistema que visa coibir a violência doméstica trazendo importantes mudanças. Apesar de não ser uma lei penal, nítido o seu colorido penalizador, ao tratar com mais rigor as infrações cometidas contra a mulher, no âmbito familiar, doméstico e em relações íntimas de afeto. Enquanto no processo penal comum vige o princípio in dubio pro reo, no caso de violência doméstica, vigora o in dubio pro mulher. Pela primeira vez é emprestada credibilidade à palavra da mulher. (DIAS, 2021)
Nesse sentido, segue algumas jurisprudências atuais sobre o tema proferidas pelos Tribunais Superiores brasileiros:
Para aplicar- se a Lei Maria da Penha, não se exige demonstração de hipossuficiência ou de vulnerabilidade da mulher agredida.
A orientação mais condizente com o espírito da Lei nº 11.340/2006 é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, sendo desnecessária a demonstração da motivação de gênero para que incida o sistema protetivo da Lei Maria da Penha e a competência da vara especializada.
É desnecessário, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir. (STJ, 5ª turma, AgRg no Resp. 2.080.317- GO, Rel. Min. Joel llan Parcionick, julgado em 04/03/2024 (info 803).
O dano moral sofrido pela vítima é inerente aos crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, não exigindo instrução probatória específica, mas apenas oportunidade de manifestação do réu durante o curso da ação penal (STF, 2ª Turma, ARE 1369282 AgR/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/09/2023 (info 1109)
O Ministério Público possui legitimidade para requerer, em ação civil pública, medida protetiva de urgência em favor de mulher vítima de violência doméstica. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.828.546 –SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 12/09/2023 (info 788).
A decisão que homologa o arquivamento do inquérito que apura violência doméstica deve observar a devida diligência na investigação e o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ. (STJ. 6ª Turma. RMS 70.338 –SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 22/08/2023 (info 785)
A aproximação do réu com o consentimento da vítima torna atípica a conduta de descumprir medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei nº 11.340/2006.) STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.330.912 – DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 22/08/2023 (info 785)
É constitucional lei municipal de iniciativa parlamentar que veda/ impede a nomeação a cargos públicos de condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher, como forma de promover a proteção da moralidade administrativa prevista no art. 37 da CF/88. STF. RE 1.308.883/DF -2021.
O Superior Tribunal de Justiça, diante de uma situação de violência doméstica e familiar em desfavor da mulher, praticada por irmão em desfavor da irmã, rechaçou a competência do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a incidência da Lei Maria da Penha, sob o fundamento de que não teria sido constatada relação de dominação ou poder do acusado sobre a vítima, o que afastaria, por conseguinte, a motivação de gênero na ação delituosa.
Contudo, a orientação mais condizente com o espírito protetivo da Lei nº 11.340/2006, que restou evidenciada pela inovação legislativa promovida pela Lei nº 14.550/2023 e corroborada pelos precedentes mais recentes desta Corte, é no sentido de que a vulnerabilidade e hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º, ou seja, no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto.
Nesse sentido, o novel artigo 40-A da Lei Maria da Penha passou a prever que o diploma protetivo será aplicado “a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência domesticas e da condição do ofensor ou da ofendida”.
Na mesma toada, o STJ entende ser presumida, pela Lei nº 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado em gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir” (AgRg na MPUMP 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 20/05/2022).
Assim, no caso prático em que o irmão, “ segundo as declarações da ofendida, atacou- a pelas costas com socos, enquanto ela lavava louça e, depois, apossou- se de uma faca com a intenção de feri-la”, denota- se existir situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a ser apurada no caso, apta a justificar a incidência do diploma protetivo pertinente e a competência da vara especializada, nos termos do art. 5º, I e II, da Lei nº 11.340/2006.
5. VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA MULHER NA ESFERA VIRTUAL
Visando abordar sobre as formas de violências praticadas contra a mulher na esfera virtual, ou seja, por meio da internet, da rede mundial de computadores. Logo, discorreremos brevemente sobre temas atuais, tendo em vista que o ser humano utiliza o meio virtual tanto como convive no espaço físico. O mundo digital faz parte do cotidiano de todas as pessoas, estando cada vez mais arraigado nos afazeres diários, pois para quase tudo utiliza-se o ambiente virtual, a saber: trabalho, estudos, pesquisas, compras, relacionamentos que se iniciam através de redes sociais, aplicativos nas telas dos celulares para as mais variadas atividades que preenchem e facilitam o dia a dia, seja para pedir um fast food, uma compra de mercadoria, um envio de mensagem de cunho pessoal ou profissional, etc. Entretanto, esse constante acesso ao mundo digital para realização das mais diversas tarefas, atraem criminosos para atuarem em todas essas operações que o mundo digital oferece, sendo um ambiente propício para prática de crimes se não houverem as devidas cautelas. Em se tratando da violência praticada contra mulher na esfera virtual, os principais bens jurídicos atingidos são a privacidade, intimidade, a honra, imagem, sua tranquilidade e saúde psicológica, havendo consumado os delitos tratados nestes apontamentos. Além disso, sua principal finalidade é a de esclarecer, alertar e conscientizar a comunidade feminina a se prevenir desses delitos que atingem mulheres diariamente. Tais crimes podem ter como vítimas homens ou mulheres, mas por serem as mulheres mais vulneráveis a estas situações e muito mais subjugadas do que auxiliadas pela sociedade de forma geral, este livro dirige-se à estas últimas.
CRIMES VIRTUAIS DE FORMA GERAL
A vida moderna que atualmente acontece no mundo digital, já foi introduzido no cotidiano das pessoas na sociedade, ocorre de forma automática no dia a dia. Pois faz-se negócios, compras e vendas, transações bancárias, aproxima e conecta pessoas distantes por meio das redes sociais, além de trabalhos profissionais na modalidade home office que já é uma tendência adotada e que pretende se intensificar tanto no serviço público quanto nos contratos de trabalhos regidos pela CLT, bem como no ensino, nos estudos que são cada vez mais frequentes optados pela modalidade online de cursos, palestras, pós graduações, e até mesmo algumas graduações autorizadas pelo MEC, enfim, o mundo digital abarca todas as principais áreas de atuação e evolução do homem e passou a ser um meio rápido, eficaz e econômico em relação a tempo, fácil acesso e mobilidade.
Entretanto, apesar de haver tantos benefícios trazidos por toda essa modernidade que o mundo virtual possibilita, também ocorrem delitos, o mundo digital hoje, também é um local de prática de crimes que acompanham e se atualizam a medida em que se intensificam a forma de viver do cidadão no mundo virtual. São exemplos: golpes de boletos bancários falsos, fraudes em transferências bancárias, clonagem de cartão de crédito, compras em sites não confiáveis que frustram o consumidor quanto ao recebimento do produto, fraude eletrônica, interceptação telemática sem autorização, crimes de ódio e preconceito, pirataria, peculato eletrônico, enfim há uma variedade de delitos que ocorrem no meio digital e as mulheres, infelizmente, não ficaram de fora destes rol de crimes na qualidade de vítimas, mais especificamente quanto aos crimes de registro não autorizado da intimidade sexual, divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia, cyberstalking, tendo a sua liberdade, privacidade e intimidade tolhida por estes criminosos. Apesar da nossa Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã, carta magna, viga mestra, Lei maior, trazer em seu art. 5º, inciso x, como direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação na esfera cível, bem como, o Código Penal classificar como crimes e prevê punições para algumas condutas delituosas que serão abordadas no presente artigo, estas práticas estão cada vez mais comum e corriqueiras.
LEI CAROLINA DIEKMANN
A Lei 12.737 de 30 de novembro de 2012, dispõe sobre a tipificação dos delitos informáticos, alterando o Código penal brasileiro, acrescentando os artigos 154-A e 154 B. Essa lei ficou conhecida como a Lei Carolina Diekmann, pois a atriz global teve seu computador invadido com a finalidade de exposição de fotos íntimas na internet.
Segundo Rogério Greco, A conduta do agente, ou seja, o ato de invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, deve ter sido levada a efeito com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. Assim, não é a simples invasão, pela invasão, que importa na prática da infração penal tipificada no caput do art. 154-A do diploma repressivo, mas sim aquela que possui uma finalidade especial, ou seja, aquilo que denominamos especial fim de agir, que consiste na obtenção, adulteração ou destruição de dados ou informações sem a autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. Obter tem o significado de adquirir, alcançar o que desejava, conseguir; adulterar diz respeito a alterar, estragar, modificar o conteúdo, corromper; destruir quer dizer aniquilar, fazer desaparecer, arruinar. Tanto a obtenção quanto a adulteração e a destruição de dados ou informações devem ser levadas a efeito sem a autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. (GRECO, 2022)
Nas palavras do professor Rogério Sanches, o objeto jurídico do crime, como se percebe, é a privacidade individual e/ou profissional, resguardada (armazenada) em dispositivo informático, desdobramento lógico do direito fundamental assegurado no art. 5º, X, CF/88: “ São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo material ou moral decorrente de sua violação”. (SANCHES, 2020)
Por dispositivo informático entende-se qualquer aparelho (instrumento eletrônico) com capacidade de armazenar e processar automaticamente informações/programas (notebook, netbook, tablet, ipad, iphone, smartphone, pendrive, etc). Importante observar ser indiferente o fato de o dispositivo estar ou não conectado à rede interna ou externa de computadores (intranet ou internet). (SANCHES,2020)
Eis o artigo incluído no Código Penal pela Lei Carolina Diekmann:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
(Redação dada pela Lei n. 14.155, de 2021)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(Redação dada pela Lei n. 14.155, de 2021)
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resultar prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto
não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - Reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (A alteração ocorreu na pena de reclusão)
Neste sentido, há um julgado do TJDF sobre o tema que vale mencionar:
APELAÇÃO CRIMINAL. INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO. FORMA QUALIFICADA. TIPICIDADE CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. CONSEQUENCIAS DO CRIME. ANÁLISE ESCORREITA. QUANTUM. READEQUAÇÃO. PENA PECUNIÁRIA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO. PROPORCIONALIDADE COM A PENA CORPORAL. SUBSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. I – A expressão “dispositivo informático” não se refere apenas aos equipamentos físicos (hardware), mas também os sistemas, dispositivos que funcionam por computação em nuvem, Facebook, Instagram, e-mail e outros. II- O crime previsto no art. 154-A do CP possui dois núcleos de conduta típica não cumulativos: (i) invadir dispositivo informático alheio, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular e (iii) instalar vulnerabilidades, visando obter vantagem ilícita. Pela literalidade do dispositivo, a ausência de violação de segurança impede a configuração típica apenas da conduta de invadir. III- Pratica a conduta tipificada no art. 154-A, §3º, do CP aquele que, sem o conhecimento de sua então namorada, instala programa espião no notebook dela, com o fim de monitorar as conversas e atividades e, diante dessa vulnerabilidade, consegue violar os dispositivos de segurança e, com isso, ter acesso ao conteúdo das comunicações eletrônicas privadas e outras informações pessoais, inclusive diversas senhas. IV – A constatação de que a conduta do réu causou transtornos de ordem psicológica que excederam a normalidade do tipo justifica a avaliação desfavorável das consequências do crime. V- Ausente determinação legal acerca do quantum de aumento da pena-base, a par da análise desfavorável de circunstância judicial, a jurisprudência entende adequada a fração de 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo abstratamente cominados no tipo legal. VI – A pena de multa é sanção que integra o preceito secundário do tipo penal sob exame e de aplicação cogente. Deve, ainda, ser estabelecido observando os mesmos parâmetros utilizados para fixação da pena corporal. VII – Em se tratando de crime cometido no contexto das relações domésticas, mas sem o emprego de violência ou grave ameaça, admite-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que presentes os requisitos do art. 44 do CP, VIII – Recurso conhecido e parcialmente provido.
Este artigo 154-A, em suma, fala da conduta de invadir dispositivo informático alheio sem autorização judicial para obter, adulterar ou destruir dados ou informações, além disso, através do conteúdo obtido expor a intimidade da vítima na rede mundial de computadores com a finalidade de atingir sua honra e imagem, além dos casos em que há ameaça à vítima, quanto a divulgação das informações obtidas (fotos, arquivos, vídeos íntimos) para exigir e obter vantagem econômica de forma a controlar a vítima.
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
O Código Penal Brasileiro foi alterado pela Lei 13.772/2018, acrescentando o capítulo: Da exposição da intimidade sexual que fala sobre o registro não autorizado da intimidade sexual no artigo 216-B:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018).
Já o artigo 218-C do Código Penal, trata da divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, que foi incluído pela Lei nº 13.718 de 2018, trazendo a punição para quem promove a divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento das pessoas envolvidas, ou o que mais ocorre na prática de homens que expõe publicamente mulheres com quem se relacionaram casualmente ou afetivamente:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
A exposição de imagens íntimas sem consentimento da vítima – pornografia de vingança - lidera ranking de violação de direitos na internet, trata-se de uma prática criminosa grave, líder em audiência no Brasil, tendo por principal finalidade a humilhação da mulher e atingir a sua dignidade.
Neste sentido, vale colacionar um julgado do TJRS que elucida bem as peculiaridades do delito:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICIZAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS DA DEMANDANTE NA INTERNET PELO EX- NAMORADO. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA OU REVENGE PORN. VALOR DA INDENIZAÇÃO MAJORADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AO RÉU. MANUTENÇÃO. 1. Publicização, por parte do réu, de vídeo contendo fotografias íntimas da autora em site pornô, sendo a postagem intitulada com o nome e a cidade em que a vítima reside, a fim de explicitar sua identidade. Ameaças pessoais e virtuais, por parte do demandado, tendo a autora registrado boletim de ocorrência em três situações e requerido medidas protetivas para preservar sua segurança. Valor da indenização, a título de danos morais, majorado para R$ 30.000,00, porquanto se trata de fato gravíssimo – pornografia de vingança ou revenge porn – que atinge homens e mulheres, estas em sua imensa maioria. Tema extremamente sensível à discriminação de gênero e à subjugação que a mulher historicamente sofre da sociedade em geral, por conta dos padrões de comportamento que está lhe impõe. 2. AJG concedida, pelo Juízo a quo, ao réu, que deve ser mantida. Para que seja concedido o benefício da gratuidade judiciária impõe-se a demonstração da insuficiência financeira para arcar com os ônus processuais. No caso... concreto, os documentos acostados demonstram situação financeira compatível com a concessão do benefício da AJG. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível nº 70078417276, décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, julgado em 27/09/2018)
Na exposição pornográfica não consentida, o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado de maneira flagrante é irrelevante para configuração dos danos morais. Desse modo, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade, caberá indenização por ofensa ao patrimônio moral. (STJ – Resp. 1.735.712 –SP /2020 (info 672).
Têm sido muito comuns, já há alguns anos, situações em que pessoas são surpreendidas pela divulgação de imagens de sua intimidade na rede mundial de computadores. Seja em decorrência de colaboração involuntária da própria pessoa, que se deixa fotografar ou filmar, ou ainda envia imagens íntimas a alguém próximo, em caráter confidencial, e acaba surpreendida pela deslealdade, seja por violação da intimidade sem o conhecimento do interessado, são muitos os casos envolvendo anônimos e famosos que, repentinamente, veem-se envolvidos na constrangedora situação de ter sua intimidade exposta virtualmente a bilhões de pessoas. Há ainda os casos de estupros registrados pelos próprios autores e depois divulgados, o que certamente acentua a já gravíssima ofensa à dignidade sexual da vítima. (SANCHES, 2020)
Ainda nas palavras do Professor Rogério Sanches, as condutas típicas podem ser praticadas pelas mais diversas formas. O tipo faz referência à expressão qualquer meio e ainda esclarece que se incluem aqueles de comunicação de massa ou sistemas de informática ou telemática, isto é, qualquer meio que permita a transmissão de arquivos de fotos ou vídeos (e-mail, Skype, WhatsApp, Messenger, etc.) ou que admita a transmissão audiovisual (streaming), inclusive em tempo real. Segundo o parágrafo 1º, o crime tem a pena majorada de uma a dois terços se cometido por quem mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com a finalidade de vingança ou humilhação, sendo nesse caso desnecessária a prévia relação íntima de afeto, embora o mais comum seja que ela exista. Com efeito, trata-se aqui do denominado reveng porn, em que alguém, normalmente depois de terminado um relacionamento amoroso, divulga na internet imagens ou vídeos íntimos da ex-parceira. Mas o aumento de pena (majorante) pode incidir ainda que o autor e a vítima tenham tido apenas um encontro casual. (SANCHES, 2020)
Nas palavras de Alice de Perdigão Lana, buscar compreender a disseminação não consensual de imagens íntimas sob uma dimensão mais aprofundada. Retomando as teorizações a respeito de cybercultura e relacionando-as com a pornografia de revanche, é possível compreender que a exposição de mulheres é um elemento cultural – o que significa que também terá repercussões no ambiente virtual. Como a tecnologia não é um ator autônomo, separado da sociedade e da cultura, pode-se dizer que o machismo intrínseco à revenge porn faz parte do conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que definem o ciberespaço. Em outras palavras: o meio virtual não está isento nem é descolado das mazelas da sociedade. Isso se repercute nas violências praticadas – como é visível no caso das violências de gênero, como na pornografia de revanche. Assim como não é possível separar o humano de seu ambiente material, não é possível separá-lo dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui sentido à vida e ao mundo. A internet, hoje, é um dos grandes mecanismos de relação com o mundo e com o outro. Como as relações sociais, as ideias e as práticas que circulam no mundo desconectado, circulam também na internet; não é de se espantar a imensa misoginia que impera no ambiente virtual. Importante salientar que isso não significa dizer que a tecnologia determina as ações humanas; ela, em realidade, cria as condições de algumas práticas específicas daquele meio – como o caso da revenge porn. Dessa forma, a cibercultura se relaciona com o conjunto de práticas levadas a cabo por pessoas conectadas à internet, incluindo a prática da pornografia de revanche. (LANA, 2018).
Consistindo na divulgação não autorizada de conteúdo íntimo em redes sociais, a pornografia de vingança tem alcançado patamares de intensidade expressivos no mundo inteiro, inclusive no Brasil, país no qual a violência contra a mulher constitui um fenômeno em crescimento e de larga ocorrência. Observa-se que, embora as violências físicas sejam dotadas de maior visibilidade por conta das lesões aparentes, as violências psicológicas e moral alcançam números alarmantes, correspondendo a aproximadamente trinta e um por cento das denúncias registradas na Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres. Tendo em vista os desfechos trágicos, como isolamento e suicídios de vítimas registrados nos últimos anos, o fenômeno tem assumido maior relevo nos âmbitos midiático e científico, chamando a atenção para a complexidade do delito. Nesse contexto, as experiências concretas evidenciam que a liquidez característica das plataformas de internet, dotadas de alto poder destrutivo, contribuem para reafirmar violações já observadas no mundo presencial, a exemplo de outras formas de violência psicológica e moral de gênero. Essas, quando observadas no meio virtual, não acontecem
de modo formalmente distinto das práticas reais, mas reiteram e reproduzem as discriminações construídas socialmente. Conforme afirmado por Franks (2015), a pornografia de vingança pode associar-se a variadas motivações, compreendendo desde as invasões de dispositivos por hackers com a finalidade de cometer extorsões, até a vingança ante o término de um relacionamento afetivo. De todo modo, destaca-se principalmente a gravidade dos casos em que a dissolução do vínculo afetivo é o impulso determinante para o comportamento do agressor, haja vista o imenso poder de sofrimento que, em geral, acompanha um rompimento amoroso, somados aos sentimentos de constrangimento, humilhação, menor valia, culpa, revolta e desespero causados pela exposição de intimidade na internet. Diante da ocorrência dessa modalidade criminosa, observa-se que as consequências vivenciadas pela exposição pejorativa em ambiente virtual comprometem a integridade física e mental da mulher, possuindo clara configuração de violência intrafamiliar de gênero, sendo o comportamento do agressor deliberado e consciente; logo, também previsto de forma literal na Lei nº 13.104/2015, conhecida popularmente como Lei do Feminicídio. Esse diploma normativo confere elevado destaque ao fenômeno da violência de gênero, evidenciando a faceta mais extrema desse tipo de discriminação, tipificando-a como homicídio qualificado, ou crime contra a vida. Na Lei do Feminicídio, a tipificação penal criminaliza o assassinato de mulheres motivado pelas questões de gênero, ou a naturalização das diferenças de papéis atribuídos a ambos os sexos, no bojo de processos culturais, conforme o exposto no § 2 – A da norma. A correlação do crime estudado com a violência de gênero também é observada de forma cristalina na Lei Maria da Penha, principal instrumento de enfrentamento do problema no Brasil. Consoante o art. 5º dessa lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em ações ou omissões, baseadas no gênero, que causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial, constituindo forma de violação de direitos humanos. Assim, as questões de gênero, retroalimentadas nas dinâmicas social e cultural, constituem os lócus discursivo para prática de violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral contra a mulher, previstas no art. 7º da referida lei. Em atenção à ocorrência da violência de gênero desde as épocas mais primitivas da convivência humana, bem como à sua persistência e crescente aumento de incidência no período contemporâneo, vários estudiosos lançaram mão de parâmetros e conceitos científicos na tentativa de elucidar as dimensões desse problema. Beauvoir (1960), por exemplo, contextualizou com acuidade os principais elementos associados à construção da imagem feminina submissa ao homem, objeto de seus impulsos, desejos, posse e controle. Fatores etiológicos de cunho espiritual, cultural e sociológico ajudam a esclarecer, portanto, a diferença qualitativa de comportamentos aceitáveis para homens e mulheres nos espaços públicos e privados. Adicionando contornos mais precisos para essa discussão, Saffioti (1987) pontuou que é no bojo da própria dinâmica cultural que se observa essa atribuição de significados e papéis distintos conforme o sexo, havendo discriminações adensadas em um processo de naturalização. Nesse sentido, Foucault (1999), autor contemporâneo, destacou o papel ativo dos discursos para a reafirmação das práticas sociais e sua respectiva conservação no agir dos novos sujeitos, não obstante o transcurso das gerações e seus contextos históricos. As peculiaridades do crime de pornografia de vingança apontam para a clara persistência das questões de gênero no inconsciente coletivo, não obstante os discursos de pluralismo, tolerância e repúdio à violência de gênero. Assim sendo, torna-se possível compreender os motivos que mais embasam os julgamentos sociais negativos sobre o comportamento das vítimas mulheres, mesmo no contexto moderno de defesa da liberdade de expressão e disposição individual do próprio corpo. Isso acontece porque a subjetividade presente no meio virtual também se encontra permeada pela moralidade e suas questões afetas de gênero (FARIA; ARAÚJO; JORGE, 2015). Tais discriminações são observadas no comportamento do agressor, que, assumindo a condição de possuidor do corpo e da sexualidade da vítima, publica a intimidade feminina de forma deliberada e não consentida. Dessa forma, acontece a reafirmação dos discursos socioculturais que, desaprovando o comportamento permissivo da vítima, intensificam nela o sentimento de culpa e autopunição, mesmo quando está sendo vítima de violência de gênero. A promoção do sentimento de culpa no interior das vítimas é, pois, um indicativo adicional forte de ocorrência de violência de gênero, tendo em vista que ele surge simultaneamente como reflexo e como catalisador das lesões psicológicas evidenciadas, ocasionando um consequente agravante desse tipo de crime – o castigo psicológico que a vítima se impõe emocionalmente (FERNANDES, 2015). No caso em estudo, essa culpa censura principalmente a mulher que, de forma ousada, partilhou a sua intimidade e, além disso, escolheu erroneamente alguém para desfrutar do status de seu companheiro. Desse modo, ocorre a justificação de toda sorte de violências com base nas escolhas e/ou atitudes da vítima. No caso da pornografia de vingança, a inversão da culpa é fomentada pelos discursos que condenam a permissão para filmar ou fotografar o corpo, bem como o exercício da sexualidade fora dos limites impostos pelo gênero. No contexto da pornografia de vingança, a violência psicológica contra a mulher torna-se tão devastadora quanto a agressão física ou até mais grave que esta, haja vista o alto potencial de dano e facilidade de compartilhamento de vídeos e imagens com conteúdo sexual. Tal gravidade tem despertado nos tribunais a ideia de que a vítima tem direito ao esquecimento de recordações que lhe causem dor ou sofrimento emocional, como material íntimo divulgado na internet, de fácil acesso e permanente exposição. A Lei foi promulgada no contexto do combate à violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, tendo em vista o valor atribuído à instituição familiar, núcleo base do Estado, principalmente visando proteção integral à dignidade da mulher, cujos direitos fundamentais são assegurados de modo que se alcance a igualdade de direitos em relação ao homem e possam deles gozar independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade ou religião. Ao dispor no seu artigo 7º sobre as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, reproduz a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, da qual o Brasil é signatário. Nessa discussão, Fernandes (2015) chama a atenção para a importância do combate à violência contra a mulher, tendo em vista suas proporções e gravidade. De acordo com a referida autora, a violência contra a mulher não se trata de uma que estão privadas, mas sim de um grave problema de saúde pública, que acomete milhares de mulheres no mundo todo, gerando comprometimentos de ordem física e psíquica muitas vezes irreparáveis. Além disso, a violência de gênero também implica reflexos nocivos nos filhos e filhas das vítimas, na medida em que esses tendem a repetir os padrões de comportamento aos quais são expostos, em qualquer de suas modalidades, quer seja deixando-se sujeitar a violências futuras ou ainda as reproduzindo em suas relações interpessoais (FERNANDES, 2015; Dias (2011) anota que o legislador infraconstitucional se preocupou em definir criteriosamente os tipos de violência contra a mulher, uma vez que a precisão dos termos e a previsão legal das condutas se coadunam com o princípio da legalidade, vetor de todos os ramos do direito.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Fernandes (2015) pontua que, com a Lei Maria da Penha, houve o rompimento do processo penal tradicional, de forma a proteger a mulher, garantindo-se a efetividade da tutela jurisdicional, tendo em vista a releitura dos papéis tradicionais atribuídos aos atores do sistema de justiça. Assim, o delegado de polícia presta o socorro imediato à vítima, devendo zelar pela sua proteção, enquanto o promotor de justiça assume a função de interventor na realidade social; o juiz, contrariando os limites processuais do princípio da inércia, pode adotar de ofício medidas protetivas, e o acusado, por sua vez, é alguém que pode ser compelido a modificar seu padrão comportamental (FERNANDES, 2015). De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Dessa forma, observa-se a eleição do conceito gênero para a tipificação desse tipo de violência. O rol de atitudes caracterizadas como violência contra a mulher foi ampliado pela Lei Maria da Penha, que, além de considerar como violência doméstica as agressões que incidem sobre o corpo da mulher, tipifica também as agressões revestidas de fatores psicológicos, morais e patrimoniais, enumeradas no artigo 7º da mencionada lei. Nessa discussão, Fernandes (2015) pontua que a violência física consiste em ofender a integridade ou saúde corporal da mulher, provocando danos à saúde ou integridade física, deixando ou não marcas aparentes. Conforme a autora, a gravidade das lesões identifica vias de fato, lesão corporal – entendida como dano à integridade física e mental –tortura, homicídio, entre outros. Por sua vez, a violência psicológica marca o início do processo de dominação do agressor sobre a vítima, mediante controle e rebaixamento. Manifestada de maneira sutil em seus estágios iniciais, enseja o controle emocional da vítima. Não consiste em um ato isolado, mas em um padrão de relacionamento, de crimes em concurso, cíclica e infinitamente repetidos das mais diversas formas. As consequências desse tipo de violência são graves e variadas, como: dano emocional, diminuição da autoestima, prejuízo do pleno desenvolvimento, degradação da vítima, controle de suas ações, comportamentos, crenças e decisões (FERNANDES, 2015). Além dessas modalidades, a Lei também se atenta à violência sexual, imposição da prática de atos sexuais contra a vontade da mulher lesada e à violência patrimonial, subordinação daquela ao agressor mediante a privação de recursos econômicos, por exemplo. Por fim, a Lei Maria da Penha também dispensou tratamento à violência moral, conduta que causa sofrimento por meio de calúnias, injúrias ou difamações, atingindo de forma muito agressiva as vítimas, tendo em vista a rigidez com que a sociedade valora a moralidade feminina. Nesse ponto, destaca - se mais uma faceta da pornografia de vingança, entendida como exposição íntima não autorizada da vítima, cujo comportamento moral tende a ser reprovado socialmente. Essa violência moral prevista na Lei Maria da Penha, caracterizada como violência de gênero, revela -se muito mais adequada aos delitos em discussão do que a mera ofensa moral indiferenciada prevista no Código Penal. Conforme o entendimento de Silva e Alves (2016), existem fundamentos sólidos para a criminalização da violência psicológica, manifestação da violência de gênero, como crime de lesão corporal à saúde, com base no caput e § 9º do art. 129 do Código Penal brasileiro, combinado com o art. 7º, II, da Lei 11.340/2006.Os autores ressaltam que, tanto no âmbito de atuação do Ministério Público quanto no do Poder Judiciário ainda é incomum a condenação do agressor unicamente com base na prática de violência psicológica doméstica e de gênero. Essas agressões cíclicas e crônicas implicam comprometimento significativo da autoestima, atitudes, desenvolvimento e crenças da mulher, causando constrangimento, isolamento, limitação ao direito de ir e vir e, portanto, comprometimento da saúde psicológica da vítima. Nessa discussão, merece destaque a denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo no ano de 2012, raciocínio jurídico em que as lesões corporais e desequilíbrio da saúde da vítima figuraram como principais argumentos para a denúncia do agressor, autor de violência psicológica utilizando-se de meios virtuais. Elaborada no ano de 2012, a peça processual apresenta um a tese inovadora ano tocante à compreensão transdisciplinar da violência de gênero, violências dela decorrentes e seus efeitos reais na vida das vítimas. Consequentemente, observa-se a proteção efetiva da vítima mediante a combinação do tipo penal de lesão corporal com as disposições da Lei Maria da Penha. Assim, observa-se que, nos casos de pornografia de vingança, são relacionadas várias condutas agressivas, entre as quais: violência psicológica (lesão à saúde), violência patrimonial (necessidade de trocar de endereço e emprego, além do custeamento de tratamentos médicos, psicológicos e honorários advocatícios) e violência moral (injúria e difamação), não obstante o entendimento superficial e supressor da magnitude da dor causada por esse tipo de delito, presente na prática cotidiana de tribunais e delegacias. Quanto à pornografia de vingança, Lins (2015) destaca que a correspondência da conduta com a violência psicológica poderia implicar soluções, haja vista a maior proteção trazida pela maior abrangência semântica e normativa do tipo penal, ao contrário do enquadramento limitado comumente adotado pelo sistema de justiça. Para tanto, faz-se necessário que os operadores do direito adquiram conhecimentos transdisciplinares, de modo que possam caracterizar a pornografia de vingança como violência de gênero doméstica. Desse modo, deverão ser observados os seguintes elementos caracterizadores nos crimes de pornografia de vingança: relação de poder baseada no gênero; qualquer um dos planos de violência previstos na lei, seja física, psicológica, patrimonial, moral ou sexual; unidade doméstica, da família ou em razão de qualquer relação de afeto (SILVA; ALVES, 2016) (SILVA; PINHEIRO, 2017)
STALKING E CYBERSTALKING
A Lei de nº 14.132 de março de 2021, consideradamente nova para o Direito, acrescentou o artigo 147-A ao Código Penal Brasileiro. Com as “novas” ou “antigas” demandas que surgem na sociedade e que interferem na vida e privacidade de outrem, sendo nocivas ao bem-estar da mulher e consequentemente de toda sociedade, tais demandas devem ser reguladas pelo Direito para que sejam aplicadas as formas de tratamento adequadas, bem como suas devidas sanções.
O artigo 147- A da Lei de nº 14.132/2021, reza que:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime for cometido:
I – Contra criança, adolescente ou idoso;
II – Contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação. ”
Como conceito, o verbo to stalk, no sentido jurídico que empregamos neste livro, é emprestado originalmente da Biologia, do estudo de predadores. A predação refere-se ao consumo de proteína de outros animais como estratégia de alimentação. Entre as habilidades desenvolvidas por alguns animais para a captura do alimento, está o stalking. Há animais que caçam em grupo como os lobos (pack hunting); há carniceiros como os urubus (scavenger hunting); há os que persigam velozmente suas presas como os guepardos (pursuit predation). Há os stalkers: animais que, em regra, não atacam aleatoriamente e se utilizam de técnicas de aproximação silenciosa e sub-reptícia. Muitos com seleção da presa por fatores de gênero, idade, porte físico, tamanho e comportamento. Os stealthy animals ficam à espreita (lurking) e, no momento certo, emboscam (ambush, trap) ou saltam de surpresa sobre suas presas (pounce). É o caso dos leões, linces, tubarões brancos e ursos polares. A partir das noções de Biologia, o termo stalking passou a ser utilizado para se referir às pessoas que de modo clandestino, às escondidas ou por meio de métodos ardilosos de aproximação, circundam o ambiente físico ou virtual de suas vítimas, monitorando suas vidas online e offline. Em alguma medida, o stalker humano, como na predação animal, quer ser, ao fim, reconhecido como vencedor, vitorioso na sua estratégia. Mas, o stalking pode ou não terminar com predação propriamente dita, vale dizer, com emboscada, armadilha ou bote físico traiçoeiro ou frontal que atinja a integridade moral, física, sexual ou o patrimônio da vítima, mas o curso de conduta em si já é ilícito, tendo em vista que ultrapassa a esfera do desconfortável, incômodo, inconveniente e adentra o âmbito do aterrorizante, amedrontador, assustador, perturbador. (CASTRO; SYDOW, 2023)
Interessante definição vem de Ademir Jesus da Veiga apud, Ana Lara Castro e Spencer Toth Sydow, que o descreve, em seu artigo de 2007, como:
“(...) forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos como, ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores,
Presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados, entre outras. ”
Na jurisprudência pátria atual, o TJDF de forma sucinta resume o crime de Stalking:
APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL E PERTUBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. STALKING POR MEIO DE REDES SOCIAIS. DOSIMENTRIA. REGIME SEMIABERTO. RÉU REINCIDENTE E COM MAUS ANTECEDENTES. REPARAÇÃO DO DANO À VÍTIMA. DANO MORAL IN RE IPSA. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DA INDENIZAÇÃO COMPROVADAS. 1. Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, por acervo probatório harmônico, a condenação é medida que se impõe. 2. A perturbação da tranquilidade e da incolumidade psíquica da vítima, efetuadas sistematicamente pelo ex-companheiro por meio de mensagens em redes sociais, utilizando-se de perfis falsos, caracteriza a contravenção do art. 65 do Decreto – Lei 3688/41, por stalking. 3. Nos crimes praticados no âmbito da violência contra a mulher, por motivação de gênero, a palavra da vítima merece especial relevo, conforme remansosa jurisprudência deste Tribunal de Justiça. 4. Os critérios legais para fixação de regime dispostos no art. 33, §2º, alínea b, e §3º, determinam o regime inicial semiaberto para o réu reincidente e com circunstâncias judiciais desfavoráveis, por ser portador de maus antecedentes. 5. Recurso conhecido e não provido.
O stalking, segundo nosso entendimento, tem na sua estrutura cinco componentes essenciais: a existência de curso de conduta; que seja intencional; indesejado pela vítima; consistente em importunação, vigilância, perseguição ou assédio; capaz de acarretar ofensa à integridade física ou psicológica (medo ou abalo emocional substancial). O stalking é, portanto, comportamento doloso e habitual, caracterizado por mais de um ato de importunação, vigilância, perseguição ou assédio à vítima, cuja consequência é a ofensa a sua integridade física ou psicológica. (CASTRO; SYDOW, 2023)
Há uma grande relação entre o stalking e o cyberstalking, ainda nas lições de Ana Lara Castro e Spencer Toth Sydow, enquanto no stalking a vítima se sente constrangida e ameaçada pela presença física do agressor, no cyberstalking isso ocorre de modo diverso. Via de regra, a vítima não teme por sua integridade física ou encontro pessoal com seu agressor, mas, sim, apavora-se de checar e-mails, conferir as redes sociais, usar indexadores para pesquisas do seu próprio nome e assim por diante. A vítima teme postar vídeo, foto, opinião, avaliar aplicativo, fazer check-in, fazer live, enviar mensagem instantânea. Ela teme os contatos virtuais feitos pelo agressor e, em especial, os danos a sua imagem, fama e honra virtuais, bem como a violação ao segmento informático da sua vida privada como, por exemplo, a acesso à webcam e aos sítios que frequenta. Não há necessariamente contato físico – prévio ou presente – entre vítima e ofensor. Em verdade, em muitas das vezes, o cyberstalker sequer conhece a vítima pessoalmente. Cyberstalkers podem conhecer suas vítimas em aplicativos de relacionamento como Tinder, Grindr e Monkey (Holla) e, a partir de então, passar a acompanhar suas trocas informáticas. O desconhecimento acerca da verdadeira identidade do perpetrador, muito comum no cyberstalking, exacerba sua gravidade, pois, costuma deixar a vítima em estado de pânico generalizado, de grande impacto à integridade psicológica. É mais provável que o stalker esteja geograficamente próximo da vítima para poder persegui-la. O cyberstalker pode estar muito distante, falar outro idioma e nunca, em absoluto, encontrar-se com ela. Cyberstalker e vítima podem ser (como muitas vezes o são) completos desconhecidos. Entretanto, cyberstalkers podem virar stalkers e vice-versa. (CASTRO; SYDOW, 2023)
No aspecto conceitual podemos ter por perseguição a conduta a ser definida como aquela praticada por meios físicos ou virtuais que interfira na liberdade e na privacidade da vítima. A pena será de seis meses a dois anos de reclusão (prisão que pode ser cumprida em regime fechado) e multa. O novel tipo penal apresenta a seguinte redação: “Perseguição Artigo 147-A — Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade: Pena — reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. §1º. A Pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I – contra criança, adolescente ou idoso; II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2-A do art. 121 desde Código; III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. §2º. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. § 3º Somente se procede mediante representação”. Assim, pela tipificação supra, doravante quem praticar perseguição, por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica, e ainda invadindo a sua esfera de liberdade e privacidade, poderá ser responsabilizado a uma pena de até 2 (dois) anos de reclusão, podendo ainda ser aumentada da metade a depender da situação fática. O verbo do injusto penal do novel artigo é “perseguir”, implicando em “molestar”, “assediar”, “importunar”, “incomodar” alguém, exigindo estes vocábulos suma reiteração comportamental. Há doutrina apregoando que o novel art. 147-Ado CPB deve ser classificado como crime habitual, porquanto o núcleo do tipo penal reclama conduta daquele que persegue alguém rotineiramente perturbando a vítima, a ponto de fazer com que se sinta tolhida na condução de sua vida cotidiana (GILABERTE, online, 2021). Pode surgir algumas inquietações, tais como se haveria prazo ou não é quantidade de perseguições para configuração do tipo penal do art. 147-A do CPB? Em resposta, pensamos não haver um prazo para que a perseguição reiterada seja caracterizada, como ocorrem geral nos crimes habituais. Entendemos que apenas basta que a perseguição reiterada seja contínua ou frequente. Exemplos citados de perseguição reiterada pelo delegado de polícia, Bruno Gilaberte, são: “ligações insistentes, que solapam a paz da vítima, vigílias em frente ao local em que a pessoa importunada reside, contatos com amigos da vítima para afugentá-los e outros comportamentos análogos podem caracterizar o crime em apreço” (GILABERTE, online, 2021). O delito em estudo é classificado como crime de forma livre, existindo inúmeras possibilidades de meios executórios. A tipia delitivaem qualquer de suas facetas deve ser apta a atingir a vítima em sua integridade física ou psíquica, ainda que nenhum resultado ocorra de fato, bastando-se no risco. Neste ponto, o art. 147-A do CPB deve classificado como crime de dano, por exigir uma lesão à liberdade individual, de onde podem surgir riscos de lesões a outros bens jurídicos (GILABERTE, online, 2021). Em hipótese de ocorrer efetiva lesão corporal, aplicar-se-á a regra de afastamento da consunção prevista no § 2º, do art. 147-A (GILABERTE, online, 2021). Igualmente, o tipo penal pode configurar de outros modos, ainda que inexistente as referidas ameaças para o reconhecimento do crime de perseguição do art. 147-A do CPB: (a) restrição da capacidade de locomoção; (b) invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade (GILABERTE, online, 2021). Possibilidade de ocorrência do crime do art. 147-A, do CPB por meios virtuais (cyberviolência ou cyberbullying). Em hipótese de eventual promulgação, a lei alcançará como sujeito ativo do delito, as pessoas físicas as quais praticam cyberviolência ou cyberbullying, já que é crime cuja ação é livre. Causas de aumento de pena do art. 147-A do CPB: O § 1º, do art. 147-A do CPB preconiza uma majorante de metade da pena quando a infração penal em estudo for praticada contra criança, adolescente ou idoso (inciso I); contra mulher, por razões da condição de sexo feminino (II); e mediante o concurso de duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma (III). Já o art. 147-A, inciso II, do CPB prevê a hipótese que tende de ser a mais comum de perseguição (stalking), que é aquela pratica em face da mulher, em razão da condição de sexo feminino. O legislador ordinário buscou as hipóteses presentes no § 2º-A do art. 121 para determinar o que são as razões de condição de sexo feminino: (a) violência doméstica e familiar contra a mulher; e (b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Seguimos nesse sentir, as lições de Bruno Gilaberte que defende em sua obra “Crimes Contra a Pessoa” (3ª ed., 2021) que, a palavra sexo deve ser lida como gênero e isso não representa analogia em desfavor do sujeito ativo. O primeiro argumento do renomado delegado, é de que a interpretação que melhor se harmoniza para com a axiologia constitucional e o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre de preconceitos. Ademais, ao importar da Lei nº 11.340/2006 o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, traz consigo a referência ao gênero, que é um dos conceitos centrais do diploma protetivo (GILABERTE, online, 2021). Crime de menor potencial ofensivo em regra: Em regra, o injusto penal do art. 147-A do CPB será crime de menor potencial ofensivo. Todavia, com a incidência de uma das causas de aumento da pena, o crime de perseguição deixa de ser considerado infração de menor potencial ofensivo.Ação penal no caso do art. 147-A do CPB (“estalking”). A ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. Situações polêmicas do art. 147-A do CPB: As situações de telemarketing, operadoras de telefonia, de cartões de crédito, escritórios de recuperação de crédito, entre outras similares configurará o crime do art. 147-A, do CPB? As pessoas jurídicas também poderão ser sujeitos ativos do tipo penal em cartaz? Em resposta, Antonio Belarmino Junior e Emanuela de Araújo Pereira lecionam que: […] Porém, um caso de necessária análise e reflexão é sua aplicabilidade em face das empresas de telemarketing, operadoras de telefonia, de cartões de crédito, escritórios de recuperação de crédito, entre outros, pois, no âmbito do Direito Civil, através do instituto do dano moral, são de notório conhecimento as condenações por perturbação, sendo que em um caso exemplificativo uma operadora de telefonia foi condenada a pagar a importância de R$ 40 mil de indenização por ligar mais de dez vezes por dia , amoldando-se a conduta da operadora ao final do previsto no tipo penal “perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. A responsabilização na esfera penal poderia ser aplicável às empresas perpetradoras da violação da liberdade em forma de perturbação e perseguição, consistentes a priori nos famosos telefonemas aos domingos pela manhã, caso existisse o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo que o ordenamento jurídico brasileiro, especificamente na Constituição Federal, comporta através dos artigos 173, §5º, e 225, §3º, a responsabilidade da pessoa jurídica pela prática de atos ilícitos contra o meio ambiente. Em uma análise comparativa com a legislação espanhola, o professor sevilhano Miguel Polaino-Navarrete explica que aquele Código Penal dispõe sobre regulação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e prevê vários âmbitos regulatórios, a instituição de agir por conta de outrem (artigo 31.1 CP) e a responsabilidade penal direta e adequada da pessoa coletiva no Direito Penal (instituída pela LO 5/2010), a determinação das penas aplicáveis às pessoas coletivas; a prestação de convocatórias, consequências acessórias igualmente aplicáveis a eles (artigos 129 e 33.7 CP) e o atual sistema de responsabilidade penal das pessoas coletivas estabelecido pela LO 1/2015, de 30 de março, que alterou o Código Penal de 1995. Com a sanção presidencial, a legislação que atuaria de forma preventiva será ineficaz para as pessoas jurídicas. Cabe ao legislador promover a evolução da lei na medida em que atenda às demandas sociais no intuito de responsabilizar penalmente essas empresas com base no novel artigo, pela invasão de privacidade e liberdade com práticas abusivas e lesivas a bens jurídicos intrínsecos do indivíduo, conforme demais países, uma vez que a Constituição Federal prevê a responsabilidade penal de pessoas jurídicas de forma não restrita, devendo o legislador infraconstitucional versar sobre essa matéria (artigo 22, I, CF) (BELARMINO JUNIOR; PEREIRA, online, 2021). A par da doutrina acima, encampamos a crítica de que teria que ter sido criado uma figura similar na própria lei nova direcionada às pessoas jurídicas, tendo em vista que também penalmente invadem a privacidade e liberdade com práticas abusivas e lesivas a bens jurídicos intrínsecos do indivíduo, já que a Constituição Federal prevê a responsabilidade penal de pessoas jurídicas de forma não restrita, em que o legislador infraconstitucional perdeu a oportunidade de versar sobre essa matéria. Das problemáticas iniciais que o Projeto de Lei em voga possuía a versão inicial do Projeto de Lei n° 1.369, de 2019 do Senado Federal previa a pena de 06 (seis) meses a 2 (dois) anos, porém na forma de detenção, o que fazia com que ela pudesse ser cumprida em regime aberto ou semiaberto. Entretanto, a Câmara dos Deputados modificou a duração da pena, de 01 (um) a 4 (quatro) anos, transformando a modalidade em reclusão e tornando a multa cumulativa à pena. O Plenário do Senado Federal manteve a reclusão e a multa, porém alterou a duração da pena sob a justificativa de “criar uma incongruência, aumentando por demais uma pena que acaba ficando desproporcional com crimes de maior gravidade”, conforme afirmou o senador Jean Paul Prates (PT-RN). Além disso, os deputados federais também alteraram os aumentos da pena que podem levá-las a ser majoradas em até metade: se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso; contra mulher por razões da condição de sexo feminino; mediante concurso de duas ou mais pessoas; ou com o emprego de arma. Estas alterações foram incorporadas no texto definitivo da Lei Federal nº 14.132/2021 sancionada recentemente pelo Presidente da República. Das críticas quanto à revogação do art. 65 da Lei de Contravenções Penais Entendemos que o legislador não precisava ter promovido à revogação do art. 65 da Lei de Contravenções Penais, ainda que parcela esmagadora da doutrina entenda que o aludido arcabouço legal do diploma legal que trata da Lei de Contravenções Penais devesse ser revogado “in totum”.Nossa argumentação é de que o legislador ordinário poderia ter optado pela manutenção do aludido dispositivo, já que agora poderá deixar a porta aberta para a impunidade em condutas de poluição sonora e similares que não se enquadre no art. 54 da Lei do Meio Ambiente e nem no art. 42 da LCP – em que o operador subsidiariamente tinha o art. 65, da LCP. Logo, teria um possível vácuo criado pelo legislador. Com a revogação do dispositivo contravencional pela Lei Federal nº 14.132/2021, pensamos que se terá a problemática de não incidência do princípio da continuidade normativa-típica, primeiro porque a lei cria exigência para conduta penalmente relevante que não se amoldaria às disposições contravencionais e sendo também mais gravosa. Deste modo, inclinaríamos a dizer que as pessoas que respondessem por este fato contravencional seriam contempladas pelo instituto penal da “abolitio criminis”. O art. 65 da LCP então revogado, era um verdadeiro “coringa” jurídico extirpado do ordenamento jurídico. De mais a mais, como já sublinhado em tópico anterior, encampamos a crítica de que teria que ter sido criado uma figura similar na própria lei nova direcionada às pessoas jurídicas, tendo em vista que também penalmente invadem a privacidade e liberdade com práticas abusivas e lesivas a bens jurídicos intrínsecos do indivíduo, já que a Constituição Federal prevê a responsabilidade penal de pessoas jurídicas de forma não restrita, em que o legislador infraconstitucional perdeu a oportunidade de versar sobre essa matéria na recém sancionada lei federal em estudo. (JÚNIOR,2021)
Por fim, acredita-se que o novo crime de perseguição surge no sistema normativo brasileiro para suprir a insegurança jurídica que havia com a utilização da contravenção penal de perturbação à tranquilidade para punir atos persecutórios (revogada pela lei 14.132/21). Visto que, a mencionada contravenção penal podia ser utilizada em diversas situações contrárias à perseguição, além disso, não se exigia habitualidade para configuração, o que deve ocorrer em casos de stalking. Além disso, o novo ilícito previsto no artigo 147-A do Código Penal surge como mais um mecanismo de proteção para vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo inclusive, causa de aumento de pena do crime. (BRITTO; FONTAINHA, 2021)
6. INQUÉRITO POLICIAL E ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS
Segundo Maria Berenice Dias, apud Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, no livro sobre violência doméstica, p.20, a Lei Maria da Penha, não é uma simples lei, é um precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas sobretudo, preventivo e assistencial.
Verdadeiro microssistema que visa coibir a violência doméstica trazendo importantes mudanças. Apesar de não ser uma lei penal, nítido o seu colorido penalizador, ao tratar com mais rigor as infrações cometidas contra a mulher, no âmbito familiar, doméstico e em relações íntimas de afeto. Enquanto no processo penal vige o princípio in dubio pro reo, no caso de violência doméstica vigora o in dúbio pró-mulher. Pela primeira vez é emprestada credibilidade à palavra da mulher. Quando se está diante de situação de violência doméstica, é indispensável reconhecer a condição de vulnerabilidade da vítima que jamais dispôs de um instrumento ágil e eficaz para se proteger do agressor com quem coabita. Cabe lembrar que, antes da Lei Maria da Penha, o registro da violência perante a autoridade policial não gerava qualquer iniciativa protetiva imediata. Era necessário o ingresso de um procedimento cautelar de separação de corpos no juízo de família. O tempo decorrido entre o ato de violência e a resposta do Estado deixava a vítima à mercê do agressor. Certamente esta era uma das causas de a mulher ter dificuldade de denunciar a violência da qual era vítima. Como nem sempre a violência deixa vestígios visíveis, e acontece entre quatro paredes sem a presença de testemunhas, assim, é necessário emprestar credibilidade à palavra da mulher tanto para a concessão de medidas protetivas como subsidiar a condenação criminal. Impõe- se a inversão dos encargos probatórios, apesar de a prova negativa ser considerada diabólica, cabe ao agressor provar que a violência não ocorreu. Ainda assim, não se trata de um direito penal de gênero, mas sim, de efetivo que protege a vítima. Também não se edifica o chamado direito penal do inimigo, uma vez que o sujeito ativo, no caso, etiquetou-se como agressor. Para atender seus propósitos, a Lei Maria da Penha promoveu alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções penais. Porém, não houve a previsão da violência doméstica como delito-tipo. Limitou-se a inserir mais uma agravante (CP, art. 61, inciso II, alínea f), uma majorante (CP, art.129, §11), sendo alterada a pena do delito de lesões corporais (CP, art.129, §9º). Também foi admitida mais uma hipótese de prisão preventiva (CPP, art.313, III), além de permitir a imposição ao agressor, em caráter obrigatório, o comparecimento à programa de recuperação e reeducação (LEP, art.152, paragrafo único). O único tipo penal é de recente vigência. Diz com o descumprimento das medidas protetivas (LMP, art.24-A). (DIAS,2021)
A Lei Maria da Penha incide diretamente nas relações familiares, uma vez que a violência ocorre no âmbito das relações familiares, sua prática produz efeito não somente no âmbito criminal. Quando ocorre a aplicação da medida cautelar de afastamento do agressor do lar comum, deve o juiz, independentemente de solicitação, fixar alimentos provisórios a favor de crianças ou adolescentes que sejam dependentes do agressor (ECA, art. 130, parágrafo único). Às claras que há a possibilidade de estabelecimento de alimentos a favor da vítima, bem como de outras pessoas que viviam na residência, assim como filhos incapazes ou pessoas idosas. A condenação do genitor pela prática de crime doloso sujeito à pena de reclusão, contra a mãe dos filhos comuns, implica em destituição do poder familiar (Código Civil, art. 1.638, parágrafo único, a). A mudança legislativa alcançou também o Código Civil. Foram previstas mais causas que levam à perda do poder familiar. Entre elas, a condenação de crimes envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher: homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte (CC, art. 1.638, parágrafo único). De enorme significado a imposição de atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras às vítimas de violência doméstica, pelo SUS. Outro cuidado que restou positivado é a prioridade na realização dos exames de corpo de delito para investigação de crimes que envolvam violência doméstica (CPP, art. 158, parágrafo único). (DIAS, 2021)
Quanto as alterações no Código Penal, as mudanças levadas a efeito pela Lei Maria da Penha na legislação infraconstitucional foram de pequena monta. No código Penal, limitou- se a acrescentar mais uma circunstância agravante quando o agente se prevalece de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade. (CP, art. 61, II, f). Quando o delito de lesões corporais é cometido em decorrência do relacionamento familiar, houve aumento da pena máxima e diminuição da pena mínima. Tal alteração acabou por abrandar a apenação da lesão corporal leve, pois a tendência dos juízes é quantificar a pena perto do mínimo legal. Também foi estabelecida uma majorante quando a vítima da violência doméstica é portadora de alguma deficiência (CP, art.129, §11º). Após a edição da Lei Maria da Penha, alterações mais significativas foram introduzidas no Código Penal para coibir a prática de delitos contra as mulheres. São efeitos da condenação a incapacidade para o exercício do poder familiar, nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos por um genitor contra o outro. (CP, art. 92, II). Foi inserida uma forma qualificada do delito de homicídio, com o nome de feminicídio (CP, art. 121, §2º, VI), o que acabou por escancarar uma realidade ainda chocante. O perigo a que estão expostas as mulheres pelo simples fato de desejarem sair de um relacionamento. Foi alterado o Código Penal para tipificar como crime: importunação sexual (CP, art. 215 –A); divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (CP, art. 218- C); estupro coletivo (CP, art.226, IV, a) e o estupro corretivo (CP, art.226, IV, b). Também foram tipificados como crime: induzimentos, instigação, incitação ou apologia ao crime contra a dignidade sexual (CP, art. 128-D e parágrafo único). Esclarece a lei que ocorre estupro de vulnerável. Os crimes praticados contra a liberdade sexual (CP, art.213 a 216-B) e os crimes sexuais contra vulneráveis (CP, art.217 a 218-C) são reconhecidos como de ação pública incondicionada (CP, art.225). Deste modo, Ministério Público tem legitimidade para o oferecimento da denúncia, independentemente de representação da vítima. Todos estes crimes, quando perpetrados à noite, em lugar ermo ou em local público, aberto ao público, em grandes aglomerações ou em transportes públicos, têm a pena aumentada em um terço (CP, art.226, I). E a pena é elevada à metade quando o agente tem vínculo de conjugalidade ou parentesco com a vítima, é seu empregador ou tem autoridade sobre ela (CP, art.226, II). Assim, apesar de não ter sido alterada a Lei Maria da Penha, os delitos de exibição de cenas de nudez, sexo, pornografia ou estupro, quando o agente manteve relação íntima de afeto com a vítima, têm a pena aumentada. Quanto a lesão corporal qualificada, a violência doméstica, como forma qualificada do delito de lesões corporais, foi inserida no Código Penal em 2004, ao ser acrescentado o §9º ao art. 129: Se a lesão corporal for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo- se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. O texto não foi alterado pela Lei Maria da Penha. Permaneceu sendo um crime sujeito à pena de detenção, a ser cumprida em regime semiaberto ou aberto (CP, art.33). Houve somente mudança dos limites mínimo e máximo de duração da pena. Antes era de seis meses a um ano e agora, de três meses a três anos. Como a proposta da Lei foi tratar a violência doméstica com mais rigor, é considerada estranhíssima a redução da pena mínima à metade. Cabe um alerta. Ainda que a Lei tenha vindo em benefício da mulher, o delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica tipifica- se independentemente do sexo do ofendido. Tanto uma mulher como um homem podem ser vítimas do delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica. O código penal não faz distinção quanto ao gênero da vítima e nem à orientação sexual dos integrantes do núcleo familiar. Basta o fato de a agressão ocorrer no âmbito familiar ou decorrer de relação de afeto para configurar- se o delito como qualificado. Quando a vítima é o homem, comprovada a ocorrência de lesão corporal decorrente de violência doméstica, o agressor – seja homem ou mulher- não faz jus a nenhuma benesse da Lei dos juizados especiais, em face da pena máxima atribuída ao delito: três anos. Grande polêmica entreteve a doutrina em face do uso da conjunção alternativa “ou” na parte final do parágrafo: de coabitação “ou” e hospitalidade, questionando- se a possibilidade de até mesmo as lesões corporais praticadas contra visitas serem qualificadas como violência doméstica. O fato é que, mesmo não tendo havido alteração no texto descritivo do tipo penal, dilatou- se seu campo de incidência. O conceito de relação doméstica foi ampliado. Identificadas como domésticas as relações existentes não só no âmbito da família, mas também na unidade doméstica e em relações íntimas de afeto, a expressão relações domésticas, referida no código penal, passou albergar as demais formas de família trazidas pela Lei Maria da Penha. Seja qual for o delito cometido, aproveitando- se o infrator de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade a pena é agravada (CP, art. 61, II, f): com abuso de autoridade ou prevalecendo- se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica. A causa especial de aumento de pena não configura uma dupla apenação. Portanto, há mais uma causa de agravamento da pena: quando algum delito é praticado com violência doméstica. Claro que, se o crime é a de lesão corporal, não incide a agravante, uma vez que esta circunstância já qualifica o delito (CP, art.129, §9º), e não pode haver dupla penalização pela prática do mesmo fato. O maior rigor imposto à prática dos delitos no âmbito das relações familiares acabou por atentar também à condição de vulnerabilidade da vítima. Com a inclusão do §11 ao art. 129 do CP, é mais severamente punido quem pratica lesões corporais quando a vítima é pessoa com deficiência, assim considerada qualquer carência ou imperfeição física ou psíquica. A pena é aumentada de um terço. Aqui também cabe lembrar que, o só fato de a alteração ter sido levada a efeito pela Lei Maria da Penha, não tem incidência somente quando a vítima é mulher. Que ninguém sustente que a majorante incide, apenas, quando a pessoa portadora de deficiência é do sexo feminino. A preocupação do legislador em aproveitar a lei que protege a mulher para alcançar pessoas com deficiência poderia ter ido além. Ao invés de prever esta circunstância como majorante do delito de lesão corporal, deveria inseri-la entre as agravantes genéricas elencadas no art.62 do CP. Seria a forma mais correta de assegurar proteção específica a quem tem necessidades especiais. (DIAS, 2021)
Já a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal de acordo com o CPP, art. 312, para garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência à instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Também é cabível a prisão preventiva, nos termos do art.313 do CPP, nos crimes dolosos cuja pena máxima cominada seja superior a quatro e nos casos de reincidência em crime doloso.
A Lei Maria da Penha criou mais uma possibilidade de prisão preventiva (CPP, art.313, III): se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Em sede de violência doméstica, a Lei Maria da Penha prevê as possibilidades de prisão preventiva do agressor: para assegurar a tramitação do processo (LMP, art. 20) e para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência (LMP, art.42). A tipificação do descumprimento de medida protetiva como crime (LMP, art.20) e para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência (LMP, art.42) apud Erica Canuto, em as hipóteses de prisão preventiva da Lei Maria da Penha, p.178. A tipificação do descumprimento de medida como crime (LMP, art.24-A), não se mostra suficiente para impedir atos de violência, até porque, pelo quantitativo de pena, o simples descumprimento – em face ao novo crime cometido – sequer autorizaria a decretação da prisão preventiva, o que somente seria possível em razão do descumprimento da própria medida protetiva. Mais reiteradamente é imposta quando do descumprimento das medidas protetivas deferidas à vítima. Não se exige dolo e nem a presença de qualquer outro requisito, mesmo aqueles previstos no art. 312 do CPP. Pode ser decretada, inclusive, em casos de contravenção penal e crimes punidos com pena de detenção. A prisão pode ser determinada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal. De ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial (LMP, art. 20, parágrafo único). Mesmo que o Código Eleitoral (art.236) vete a prisão de qualquer eleitor desde cinco dias antes e até 48 horas depois do encerramento da eleição, que não impede a decretação da prisão preventiva do autor de violência doméstica. Quer porque a lei eleitoral, datada de 1965, é anterior à Constituição da República, que assegura assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, determinado que se criem mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (CR, art. 226, §8º). Quer porque o direito de sufrágio não se sobrepõe ao direito de incolumidade física e psíquica da mulher, sob pena de se criar no período das eleições salvo conduto aos agressores. É preferível que se justifique a perda de um voto do que se chore sobre um cadáver em pleno dia de votação. Houve quem sustentasse a inconstitucionalidade da nova hipótese de decreto de prisão preventiva como forma de garantir de execução de medida protetiva de índole civil. Porém, a possibilidade de aprisionamento decorre exatamente da violência doméstica. Sua prática é que autoriza a concessão da medida protetiva e, para garantir o seu cumprimento, cabe sim o encarceramento do agressor. A mudança foi festejada pela doutrina e acabou consagrada pelo Supremo Tribunal Federal que, além de ratificar o cabimento da prisão provisória quando da prática de atos de violência doméstica contra a mulher, também autorizou a manutenção da prisão inicialmente em flagrante, quando presentes os requisitos da prisão preventiva. De tão eficazes as medidas protetivas adotadas pela Lei Maria da Penha, que o Código de Processo Penal, admitiu a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art.319). O descumprimento da medida protetiva configura crime, punido com pena de três meses a dois anos de prisão (LMP, art.24-A), o que não interfere na decretação da prisão preventiva. Independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu a medida (LMP, art.24-A, § 1º). O desencadeamento da ação penal não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis (LMP, art. 24-A, § 1º). É possível a aplicação das penas substitutivas previstas no código Penal, vedada, no entanto, a concessão de penas pecuniárias ou pagamento isolado de multa. Às claras, não é razoável a conversão da prisão preventiva em alguma medida cautelar semelhante a que foi descumprida. De um modo geral, o agressor é preso em flagrante justamente porque descumpriu medida já aplicada e que se mostrou ineficaz. O Código de Processo Penal não admite a decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz, na fase do inquérito policial. No entanto, em sede de violência doméstica esta restrição não existe. Dita possibilidade é prevista, de modo expresso (LMP, art. 20). Por ser lei especial, não está sujeita à regra geral. E, fazendo-se uma ponderação de interesses, há que prevalecer a norma de proteção à mulher em situação de risco (LMP, art.4º). A decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento da medida protetiva de urgência pode ocorrer em crimes punidos com detenção, sem que isso signifique violação ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a medida é assegurada pelo ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 12.304/2011), em respeito e proteção ao bem juridicamente tutelado. Em se tratando de violência doméstica, não cabe imposição de pena pecuniária, quer por expressa previsão da Lei Maria da Penha (LMP, art.17), quer pela possibilidade de decretação da prisão preventiva (CPP, art. 313, III). Sempre divergiu a doutrina sobre a possibilidade de arbitramento de fiança no âmbito da violência doméstica. Agora, de modo expresso a Lei Maria da Penha a admite, concedendo apenas à autoridade judicial a possibilidade de arbitrar fiança (LMP, art. 24-A §2º). (DIAS, 2021)
Em caso de crime continuado, a violência doméstica se perpetua no tempo, dispõe de várias formas e sempre é revestida de enorme perversidade, tanto que se fala no ciclo da violência, tal a espiral de atos que acaba anulando a reação da mulher. Tanto esta é a realidade que, ao buscar a autoridade policial, a vítima sempre diz estar cansada de apanhar. Daí a busca frequente de reconhecimento de se tratar de crime continuado. No entanto, descabe contemplar o agressor com o benefício de se ver apenado por somente um delito, com simples aumento da pena de um sexto a dois terços (CP, art.71). Segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante, para a aplicação do crime continuado, exigem-se a presença concomitante de requisitos objetivos e subjetivos. São requisitos objetivos do crime continuado, a pluralidade de condutas, a pluralidade de crime da mesma espécie, e a semelhança de condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes (conexão temporal, espacial, modal e ocasional). Já o requisito subjetivo, ao revés, é fruto da adoção da adoção da teoria objetivo-subjetiva, pela qual se inferiram implicitamente da norma um requisito da unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva. Exige-se um liame entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Como se pode perceber, não há como reconhecer continuidade delitiva aos delitos praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e muito menos com relação nos crimes que se repetem ao longo do tempo. (DIAS,2021).
Com relação ao comparecimento à programa de repercussão e reeducação e acompanhamento psicossocial, talvez a mais salutar previsão da Lei Maria da Penha seja a possibilidade de o juiz aplicar ao agressor, de imediato, como medida protetiva, o comparecimento do agressor a programa de recuperação e reeducação (LMP, art.22, VI), bem como a acompanhamento psicossocial. Com a inclusão do parágrafo único ao art. 152 da Lei de Execução Penal (LMP, art. 45), em sede de violência doméstica contra a mulher, o juiz está autorizado a determinar o comparecimento compulsório do agressor a programas de recuperação e reeducação. A substituição da pena privativa da liberdade por pena restritiva de direitos não é uma novidade. Entre as penas restritivas de direito elencadas no Código penal, uma delas é a limitação de fim de semana (CP, art.43, VI). Seu cumprimento consiste na obrigação do réu de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado (CP, art.48). Durante esse período, é facultada a realização de cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas (CP, art.48, parágrafo único e LEP, art. 152). Dispõe de caráter restritivo da liberdade, podendo ser chamada de pena somente a limitação dos finais de semana. Já a frequência a curso de reeducação durante este período, como não é obrigatória e não restringe a liberdade do apenado, não se trata de pena. A substituição só cabe quando a pena aplicada é inferior a quatro anos e não tenha o crime sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa da vítima (CP, art.44). Assim, para haver tal possibilidade substitutiva, além dos demais requisitos dos incisos II e III do art.44 do CP, é necessário o implemento cumulativo de dois requisitos: o quantum da pena ser inferior a quatro anos e a inexistência de violência ou ameaça contra a vítima. A possibilidade de ocorrer esta substituição em sede de violência doméstica, em um primeiro momento, causou perplexidade, uma vez que um dos requisitos para ser admitida a substituição é a inocorrência de violência ou grave ameaça. E nos casos de violência doméstica – como o próprio nome diz- a violência faz parte da estrutura constitutiva do ato. Ou seja, se não houver violência física, psíquica, moral, sexual ou patrimonial, não há violência doméstica. Desse modo, em tese, não haveria a possibilidade de substituição da pena. No entanto, a Lei Maria da Penha veio explicitamente abrir uma exceção à regra que impede sua aplicação, mesmo havendo violência ou grave ameaça. Assim, em sede de violência doméstica, independentemente da pena aplicada – se superior ou inferior a quatro anos-, e da forma da violência perpetrada contra a vítima, pode – ou melhor, deve – o juiz determinar que o agressor, obrigatoriamente, compareça à programa de recuperação e reeducação. Outra diferença. Imposta a pena de limitação de finais de semana, durante o período em que o condenado permanecer albergado, podem ser ministrados cursos e palestras, ou disponibilizadas atividades educativas. Porém, nem o Código penal e nem a Lei de Execução Penal traz qualquer previsão no sentido de ser obrigatório o acompanhamento de tais atividades. Como não é imposta nenhuma sanção para o caso de descumprimento, não há como obrigar a participação do réu. Já a Lei Maria da Penha, ao admitir a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restrição de final de semana, autoriza o juiz a determinar o comparecimento coacto do réu a programas de recuperação e reeducação. Ou seja, o condenado por delito doméstico é obrigado a participar dos programas de acompanhamento psicossocial, dispondo assim do caráter de pena, ao limitar a liberdade do agressor durante sua realização. Já aos réus apenados pela prática de outros delitos não pode ser imposta a frequência a cursos e palestras. Em sede de violência doméstica é admitida expressamente a aplicação da pena restritiva de direito de limitação de final de semana, sem impedimento de serem impostas outras medidas. Basta atentar que o rol das medidas protetivas de urgência que obriguem o agressor é exemplificativo, em face da expressão “entre outras” (LMP, art. 22). A regra é repetida no § 1º do mesmo artigo ao dizer que tais medidas não impedem a aplicação de outras (LMP, art.22§1º). (DIAS, 2021)
Além disso, o Sursis que nada mais é do que um estrangeirismo que identifica a suspensão do cumprimento da pena de prisão. Quando a sentença fixa pena inferior a dois anos, o juiz suspende o seu cumprimento, pelo prazo de dois a quatro anos, mediante condições (CP, art. 77). Daí o nome suspensão condicional da pena. Tal figura não se confunde com o sursis processual, como é chamada a suspensão condicional do processo, prevista na Lei dos juizados especiais. Neste caso o que suspende é o processo e o indiciado sequer é processado. No que diz com violência doméstica, em se tratando do crime de lesão corporal, como a pena é de três meses a três anos (CP, art. 129, §9º), o agressor tem direito à suspensão condicional da pena. O direito a esta benesse não está condicionado à natureza do crime, mas tão só à quantidade da pena: basta não ter sido aplicada pena superior a dois anos. O sursis tem duração de dois a quatro anos. Durante o primeiro ano, fica o réu sujeito a limitação de fim de semana (CP, art.78, §1º). Em se tratando de réu que foi condenado por violência doméstica, concedido o sursis, a frequência a programas de recuperação e reeducação é obrigatória. (LEP, art. 152, parágrafo único). Já com referência à suspensão condicional do processo, como a Lei Maria da Penha expressamente afasta a incidência da Lei dos Juizados Especiais (LMP, art.41), não é possível sua aplicação em sede de violência doméstica. A matéria foi sumulada pelo STJ. (DIAS, 2021)
Nessa toada, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou acerca de vários temas envolvendo a Lei Maria da Penha. Quanto a audiência de retratação (LMP, art.16), pressupõe a iniciativa da vítima. E é indispensável a designação de audiência específica para tal fim, não servindo a manifestação feita na audiência de instrução e julgamento, depois do recebimento da denúncia. Quanto a tutela da identidade de gênero, como a Lei Maria da Penha, em duas oportunidades, afirma que a mulher está sob o seu abrigo, sem distinguir sua orientação sexual ou identidade de gênero (LMP, artigos. 2º e 5º, parágrafo único), de enorme significado o julgamento do STF que, em que foi reconhecida repercussão geral, assegurando aos transgêneros o direito de obter, administrativamente, a alteração do nome e da identidade de sexo, mediante autodeclaração, sem a necessidade de comprovar a realização de hormonioterapia ou cirurgia de redesignação genital. O julgamento deu ensejo a fixação da tese. Em contrapartida, o Superior Tribunal de Justiça se pronuncia quanto a desnecessidade de coabitação para configuração de violência doméstica. A matéria foi simulada pela Corte e foi objeto de tese. Quanto a lesão corporal leve e contravenção penal, o tema mais recorrente que aportou ao STJ foi quanto à necessidade ou não de representação no delito de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica. Ou seja, se a lesão corporal leve praticada no âmbito das relações domésticas era crime condicionado à representação da vítima ou se o Ministério Público poderia desencadear a ação penal independente da vontade da vítima. A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal afirmou a constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha, afastando a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 no que se refere aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher, houve uma guinada na posição do STJ, que acolheu o novo entendimento. Passou a reconhecer também que a ação é pública incondicionada. Inclusive formulou nova súmula e firmou tese a respeito. O mesmo ocorreu com referência à contravenção penal. O STJ revisou sua posição inicial e firmou a competência do juizado de violência doméstica. Não só os delitos considerados de pequeno potencial ofensivo foram deslocados para o âmbito do JVDFM. As contravenções penais também. No que tange a retratação, mesmo havendo possibilidade de a vítima se retratar nos delitos que exigem representação, a audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha não pode ser realizada de ofício. A retratação somente pode ocorrer quando a vítima manifesta, antecipada, espontânea e livremente, o interesse de se retratar. O enunciado do fórum nacional de violência doméstica diz que a audiência é cabível, mas não obrigatória. E o não comparecimento da vítima à audiência implica em prosseguimento da ação. Sua realização não é condição para instauração do inquérito policial, sob pena de constrangimento ilegal, a configurar ato de ratificação da representação, que é inadmissível. A retratação somente pode ser manifestada antes do oferecimento da denúncia. Quanto a reconciliação entre a vítima e o agressor não implica no reconhecimento da atipicidade material da conduta ou da desnecessidade de pena. Quanto a motivação as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio não possuem a mesma natureza. A primeira tem caráter subjetivo, ao passo que a segunda é objetiva, não há, assim, qualquer óbice à sua imputação simultânea. Quando se trata do crime de feminicídio, somente devem ser excluídas da decisão de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes ou sem nenhum amparo nos elementos dos autos, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal do júri. Admitida a análise da culpabilidade do agente em razão da intensidade da violência perpetrada contra a vítima em crimes de lesão corporal em contexto de violência doméstica contra a mulher, o ciúme é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, por reforçar as estruturas de dominação masculina – uma vez que é uma exteriorização da noção de posse do homem em relação à mulher – e é fundamento apto a exasperar a pena base.Com relação a garantia de trabalho, compete ao JVDFM ou à Vara Criminal apreciar o pedido de manutenção do vínculo trabalhista da vítima de violência doméstica. As claras que a vítima tem direito a receber salário. Assim, por falta de previsão legal, cabe interpretação analógica para reconhecer que a situação advém da ofensa à integridade física e psicológica da mulher e deve ser equiparada aos casos de doença da segurada. Deste modo, cabe ao empregador o pagamento dos quinze primeiros dias de afastamento, ficando a cargo do INSS o pagamento do restante do período de afastamento estabelecido pelo juiz. Quanto a indenização por dano moral, com a reforma do Código de Processo Penal, ao proferir sentença penal condenatória, o juiz deve fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, devendo considerar os prejuízos sofridos pelo ofendido (CPP, art. 387, IV). Transitada em julgado a sentença, a execução do valor fixado é buscada no juízo cível (CPP, art.63), sem prejuízo de eventual liquidação para ser apurado o dano efetivamente sofrido (CPP, art.63, parágrafo único). Tal possibilidade, no entanto, não impede que a vítima intente ação indenizatória no juízo cível. (CPC, art.64). O STJ reconhece a necessidade de ser formulado pedido específico da condenação indenizatória ou pela vítima ou pelo Ministério Público. No entanto, o reconhecimento da ocorrência de dano moral e material no âmbito da violência doméstica, sempre esbarrou na questão probatória. A divergência sobre a necessidade ou não de ser indicado o valor pretendido para a reparação do dano sofrido, restou solvido em julgamento com repercussão geral, com edição de tese. Como afirmado pelo relator, a dor, o sofrimento, a humilhação da vítima deriva da própria prática criminosa experimentada, sendo de difícil mensuração. Assim, não há razoabilidade na exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade. Com relação ao Princípio da insignificância, o STJ solveu, via edição de súmula, a controvérsia sobre a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela reconhecendo como imprópria aos crimes ou às contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. Já com relação a suspensão condicional do processo e da pena, quando a sentença fixa pena inferior a dois anos, o juiz suspende o seu cumprimento, pelo prazo de dois a quatro anos, mediante condições (CP, art.77). É o que se chama de sursis ou suspensão condicional da pena. Tal figura não se confunde com a chamada suspensão condicional do processo, prevista na Lei dos juizados Especiais. Neste caso, o que se suspende é o processo e o indiciado sequer é processado. No que diz com a violência doméstica, aplicada a pena não superior a dois anos, o agressor tem direito à suspensão condicional da pena. Concedido o sursis, a frequência a programas de recuperação e reeducação é obrigatória. (LEP, art.152, parágrafo único). Já com referência à suspensão condicional do processo, como a Lei Maria da Penha expressamente afasta a incidência da Lei dos juizados Especiais (LMP, art.41), não é possível sua aplicação em sede de violência doméstica. (DIAS, 2021) A Justiça ordinária significa comum não especializada. O conceito de justiça ordinária ou comum é residual e corresponde ao que não é da competência das justiças especiais: eleitoral, trabalhista ou militar. O que sobra, automaticamente, é justiça comum, seja federal, seja estadual. Como a competência da justiça federal é definida pela presença da união da união e suas autarquias, as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher restam mesmo para a justiça comum estadual. Como a competência da justiça federal é definida pela presença da união e suas autarquias, as causas decorrentes da prática de violência e familiar contra a mulher restam mesmo para a justiça estadual. Apesar da crença generalizada, a Lei Maria da Penha não é uma lei de natureza criminal, ainda que traga algumas disposições de âmbito penal. Não tipifica como crimes as ações que definem como violência doméstica e nem cria novos tipos penais. Tanto que não são impostas penas às práticas definidas como violência doméstica. Ainda assim, foi atribuída competência aos juízos criminais para as demandas provenientes da sua aplicação enquanto não criados e instalados os juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher. A preocupação maior diz com a aplicação de medidas protetivas, sem haver definição da natureza jurídica de tais provimentos que, escancaradamente, tem origem no âmbito do Direito das Famílias. Ainda assim, onde não estiver instalado JVDFM, o procedimento é encaminhado à Vara Criminal (LMP, art.33). Cabe ao Tribunal de Justiça de cada Estado designar uma vara criminal para responder pela violência doméstica, em face da proibição de ser atendida pelos juizados especiais criminais. A Lei que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência recomenda a criação de juizados ou varas especializadas em crimes contra crianças e adolescentes. Diz que as leis de organização judiciária “poderão” criá-los. Até serem criados estes juízos, parágrafo único do seu art. 23 atribui aos juizados ou varas especializadas em violência doméstica o julgamento e a execução das causas decorrentes das práticas de violência. Apesar de inexistir um levantamento sobre a implantação desses juizados, é de todo descabido atribuir tal competência os JVDFMS. Além de excessiva sobrecarga aos ainda escassos juizados existentes, compete às leis de organização judiciária estaduais dispor sobre a competência dos seus órgãos jurisdicionais e administrativos (CR, art. 96, I, a). Quanto a competência da Justiça Federal, veio a Lei Maria da Penha atender os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais, que impõem o reconhecimento de direito das mulheres como direitos humanos. (LMP, art.6º). Apesar da tendência de definir como sendo da Justiça Federal a competência para julgar crimes cometidos em afronta aos direitos humanos, que não pode ser invocado em sede da Lei Maria da Penha, que prevê a criação de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher – JVDFMS, órgãos da justiça ordinária com competência civil e criminal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. No entanto, há a possibilidade de qualquer processo envolvendo violência doméstica ser deslocado para a justiça federal. Ocorrendo grave violação dos direitos humanos, para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos do qual o Brasil é signatário, a Constituição da República autoriza que o Procurador-Geral da República suscite, perante o STJ, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Ou seja, ainda não se questione a competência da justiça comum estadual para apreciar as causas envolvendo a violência doméstica, flagrada em algum processo ou inquérito grave violação dos direitos humanos das mulheres, a demanda pode migrar para a Justiça Federal. Quando da competência de juízo, após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, muitos foram os questionamentos sobre o fato de a violência doméstica ter sido excluída do âmbito dos Juizados especiais criminais. Mas esta foi, indiscutivelmente, a intenção do legislador: deixar claro que a violência contra a mulher não é crime de pequeno potencial ofensivo. Tanto, que a lei é enfática e até repetitiva, em afastar os delitos que ocorrem no âmbito da família, do juízo especial que aprecia infrações de pequena lesividade. A alteração da competência justifica-se. A Constituição assegura alguns privilégios a delitos de menor lesividade, delegando à legislação infraconstitucional, definir os crimes que assim devem ser considerados. Foi o que fez a Lei dos Juizados Especiais. Sem dar nova redação à Lei das contravenções penais e nem ao Código Penal, considerou de pequeno potencial ofensivo: as contravenções penais, os crimes a que a Lei comina pena máxima não superior a dois anos, e os delitos de lesões corporais leves e lesões culposas. A Lei Maria da Penha- lei da mesma hierarquia- expressamente afastou a violência doméstica de sua égide. Trata-se de Lei especial e afastou a violência doméstica de sua égide. Trata-se de Lei especial e protetiva de natureza híbrida, editada, com o claro objetivo de punir com mais rigor os delitos cometidos no ambiente doméstico. Assim, se a vítima é mulher e o crime aconteceu no ambiente doméstico, não é delito de pouca lesividade, não podendo mais ser apreciado pelos juizados especiais criminais (JECRIMS). Onde não se encontram instalados os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher JVDFM, a competência é das Varas Criminais. Como o legislador usou a expressão “crimes” para repudiar os juizados Especiais, inúmeras controvérsias surgiram sobre as contravenções penais: continuaram nesses juizados ou passariam ao abrigo da Lei Maria da Penha? Tanto o STJ como o STF pacificaram o tema, proclamando a competência dos juízos da violência doméstica. Ora, de todo o descabido que a lesão corporal e os demais crimes fossem encaminhados aos JVDFMS, e a contravenção de vias de fato, importunação ofensiva ao pudor e perturbação da tranquilidade, por exemplo, persistissem apreciadas nos JECRIMS. Como infelizmente a Lei Maria da Penha não impôs a criação dos JVDFMS e nem definiu prazo para seu funcionamento, enquanto tal não ocorrer, a competência para conhecer e julgar as varas de violência doméstica é das Varas Criminais. Em se tratando de violência doméstica, como afirma Luiz Flávio Gomes, há uma norma fundamental: a competência é firmada em razão da pessoa da vítima (mulher), assim como em virtude do seu vínculo pessoal com o agente do fato (ou seja, também é imprescindível a ambiência doméstica, familiar ou íntima). Não importa o local do fato, pois não é ele que define a competência. Fundamental é que se constate a violência contra mulher e seu vínculo com o agente do fato. Para o processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais do âmbito da Lei Maria da Penha, é determinada a aplicação subsidiária tanto dos códigos de processo penal e civil, como do ECA e do Estatuto do Idoso (ECA, art.13). Um não exclui direitos reconhecidos nos outros, uma vez que os três estatutos visam a concretizar valores constitucionalmente reconhecidos. Descabe a aplicação pura e simples dos métodos tradicionais de solução de conflito (hierárquico, cronológico e especializados), o que evidencia a necessidade de esmerada acuidade jurídica e sensibilidade, visando sempre adotar posição que possibilite resguardar, ao máximo, os direitos reconhecidos em cada uma dessas normas. No âmbito processual penal, a identificação da competência atenta ao critério do lugar da infração (CPP, art.70). Dispondo o agressor de foro privilegiado por prerrogativa de função, a competência para o julgamento das ações criminais desloca-se para o órgão julgador indicado na lei, que se sobrepõe à competência do lugar da infração. O Código de Processo civil elegeu a competência territorial, local da residência do réu (CPC, art.46). Mas há exceções para as ações de desconstituição do casamento ou da união estável (CPC, art.53, I): de domicílio do guardião de filho incapaz, do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz, de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal, de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar. O Estatuto do Idoso impõe a competência absoluta do domicílio do idoso somente para as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos que lhes são assegurados. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente firma a competência pelo domicílio dos pais ou responsáveis. Na falta deles, o lugar onde se encontra a criança ou o adolescente. Neste sentido, enunciado do fórum nacional de juízes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Quando se trata de ato infracional, a autoridade competente é a do lugar onde ocorreu ação ou omissão. Em todos os códigos, estatutos e leis, a competência em sede de jurisdição penal é definida pelo local da prática do delito. Para as demandas de natureza civil, o critério é o domicílio do réu, com algumas exceções. Claro que diante desse emaranhado de regras surgem dúvidas na hora da identificação do juízo competente. Em sede de violência doméstica, o critério definidor da competência é: que a violência seja contra a mulher; e que ocorra no âmbito doméstico, familiar ou decorra de relacionamento íntimo do agente do fato, pouco importando o local da agressão. A Lei Maria da penha alterou a competência funcional do Código de Processo Civil para garantir à vítima escolher o juízo para requerer medidas protetivas ou propor as ações cíveis que tenham por causa de pedir a violência doméstica. Em se tratando de violência doméstica, as dificuldades são ainda maiores porque nos processos cíveis é delegado à ofendida o direito à eleição do foro (LMP, art.15): o de sua residência ou domicílio, o lugar do fato em que se baseou a demanda, ou o local do domicílio do agressor. Hipótese que gera mais questionamentos é a que diz com as medidas protetivas de urgência que, em sua grande maioria, dispõem de natureza cível. Apesar de oportunizado à vítima eleger o foro competente, o encaminhamento a juízo é levado a efeito pela autoridade policial (LMP, art.12, VIII). De qualquer modo, imperioso é que seja respeitada a vontade da ofendida. Caso manifeste o desejo de exercer o direito de escolha assegurado na lei, a remessa deve ser feita ao juízo eleito por ela. Havendo necessidade de adoção de medida protetiva de urgência, o expediente deve ser levado a juízo em quarenta e oito horas. Claro que este prazo é excessivo. Quer porque a violência deve cessar de forma imediata, quer porque os atuais meios de comunicação virtual permitem que o expediente seja enviado on-line para o juízo. Em momento posterior – no prazo de trinta dias -, se o indiciado estiver solto-, é enviado à justiça o inquérito policial. Como em relação à medida protetiva o foro pode ser eleito pela vítima e o inquérito policial deve ser encaminhado ao juízo do local em que ocorreu a infração, pode não haver coincidência de cidades. Atendendo à manifestação da vítima, o pedido de providência pode ser remetido ao foro que não seja o do local da infração. Deste modo, há a possibilidade de a medida protetiva ser processada em uma comarca enquanto a ação penal se desencadeie perante distinto foro. Ainda que não exista conexão ou continência entre ambos, é possível que surjam algumas dificuldades. A desistência da representação pode se dar perante o juiz que recebeu o pedido de medida protetiva. Em face da necessidade de tal fato ser comunicado ao juízo que recebeu o inquérito, o impasse pode gerar eventual demora, e a comunicação só chegar quando já recebida a denúncia. Assim, mesmo que a retratação tenha ocorrido tempestivamente, há a possibilidade de o juiz só tomar conhecimento da manifestação de vontade quando já iniciada a ação penal, o que torna ineficaz a manifestação da vítima de não ver o réu processado. A Lei Maria da Penha criou os juizados da violência Doméstica e familiar contra a Mulher (JVDFM), mas não impôs sua instalação e nem fixou prazo para que ocorra sua implantação. Enquanto não estruturados os JVDFMS, foi atribuída competência civil e criminal às Varas Criminais. Porém, a competência dos juizados especializados e das Varas Criminais não é a mesma. Aos JVDFMs das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Além disso, a ofendida tem a opção de propor, neste juízo, ação de divórcio ou de dissolução de união estável. Somente é excluída matéria referente à partilha de bens. Claro que esta possibilidade só existe quando a causa de pedir diga com a prática de violência doméstica. No entanto, promovida no juizado da violência doméstica ação de divórcio ou de dissolução de união estável cumulada com a partilha de bens, cabe ao juiz declinar da competência para a Vara de família. Já as varas criminais dispõem de competência tão só para o processo e o julgamento de causas decorrentes da prática de violência doméstica. Mas neste juízo não cabe a propositura de ações buscando a dissolução do vínculo de convivência. É que tal possibilidade é assegurada ao juizado da violência doméstica. Ocorre que onde há juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher, deferida medida protetiva, sua execução, fica a cargo do mesmo juízo. E, havendo inadimplemento, a ele compete a decretação da prisão preventiva do infrator, comunicando à autoridade policial a prática do crime, para que seja instaurado o respectivo inquérito policial. Importante destacar que as ações de divórcio e de dissolução de união estável são da competência dos juizados de família. Mas quando tenham por fundamento a ocorrência de violência doméstica podem ser propostas perante o JVDFM. Trata-se de uma competência híbrida, reiterada por este dispositivo, impõem que a solução dos problemas jurídicos-familiares ocorra em procedimento único. Para isso sustenta que todas as demandas envolvendo Direito das Famílias sejam apreciadas indistintamente pelas Varas de Família e pelos JVDFMS, havendo ou não alegação da prática de violência doméstica. Onde não existe juizado especializado – infelizmente, na maior parte do país- devem ser encaminhadas às Varas Criminais tanto os pedidos de medidas protetivas de urgência como os inquéritos policiais. Ao juízo cabe apreciar o pedido liminar. Deferida ou não a medida protetiva, o juiz determina o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, para o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável. Ocorrendo descumprimento de medida protetiva, pode o juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade policial ou da ofendida decretar a prisão preventiva do agressor. O que não impede que seja processado pela prática do crime, sujeito à pena de detenção de três meses a dois anos. Independe de quem deferiu a medida, se o juiz do JVDFM, da Vara cível, de família ou criminal. Em sede de execução das medidas protetivas, há uma distinção, a depender da instalação ou não dos JVDFMS. O processo, o julgamento e a execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher é da competência dos JVDFMS. Nas comarcas em que não foram instalados os juizados especializados, o juiz criminal dispõe de competência cumulativa, cível e criminal, somente para conhecer e julgar as causas decorrentes da violência doméstica. Como não há referência à execução, esta não pode processar-se perante o juízo criminal. Assim, é de se questionar, enquanto as demandas tramitarem nas varas criminais que não dispõem de competência executória, a quem compete executar as medidas protetivas deferidas pelo juiz da vara criminal? Só pode ser o juízo cível. Cabe figurar hipótese a partir dos alimentos. Autoriza a lei que o juiz, constatando a prática de violência doméstica, imponha ao agressor, como medida protetiva, o pagamento de alimentos provisórios. Do mesmo modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a imposição de alimentos a favor dos filhos quando determinado o afastamento do genitor da morada comum. Alimentos provisórios são concedidos, a título de antecipação de tutela, em sede de ação de alimentos. A Lei não prevê, mas estão inseridos no conceito de alimentos provisórios os alimentos gravídicos. A decisão proferida a título de medida protetiva gera título executivo judicial, podendo ser buscado o cumprimento da sentença em ação autônoma no juízo de família. A violência doméstica não autoriza somente o registro de ocorrência e o pedido de medidas protetivas perante a autoridade policial, a ser encaminhada ao JVDFM ou Vara Criminal. A lei Maria da penha pode ser invocada nas demandas familiares. Nas ações propostas perante as Varas de Família, que tenham como causa de pedir a violência doméstica, é possível buscar a concessão das medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha a título de tutela antecipada de caráter antecedente. Trata-se de competência concorrente. A Lei Maria da Penha confere à vítima o direito de optar pelo JVDFM para propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável. Caso em que pode pedir a aplicação de medidas protetivas. Também nos juízos de família, é possível buscar a concessão de medidas protetivas em demandas outras, como na ação de alimentos e de partilha de bens. Caso ocorra o inadimplemento da liminar concedida, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva do réu e comunicar à autoridade policial pela prática do crime de descumprimento de decisão judicial. Por fim, os crimes dolosos contra a vida, são julgados pelo Tribunal do Júri. Porém, em se tratando de feminicídio – consumado ou tentado – em decorrência de vínculo doméstico, a instrução do processo deve ocorrer nos JVDFM. O deslocamento da ação para a Vara do Júri ocorre após a inquirição das testemunhas e do oferecimento das alegações finais. No fim da primeira fase, antes da pronúncia, é que o processo deve ser encaminhado à Vara do júri. A sentença de pronúncia, que encaminha o julgamento do réu a plenário, cabe ao presidente do Tribunal do Júri. Mesmo neste juízo podem ser aplicadas medidas protetivas a favor da vítima ou familiares. As vítimas de crime de feminicídio e seus familiares devem contar com a assistência jurídica gratuita, devendo o juiz designar defensor público ou advogado dativo para atuar em defesa nos processos de competência do Tribunal do Júri, exceto se estiverem assistidos por advogado e ou defensor público. Nas comarcas em que não se encontram instalados juizados da Violência doméstica, as duas fases da ação competem ao Tribunal do Júri. Vale corroborar que a Lei Maria da Penha tem natureza híbrida. Ainda que empreste relevo à natureza criminal da violência doméstica, traz disposições do âmbito do direito civil, tanto que é atribuída competência cível e criminal não só aos JVDFMS, mas também às varas Criminais que respondem pela sua aplicação enquanto não instalados os juizados especializados. Por isso é determinada a aplicação das normas do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, no que não conflitarem com o nela estabelecido. (DIAS, 2021)
Em razão do que foi exposto, num primeiro momento, após ocorrência do fato típico é necessário que a vítima vá até uma delegacia especializada que trata de violência contra a mulher, de preferência, as” DEAMS” – Delegacias Especializadas para atendimento à Mulher, não havendo na comarca ou nas proximidades, poderá ser uma delegacia distrital, de bairro, mais próxima da residência da vítima, para registrar um boletim de ocorrência que dará início ao inquérito policial, fase administrativa, extrajudicial, peça informativa e de investigação.
Havendo embasamento e iniciada a investigação, a autoridade policial, tomará as medidas necessárias para fundamentar a peça informativa, tais como, havendo marcas e hematomas visíveis ou pelo relato da vítima, a autoridade policial perceber sinais de violência física, de acordo com o caso, será necessário o delegado providenciar e encaminhar, com urgência para a realização do exame de corpo de delito, antes que as evidências desapareçam a depender do crime e do grau da lesão.
As intervenções corporais, investigação corporal ou ingerência humana são medidas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, sem necessidade do consentimento destas. Exame de sangue, ginecológico, identificação dentária, endoscopia, exame do reto, exame de matérias fecais, urina, saliva, DNA, usando fios de cabelo, identificação datiloscópicas de impressões dos pés, unhas e palmar e também a radiografia. As provas não invasivas, fios de cabelos encontrados no chão, mesmo que o agente não concorde poderá ser usada desde que não implique colaboração ativa do acusado. Porquanto o que torna a prova ilícita é a coação por parte do estado obrigando o sujeito a produzir prova contra si mesmo.
Vale ressaltar que o Inquérito policial tem características próprias como inquisitiva, investigativa, escrito, documentado, sigiloso, não cabe ampla defesa e contraditório por não se tratar de fase judicial, bem como cinco importantes funções, segundo a melhor doutrina, a saber: função preparatória, função preservadora, função satisfativa ou restaurativa, função simbólica e função reveladoras de fatos ocultos.
A função preparatória consiste em fornecer elementos de informação no Inquérito policial, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, além de acautelar meios de prova que poderão desaparecer com o decurso do tempo.
Na função preservadora, a existência prévia de um inquérito inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado.
Na função satisfativa ou restaurativa, o inquérito policial visa o retorno ao status quo ante, é dizer, restaurar as condições existentes antes da prática criminosa, para o autor e para a vítima. Nos crimes patrimoniais, por exemplo, sob o ponto de vista da vítima, mais importante do que a responsabilização do criminoso é a recuperação do produto da infração.
Enganam se quem pensa que uma persecução penal exitosa é aquela em que os criminosos são presos, pois, dentro de uma sociedade delinquente, não basta assegurar a imposição da pena como efeito jurídico do crime, sendo imprescindível a desarticulação de toda estrutura desenvolvida a partir da prática de infrações penais.
Nesse cenário, as medidas assecuratórias, como a busca e apreensão e o sequestro, se tornam extremamente valiosos no combate à criminalidade, pois:
1. O confisco de bens e valores promove a asfixia econômica de certos crimes;
2. Tendo em vista a fungibilidade dos integrantes das organizações criminosas, a neutralização de bens e valores desestabiliza a estrutura criada;
3. Evita- se a possibilidade do uso do produto do crime após o cumprimento da pena.
Para a função simbólica, a investigação preliminar, contribui para reestabelecer a tranquilidade social, ao mostrar para a comunidade que o Estado está tomando medidas para responsabilizar os criminosos. Em outros termos, contribui para analisar o mal-estar causado pelo crime, posto que os órgãos estatais atuaram, evitando a impunidade.
Já a função reveladora de fatos ocultos está relacionada com as cifras negras do direito penal, ou seja, todas aquelas infrações cometidas que não chegam ao conhecimento dos órgãos encarregados da persecução penal.
Vale salientar que em se tratando de crimes de violência praticados contra a mulher não elucidados pelas autoridades policiais, fala-se em cifras rosas.
Há inúmeros fatores que contribuem para o aumento das cifras negras, quais sejam:
1. Revitimização: processo mental que faz com que a vítima se sinta novamente lesada, seja pela relação com outras pessoas ou instituições públicas (heterovitimização) ou pelo sentimento de culpa (auto vitimização);
2. Falta de confiança no sistema de justiça;
3. Medo de represálias
4. Tolerância ao crime.
Nesse contexto, a investigação preliminar deve desempenhar o papel de desvendar os fatos ocultos, como forma de diminuir o descrédito no sistema penal e amenizar a insegurança social.
Importante lembrar os tipos de vitimização que são a vitimização primária, secundária e terciária: A vitimização primária ocorre com os prejuízos advindos diretamente do crime sofrido. Por sua vez, a vitimização secundária, diz respeito ao sofrimento da vítima no curso do processo com os desrespeitos às garantias processuais e aos direitos fundamentais que lhes são garantidos. Já a vitimização terciária, a vítima sofre com o abandono do Estado e do seu grupo social.
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Elenca a Lei Maria da Penha um rol de medidas para dar efetividade ao seu propósito: assegurar a mulher o direito de uma vida sem violência. Tentar deter o agressor, bem como garantir segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole agora não é encargo somente da polícia, mas também do juiz e do Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. As providências não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos artigos. 22 a 24. Medidas outras voltadas à proteção da vítima e encontram- se espraiadas, em toda a Lei e merecem igualmente serem chamadas de protetivas. A autoridade policial deve tomar as providências cabíveis, no momento em que tiver conhecimento de episódio que configure violência doméstica. A Vítima tem direito de receber atendimento prestado por servidores capacitados e, preferencialmente, do sexo feminino. Havendo risco à vida ou à integridade física da vítima ou de seus dependentes, o agressor deve ser imediatamente afastado do lar. Esta é providência a ser tomada pela autoridade judicial. No entanto, nos municípios que não são sede de comarca, cabe à polícia civil realizar esta diligência. Quando não houver delegado disponível no momento da denúncia, a autoridade policial pode promover o afastamento. Nessas hipóteses, no prazo de vinte e quatro horas, deve haver a comunicação ao juiz da medida aplicada, a quem cabe, em igual prazo, manter ou revogar a providência policial, dando ciência ao Ministério Público. A adoção de qualquer providência está condicionada à vontade da vítima. Ainda que a mulher proceda ao registro da ocorrência, é dela a iniciativa de pedir proteção por meio de medidas protetivas, somente nesta hipótese assim é formado expediente para deflagrar a concessão de tutela provisional de urgência. No entanto, a partir do momento em que a vítima requer medidas protetivas, o juiz pode agir de ofício, adotando as medidas outras que entender necessárias para tornar efetiva a proteção que a lei promete à mulher. Esta possibilidade não chega a ser uma novidade. Por exemplo, a lei processual civil admite a imposição de multa diária, independentemente de pedido do autor, bem como a determinação de busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividades nocivas, além de requisição de força policial. Também o Estatuto da infância e juventude autoriza que o juiz fixe alimentos provisórios a favor de filhos vítimas de maus tratos. Não é apenas quando do recebimento do expediente da autoridade policial, com o pedido de medidas protetivas, que cabe a concessão de tutela de urgência. Novas medidas podem ser concedidas, quando do recebimento do inquérito policial ou durante a tramitação da ação penal. Para garantir efetividade às medidas deferidas, a qualquer momento cabe substituí-las ou até conceder outras medidas. Igual compromisso tem o Ministério Público de requerer a aplicação de medidas protetivas ou a revisão das que já foram concedidas, de modo a assegurar proteção à vítima. Seja o juiz do JVDFM, da Vara Criminal ou da vara de família ele tem a faculdade de requisitar o auxílio da força policial ou decretar a prisão preventiva do agressor. De outro lado, mesmo tramitando ação no juízo de família, nada impede que a vítima proceda ao registro de ocorrência perante a autoridade policial para a concessão de medidas protetivas. Tratava-se de competência concorrente. Dedica a Lei Maria da Penha um capítulo às medidas protetivas de urgência. Reserva um único artigo às medidas que obrigam o agressor e uma seção às chamadas “ Das medidas protetivas de urgência à ofendida”. As hipóteses elencadas são exemplificativas, não esgotando o rol de providências protetivas passíveis de adoção, consoante ressalvado no art. 22 § 1º e no caput dos artigos 23 e 24. No dizer de Fredie Didier, subsiste um verdadeiro princípio da atipicidade das medidas protetivas de urgência, a corroborar ao magistrado a possibilidade de se valer, em cada caso concreto, da medida que reputar mais adequada, necessária e proporcional para alcançar o resultado almejado, ainda que a medida não esteja prevista na lei. É a forma encontrada para manter a abertura do sistema. Além das medidas nominadas como protetivas, há outras. Basta lembrar a inclusão da vítima em programas assistenciais, que tem nítido viés protetivo. Dispõe da mesma natureza a possibilidade de assegurar à vítima servidora pública acesso prioritário à remoção. Trabalhando ela na iniciativa privada, lhe é garantida a manutenção do vínculo empregatício, por até seis meses, se for necessário seu afastamento do local de trabalho. Não há como deixar de reconhecer também como de caráter protetivo o direito de a vítima ser intimada pessoalmente dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente do seu ingresso e saída da prisão. De igual modo, é a vedação de ser ela a portadora da intimação ao agressor. O Conselho Nacional de justiça expediu resolução sobre a forma de comunicação à vítima dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão. Talvez uma das maiores revoluções provocadas pela Lei Maria da Penha foi admitir que medidas protetivas de urgência, do âmbito do Direito das famílias, sejam formuladas perante a autoridade policial. A vítima, ao registrar a ocorrência da prática de violência doméstica, pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor aproximar –se dela e de seus familiares ou ser ele proibido de frequentar determinados lugares. Essas providências podem ser pleiteadas pessoalmente pela parte, na delegacia de polícia. Ou seja, A Lei atribuir à autoridade policial função de serventuário da justiça, ao permitir que a vítima demande medida protetiva de natureza cível quando do registro da ocorrência. Este é o momento da propositura da ação, em que se considera iniciada a litispendência em relação à vítima. A identificação deste momento é necessária, por exemplo, para estabelecer o fim da comunicabilidade patrimonial e fixar o termo inicial da obrigação alimentar. Debate- se sobre a natureza jurídica das medidas protetivas. Não se trata de discussão meramente acadêmica, pois significativos são os reflexos de ordem processual desta identificação. Uns afirmam que, se a medida for de natureza penal, pressupõe um processo criminal. Outros pregam sua natureza cível, servindo para resguardar um processo civil. Mas há mais. Enquanto consideradas acessórias, somente teriam eficácia enquanto perdurassem o processo cível ou criminal. Fausto Rodrigues de Lima afirma que a discussão é equivocada e desnecessária, pois as medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas. Certamente por isso, as medidas deferidas em sede de cognição sumária, não dispõem de caráter temporário, não podendo ser imposto à vítima o dever de ingressar com a ação principal no prazo de trinta dias, limitação temporal existente na lei processual civil. Ainda pode dispor de natureza satisfativa, sem prejuízo de eficácia, perdurando indefinidamente, enquanto persistir situação de risco. Subtrair a eficácia da medida depois do decurso de determinado prazo, conforme sustentado por alguns, pode gerar situações para lá de perigosas. Basta supor a hipótese de o ofensor ter sido afastado do lar em face das severas agressões perpetradas contra a mulher, permanecendo ela e os filhos no domicílio comum. Decorridos trinta dias da efetivação da medida, de todo descabido que, pelo fim da eficácia da medida, tenha o agressor o direito de retornar ao lar. O mesmo se diga com referência aos alimentos. Desarrazoado depois de trinta dias suspender sua vigência e deixar a vítima e os filhos sem meios de subsistir. Já se encontra pacificado na jurisprudência que, no âmbito do Direito das famílias, que tais medidas não perdem a eficácia, se não intentada a ação no prazo legal. A própria Lei Maria da Penha não dá margem a dúvidas: as medidas protetivas não são acessórias de processos principais e nem se assemelham- se aos writs constitucionais que, como o habeas corpus ou o mandado de segurança, não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo. São, portanto, medidas cautelares inominadas que visam garantir direitos fundamentais e coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme preconiza a Constituição da República. As tutelas inibitórias e reintegratórias que cabem ser asseguradas como medidas protetivas de urgência são espécies de tutela específica: modalidade de tutela jurisdicional em que se busca viabilizar à parte um resultado específico. Têm por finalidade impedir atos ilícitos, o que justifica a possibilidade de o juiz impor obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa, no intuito de tutelar especificamente o resultado almejado pela ofendida. Em alguns casos é recomendável o estabelecimento de limitação temporal. Ou seja, ao deferir a medida o magistrado pode estipular período de vigência. Fluído o prazo, a medida perde automaticamente a eficácia. Cabe um exemplo: quando o juiz, ao determinar ao agressor a prestação de caução, pode estabelecer prazo para a vítima intentar a ação indenizatória, sob pena de perda de eficácia da medida. Ninguém aborda melhor o tema que Fredie Didier. Afirma ele que a grande virtude da Lei Maria da Penha é ter regulamentado meios de prevenção do ilícito. A violência doméstica não configura somente ilícito penal, mas também ilícito civil. Como a jurisdição penal tem por objetivo punir o agente depois do ilícito consumado, há a necessidade de buscar a tutela jurisdicional prevista a lei processual civil. Tanto a tutela inibitória para inibir a prática do ilícito, como a tutela reintegratória para remover ou impedir sua continuação. Desse modo é importante distinguir: a sanção penal ao agressor; as consequências civis do ilícito cometido; e as medidas que visam impedir que a violência ocorra ou se perpetue. Para impedir a violência, a sua repetição ou continuação, a Lei Maria da Penha confere um procedimento diferenciado, denominado de medidas protetivas de urgência: providências de conteúdo satisfativo, concedida em procedimento simplificado. Trata-se de procedimento cautelar, embora sem conteúdo cautelar. Como a ação para obtenção da medida protetiva de urgência é satisfativa, dispensa o ajuizamento da ação principal em trinta dias. As medidas da Lei Maria da Penha são nada mais do que as medidas provisionais previstas a título de tutela antecipada no processo de conhecimento. Ainda que se processem pelo rito do procedimento cautelar, não dispõem de conteúdo cautelar. Sendo satisfativa não exigem o ajuizamento de ação principal. De há muito se encontra pacificado que a separação de corpos, ainda que de natureza cautelar, é medida satisfativa, não estando condicionada à propositura da ação de divórcio ou desconstitutiva da união estável. Seria desastroso admitir o retorno ao lar de quem foi coactamente afastado. E, quando a separação decorre de episódio de violência, com mais razão não há como limitar sua eficácia. O mesmo se diga com relação à determinação de o agressor manter distância da vítima, familiares e testemunhas. Este é o motivo de a Lei Maria da Penha não ter imposto prazo de vigência das medidas protetivas. Na prática, os juízes deferem medidas protetivas que implicam em restrição à liberdade do agressor, com prazo de vigência e comunicam à vítima que, se a necessidade persistir, deve pedir sua prorrogação. Para isso não há necessidade de ser representada por advogado. Basta comparecer pessoalmente a juízo e justificar o pedido. Tomada a termo a solicitação, é levada à apreciação judicial. Caso seja indeferido o pedido de prorrogação, persisistindo a violência, a vítima pode promover novo registro de ocorrência perante a autoridade policial, requerendo novamente a concessão de medida protetiva. Quando é determinado o afastamento do agressor do lar comum e a proibição de contato, a vítima é advertida de que, se permitir o retorno dele ou sua aproximação aquém dos limites fixados, a medida restará revogada. Os pedidos de medidas protetivas de urgência são encaminhados pela autoridade policial ao JVDFM ou à Vara Criminal nas comarcas em que o juízo especializado não se encontre instalado. Apesar de deferido o prazo de quarenta e oito horas para a autoridade policial encaminhar o expediente a juízo, indispensável que a comunicação ocorra em tempo menor. É igualmente excessivo o igual prazo concedido ao juiz para apreciar o pedido de medida protetiva. Afinal, a finalidade da própria lei é estancar a violência da maneira mais eficiente e rápida possível. De forma atenta o Conselho Nacional de Justiça determina que as medidas protetivas sejam apreciadas no período do plantão judiciário. Do mesmo modo, impõe aos oficiais de justiça o prazo de quarenta e oito horas para cumprirem os mandados referentes a medidas protetivas de urgências. Ao promover o registro da ocorrência e formar o expediente a ser encaminhado a juízo, em face do pedido de concessão de medida protetiva, a autoridade policial deve consignar o número de telefone fixo, celular, WhatsApp ou e-mail por intermédio dos quais a vítima pretende receber as comunicações. Também deverá comunicar à vítima dos canais adequados e disponíveis para a comunicação do descumprimento das medidas protetivas de urgência. Mesmo que a lei garanta a mulher em situação de violência acesso aos serviços da Defensoria Pública ou da Assistência judiciária gratuita, em sede policial o pedido de tutela de urgência não está condicionado à representação por advogado. Fredie Didier Jr. Reconhece a capacidade postulatória da vítima para pedir a concessão de medida protetiva de urgência, não havendo necessidade de estar acompanhada de advogado ou defensor público. O pedido de medida protetiva também pode ser formulado pessoalmente pela vítima perante o JVDFM ou a Vara Criminal com competência para atender a violência doméstica. Seja qual for o juízo que aprecie o pedido de medida protetiva – sendo ela deferida ou não -, a vítima precisa ser comunicada. De todo nefasta a prática adotada pela autoridade policial de solicitar que a vítima depois de dois dias compareça a juízo para tomar conhecimento da decisão judicial. A informação deve ser-lhe transmitida por meio dos contatos que devem ficar registrados: telefone, WhatsApp ou e-mail. Não só a vítima. O próprio agressor pode ser intimado da medida protetiva pelos mesmos meios, contanto, que o oficial de justiça se certifique de sua identidade. A aplicação de medidas protetivas não tem origem somente nos procedimentos instaurados perante a autoridade policial. Também nas demandas cíveis intentadas pela vítima ou pelo Ministério Público, que têm origem em situação de violência doméstica, pode ser requerida a concessão de tais medidas. Inclusive o magistrado pode determinar de ofício a adoção das providências necessárias à proteção da vítima e dos integrantes da unidade familiar, principalmente quando existem filhos menores de idade. A jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de as medidas protetivas serem deferidas de forma autônoma, no juízo cível, a título de tutela cautelar, independentemente da existência de eventual processo-crime. Quando do registro da ocorrência, em que é pedida a concessão de medida de urgência de natureza cível, a vítima tem o direito de optar quanto à competência. Pode escolher entre o foro de seu domicílio, do domicílio do agressor ou o local onde ocorreu a violência. Para o expediente criminal, no entanto, há que se buscar as regras gerais de competência estabelecidas no Código de Processo Penal. A Lei esqueceu de dizer, mas é indispensável que os procedimentos que envolvem violência doméstica tramitem em segredo de justiça. Não só o pedido de medida protetiva, como também a ação penal e a ação cível que tenha como causa de pedir a ocorrência de violência doméstica. Assim, quando o juiz não determinar que assim seja, deve a vítima requerer. O CNJ determina às autoridades judicial, ministerial e policial que seja assegurado absoluto sigilo dos dados sobre as medidas concedidas, os mandados a que se refere o caput, além de adotar as medidas cabíveis, caso necessárias, em relação à observância do sigilo pela autoridade ministerial e policial. Deferida a medida em sede de liminar ou depois de audiência, cabe ao juiz assegurar sua execução. Para isso pode, a qualquer momento, requisitar auxilio da força policial. Em se tratando de medida que obrigue o ofensor, ele pode, de ofício, determinar as medidas necessárias, como a imposição de multa, busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas etc. A remissão feita ao CPC anterior, corresponde ao § 1º do art. 536 da atual lei de processo. Como diz Fredie Didier, o dispositivo municia o juiz para que possa dar efetividade às suas decisões, o que se chama de poder geral de efetivação. Enquanto não instalados os JVDFMs, os pedidos de medidas protetivas são enviados ao juízo criminal. A este compete apreciá-los, inclusive as de natureza cível: decretar a separação de corpos, fixar alimentos, suspender visitas etc. A execução das medidas protetivas que obrigam o agressor é providência a ser determinada pelo juiz que as deferiu. Assim, cabe ao juízo da vara criminal fazer cumprir a separação de corpos, retirando o varão do lar e assegurando o retorno da vítima. Quanto às medidas de trato sucessivo, como a imposição de alimentos e a regulamentação de visitas, depois de intimado o agressor e decorrido o prazo recursal, o procedimento é enviado ao juízo cível ou de família. Havendo inadimplemento, a execução cabe ser buscada junto à Vara cível ou de família. Indeferida a medida protetiva pleiteada no procedimento enviado a juízo pela autoridade policial, nada obsta a que a vítima promova ação no âmbito da jurisdição com o mesmo propósito. Não há como falar em coisa julgada, até porque se tratam de relações continuativas. Deste modo, rejeitado, o pedido de separação de corpos ou a fixação de alimentos, pode a mulher propor cautelar de separação de corpos ou ação de alimentos perante a Vara de família. Indeferida a medida protetiva pleiteada no procedimento enviado a juízo pela autoridade policial, nada obsta a que a vítima promova ação no âmbito da jurisdição de família com o mesmo propósito. Não há como falar em coisa julgada, até porque se tratam de relações continuativas. Deste modo, rejeitado o pedido de separação de corpos ou a fixação de alimentos, pode a mulher propor cautelar de separação de corpos ou ação de alimentos perante a Vara de Família. Tendo a ação como causa de pedir a ocorrência de violência doméstica, a busca de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha pode ser levada a efeito no juízo cível. As medidas protetivas que obrigam o agressor – nem todas, mas a maioria – restringem o direito de liberdade. Limitam seu direito de ir e vir, por isso têm caráter provisional. Estão concentradas no art. 22 da Lei Maria da Penha, o que não impede a aplicação de outras medidas, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem. O descumprimento das medidas protetivas de urgência configura infração penal, sujeito à pena de detenção de três meses a dois anos. Como se está falando em violência, sendo esta denunciada à polícia, a primeira providência deve ser desarmar quem tem ou faz uso de arma de fogo. Trata- se de medida de caráter administrativo e francamente preocupada com a incolumidade física da mulher. Ao receber o pedido de medida protetiva, cabe ao juiz determinar a apreensão imediata de arma de fogo que esteja na posse do agressor. Este novo dispositivo acaba derrogando o inciso I do art. 22 da mesma Lei que autorizava o juiz, como medidas protetivas de urgência, a suspensão ou a restrição do porte de arma. O Estatuto do desarmamento proíbe tanto possuir como usar arma de fogo sem a devida autorização. Para ter a posse de uma arma, ainda que no interior da casa, é necessário o respectivo registro, que é levado a efeito junto a Polícia Federal conforme Lei 10.826/2003. Dispondo o agressor da posse regular e autorização de uso, o desarmamento só pode ocorrer mediante solicitação da vítima, como medida protetiva. Caso o uso ou o porte sejam ilegais, as providências podem ser tomadas pela autoridade policial, quando configurada a prática de algum dos delitos previstos na lei. Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a vítima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de desarmá-lo, por temer pela própria vida, é instalado expediente a ser remetido a juízo. Deferido o pedido e subtraído do ofensor o direito de manter a posse da arma, a decisão deve ser comunicada a quem procedeu ao registro e concedeu licença: o Sistema Nacional de Armas – SI – NARM e a Polícia Federal. Caso o agressor tenha direito ao uso de arma de fogo, segundo o rol legal, o juiz comunica ao respectivo órgão, corporação ou instituição a apreensão levada a efeito. Caso não seja encontrada a arma, o superior imediato do agressor fica responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer no crime de prevaricação ou de desobediência. A restrição é válida para evitar tragédia maior. Se o homem agride a mulher, de modo a causar-lhe lesão corporal, se possuir arma de fogo, é possível que no futuro, progrida para homicídio. Deve o Ministério Público ser comunicado das providências tomadas, podendo requerer o que entender cabível para a efetividade da tutela deferida. Como o número mais significativo de violência contra mulher acontece no recôndito do “lar doce lar”, a providência mais requisitada pela vítima é manter o agressor distante. Assim, para garantir o fim da violência é necessário impor a saída de agressor da residência comum. Daí a previsão de medidas que obrigam o agressor e medidas que asseguram proteção à vítima. Mesmo que ambos não convivam sob o mesmo teto, imperioso garantir que o agressor não se aproxime da vítima. Daí a necessidade do estabelecimento de um limite mínimo de distância, não somente com relação à ofendida, mas também com seus familiares e testemunhas. Determinado o afastamento do ofensor do domicílio ou do local de convivência com a ofendida, ela e seus dependentes podem ser reconduzidos ao lar. Também pode ser autorizada a saída da mulher de casa, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e alimentos. Em qualquer das hipóteses, trata-se de decreto de separação de corpos decorrentes de crimes e não de outras questões de natureza exclusivamente civil. A lei do divórcio e o Código Civil admitem a separação de corpos como tutela antecipada à dissolução do casamento e da união estável. Ainda que se questione se estas medidas previstas têm igual natureza do afastamento ou do agressor ou da ofendida prevista na Lei Maria da Penha, a tendência é considerar que a separação de corpos tem eficácia meramente jurídica, desconstitui o vínculo jurídico entre agressor e ofendida, enquanto o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal tem eficácia material, representa a separação de fato, com vistas a coibir atos de violência. Esta distinção não provoca reflexos diferenciados. A partir do momento em que ocorre a separação de fato, cessam os deveres tanto do casamento como da união estável. Fidelidade, lealdade, mútua assistência e comunicabilidade patrimonial deixam de existir. Desimporta se a separação ocorreu de forma consensual, se decorreu de separação de corpos ou da concessão da medida protetiva pelo afastamento coacto do agressor doméstico. A separação de corpos pode ser deferida quer ofensor e vítima sejam casados, quer vivam em união estável heterossexual ou homoafetiva. O casamento se rompe, ainda que se faça necessária a chancela judicial. Não custa lembrar que a separação de corpos ou o afastamento de qualquer um do lar não substitui o divórcio. Simplesmente marca a separação de fato, que põe fim aos deveres do casamento e ao embaralhamento de bens. Finda a vida em comum, a união estável deixa de existir. A Separação de corpos tem o condão de dissolvê-la. Outra forma de impedir contato entre agressor e ofendida, seus familiares e testemunhas é fixar limite mínimo de distância de aproximação. Além de inibir a reiteração dos atos de violência, evita a intimidações e ameaças que eventualmente possam causar constrangimentos ou interferir nas investigações. O juiz tem a faculdade de fixar, em metros, a distância a ser mantida pelo agressor da casa, do trabalho da vítima e do colégio dos filhos. Ao contrário do que sugere Guilherme de Souza Nucci, andou bem o legislador em não definir a extensão da distância. Ainda que a falta de prévia delimitação possa gerar algumas discussões, é melhor que a individualização do espaço de aproximação fique ao arbítrio do juiz. A depender de determinadas circunstâncias espaciais, a margem de segurança pode variar de caso a caso. E também pode haver algumas dificuldades como, por exemplo, quando o casal reside em comunidades muito pequenas ou quando ambos trabalham juntos. A vedação não configura constrangimento ilegal e em nada infringe o direito de ir e vir consagrado em sede constitucional. A liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro de ter a vida preservada e a integridade física garantida. Assim, na ponderação entre vida e liberdade há que se limitar está para assegurar aquela. Não cabe sequer habeas corpus para o trancamento da ação penal. Outra restrição positiva é a possibilidade de proibir o contato do agressor com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação. A vedação abrange diversas formas: telefone, carta, e-mail, WhatsApp, redes sociais, e etc. Para Marcelo Lessa Bastos, as medidas protetivas nos incisos I, II e III, a, b, e c, do artigo 22 são cautelares de natureza penal. Daí conclui: vinculadas à infração penal cuja ação seja de iniciativa do Ministério Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obriguem o agressor, não se destinando, simplesmente à proteção da ofendida. Sendo assim, não está ela legitimada a requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal. O equívoco de tal assertiva é evidente. Não há como reconhecer de natureza penal, por exemplo, a determinação do afastamento do agressor do lar, uma vez que o Código Civil prevê a separação de corpos no juízo cível como ação a ser proposta pela vítima. Ora, dispondo ela de legitimidade para buscar a tutela por meio de ação a ser proposta no juízo cível, nada justifica obstaculizar a possibilidade de pleitear o mesmo direito perante a autoridade policial em face de episódio de violência doméstica. De qualquer modo, a lei expressamente admite essa hipótese e é de todo descabido tentar tirar-lhe a eficácia. Havendo risco à integridade quer da ofendida, quer dos filhos, é impositivo que a suspensão de visitas seja deferida quando a medida protetiva de afastamento do agressor e proibição de aproximação. A recomendação para que seja ouvida equipe multidisciplinar bem revela a preocupação em preservar o vínculo de convivência entre pais e filhos. Mas não é necessário que parecer técnico anteceda a decisão judicial. A não ser que equipe interdisciplinar recomende a restrição ou a suspensão do contato com a prole, a convivência paterno-filial precisa ser mantida. Preservada a segurança da vítima, o juiz não deve impedir a convivência do pai com os filhos. Para que os filhos não percam a referência paterna, a medida deve ser temporária, perdurando apenas enquanto houver ameaça de reiteração dos atos de violência. Ainda assim a justiça insiste em não admitir que o pedido de afastamento do agressor seja cumulado com a regulamentação das visitas. Assim, esta é uma questão temporária que precisa ser equacionada pelo juiz ao deferir a medida protetiva. Imprescindível que estabelecido um regime de convivência, como por exemplo, determinar que os filhos sejam buscados e devolvidos por pessoa da confiança da mãe. Vem sendo admitido o estabelecimento de um local para as visitas acontecerem de forma supervisionada, sem que haja contato do ofensor com a vítima. Dita possibilidade preserva a integridade física da mulher e não impede a convivência do ofensor com os filhos. Inclusive, a tendência é determinar que os encontros se realizem em ambiente terapêutico, para que o juiz possa contar com a colaboração do técnico que acompanha as visitas para subsidiá-lo na hora de decidir o regime de visitação. A mesma dificuldade se verifica quando é imposta a proibição de contato entre ambos por qualquer meio de comunicação. É necessário ressalvar a possibilidade de contato exclusivamente para questões referentes aos filhos. Ainda que alimentos provisórios não possam ser identificados como medida protetiva, trata- se de providência que assegura a mantença da entidade familiar. Em face da realidade, ainda tão saliente nos dias de hoje, em que o varão é o provedor da família, sua retirada do lar não pode desonerá-la da obrigação de continuar sustentando a mulher e os filhos. Não há como liberá-los dos encargos para com a família. Seria um prêmio. A vítima pode requerer alimentos para ela e os filhos, ou só a favor da prole. Em relação à cônjuge e a companheira, a obrigação alimentar decorre do dever de mútua assistência. Frente aos filhos, o dever de sustento situa-se no âmbito do poder familiar. Apesar da falta de clareza da lei e dos desencontros da doutrina, que provocam decisões divergentes, impositivo reconhecer que os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, e antecipadamente, pois de todo descabido aguardar o decurso do prazo de um mês para que ocorra o pagamento. Como a denúncia é de violência doméstica, se era o varão quem mantinha a família, além de determinar o afastamento do agressor da morada comum, é impositiva a fixação de alimentos provisórios a favor dos filhos dependentes do agressor. O pedido de fixação dos alimentos pode ser requerido pelo Ministério Público. A competência para sua concessão é do JVDFM ou da Vara Criminal, sendo que o juiz sequer precisa perquirir a necessidade da vítima para a fixação do encargo. De um modo geral, a pretensão de alimentos provisórios é veiculada por meio de uma ação, intentada perante o juízo de família, devendo a parte estar representada por advogado. A partir da Lei Maria da Penha, diante de episódio de violência familiar, o pedido de alimentos pode ser formulado pessoalmente pela vítima à autoridade policial. O registro de ocorrência e o pedido de concessão de medida protetiva de urgência levam à formulação de expediente a ser enviado ao juiz que irá apreciar o pedido. Deve ser remetido ao JVDFM, onde é processado, julgado e executado. Onde não existir vara especializada, o destino é a Vara Criminal. O juiz defere os alimentos e determina o seu cumprimento. Mas, na hipótese de inadimplemento, não pode executá-lo. A credora deve propor a execução na Vara de Família. Sustenta Fredie Didier que deferidos alimentos, cessada a violência, deixa de existir fundamento para sua manutenção. Neste caso, a fixação de nova prestação depende do ajuizamento de ação própria perante o juízo de família. Não lhe assiste razão. Não há como sujeitar alimentos a condição resolutiva, qual seja o fim da violência. Caberia questionar sobre a forma de o agressor buscar a cessação dos alimentos. Como é encargo do próprio alimentante, é ele que teria que provar que, com o fim da violência cessou a necessidade dos alimentandos. A única hipótese, seria, no máximo, comprovar a reconciliação do casal. Deferidos alimentos, a ofendida não precisa propor ação principal no prazo de trinta dias. Indeferida a pretensão alimentar em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja levado a efeito por meio da ação de alimentos perante o juízo de família. Falando em alimentos, não prevê a lei, mas talvez devesse, que comprovada a prática de violência doméstica, perderia o agressor o direito a alimentos frente a vítima e aos filhos. A previsão seria salutar, pois em sede de obrigação alimentar vige o princípio da reciprocidade. Apesar do silêncio da lei, para desonerar-se do encargo, é possível a alegação de procedimento indigno, que faz cessar o direito de alimentos. As medidas protetivas de urgência à ofendida encontram-se previstas no art. 23 da Lei Maria da Penha. Quando é determinado o encaminhamento da vítima e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, cabe a autoridade policial providenciar o deslocamento. Como o Ministério Público tem direito de requisitar serviços públicos de segurança, pode determinar o recolhimento da ofendida. Nessa hipótese, a medida seria de cunho administrativo. Porém, quando a providência parte do juiz, é saliente seu caráter jurisdicional. A lei confere à vítima um punhado de medidas para assegurar sua integridade física e psicológica, entre elas: acesso prioritário à remoção quando servidora pública, afastamento do local de trabalho por até seis meses, como garantia de remoção, e encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de desconstituição do casamento ou união estável. Outra providência é garantir à vítima acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis – DST e da Síndrome da Imunodeficiência adquirida – AIDS e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. Não cabe só ao juiz deferir medidas que assegurem proteção a vítima. A própria autoridade policial pode aditar, de imediato, as providências legais cabíveis. Entre elas: encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; quando houver risco de vida, fornece a ela e seus dependentes transportes para abrigo ou local seguro; acompanha-la para que retire seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar, e informar-lhe dos seus direitos e dos serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento da ação de divórcio ou dissolução de união estável. Os pedidos de medida protetiva bem como a propositura da ação de família, visando a desconstituição do vínculo de convivência, que tenham por fundamento a prática de violência doméstica e familiar poderão ser propostas no juízo de família ou no JVDFM. Tratando-se de demanda jurisdicional, precisam ser atendidos todos os requisitos processuais, entre eles a necessidade de a autora se fazer representar por advogado. Apreciado o pedido liminar, realizada a audiência de apresentação, a vítima é encaminhada à assistência judiciária, para eventual ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável perante o juízo competente. Existe também a possibilidade de a vítima pessoalmente, sem a necessidade de estar acompanhada de advogado, solicitar a concessão de medida protetiva perante o JVDFM. Tomado a termo o pedido é apreciado pelo juiz. Prevê a Lei Maria da Penha a possibilidade de concessão de medidas de cunho eminentemente patrimonial: restituição de bens da vítima que lhe forem indevidamente subtraídos pelo agressor, proibição temporária de compra e venda ou locação de bens comuns, e suspensão de procuração outorgada pela vítima. Tanto no casamento como na união estável, a depender do regime, os bens adquiridos durante o período de convívio pertencem ao casal. É o que se costuma chamar de mancomunhão, ou seja, propriedade comum. A exceção fica por conta do regime da separação convencional dos bens, eleito pelos noivos por meio de pacto antenupcial. Sendo comuns os bens, a presunção é de que, adquiridos durante o período de convívio, são de propriedade de ambos. Mas tal regra comporta exceções, até no regime da comunhão universal de bens. No momento em que é assegurado à vítima o direito de restituição de seus bens, a referência é tanto aos bens particulares como aos que integram o acervo comum, pois a metade lhe pertence. Assim, se um bem comum é subtraído pelo varão que passa a deter sua posse com exclusividade, significa que houve a subtração da metade que pertence à mulher. O pressuposto para a concessão da medida protetiva é que os bens estejam na posse exclusiva de quem a vítima mantém um vínculo familiar. Tal situação configura delito de furto. A partir da vigência da Lei Maria da Penha, o varão que subtrair objetos da sua mulher pratica violência patrimonial. Diante da nova definição de violência doméstica, que compreende a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas, ou relativas previstas no Código Penal. Não está mais chancelado o furto nas relações afetivas. Cabe a ação penal, e a condenação sujeita o réu ao agravamento da pena. Como a Lei fala em “subtrair”, a medida justifica- se exclusivamente com relação a bens móveis, pois esta é a expressão que consta na definição legal do crime de furto. Até porque, bens imóveis não são sujeitos a furto. Sua transferência se opera por meio do registro imobiliário. De outro lado, a venda de bem imóvel depende da concordância do cônjuge, não havendo possibilidade de o varão desfazer- se do patrimônio imobilizado sem que a mulher assine a escritura. Porém, no que diz com a união estável, ainda que a aquisição de bens durante sua constância gere estado de comunhão, o fato é que não há como controlar a alienação do patrimônio que não estiver em nome de ambos. Adquirido imóvel durante a vigência da união, feita a escritura somente por um dos companheiros, mesmo que o bem passe a pertencer a ambos, não há como terceiros saberem da situação familiar do adquirente. Não existe a previsão de um estado civil que identifique a condição de ordem familiar de quem vive em união estável. Assim, o companheiro que adquire o bem em nome próprio pode livremente aliená-lo, pois o título de propriedade está só no seu nome. O adquirente não tem o como saber que o vendedor vive em união estável e o bem não lhe pertence com exclusividade. Esta é mais uma hipótese em que é possível a busca da medida protetiva, pois tal manobra configura forma de subtração de bem da mulher. Quando o agressor está na posse exclusiva de bem comum, possível impor-lhe o pagamento pelo uso do que não é só seu. E se os bens rendem frutos, cabe o deferimento de alimentos compensatórios, como a determinação da entrega da metade da renda líquida dos bens comuns administrados por ele. Não vislumbrando o magistrado justificativa suficiente para conceder a restituição reclamada pela vítima, ele pode, de ofício, determinar o arrolamento dos bens ou o protesto contra alienação de bens, como forma de assegurar a higidez do patrimônio. Desta forma, evita a probabilidade de dano irreparável. Na hipótese em que o varão transfere parte ou a totalidade de seus bens a um filho, a um terceiro, ou ainda constitui uma pessoa jurídica, para posteriormente alegar não possuir bens para dividir ou não ter condições de cumprir obrigação alimentar, possível o reconhecimento da ineficácia dessas manobras, por meio de ação judicial. Não só a alienação do bem cabe ser vedada. A vítima da violência doméstica tem o direito de se insurgir contra a compra de bens. Ainda que os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges ou companheiros passem a integrar o patrimônio comum, o negócio pode ser ruinoso aos interesses da mulher ou da família. Havendo este temor, quando do registro da ocorrência de violência doméstica perante a autoridade policial, a vítima tem a possibilidade de requerer medida protetiva de urgência para obstaculizar a compra do bem. Para locação de bens comuns, não é necessário que o contrato seja firmado pelo casal. Somente quando o prazo da locação for superior a dez anos é necessária a vênia conjugal. Assim, bem andou o legislador em conceder à mulher a faculdade de buscar, em sede liminar como medida protetiva de urgência, a proibição de o varão locar bens comuns. Vedada a locação, o varão vai depender de autorização judicial para alugar bem comum, por meio de procedimento judicial de suprimento do consentimento. Este pedido não cabe ser formulado nos autos da medida protetiva. Necessário que o varão ingresse com procedimento autônomo perante o JVDFM. Não instalado este juízo, o pedido de autorização judicial há de ser formulado na Vara de Família e não perante a Vara Criminal que deferiu a medida impedindo o aluguel. Para deferir o pedido, claro que o juiz vai levar em consideração as causas que ensejaram a suspensão da locação. A medida, além de impor ao agressor dever de abstenção, retira-lhe a capacidade de praticar determinados atos e de exercer determinados direitos civis que eventualmente recaiam sobre o patrimônio comum do casal ou particular da mulher. Assim, qualquer ato praticado em desobediência à decisão judicial é passível de invalidação. Além disso, configura crime, sujeito à pena de três meses a dois anos. A proibição temporária de celebração de contrato de compra, venda ou locação do patrimônio comum deve ser comunicada ao Cartório de Registro de Imóveis. Já a suspensão da procuração precisa ser informada ao Tabelionato onde a procuração foi outorgada. Em todas as hipóteses, para que a decisão possa ser oponível a terceiros, é aconselhável também o registro junto ao Cartório de Registro de Títulos e documentos. A total confiança que as mulheres depositam em seus cônjuges ou companheiros as leva a autorizá-los a tratar “dos negócios” da família. Para isso concedem procurações muitas vezes com plenos poderes, o que as coloca em situação de absoluta dependência e vulnerabilidade à vontade do varão, das mais providenciais medidas previstas na Lei Maria da Penha: a possibilidade de o juiz suspender procurações outorgadas pela ofendida ao agressor. Diante de uma desavença do casal, muitas vezes surge sentimento de vingança do homem, que pode tentar desviar patrimônio, utilizando-se de tais procurações. Indispensável assim que medida urgente impeça tal agir. Assim, ao invés de a mulher revogar a procuração, o que pode sujeitá-la a algum risco, pois é necessário dar ciência ao mandatário, melhor mesmo que a revogação seja levada a efeito judicialmente, em expediente que teve início perante a autoridade policial. A revogação pode ocorrer em sede liminar, no prazo de quarenta e oito horas após a vítima ter denunciado à polícia episódio de violência. Ainda que a Lei fale em suspensão, a hipótese é de revogação. O direito de revogar estende-se também ao mandado judicial conferido ao varão, na hipótese de ser ele advogado. De outro lado, é possível revogar procuração outorgada a advogado ligado ao agressor quando a sua concessão tenha decorrido desta condição. Todas estas são medidas patrimoniais extrapenais, que podem ser formuladas perante a autoridade policial quando do registro da ocorrência. Desencadeiam o procedimento de medida protetiva de urgência a ser enviado a juízo. Essas mesmas pretensões podem ser buscadas a título de tutela de urgência de natureza cautelar. Ainda que se trate de ações cíveis, como a causa de pedir é a ocorrência da violência doméstica, devem ser propostas perante o JVDFM. Nas comarcas em que esses juizados não estão instalados, as ações devem ser intentadas no juízo cível ou de família e não na vara criminal. Deste modo, perante a autoridade policial, independentemente da natureza do crime cometido pelo agressor, a vítima pode comparecer sozinha e pedir providências, que serão enviadas a juízo como medidas protetivas de urgência. As regras para o cumprimento de fazer ou não fazer foram transpostas para o âmbito da violência doméstica. Cuida-se de tutela inibitória, que se destina a impedir, de forma imediata e definitiva, a violação a um direito. A multa por tempo de atraso é mais uma alternativa para a efetividade do processo, com natureza jurídica de execução indireta. Para assegurar maior efetividade à Lei Maria da Penha, restou reconhecido como delito penal o descumprimento da decisão judicial que defere de medidas protetivas de urgência, ao qual é cominada a pena de três meses a dois anos. A tipificação do crime independe de quem concedeu a medida, se foi o juízo cível ou criminal. Do mesmo modo, não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. Para sanar a controvérsia que existia sobre a concessão de fiança, restou assentado que, na hipótese de prisão em flagrante, a fiança somente pode ser concedida pela autoridade judicial. Quando se trata de feminicídio praticado em descumprimento de medida protetiva, a pena é majorada de um terço até a metade. (DIAS, 2021)
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL
Inquérito policial é um procedimento preliminar, extrajudicial e preparatório para ação penal, sendo por isso considerado como a primeira fase da persecutio criminis, e, por sua vez, é instaurado pela polícia judiciaria e tem como finalidade a apuração de infração penal e de sua respectiva autoria. A atividade de polícia investigativa e de polícia judiciária.
A respeito do inquérito policial do TCO e do TCIP, vale salientar que a presidência do Inquérito é de competência do Delegado de Polícia, logo, a investigação criminal é conduzido pelo delegado através do inquérito policial.
Dentre as atribuições do delegado de polícia estão o poder requisitório do delegado, estrutura básica de uma escrita técnica, medidas cautelares pessoais prisionais, não prisionais, medidas cautelares probatórias, medidas cautelares assecuratórias reais, bem como a atividade de polícia investigativa e policia judiciaria.
O artigo 144 da Constituição Federal preceitua que a segurança pública é dever do estado e direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia civil. Policias federal e policiais civis são policias investigativas e judiciárias.
A polícia investigativa visa investigar infrações penais por meio do inquérito policial ou outro procedimento policial, e tem por fim apurar autoria, materialidade e circunstância da infração penal motivação crime ou contravenção penal. A polícia judiciaria funciona como auxiliar do poder judiciário e atua na execução de medidas determinadas pelo juízo.
São órgãos que fazem parte da estrutura da Segurança Pública: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Penal, Polícia Civil, Polícia Militar, e Corpo de Bombeiro Militar.
A Polícia Federal é a polícia da união, trabalha para apurar tráfico de drogas e de pessoas, descaminho, contrabando, atua nas fronteiras marítima, aeroportuárias, e investiga e apura crimes internacionais e interestaduais conforma a Constituição Federal de 88, art. 144, §1º, e destina se a apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bem serviços e interesses da “união” ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas (não se inclui sociedade de economia mista S/A., Apurar outras infrações cuja pratica tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, previne e reprime o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins , o contrabando e o descaminho. Cumpre esclarecer que a Polícia Federal exerce, com exclusividade, as funções de polícia judiciaria da união, assim como a Polícia Civil que tem caráter residual, atua na apuração de infrações penais no âmbito dos Estados e Distrito Federal.
§4º art.144, CF/88 – as policias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da união, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto aos militares.
De acordo com a Lei nº 12.830/2013, a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia e o indiciamento é ato privativo do delegado de polícia, além de avocar ou redistribuir o inquérito policial ou outro procedimento investigatório, por ato fundamentado, ou motivo de interesse público. Cumpre esclarecer que a remoção do delegado só pode ocorrer por ato fundamentado (não se aplica a regra da inamovibilidade).
Os policiais militares ou as infrações envolvendo militares das forças armadas, tais como, Exército, Marinha, e a Aeronáutica quem apuram são os militares, regidos pelo Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, perante a Justiça Militar.
O indiciamento que consiste em investigar o sujeito e apurar a materialidade, indícios de autoria, circunstancias, motivação e discorrer, ao final, no relatório, vai indiciar ou não o sujeito como autor do delito e se convencendo, o indiciamento tem como base indícios suficientes de autoria, o delegado indicia, pois, nesse caso, o indiciamento é obrigatório. Já o Ministério Público denuncia, pois, o Ministério Público não é obrigado a denunciar, cabe ao poder judiciário intervir ou não. Entretanto, o delegado pode indiciar no início das investigações sem relatório, ou ao final das investigações com relatório.
Inquérito Policial, Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO, e - Termo Circunstanciado de Infração Penal – TCIP.
Como já sabemos, o Inquérito policial elencado entre os artigos 4º ao 23 do Código de Processo Penal Brasileiro é um procedimento administrativo conduzido pelo delegado e visa apurar a autoria, materialidade, circunstancias de uma infração penal, assim como o TCO - Termo Circunstanciado de Ocorrência ou Termo Circunstanciado de Infração Penal – TCIP.
Para o Supremo Tribunal Federal tanto o TCO quanto o TCIP elencados na Lei nº 9.9099/1995, dos Juizados Criminais, são direitos penais de segunda velocidade, pois há a flexibilização de alguns institutos de privação de liberdade. São as chamadas Medidas Despenalizadoras, ou não encarceradoras, tais como o Sursis, Composição Civil de Danos, Transação Penal, e Suspensão condicional do Processo.
No Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO, consta o relato breve dos fatos. Já o procedimento investigatório criminal – PIC de competência do Ministério Público conforme a Resolução 181/17 e 183/18 do CNMP, é o nome dado a investigação realizada pelo Parquet.
Além disso, as policias militares, segundo jurisprudência dos Tribunais Superiores estão aptas para fazer o Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO.
Entre as características do inquérito policial estão o fato dele ser sigiloso, escrito, documentado, inquisitivo, oficial, discricionário, obrigatório, indisponível, indispensável, oficioso. Entretanto o Ministério Público pode dispensar o inquérito policial, por ser uma mera peça informativa.
O Inquérito Policial pode iniciar muitas vezes através de Portaria ou através de Auto de Prisão em Flagrante. O Inquérito Policial inicia através de Portaria quando for de requisição do Ministério Público, Juiz, ou a requerimento da vítima, nesses casos, se iniciam através de portaria. Por sua vez, o Inquérito Policial pode iniciar através do Auto de Prisão em Flagrante – APF, quanto o autor está cometendo, ou acabou de cometer o crime, é perseguido logo após com objetos, armas, papéis do crime pela autoridade policial.
Quando se trata de crianças ou adolescentes, fala- se em Ato Infracional – criança até 12 anos incompletos e adolescentes até 18 incompletos – Boletim de Ocorrência Circunstanciado BOC – Auto de Apreensão em Flagrante de Ato Infracional -AAFAI. E, nesse caso, o adolescente responde Medidas Protetivas e Socioeducativas.
Dentre as atribuições do Delegado de Polícia, estão a Investigação de infrações penais, Presidência do inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei – TCO – TCIP, que podem ser feitos por outras polícias, como a Polícia Militar., Representação por medidas cautelares pessoais (prisionais e não prisionais), probatórias e assecuratórias reais, (Requerimento diferente de representar sendo o Requerimento feito pelas partes e o Ministério Público e a Representação pelo Delegado).,Representar pela prisão, Busca e apreensão, Representar pela interceptação telefônica, Requisição de informações para fins de subsidiar as investigações, Autuações em flagrante delito – lavrar Auto de Prisão em flagrante, indiciamento, captura, condução coercitiva e recolhimento ao cárcere, Realização de procedimentos para apuração de infrações administrativas, Cumprimento de medidas determinadas pelo juízo - polícia judiciária, Chefia e gestão da unidade policial (lembrando que o gabinete do delegado é inviolável abrangido no conceito de caso do art. 5º da Constituição Federal, inviolabilidade de envergadura constitucional)., Planejamento e execução de operações policiais, conforme a Lei do Delegado de Polícia nº 12.830/13. Além do poder requisitório do delegado de polícia durante uma investigação, englobando perícias (informações), e Documentos (dados) que interessam a apuração dos fatos. Havendo recusa da requisição feita pelo Delegado de Polícia, o sujeito incorrerá no crime de desobediência que consta no art. 330 do Código Penal, que consiste em desobedecer a ordem legal de funcionário público, com pena de detenção de 15 dia a 6 meses e multa.
Para as investigações de infrações penais, o Poder requisitório de Requisição de dados feitas pelo Delegado, estão situados em leis esparsas, a saber: Organizações Criminosas – ORCRIM (art. 15 da Lei nº12.850/13), Lei de lavagem de dinheiro (art. 17-b da lei nº 9.613/98), Marco civil da internet (art. 10 da Lei nº 12.965/14).
De acordo com o art. 13 do Código Penal, para os crimes de sequestro ou cárcere privado; redução a condição análoga de escravo, tráfico de pessoas; extorsão na modalidade sequestro relâmpago; extorsão mediante sequestro; ato destinado a envio de criança ou adolescente ao exterior, a recusa da requisição de dados, a exceção da lei da ORCRIM, enseja no crime de desobediência do art. 330 do CP. As autoridades responsáveis tem o prazo de 12 horas para atender a requisição de dados do Delegado, para não incorrer em crime de desobediência.
Dentre as atribuições do Delegado de Polícia estão os Requerimentos de Medidas cautelares, Medidas cautelares pessoais prisionais, Representação pela prisão temporária, prisão temporária é a prisão de competência do delegado, Representação pela prisão preventiva, Medidas cautelares não prisionais, Representação pelas medidas cautelares diversas da prisão, Medidas cautelares assecuratórios reais, Sequestro de bens, Medidas cautelares probatórias, Busca e apreensão domiciliar, Interceptação das comunicações telefônicas, Captação ambiental, Quebra de sigilo de dados telefônicos, Quebra de sigilo bancário, Quebra de sigilo fiscal, Ação controlada que consiste no retardamento da atuação policial, Infiltração de agente que pode ser na modalidade física e virtual.
São peças usadas pelo delegado de polícia no exercício do seu mister: Portaria Inquérito Policial quando requisitado pelo MP, juiz ou as partes; Despachos de indiciamento; Despacho em auto de prisão em flagrante e despacho ordinatório; Relatório do Inquérito Policial; Auto de prisão em flagrante – APFD, Representação pelo exame de sanidade mental; Determinação de afastamento do lar em medida protetiva decretada pelo delegado de polícia; Internação provisória – ato infracional; Colaboração premiada. Cumpre informar que não é cabível exceção de suspeição contra a autoridade policial, por ser a natureza jurídica do inquérito, um mero procedimento administrativo, razão pela qual – conforme visto anteriormente – os vícios constantes do Inquérito Policial, não tem o condão de contaminar o processo penal subsequente, salvo nos casos de provas ilícitas.
A função de polícia judiciaria e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica essenciais e exclusivas de Estado. Ao delegado de polícia, cabe a condução da investigação criminal por meio de Inquérito ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo, a apuração das circunstancias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Características do Inquérito Policial
Procedimento administrativo de caráter investigatório:
Não existe um rito ou uma ordem determinada pela lei, razão pela qual não é possível o reconhecimento de nulidade procedimental;
Preparatório e informativo: busca apurar indícios de autoria e materialidade para a propositura de ação penal;
Obrigatório: sempre que tomar conhecimento da ocorrência de infração penal que caiba ação penal pública incondicionada deverá instaurar o inquérito;
O delegado de polícia pode deixar de lavrar auto de prisão em flagrante, nas hipóteses em que é cabível? Há divergência doutrinária sobre o tema?
Parte da doutrina afirma que não. Isso porque, o delegado de polícia deve fazer um juízo apenas quanto à tipicidade formal e punibilidade. Em outras palavras, a análise do delegado de polícia restringe-se tão somente à existência de autoria e materialidade típica e punível, não possuindo qualquer margem de atuação quanto as excludentes.
Por outro lado, a doutrina moderna vem entendendo que sim. Conforme esse entendimento, o delegado de polícia possui margem de atuação para o controle de excludentes cabais da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, de modo que pode deixar de lavrar o auto de prisão em flagrante quando se deparar com tais circunstancias. Nessa hipótese, o delegado não lavra o Auto de Prisão em flagrante, fazendo apenas o registro de ocorrência.
A doutrina moderna, no sentido de que os delegados de polícia deixam de lavrar o Auto de Prisão em flagrante, quando há manifesta causa de excludente da tipicidade (formal ou material), ilicitude ou culpabilidade.
Outra característica do Inquérito Policial é que ele é indisponível para a autoridade policial: a indisponibilidade do inquérito, está relacionada com a impossibilidade de o delegado de polícia arquivá-lo, nos moldes do art. 17 do CPP, sendo assim, a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Além disso, o inquérito é dispensável para a persecução penal. O inquérito é uma peça meramente informativa que tem a finalidade de colher elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria. Contudo, caso o titular da ação penal disponha desse substrato mínimo necessário para o oferecimento da peça acusatória, o inquérito será dispensável. Parte da doutrina entende que a dispensabilidade do inquérito policial é um dos fundamentos para a não contaminação do processo penal por eventuais vícios constantes do inquérito.
Art. 39, §5º o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 dias.
O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Nessa esteira, o STF já decidiu, que é possível o oferecimento de ação penal com base em provas colhidas no âmbito de inquérito civil conduzido por membro do Ministério Público. Em caso de denúncia formulada com base em inquérito policial é possível o oferecimento de ação penal (denúncia) com base em provas colhidas no âmbito de inquérito policial, conduzido por membro do Ministério Público.
Outra característica é que o inquérito é escrito, vide art. 9º, CPP, segundo o qual, todas as peças do inquérito policial serão num só processo reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade. Modernamente diz ser que é um procedimento que deve ser documentado e não escrito. Documentado por que hoje em muitos estados, o inquérito é digital. São tomados depoimentos, declarações, interrogatórios, tudo por áudio visual. Ressalta-se que é necessário documentar e relatar todos os elementos que forma encontrados. Nesse sentido, dispõe o art. 9º do CPP: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
Percebam que o dispositivo diz que ele deve ser escrito, datilografado e rubricado. Com o inquérito digital não há mais necessidade desses procedimentos, pois todas as peças são digitais. Mas há previsão legal para isso? Sim, constante no art. 405, do CPP: Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. Percebam que a lei se valeu da expressão investigado e indiciado, denominação técnica inerente ao inquérito policial.
Além disso, o inquérito policial é sigiloso, nos moldes do art. 20 do CPP. É cediço que a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, garante o direito a publicidade. Contudo, o princípio da publicidade é valido na fase judicial da persecução penal, e não na fase investigatória. Nas investigações, em regra, o inquérito policial deve ser conduzido de maneira sigilosa, até mesmo para se garantir a eficácia das investigações.
O art. 20 do CPP, dispõe que a autoridade assegurará, no inquérito policial, o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Assim, se a autoridade policial verificar que a publicidade pode causar prejuízos a elucidação dos fatos, pode decretar o sigilo do inquérito policial. No entanto, é direito do advogado ter acesso aos autos já documentados e desde que não frustre diligências em andamento. A doutrina afirma que o sigilo no inquérito policial possui dupla função: Utilitarista: que é importante para assegurar a eficácia das investigações. Exemplo: não pode divulgar a decretação da interceptação telefônica, sob pena da prova ser prejudicada; e a função Garantista: importante para preservar os direitos dos investigados. Exemplo: evitar a exposição midiática do investigado (presunção de inocência sob a perspectiva da regra de tratamento).
Nesse sentido, o Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato exigido pelo interesse da sociedade”. A regra é que a investigação preliminar deve tramitar de forma sigilosa, sob pena de frustrar a eficácia das medidas, entretanto há exceção a forma sigilosa que é a publicidade que acontece, por exemplo, no retrato falado chega a ser, inclusive, importante para o desenvolvimento das investigações a publicidade nesta hipótese. Nesse caso, a publicidade é de caráter importante para constatar outras pessoas que foram vítimas daquele criminoso.
Quanto ao acesso do advogado aos autos, o sigilo pode ser interno ou endógeno, quando não pode ser oponível ao juiz, membros do Ministério Público e ao advogado do indiciado, e externo ou exógeno, situação em que se opõe a terceiros estranhos aos autos. O sigilo do inquérito policial é um sigilo, em regra, externo, ou seja, não é possível opor sigilo as partes, como defensor, membro do Ministério Público ou Juiz. A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXII, assegura a garantia da assistência do advogado, de modo que, o direito a defesa é uma garantia constitucional. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo lhe assegurada a assistência da família e de advogado. O Estatuto da OAB prevê que em regra, o advogado não precisa de procuração para acessar os autos, pois são direitos do advogado: Examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos a autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital. Porém, nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos seus direitos.
A Súmula Vinculante de nº 14 prevê que o advogado tem o direito de acessar as informações que digam respeito a defesa, desde que já documentadas nos autos, para que não haja risco ao comprometimento e eficácia das diligencias: “ é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de provas já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciaria, digam respeito ao exercício do direito de defesa, desde que já documentados nos autos, para que não haja risco ao comprometimento da eficácia das diligencias em curso”.
É também cabível o acesso aos elementos de prova já documentados nos autos de inquérito policial aos familiares das vítimas, por meio de seus advogados ou defensores públicos, em observância aos limites estabelecidos pela Súmula Vinculante de nº 14.
O STF, em decisão veiculada no informativo 964, entendeu que a negativa de acesso ao investigado a peças que digam respeito a dados sigilosos de terceiros, que não possuem relação com seu direito de defesa, não ofende a Súmula Vinculante de nº 14. Mesmo que a investigação criminal tramite em segredo de justiça será possível que o investigado tenha acesso amplo aos autos, inclusive a eventual relatório de inteligência financeira do COAF, sendo permitido, contudo, que se negue o acesso a peças que digam respeito a dados de terceiros protegidos pelo segredo de justiça. Essa restrição parcial não viola a S.V. nº 14. Isso por que é excessivo o acesso de um dos investigados a informações, de caráter privado de diversas pessoas que não dizem respeito ao direito de defesa dele.
O Estatuto da OAB passou a prever a possibilidade de o advogado acompanhar seus clientes durante a apuração das infrações. Isso não altera a natureza inquisitorial do inquérito policial, ou seja, a participação do advogado não se torna obrigatória, mas apenas facultativa. Na hipótese de o advogado querer acompanhar seu cliente, o delegado de polícia não poderá obstar sua participação. Assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e subsequente. De todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. Caso seja injustificadamente negado ao defensor do investigado o acesso aos autos da investigação? Uma das características do inquérito é o sigilo, e sabe-se que este sigilo possui uma dupla função; interno ou endógeno: não podendo ser oponível ao juiz, membros do Ministério Público ou advogado do indiciado; externo ou exógeno, quando se opõe a terceiros estranhos aos autos.
Entretanto trata-se de um sigilo eminentemente externo. Após contextualizar, deve passar a resposta da questão: são três os mecanismos judiciais previstos em caso de recusa injustificada por parte do delegado de polícia, a saber: Reclamação ao STF, em razão da ofensa a Súmula Vinculante de nº 14, Mandado de Segurança em razão da ofensa ao direito líquido e certo do advogado de ter acesso ao inquérito policial, e Habeas Corpus em razão da ofensa ao art. 5, LXVIII da CF/88.
Apesar de o advogado ter o direito de acessar aos autos do inquérito, a própria lei aponta exceções, como por exemplo, em crime nos quais seja decretado o segredo de justiça, em que não poderá outro advogado, senão o do investigado ter acesso aos autos. Os crimes contra a dignidade sexual tramitam em segredo de justiça, sendo assim, somente o advogado do investigado pode ter acesso. No mesmo sentido, os crimes praticados por ORCRIM -organização criminosa.
O sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, salvo os referentes as diligências em andamento.
Sobre o tema não é necessária, mesmo após a Lei nº 13.245/16, a intimação previa da defesa técnica do investigado para a tomada de depoimentos orais na fase de inquérito. Não é necessária a intimação previa da defesa técnica do investigado para a tomada de depoimentos orais na fase do inquérito policial. Não haverá nulidade dos atos processuais caso essa intimação não ocorra, pois, o inquérito é um procedimento policial, um procedimento informativo, de natureza inquisitorial, destinado precipuamente à formação da opinio delicti do órgão acusatório. Logo, no inquérito há uma regular mitigação das garantias do contraditório e da ampla defesa.
Esse entendimento justifica-se porque os elementos de informação colhidos no inquérito não se prestam, por si só, a fundamentar uma condenação criminal.
A Lei n º 13.245/16 implicou um reforço das prerrogativas da defesa técnica, sem, contudo, conferir ao advogado, o direito subjetivo de intimação previa e tempestiva do calendário de inquirições a ser definido pela autoridade policial.
Ausência do contraditório (procedimento inquisitorial)
Diferentemente do processo, que é acusatório, e exige para sua validade a observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, no inquérito policial, esses elementos são apenas acidentais, perfeitamente dispensáveis. Cuida-se, de investigação preliminar, de mero procedimento de natureza administrativa, com caráter instrumental, e não de processo judicial ou administrativo. Dessa fase pre processual não resulta a aplicação de uma sanção, destinando se tão somente a fornecer elementos para que o titular da ação penal possa dar início ao processo penal. Logo, ante a impossibilidade de aplicação de uma sanção como resultado imediato das investigações criminais, como ocorre, por exemplo, em um processo administrativo disciplinar, não se pode exigir a observância do contraditório e da ampla defesa nesse momento inicial da persecução penal. Na realidade, pode existir ampla defesa e contraditório em sede inquérito policial, entretanto, se não existir, o inquérito policial continua a ser válido, ao contrário do que ocorre no processo, que passa a ser inválido, se no processo não houver contraditório e ampla defesa. Um exemplo disso é o art. 5º da Constituição Federal que afirma que o indiciado terá direito ao silencio e à assistência de um advogado. Assim, isso já mostra um direito de defesa do indiciado.
Quanto a oficiosidade, ao tomar conhecimento do crime, a autoridade policial age de oficio, independentemente de provocação. Contudo, há de se ter em mente que, para que a autoridade policial haja de ofício, depende da natureza da ação penal do crime em análise. O delegado só pode atuar de ofício em crimes cuja ação penal seja pública incondicionada, porquanto, caso seja condicionada à representação ou de iniciativa privada, deve aguardar a referida representação ou requerimento para deflagrar o procedimento administrativo. Nos crimes de ação pública o inquérito será iniciado: De oficio; mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito, caberá recurso para o chefe de polícia. Em regra, a autoridade policial deve instaurar inquérito de ofício, sem aguardar provocação, estando dispensada a anuência dos envolvidos e a necessidade de requerimento ou requisição de quem quer que seja.
Considerando a oficiosidade do inquérito, o Superior Tribunal de justiça decidiu, em 2019 que é possível deflagrar investigação criminal com base em matéria jornalística. No que diz respeito a oficialidade, somente os órgãos estatais podem presidir o inquérito policial. A presidência de investigação criminal não é privativa da polícia judiciaria, pois, outras autoridades podem presidir a investigação, a exemplo do Promotor de Justiça ou Procurador Geral de Justiça que pode presidir o inquérito policial para apurar crime praticado por juiz ou promotor; ou a Comissão Parlamentar de Inquérito, que preside os inquéritos parlamentares. Há também investigação por agentes da administração; Inquérito do CADE; Investigação do CADE; Investigação pela comissão de inquérito do BACEN, que segundo o Supremo Tribunal Federal, o relatório dessa comissão, encaminhando o Ministério Público, constitui justa causa para o oferecimento de ação penal.
Quanto ao Ministério público, embora o tema seja polemico, a 2ª turma do STF já admitiu que o Ministério Público investigue, sem que isso implique usurpação de função da polícia civil. Outrossim, promotor que atue investigando na fase preliminar não estará impedido de oferecer denúncia (súmula 231 STJ)
No que tange as Forças armadas, nos crimes militares da competência da justiça militar da união, as investigações serão realizadas pelas forças armadas através de um inquérito policial militar. Já nos crimes militares de competência da justiça militar estadual será competente a polícia militar ou o corpo de bombeiros.
Procedimento discricionário: discricionariedade significa liberdade de atuação dentro dos parâmetros legais. Existe uma liberdade de atuação da autoridade policial nos limites traçados pela lei. Por exemplo, ao teor dos artigos 6º e 7º do CPP, consta um rol exemplificativo de diligências que poderão ser realizadas pelo delegado de polícia. Não há um rito procedimental rígido que deve ser observado pelo delegado, trata-se de rol exemplificativo. Assim, a diligência será realizada ou não, a cargo da liberdade de atuação da autoridade. A discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligencia, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade. A discricionariedade não é de caráter absoluto de modo que existem diligências que são de realização obrigatórias. Assim, quanto a estas, o delegado não poderia negar a sua realização, como na hipótese do exame de corpo de delito.
O delegado de polícia só pode indeferir requerimentos quando se tratarem de diligências impertinentes e protelatórias, não podendo indeferir os relevantes, como, por exemplo, o exame de corpo de delito. Nesse sentido, o art. 158 do CPP, dispõe que quando a infração deixar vestígios, o exame de corpo de delito é imprescindível. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Temporário: Obviamente o inquérito policial tem prazo para finalizar. A doutrina defende que a garantia da razoável duração do processo também se aplica ao inquérito, evitando-se com isso inquéritos eternos. Ressalvados os prazos previstos em leis especiais, em regra, temos o seguinte cenário: Indiciado preso (inclusive preso provisório) prazo de duração do inquérito será de dez dias, podendo ser prorrogado por mais quinze dias. Quando o indiciado estiver solto, o prazo de duração do inquérito será de trinta dias. E finalmente o prazo para concluir o inquérito será, regra geral, indiciado preso, prazo de dez dias prorrogável por até quinze dias, mas se o indiciado estiver solto, o prazo de duração do inquérito será de trinta dias, quando de competência das Polícias Civis estaduais.
Quando se tratar da Polícia federal o prazo de duração do inquérito será de quinze dias, podendo ser prorrogável por mais quinze dias se o indiciado estiver preso, e de trinta dias se o indiciado estiver solto. Quanto aos crimes contra a economia, o prazo para duração do inquérito será de dez dias se o indiciado estiver preso, bem como dez dias se o indiciado estiver solto.
Quanto a Lei de drogas o prazo de duração do inquérito é de trinta dias prorrogáveis por mais trinta, se o indiciado estiver preso, e de noventa dias prorrogáveis por mais noventa dias se o indiciado estiver solto. Nos Inquéritos militares, os prazos de duração dos inquéritos são de vinte dias se o indiciado estiver preso, e de quarenta dias prorrogáveis por mais vinte dias se o indiciado estiver solto. Lembrando que o Código penal militar tem uma aplicação totalmente diferenciado do Código penal.
O pacote anticrimes trouxe a possibilidade de o juiz das garantias prorrogar o inquérito policial de investigado preso. Assim, o juiz das garantias poderá determinar a prorrogação do inquérito por até quinze dias, mediante representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público, possibilitando a conclusão das investigações. Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o ministério público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até quinze dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
O STF conferiu interpretação conforme ao dispositivo, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação e que a inobservância do prazo previsto em lei não implica na revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram. Acerca dos prazos para encerramento de inquéritos policiais, considerando o disposto do Título II e a Legislação Extravagante, é correto afirmar que caso um dos investigados seja preso preventivamente no curso das investigações, a autoridade policial terá, como regra, o prazo de dez dias após o cumprimento da ordem de prisão para finalizar o inquérito.
O prazo de conclusão do inquérito quando o acusado estiver solto é improprio, nos termos da jurisprudência do STJ, conforme o informativo 747: “ o prazo para a conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto é improprio. Assim, pode ser prorrogado a depender da complexidade das investigações. Contudo, consoante precedentes desta corte superior, é possível que se realize, por meio de Habeas Corpus, o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão”
A característica Unidirecional do inquérito está relacionada com a função da autoridade policial que seria única e exclusivamente a de apurar as infrações penais, descabendo qualquer juízo de valor, que deverá ser realizado apenas pelo representante do Ministério Público para quem o inquérito é dirigido, uma vez que este é o titular privativo da ação penal. Não deve a autoridade policial emitir qualquer juízo de valor quando da elaboração de seu relatório conclusivo. Há relatórios em inquéritos policiais que são verdadeiras denúncias e sentenças. É o ranço do inquisitorialismo no seio policial. O delegado possui a função de investigar e também de realizar uma análise técnico jurídica. Quando a autoridade policial está analisando o auto de prisão em flagrante – APF, estaria verificando todos os substratos do crime (Fato típico, ilícito e culpável). Somado a isso, entende que a finalidade do procedimento preliminar não deve ser vislumbrada apenas na ótica da preparação do processo penal, mas também a serviço de impedir acusações infundadas, bem como, muitas das vezes, destinando se ao exercício da própria defesa. Assim, o delegado de polícia exerce uma função preparatória e garantidora de direitos fundamentais caracterizando a bilateralidade. Já a bidicionariedade do inquérito policial refere-se à função investigativa formalizada pela polícia judiciária está longe de se resumir a um suporte da acusação, não possuindo um caráter unidirecional. A finalidade do procedimento preliminar não deve ser vislumbrada sob a ótica exclusiva da preparação do processo penal, mas principalmente a luz de uma barreira contra-acusações infundadas e temerárias, além de um mecanismo de salvaguarda da sociedade, assegurando a paz e a tranquilidade sociais.
O inquérito policial é atividade investigatória realizada por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo do particular, ainda que a titularidade do exercício da ação penal pelo crime investigado seja atribuída ao ofendido. Considera se as características do inquérito policial, é correto afirmar que o texto anterior discorre sobre a oficialidade do inquérito. O investigado deve ter acesso a todos os elementos já documentados nos autos do inquérito, ressalvados as diligencias em andamento cuja eficácia dependa do sigilo.
Início do inquérito policial
É possível a instauração de ofício do inquérito através (art. 5, I, CPP):
I - portaria; (Portaria é ato interno.), ou II – Auto de Prisão em Flagrante – APF; ou, III Termo Circunstanciado de Ocorrência -TCO (JECRIM) – nos casos de (MPO –Menor Potencial Ofensivo).
A notitia criminis de cognição coercitiva ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso por meio da apresentação do indivíduo preso em flagrante.
De ofício pela autoridade policial, conforme art. 5º, I, CPP, por meio de notitia criminis, que se subdivide em: Notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea) situação em que a autoridade policial toma conhecimento de um fato delituoso por meio de suas atividades rotineiras; ou notitia criminis de cognição mediata (ou provocada): a autoridade policial toma conhecimento de uma infração penal através de um expediente escrito feito por terceiro; ainda notitia criminis de cognição coercitiva: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso por meio da apresentação do indivíduo preso em flagrante.
Já a delatio criminis é a comunicação da prática de crime à autoridade policial. Nesse sentido, ela pode ser: delatio criminis simples: é a comunicação por qualquer do povo, a autoridade policial, sobre o conhecimento da existência de infração penal (art. 5º, § 3º, CPP), ou delatio criminis postulatória que consiste no requerimento do ofendido ou seu representante legal, manifestação pela qual a vítima ou seu representante legal solicitam a instauração do inquérito.
Por sua vez, a delação anônima/ apócrifa, (sem assinatura), ou (notitia criminis qualificada) é popularmente conhecida denúncia anônima, ou seja, a comunicação do delito por alguém não identificado. Delação anônima é sinônimo denúncia anônima.
O STF entende que a delação apócrifa, (sem assinatura) não autoriza o início do inquérito considerando a vedação ao anonimato (art. 5º, IV, da CF/88) e, consequentemente, a ausência de elementos idôneos sobre a existência de infração penal. Porém, o poder público, uma vez provocado por delação anônima (disque – denúncia) pode adotar medidas informais destinadas a apurar, previamente, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal.
Se constatada a infração penal, pode iniciar o inquérito, não pela mera delação apócrifa, sem assinatura, mas pela investigação e constatação da prática de um crime.
A jurisprudência do STF foi além da instauração de inquérito policial com base em noticia anônima: “não é possível decretar a medida de busca e apreensão com base unicamente em denúncia anônima, não é possível decretar interceptação telefônica com base unicamente em denúncia anônima”.
Diante de uma notícia anônima, o delegado de polícia deve instaurar uma VPI –Verificação da Procedência da Informação (art. 5, § 3º, CPP), e, procedente a informação, instaurar o devido Inquérito Policial: “§3º qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la a autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”.
Verificação da Procedência das Informações (VPI), trata-se de um instrumento investigatório simplificado para verificar a verossilhança da notícia crimins e a viabilidade da investigação, e servir de impeditivo de instauração de inquéritos policiais infundados.
Como sabemos o inquérito policial não pode ser arquivado pelo delegado de polícia (art.17, CPP), então, com o escopo de evitar a instauração de inquéritos sem base para a justa causa, o CPP trouxe esse instrumento investigatório.
A jurisprudência, igualmente, reconhece o instituto da VPI: “A instauração de VPI (Verificação de Procedência das Informações) não constitui constrangimento ilegal, eis que tem por escopo investigar a origem de delatio criminis anônima, antes de dar causa a abertura de inquérito policial”.
Destacou - se de início, entendimento da corte no sentido de que a denúncia anônima, por si só, não serviria para fundamentar a instauração de inquérito policial, mas que, a partir dela, poderia a polícia realizar diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório propriamente dito.
A simplicidade, celeridade e a informalidade são inerentes a VPI, não devendo conter expressões ou conteúdo do inquérito. Basta uma ordem da autoridade policial para que algum policial (agente ou investigador) faça o levantamento de vida pregressa do noticiado anonimamente, local do suposto crime e ao final da diligencia prévia confecciona um relatório policial opinando sobre o fato. Se procedente a informação da VPI, deve o delegado de polícia instaurar o inquérito policial imediatamente, desde que o crime seja de ação penal pública incondicionada.
As peças constantes da verificação de procedência das informações devem acompanhar o Inquérito Policial ou outro procedimento investigatório. A Verificação de Procedência das Investigações pode ser arquivada diretamente pela autoridade policial, a quem o controle, fiscalização, apreciação e decisão da verificação de procedência das informações, mediante despacho fundamentado, constatada a inocorrência de fato delituoso
Diante da notitia criminis qualificada, antes de determinar a abertura do inquérito policial, o delegado de polícia deve promover a diligencia de verificação de procedência das informações, a fim de evitar delação inescrupulosa.
Requisição do juiz ou Ministério Público, do ofendido ou de quem tiver qualidade para representa-lo nas ações privadas e nas ações públicas subsidiárias
A instauração do inquérito nos casos de requisição judicial, ou ministerial, tem natureza jurídica de um ato administrativo complexo. São plenamente constitucional o Ministério Público requisitar a instauração do inquérito, conforme art. 129, VII da CF/88. Enquanto titular da ação penal pública o Ministério Público e, portanto, destinatário final dos elementos de informação colhidos em sede de IPL, pode o Ministério Público requisitar ao delegado a realização de diligencias imprescindíveis a formação de sua opinio delicti.
A requisição é uma exigência para a realização de algo, com fundamento da lei, não podendo ser confundida com uma ordem, haja vista não haver relação de hierarquia entre o Ministério Público e polícia. Se legal, o delegado de polícia, tem o dever de realizá-lo em apreço ao princípio da obrigatoriedade que impõe as autoridades estatais, inclusive, um dever de agir de oficio diante da notícia de infração penal. Entretanto, é inconstitucional norma estadual que confere a defensoria pública o poder de requisição para instaurar inquérito policial.
Delegado de polícia pode recusar a requisição de instauração de IPL feita pelo Ministério Público ou juiz?
Sim, o delegado pode recusar a requisição, na hipótese de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade. Isso porque o delegado, é agente da administração pública tendo compromisso com a legalidade. O que o delegado não pode é negar cumprimento a uma requisição de instauração porque mera discordância. (Re 205473,1998- STF) Exemplo: requisição de instauração de IPL com base, exclusivamente, uma denúncia anônima seria um caso em que o delegado poderia recusar, de forma fundamentada, o sob o argumento da ilegalidade. A requisição não é causa de prevenção. Se a requisição partir do juiz, ele não se torna prevento por uma razão de principiológica, por ofensa a garantia do juiz natural. Ademais, não existe previsão legal para a prevenção nessas hipóteses, como se pode extrair dos artigos 75 e 83 do CPP.
Qual é a autoridade coatora para eventual Habeas Corpus Trancativo de Inquérito? Se for um Habeas Corpus trancativo de inquérito requisitado por juiz ou Ministério Público será encaminhado para onde?
Há divergência. Para a posição majoritária da doutrina e os tribunais superiores, como se trata de uma requisição (ordem), a autoridade coatora é o requisitante de modo que o Habeas Corpus deverá ser endereçado para o Tribunal de Justiça Estadual, quando investigado pela polícia civil estadual, ou Tribunal Regional Federal- TRF, quando investigado pela Polícia Federal-PF, respectivamente. Todavia, a posição minoritária da doutrina entende ser o delegado como autoridade coatora porque, embora pudesse recusar a requisição, a ela aderiu, concretizando no delegado, portanto, a ilegalidade. Assim, eventual Habeas Corpus seria encaminhado a primeira instância, estando impedido o juiz, porventura requisitante, de conhecê-lo por força do artigo 252, inciso IV do CPP, não sendo exagerado afirmar que a hipótese seria, inclusive, de incompatibilidade
Inconstitucionalidade da requisição judicial:
A doutrina majoritária entende que a requisição judicial de instauração de inquérito não foi recepcionada pelo art. 129, inciso I da CF /88, pois a instauração do Inquérito Policial se trata de atividade persecutória do estado, devendo, portanto, o magistrado se manter afastado em apreço ao sistema acusatório. Já a posição minoritária da doutrina entende que a requisição judicial não viola a constituição pois encerra uma valoração precária e uma cognição sumária incapaz de comprometer a imparcialidade do juiz. Posição majoritária e tribunal superior, como se trata de uma requisição (ordem), a autoridade coatora é o requisitante de modo que o Habeas Corpus deverá ser endereçado para o TJ ou TRF respectivo.
Em um sistema acusatório como o nosso, onde há nítida separação das funções de investigar e acusar, defender e julgar (CPP, art. 3ª, incluído pela Lei 13.964/19), não se pode permitir que o juiz instaure ou requisite a instauração de um inquérito policial. Logo, deparando se com informações acerca da prática de ilícito penal, incumbe ao magistrado tão somente encaminha-las ao órgão do Ministério Público, nos termos do art. 40 do CPP: “Quando, em autos ou papeis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”.
Requisição do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo nas ações privadas e nas ações públicas subsidiárias: se o crime for de ação privada, o inquérito só pode ser iniciado se houver requerimento, do despacho que indefere requerimento cabe recurso para o chefe de polícia.
Representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo nas ações penais públicas condicionadas. Nos crimes de ação pública condicionada o Inquérito Policial, só pode ser iniciado se houver representação. Representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo nas ações penais públicas condicionadas. Nos crimes de ação pública condicionada o Inquérito Policial só pode ser iniciado se houver representação. Considerando as hipóteses de requerimento do ofendido para abertura de inquérito policial em crimes de ação pública, é correto afirmar que o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, poderá sem ela ser iniciado.
Providências a serem tomadas pela autoridade policial, que se trata de um rol não taxativo, com base no art. 6º: “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: Dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; Apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstancias; Ouvir o ofendido; Ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; Determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; Averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para apreciação do seu temperamento e caráter; Colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa; Para verificar a possibilidade de haver a infração ter sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder a reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública. Sobre o tema, cabe analisar alguns entendimentos jurisprudenciais importantes.
A conduta de atribuir se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa, bem como não é possível a condução coercitiva por parte do investigado para interrogatório. Contudo, o STF nada disse sobre condução coercitivas das testemunhas. O CPP, ao tratar sobre a condução coercitiva, prevê o seguinte: “se o acusado não atender a intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo a sua presença”. O STF declarou que a expressão para o interrogatório prevista no art. 260 do CPP não foi recepcionada pela CF/88. Assim, não se pode fazer a condução coercitiva do investigado ou réu com o objetivo de submetê-lo ao interrogatório sobre os fatos.
Importante esclarecer que o julgado acima apenas da condução coercitiva de investigados e réus à presença da autoridade policial ou judicial para serem interrogados. Assim, não foi analisada a condução de outras pessoas como testemunhas, ou mesmo de investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento de pessoas ou coisas. Isso significa que, a princípio, essas outras espécies de condução coercitiva continuam sendo permitidas. Insta salientar que a lei de abuso de autoridade em seu art. 10 tipificou a conduta de conduzir coercitivamente, tanto o investigado quanto a testemunha, conforme o art. 10: “decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem previa intimação de comparecimento ao juízo”.
Segundo o art. 16, o pedido de novas diligencias deve ser feito diretamente entre Ministério Público e Delegado, salvo nas hipóteses de necessidade de autorização judicial se precisar de autorização, a exemplo da interceptação telefônica. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do Inquérito Policial a autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
Para o Inquérito policial de autoridades com prerrogativa de foro é necessária autorização do tribunal para instauração do inquérito policial. Há tempo o STF vem entendendo que as investigações contra autoridades com prerrogativa de foro perante o STF, submetem-se ao prévio controle judicial. A necessidade de autorização, posteriormente, foi estendida as autoridades sujeitas ao foro nos demais tribunais. Conforme jurisprudência desta corte, as investigações contra autoridades com prerrogativa de foro perante o STF submetem-se ao prévio controle judicial, circunstância que inclui a autorização judicial para as investigações. Essa atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia
Nesse contexto, e diante do caráter excepcional das hipóteses constitucionais de foro por prerrogativa de função, que possuem diferenciações em nível federal, estadual e municipal, o mesmo entendimento também é aplicável as investigações que envolvem autoridades com foro privilegiado nos tribunais de segundo grau, motivo pelo qual é necessária a supervisão das investigações pelo órgão judicial competente.
Nas hipóteses de Inquérito policial e crimes contra a ordem tributária, enquanto não encerrada, na instância fiscal, o respectivo processo administrativo, não se mostraria possível a instauração da persecução penal nos delitos contra a ordem tributária, tipificados no art. 1º da Lei nº 8.137/90. A razão é que o procedimento fiscal constitui o crédito tributário. Logo, enquanto não concluído há atipicidade penal. Se além do crime contra a ordem tributária, houver delitos, subjacentes na investigação, nada obsta a instauração do inquérito policial, ainda que seja crime contra a ordem tributária: “A instauração de Inquérito Policial para apurar outros crimes, além do previsto no art. 1º da Lei 8.037/90, não ofende o estabelecido no que enunciado pela súmula vinculante 24. Reclamação, cuja finalidade tem previsão constitucional taxativa, não admite o aprofundamento sobre matérias fáticas. A concessão de Habeas Corpus ex ofício pelo STF somente é cabível nas hipóteses em que ele poderia concedê-lo a pedido sob pena de supressão de instância.
Indiciamento é o ato formal, de atribuição exclusiva da autoridade de polícia judiciaria, delegado, que ao longo da investigação forma o seu livre convencimento no sentido de que há indícios suficientes de que um suspeito tenha praticado determinado crime. O indiciamento deve ser, necessariamente, fundamentado em despacho, no qual deve ser apontado pelo delegado a autoria, materialidade e circunstancias fáticas do fato criminoso.
Fundamento legal
Por muito tempo não havia regramento acerca de ato de indiciamento no Inquérito Policial. Contudo, com o advento da Lei nº 12.830/13, a imputação formal do investigado foi regulamentada. O art. 2º, trouxe pressupostos para indiciar alguém: “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de estado”.
O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar se a por ato fundamentado, mediante análise técnico jurídico do fato, que deverá indicar a autora, materialidade e suas circunstancias. O indiciamento é privativo do delegado de polícia, como é presidente do inquérito policial, obviamente é ele a autoridade com atribuição para o indiciamento, seja por meio do indiciamento que a autoridade policial aponta determinada pessoa como a autora do ilícito em apuração.
Por se tratar de medida ínsita a fase investigatória, por meio da qual o delegado de polícia externa o seu convencimento sobre a autoria dos fatos apurados, não se admite que seja requerida ou determinada pelo juiz, já que tal procedimento obrigaria o presidente do inquérito a conclusão de que determinado individuo seria o responsável pela prática criminosa, em nítida violação ao sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico pátrio. O juiz não pode requisitar o indiciamento em investigação criminal. Isso porque, o indiciamento constitui atribuição exclusiva da autoridade policial. Nesse sentido STF/STJ, Indiciamento é atribuição exclusiva da autoridade policial. Nesse mesmo sentido é a inteligência do art. 2º, §6º da Lei 12.830/13 que afirma que o indiciamento é ato inserto na esfera de atribuições da polícia judiciária. Não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar a força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito. Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na investigação criminal. O Sujeito passivo do indiciamento, via de regra, qualquer pessoa pode ser indiciada. Entretanto, algumas autoridades estão afastadas por lei de tal ato, como por exemplo: Membros do Ministério Público e Membros da Magistratura.
O art. 41 da Lei 8.625/93 diz que se houver indícios de crime praticados por membros do Ministério Público, os autos do Inquérito policial devem ser encaminhados ao Procurador Geral de Justiça – PGJ, a quem competir dar andamento as investigações. No mesmo sentido, é a Lei Orgânica da Magistratura, em seu art. 33, p. único da LC 35/79 onde os autos deverão ser remetidos ao TJ competente, conforme o art. 33, são prerrogativas do magistrado: “ não ser preso senão por ordem escrita do tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao presidente do tribunal a que esteja vinculado; Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indicio da pratica de crime por parte do juiz, a autoridade policial, civil, ou militar, remeterá os respectivos autos ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação”.
Constituem prerrogativa dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: “não ser indiciado em Inquérito Policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. Quando no curso de investigação, houver indicio da pratica de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento a apuração”.
A lei menciona expressamente que essas autoridades não poderão ser indiciadas no curso da investigação, nada falando acerca do indiciamento em Auto de Prisão em Flagrante- APF.
Consequências do indiciamento
Na primeira consequência é ordem prática, visto que o nome do indiciado irá constar do banco de dados da polícia na condição de indiciado. Significa que, caso ele seja abordado e realizada alguma consulta, o policial verificará que ele foi o alvo central de determinada investigação. Na segunda consequência é no aspecto jurídico, pois as medidas cautelares pessoais dependem da prova de materialidade do crime e indícios mínimos de autoria, ou seja, dos mesmos elementos do indiciamento, e naturalmente, pode ser objeto de cautelares aflitivas no curso do inquérito policial. Indica ainda que provavelmente o indiciado será submetido à fase da persecução penal. E por fim, sob o prisma social o ato de indiciamento coloca uma marca na pessoa do indiciado, que o desqualifica perante a sociedade, refletindo na vida profissional, familiar e social.
O indiciamento traz reflexos importantes na esfera jurídica de seu sujeito passivo. além de haver grande prejuízo ao indiciado em sua dimensão moral, pois passa a figurar como pessoa formalmente investigada no âmbito criminal, o ato gera registros no instituto de identificação, conforme expressamente previsto no art. 23 do CPP: “ ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao instituto de identificação e estatística , ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e a pessoa do indiciado. Além disso, há previsão expressa na Lei 9.613/98 do afastamento do servidor público indiciado por suposta prática do crime de lavagem de capitais”. Sendo o Indiciamento ato dispensável para o ajuizamento de ação penal, a norma que determina o afastamento automático de servidores públicos, por força da opinio delicti da autoridade policial, quebra a isonomia entre acusados indiciados e não indiciados, ainda que denunciados nas mesmas circunstâncias.
Ressalte se ainda a possibilidade de promoção de arquivamento do Inquérito Policial mesmo nas hipóteses de indiciamento do investigado. Por fim, destaque se que a Lei nº 10.826/2003 estabelece que: para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: “Comprovação de idoneidade com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos, de forma que eventualmente um indiciado poderá ter a autorização negada em razão dos registros de inquérito contra si”.
Caso o indiciado não seja condenado ou o inquérito policial seja arquivado, o ato de indiciamento deve ser cancelado, com o escopo de assegurar a presunção de inocência e o princípio da dignidade da pessoa humana.
Na hipótese de surgirem novos elementos informativos que indiquem que outra pessoa foi autora do crime investigado, pode o delegado de polícia promover o desindiciamento? Sim. Trata-se do ato de cassação ou revogação de anterior indiciamento. Em que pese haver divergência doutrinaria, para as provas de delegado de polícia prevalece sim. Os delegados de polícia são agentes da administração pública e possuem o poder de autotutela, estampado na sumula 473 do STF, de modo que podem rever seus atos quando eivados de vícios. Nesse sentido, o desindiciamento pode ser feito, não apenas pelo delegado, mas também pelo poder judiciário, uma vez verificada a ilegalidade daquele indiciamento. Em outras palavras, o indiciamento é privativo do delegado, mas o desindiciamento pode ser feito pelo próprio delegado, mas também poderá ser feito pelo poder judiciário se reconhecido constrangimento ilegal no julgamento de um Habeas Corpus.
O momento do indiciamento ocorre quando a autoridade policial reúne os elementos de convicção, que indicam a autoria e materialidade do crime investigado. Não há lei, um momento especifico para indiciar. Assim, pode ser feito no início do inquérito policial, ou nas hipóteses de flagrante delito em que o indiciamento é automático, durante as investigações, ao final, dentro do relatório expedido pelo delegado de polícia. Via de regra, o momento adequado para o ato de indiciamento ocorre quando a autoridade policial reúne os elementos de convicção, que indicam a autoria e materialidade do crime investigado. O indiciamento não pode ser realizado após o oferecimento da denúncia, sob pena de configurar abuso de autoridade e constrangimento ilegal.
Havendo repercussão interestadual que exija repressão uniforme, o delegado da Polícia Federal poderá apurar crimes cuja apuração seja de competência da justiça estadual, não havendo mácula apta a invalidar a produção de prova.
Entre as espécies de indiciamento, tem-se o indiciamento material que é um ato decisório do delegado de polícia, onde ele expõe um substrato fáticos e jurídicos que justificam a imputação do crime ao investigado. Ou seja, nada mais é do que a fundamentação do ato do indiciamento. É a análise técnica- jurídica, e o indiciamento formal, que por sua vez, é constituído por peças essenciais para formar a convicção da autoridade para o indiciamento material, utiliza peças como: Boletim de vida pregressa, Auto de qualificação e interrogatório. Já o indiciamento coercitivo: é aquele decorrente do auto de prisão em flagrante, uma vez que os pressupostos do indiciamento são quase os mesmos da lavratura do APF. Quem é preso em flagrante, inevitavelmente está indiciado, pois, diante do flagrante temos a prova da materialidade do crime, indícios de autoria e circunstancias fáticas. Nesse momento não realizamos um juízo de certeza e sim de mera probabilidade. Uma vez que, o Delegado de polícia trabalha com indícios e não com provas, pois quem trabalha com provas é juiz e Ministério Público. Nas Provas cabem contraditório e ampla defesa, no Inquérito Policial, por ser um procedimento inquisitório administrativo não há contraditório nem ampla defesa. No Indiciamento indireto é realizado quando o investigado não é encontrado, estando em local incerto e não sabido. Já o Indiciamento direto, é aquele realizado quando o investigado é encontrado e está presente. O Indiciamento complexo trata- se de procedimento adotado em situações em que o investigado dispõe por foro por prerrogativa de função. Logo, se a decisão sobre o ato de indiciamento não pode ser tomada de forma direta pelo delegado de polícia, dependendo de manifestação do judiciário, obviamente estamos diante de um ato complexo, em analogia com a classificação em relação aos atos administrativos.
Efeito Podrômico do Indiciamento
Ainda com base nos ensinamentos dos administrativistas, o efeito preliminar do ato administrativo (efeito indireto) é que a representação pelo indiciamento de alguém com foro por prerrogativa de função faz surgir o dever da autoridade judicial se manifestar para que o ato se aperfeiçoe. A representação constitui uma exposição dos fatos, seguida de uma sugestão juridicamente fundamentada. Indiciamento envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função, em regra, a autoridade com foro por prerrogativa de função pode ser indiciada. Mas existem duas exceções em lei de autoridades que não podem ser indiciadas: Magistrados e Membros do Ministério Público. Excetuadas as hipóteses legais, é plenamente possível o indiciamento de autoridade com foro por prerrogativa de função (não há dispositivo legal que vede expressamente o indiciamento). No entanto, para isso, é indispensável que a autoridade policial obtenha uma autorização do tribunal competente para julgar esta autoridade. Exemplo: em um inquérito criminal que tramita no STJ para apurar crime praticado por governador de estado, o delegado de polícia constata que já existem elementos suficientes para realizarem o indiciamento do investigado. As normas da CF/88 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele. Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como deputado federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instancia mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal. Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado. Nesse sentido, foi fixada a seguinte tese: “ O foro por prerrogativa de função aplica se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados as funções desempenhadas”. Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava qualquer que seja o motivo. O STF adotou uma interpretação restritiva do foro de prerrogativa de função previsto na CF/88 para os parlamentares federais. Redução teleológica ou técnica da dissociação consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente a uma ou algumas das situações de fato que a interpretação literal prevê para adequá-las a finalidade da norma. Antes diante da interpretação literal do foro, o STF entendia que toda a investigação de autoridade com foro no STF deveria ser supervisionada pelo ministro relator, exigindo desde a autorização previa para instaurar e autorização para promover o indiciamento.
Investigações criminais envolvendo deputados federais e senadores
Se o crime ocorreu antes da diplomação podem investigar a Polícia Civil Estadual, a Polícia Federal e o Ministério Público. Se o crime foi praticado depois da diplomação, durante o exercício do cargo, mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas, e o delito está relacionado com as funções desempenhadas a Polícia Federal pode investigar, com supervisão judicial do STF, pois nesses casos, há necessidade de autorização do STF para o início das investigações.
Indiciamento em crime de menor potencial ofensivo
Como os Crimes de Menor Potencial Ofensivo devem observância aos institutos despenalizadores não é adequado o ato do indiciamento nesses crimes, haja vista que nem pode haver processo por força da transação penal, quiçá indiciamento. Nesses crimes, a pratica é o ato de um simples apontamento, como nos casos de adolescentes em prática de ato infracional.
Constituição de defensor quando o investigado for integrante da segurança pública
O artigo14-A, preceitua que, nos casos em que servidores da segurança pública vinculados as instituições dispostas no art. 144 da CF/88 figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada. O indiciado poderá constituir defensor e deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de 48 horas a contar do recebimento da citação. A autoridade policial ao identificar que o suspeito é agente de segurança pública ou militar e os fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, deverá citar o investigado, intimar, para que o investigado constitua defensor em até 48 horas, indique defensor para a representação do investigado. Esgotado o prazo e não nomeado o defensor pelo investigado, a autoridade policial deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 horas, indique defensor para a representação do investigado. Assim, operando - se o decurso do prazo de 48 horas a contar do recebimento da notificação, essa atribuição recairá, preferencialmente, sobre a Defensoria Pública. Na eventualidade de não haver defensor público na área territorial onde tramita o procedimento investigatório, e com atribuição para nele atuar deverá ser lavrada uma manifestação nesse sentido, quando, então, será possível a indicação de um profissional da advocacia que não integra os quadros próprios da administração para acompanhar e realizar todos os atos relacionados a defesa administrativa do investigado. Nesse caso, os custos com o patrocínio dos interesses dos investigados correrão por conta do orçamento próprio da instituição a que o servidor estivesse vinculado a época da ocorrência dos fatos investigados a constituição de defensor pelo servidor não é condição sine qua non para o prosseguimento das investigações.
Ainda que o investigado não tenha constituído advogado e ainda que a instituição a que o agente público estava vinculado à época dos fatos não indique defensor para a sua representação, isso jamais poderá funcionar como óbice ao prosseguimento das investigações. Não há no CPP um dispositivo específico sobre as hipóteses de arquivamento. Entretanto, a doutrina se vale da combinação dos artigos 395 c/c 397, ambos do CPP, pois são as hipóteses de rejeição da denúncia e absolvição sumária e podem a luz do art. 3º do CPP, serem aplicadas por analogia a decisão que determinava o arquivamento do inquérito policial.
Arquivamento
O Arquivamento ocorre quando da rejeição da denúncia pelo Ministério Público. O art. 395, do CPP: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, faltar justa causa para o exercício da ação penal”. Após o cumprimento do disposto no art. 396 do CPP, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: “ A existência manifesta de causa de excludente da ilicitude do fato; a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; que o fato narrado evidentemente não constitui crime; extinta a punibilidade do agente”.
Atipicidade formal ou material
Atipicidade formal consiste num juízo de adequação, que consiste em verificar se a conduta se adequa ao tipo penal e ocorre quando conduta não se encaixa em nenhum tipo penal. Atipicidade material guarda relação com a incidência do princípio da insignificância ou bagatela. São exemplos de atipicidade: “ Excludente da ilicitude ou da culpabilidade, salvo inimputabilidade, no caso de inimputável deve ser denunciado, porem com pedido de absolvição imprópria para aplicação de Medida de Segurança; Causa extintiva da punibilidade; Ausência de elementos informativos quanto a autoria e materialidade”.
Causa da maior parte dos arquivamentos.
Ocorre quando as investigações não avançam no que tange a determinação da autoria e materialidade, e por isso, o Ministério Público promove o arquivamento.
Arquivamento determinado por juiz incompetente
Alguns doutrinadores entendem que não haveria a produção de coisa julgada formal ou material. No entanto, prevalece nos tribunais que a decisão dada por juízo absolutamente incompetente não é inexistente, mas, no máximo, nula. Caso a nulidade não tenha sido proclamada no momento oportuno, a decisão terá o condão de produzir seus efeitos válidos (...) a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial- IP, quando fundando o pedido do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão, produz coisa julgada material, que ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente incompetente impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio.
Crimes contra a economia popular ou contra a saúde pública há previsão de reexame necessário também chamado de recurso de ofício (duplo grau obrigatório) conforme art. 7º: “Os juízes recorrerão de ofício sempre que absolverem os acusados, em processo por crime contra a economia popular ou contra a saúde pública, ou quando determinarem o arquivamento dos autores do respectivo inquérito policial”. Não se aplica ao tráfico de drogas, mesmo sendo um crime contra a saúde, em razão da especialidade. Nas Contravenções do jogo do bicho e corrida de cavalos fora do hipódromo cabe Recurso Especial. Na LCP quando qualquer do povo provocar a iniciativa do Ministério Público, nos termos do art. 27 do CPP, para o processo tratado nesta lei, a representação, depois do registro pelo distribuidor do juízo, será por este enviada, incontinenti, ao promotor público, para fins legais. Parágrafo único: se a representação for arquivada, poderá o seu autor interpor recurso no sentido estrito”. O dispositivo deve ser interpretado na forma do art. 28, §1º do CPP, devendo o recurso ser encaminhado ao órgão ministerial, depois o Juiz arquiva o inquérito de ofício sem iniciativa do Ministério Público, porém parte da doutrina sustentava o cabimento de correição parcial. Com a reforma, nos parece que faltaria interesse de agir, visto que a decisão poderá ser revista pelo órgão ministerial de revisão.
Arquivamento nas hipóteses de atribuição originária do PGJ
O colégio de procuradores de justiça é composto por todos os procuradores de justiça, competindo-lhe: XI– rever, mediante requerimento de legítimo interessado, nos termos da lei orgânica, decisão de arquivamento de Inquérito Policial ou peças de informações determinada pelo procurador geral de justiça, nos casos de sua atribuição originária. Por fim, destaca-se a excepcionalidade reconhecida pela jurisprudência em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher: “A decisão que homologa o arquivamento do inquérito que apura violência doméstica e familiar contra a mulher deve observar a devida diligência na investigação e a observância de aspectos básicos do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça, em especial, quanto a valoração da palavra da vítima, corroborada por outros indícios probatórios que assume inquestionável importância”.
Por ausência de previsão legal, a jurisprudência majoritária, só o STJ compreende que a decisão do juiz singular que, a pedido do Ministério Público, determina o arquivamento de inquérito policial, é irrecorrível. Todavia, em hipóteses excepcionalíssimas, nas quais há flagrante violação a direito líquido e certo da vítima, esta corte superior tem admitido o manejo do Mandado de Segurança para impugnar decisão de arquivamento.
A admissão do Mandamus na espécie encontra fundamento no dever de assegurar as vítimas de possíveis violações de direitos humanos, como ocorre nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o direito de participação em todas as fases de persecução criminal, inclusive, na etapa investigativa, conforme determinação da corte interamericana de direitos humanos em condenação proferida contra o estado brasileiro. Assim, além das hipóteses de recursos que foram mantidas, a vítima ou seu representante legal poderão recorrer, no prazo de trinta dias do recebimento da comunicação, submetendo a matéria ao órgão de revisão ministerial
Arquivamento da ação penal privada
Ocorre por pedido expresso do querelante, que será considerado renúncia e acarretará a extinção da punibilidade ou com transcurso do prazo de seis meses para exercício do direito de queixa.
Arquivamento implícito
Entende-se por arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação penal deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados sem expressa manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o juiz não se pronuncia na forma do art. 28 com relação ao que foi omitido na peça acusatória.
Em apreço ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, se o Ministério Público não inclui na denúncia todos os crimes e ou indiciados é porque reconheceu implicitamente a falta de justa causa. E se o juiz recebe a denúncia sem ressalvas é porque implicitamente comungou da mesma orientação operando se a partir do regimento da denúncia o arquivamento implícito.
A jurisprudência e a doutrina não admitem o arquivamento implícito, porque a simples omissão não implica arquivamento e o pedido de arquivamento deve ser fundamentado. Todo arquivamento somente produz efeito se for um arquivamento explicito. Havendo omissão a respeito de um dado objetivo ou subjetivo do inquérito, deve se presumir que as investigações, quanto as partes omissas continuam em aberto.
O Arquivamento indireto ocorria quando o magistrado não concordava com o pedido de declinação de atribuição formulado pelo órgão ministerial. Juiz recebe a manifestação como se fosse um pedido de arquivamento e aplica, por analogia, o art. 28 do CPP, leia-se, homologa ou não e, caso não homologue, remete os autos a PGJ.
A coisa julgada na decisão do arquivamento ocorre quando estamos diante de uma decisão judicial que não comporta mais recurso, tornando se imutável. Coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão no processo em que foi proferida. Neste processo não poderá ser modificada, mas em outro sim. Coisa julgada material, pressupõe a formal, é a imutabilidade da decisão fora do processo no qual aquela foi proferida. A depender do fundamento utilizado na promoção de arquivamento irá ocorrer coisa julgada formal ou coisa julgada formal e material.
São fundamentos do arquivamento: “ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação- que faz coisa julgada formal e a decisão do processo não muda; falta de justa causa; a justa causa, é, pois a exigência de que a ação penal esteja acompanhada de um lastro probatório suficiente, apontando indícios de autoria e materialidade capazes de legitimar a instauração do processo penal, não obstante suas graves consequências; Excludente de ilicitude; está relacionada a ação que apesar de preenchida a tipicidade não é considerada ilícita, devido a algum (motivo legal), como Estado de Necessidade, Legítima Defesa ou Estrito Cumprimento de Dever Legal. Embora a conduta seja típica não é punível. Porém há divergência jurisprudencial, para o STJ, faz coisa julgada material, imutabilidade fora do processo. Já para o STF coisa julgada formal a decisão do processo não muda.
Excludente de culpabilidade
A excludente de culpabilidade refere-se a circunstâncias específicas que isentam o indivíduo da culpa por um ato delituoso. Essas condições conhecidas como causas de inimputabilidade, estão previstas no CPB e incluem condições como: Doença mental, Menoridade penal, Coação irreprimível e embriaguez involuntária. A excludente de culpabilidade faz coisa julgada material (exceto inimputabilidade).
Em casos onde se aplica, a excludente de culpabilidade afasta ou exclui a culpa do sujeito deixando de caracterizar o delito. A excludente de culpabilidade reconhece que quem não tinha plena consciência da ilicitude desse comportamento ou não podia agir de maneira diferente. Já a excludente de punibilidade faz coisa julgada material (exceto no caso de certidão de óbito falsa).
Trata-se da perda do direito do estado de punir o agente autor de fato típico e ilícito, a extinção da punibilidade acontece quando não há mais como se impor ao réu ou condenado a sanção penal, embora exista conduta delituosa, a possibilidade jurídica de imposição de pena desaparece. São tipos de Extinção da Punibilidade: Morte do agente, Anistia graça ou indulto, Retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminosos, Prescrição, decadência ou perempção, Renúncia do direito de queixa ou perdão aceito, nos crimes de ação privada, Retratação do acusado, Perdão judicial.
Atipicidade do fato refere-se a situações em que, embora o sujeito tenha praticado o fato descrito na lei penal, este não se enquadra na descrição de um crime, afastando assim a tipicidade. Aplica-se nas situações em que o fato praticado não se encaixa no conceito de crime.
O STF pode, de ofício, arquivar inquérito quando, mesmo esgotados os prazos para conclusão das diligencias, não foram reunidos indícios mínimos de autoria ou materialidade. A decisão de arquivamento de inquérito policial lastreada na atipicidade do fato toma força de coisa julgada material, sendo manifestamente incabível a reabertura do feito por meio de correição parcial. A pendencia de investigação, por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente, ofende o direito razoável duração do processo, e a dignidade da pessoa humana.
Como o arquivamento do inquérito não é ato jurisdicional típico, desenvolvendo se em uma etapa pré-processual, não haveria de se falar em coisa julgada doutrina minoritária. Ato que ocorre apenas no âmbito ministerial. Destaca-se que a Corte Suprema conferiu interpretação conforme ao art. 28, permitindo que o juiz poderá atuar, encaminhando o arquivamento a revisão da instancia competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia (monstruosidade decisão absurda) no ato do arquivamento: “Ordenado o arquivamento do inquérito policial, ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público, comunicará a vítima, ao investigado e a autoridade policial, e após encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei”.
Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de trinta dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria a revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da união, estados e municípios a revisão do arquivamento do Inquérito Policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.
O STF, por maioria, atribuiu interpretação conforme ao caput do art. 27 para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos de mesma natureza, o Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e a autoridade policial, podendo encaminhar os autos ao procurador geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver para fins de homologação. O Procurador Geral de Justiça, se entender que é caso de arquivamento do procedimento de investigação criminal (PIC) por ausência de provas, não precisa submeter essa decisão de arquivamento a apreciação do tribunal de justiça, não se aplicando, nesta hipótese, o art. 28 do CPP. O arquivamento do PIC, promovido pelo PGJ, nos casos de sua competência originária, não reclama previa submissão ao poder judiciário, pois este arquivamento, que é por ausência de provas, não acarreta coisa julgada material. O chefe do Ministério Público Estadual é a autoridade própria para aferir a legitimidade do arquivamento do PIC, logo, descabe a submissão da decisão de arquivamento ao poder judiciário.
A partir de agora, não basta para o arquivamento de investigações criminais a promoção de arquivamento feita pelo promotor natural do feito, passa a ser necessária, também, a confirmação (homologação) dessa decisão de arquivamento por órgão de revisão do Ministério Público. O arquivamento, portanto, será feito em duas etapas, asseguradas a cientificarão do investigado e da vítima. Ademais, institui se a possibilidade de recurso em face dessa decisão de arquivamento.
Discussão da natureza jurídica do arquivamento
A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial tem natureza de decisão judicial, porque oriunda do poder judiciário, em outras palavras de decisão administrativa em sentido lato. A aludida decisão tem natureza de despacho judicial de expediente observa-se, entretanto, que o juiz pode, acolhendo parecer do ministério público, no sentido de haver insuficiência de provas para o oferecimento da denúncia determinar o arquivamento como providencia meramente administrativa.
Agora passa a ser uma decisão de natureza administrativa e que não se submete ao crivo judicial em respeito ao sistema acusatório, pois o arquivamento passa a ser realizado apenas no âmbito do Ministério Público.
Decisão de arquivamento
O órgão do Ministério Público comunicará a vítima, ao investigado e a autoridade policial. Após o órgão do Ministério Público encaminhará os autos para instancia de revisão ministerial para fins de homologação. A vítima poderá no prazo de trinta dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria a revisão na instancia de revisão ministerial. Crimes praticados em detrimento da quem, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. A vítima ou a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria a revisão da instancia competente do pregão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia (monstruosidade ou decisão absurda) no ato de arquivamento. A decisão de arquivamento fica adstrita ao âmbito do ministério público, isto é, uma providência meramente administrativa, em observância ao sistema acusatório. Entretanto o STF, ao conferir interpretação conforme aos dispositivos que disciplinam o arquivamento decidiu que o Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente. Cumpre destacar que a possibilidade de desarquivamento pressupõe que a decisão de arquivamento tenha se pautado em hipóteses que apenas formou coisa julgada formal (arquivamento por falta de lastro probatório) posto que pautada na cláusula rebus sic stantibus na qual, mantidos os pressupostos fáticos que serviram de amparo ao arquivamento, esta decisão deve ser mantida, modificando se o panorama probatório, nada impede o desarquivamento do inquérito policial, cumpre informar o art. 18, CPP: “depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras tiver notícia”.
Desarquivamento do inquérito e a sua propositura de ação penal
O inquérito policial só pode ser desarquivado se a autoridade policial tiver obtido notícias de provas novas. A possibilidade de desarquivamento pressupõe que a decisão de arquivamento tenha se pautado em hipóteses que apenas formou coisa julgada (arquivamento por falta de lastro probatório). Para o delegado de polícia proceder a novas pesquisas, dando continuidade as investigações, basta que haja notícias de provas novas. Por outro lado, para o Ministério Público dar início a uma nova ação penal, não basta haver notícias de provas novas, é necessário que existam efetivamente provas novas. Basicamente este é o entendimento jurisprudencial da Súmula 524 do STF: “arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.
Desarquivar significa reabrir as investigações, sendo suficiente para tal a notícia de provas novas.
Quem é responsável pelo desarquivamento do inquérito policial?
Há doutrinadores que entendem que é a autoridade policial. De acordo com o art. 18 do CPP, depois de arquivado o inquérito policial por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver noticia
Por questões práticas, como: os autos do inquérito policial ficam arquivados perante o poder judiciário, leia-se juiz das garantias- tão logo tome conhecimento da notícia de provas novas, deve a autoridade policial representar ao Ministério Público, solicitando o desarquivamento físico dos autos para que possa proceder a novas investigações. Porém a doutrina majoritária defende que o desarquivamento compete ao Ministério Público, titular da ação penal pública. E por consequência, destinatário final das investigações policiais.
Diante de notícia de prova nova ao Ministério Público encaminhada seja pelo delegado ou terceiros, deve promover o desarquivamento, solicitando a autoridade judiciária o desarquivamento físico dos autos.
Caso haja dificuldades de promover o desarquivamento do inquérito policial, nada impede o Ministério Público requisite a instauração de outra investigação social.
Qual conceito de provas novas?
São aquelas capazes de alterar o contexto probatório dentro do qual foi proferida a decisão de arquivamento. Prova formalmente nova consiste na prova que já era conhecida mas ganhou nova versão após o arquivamento. Exemplo: mudança no depoimento testemunha. Prova materialmente ou substancialmente nova é a prova inédita, desconhecida, que estava oculta por ocasião do arquivamento. São os requisitos necessários a caracterização da prova autorizadora do desarquivamento de inquérito policial; que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anteriormente desconhecidos; que sejam apresentados novos fatos, anteriormente desconhecidos; que seja substancialmente nova, isto é, tenha idoneidade para alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; seja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento. Preenchidos os requisitos, isto é, tida a nova prova por pertinente aos motivos declarados para o arquivamento do inquérito policial, colhidos novos depoimentos, ainda que de testemunha anteriormente ouvida, e diante da retificação do testemunho anteriormente prestado é que se pode concluir pela ocorrência de novas provas suficientes para o desarquivamento do inquérito policial e o consequente oferecimento da denúncia.
O STJ tem precedente afirmando que mudança de entendimento jurisprudencial sobre aspectos jurídicos da situação fática apreciada no procedimento investigatório arquivado não autoriza o desarquivamento do inquérito policial.
E qual é a natureza jurídica de provas novas?
A descoberta de provas novas funciona como condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. Em regra, é possível desarquivar o inquérito policial, reiniciar as investigações quando fundamentado na falta de justa causa para ação penal, ou seja, falta de materialidade e indícios suficientes de autoria ou lastro probatório.
Trancamento ou encerramento anômalo do inquérito policial
O trancamento por sua vez é determinado pelo juiz quando a mera tramitação do inquérito policial configura um constrangimento ilegal contra o paciente. Trata-se de medida de força que acarreta a extinção prematura das investigações quando a mera tramitação do inquérito policial configurar constrangimento ilegal. O trancamento do inquérito policial é uma medida de natureza excepcional somente sendo possível quando: “Não houver qualquer dúvida sobre a atipicidade (formal/material) da conduta; presença de causa extintiva da punibilidade o estado não pode mais punir; ausência de justa causa que é a ausência de materialidade da conduta e indícios suficientes de autoria lastro probatório; Extinção da ilicitude (extinção do fato típico); Estrito cumprimento do dever legal; Legitima defesa; Estado de necessidade. Nesses casos o estado não pode mais punir. Salienta se que o instrumento adequado para o trancamento do inquérito policial é o Habeas Corpus, nos casos em que há liberdade de locomoção e Mandado de Segurança, nos casos de pessoa jurídica, em que não há risco a liberdade de locomoção. Exemplo: Pessoa Jurídica investigada por crime ambiental, para o trancamento do inquérito policial pode impetrar o Mandado de Segurança.
Conceder- se a Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. A Súmula 693, STF: “não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa; ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja única cominada”.
Competência para julgamento de habeas corpus em caso de pleito pelo trancamento
Quando o Inquérito for instaurado pelo delegado de polícia (autoridade coatora), caberá ao juiz de primeira instância. Quando o Inquérito for instaurado por requisição do Ministério público (autoridade coatora), caberá ao tribunal competente para julgar originariamente.
Relatório da autoridade policial
O inquérito deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de trinta dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela, nesse caso, a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente, no relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas, e quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligencias, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.
O relatório de peça elaborada pela autoridade policial (delegado de polícia) de conteúdo eminentemente descritivo, onde deve ser feito um esboço das principais diligências realizadas na investigação criminal. A produção do relatório não é condição sine qua non para o oferecimento da denúncia. Se nem mesmo o inquérito policial é indispensável para o oferecimento da ação penal, tampouco o relatório o será. Contudo, trata se de um dever legal do delegado, sob pena de ser responsabilizado disciplinarmente. Entretanto, cabe destacar disposição legal específica no que se refere a Lei de Drogas. Findos os prazos a que se refere o art. 51, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: “Relatará sumariamente as circunstancias do fato, justificando as razões que a levaram a classificação do delito, indicando a quantidade e a natureza da substância ou produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente.
Via de regra, o relatório é peça meramente descritiva, que aborda somente as diligencias realizadas. Exceção: Na Lei de Drogas, o delegado deve emitir um juízo de valor sobre as circunstâncias do crime. Ocorre que esse raciocínio é ultrapassado. Dizia ser que o delegado faz apenas um juízo de tipicidade. Contudo, o direito penal adota o conceito analítico de crime, crime é fato típico, ilícito e culpável. Portanto, para que haja adequação típica em sentido lato é necessário que todos os elementos do fato estejam presentes.
Para onde o delegado de polícia deve enviar o relatório?
O CPP prevê que o relatório deve ser enviado ao juiz competente. Os Tribunais superiores asseveram a constitucionalidade do dispositivo, uma vez que o encaminhado ao juiz é meramente administrativo. Magistrado redireciona automaticamente os autos ao Ministério Público. Isso, portanto, não tem o condão de comprometer o sistema acusatório do processo. Ocorre que esse raciocínio é ultrapassado. Dizia ser que o delegado de polícia faz apenas um juízo de tipicidade. Contudo, o direito penal adota o conceito analítico de crime. Crime é fato típico, ilícito e culpável. Portanto, para que haja adequação típica em sentido lato é necessário que todos os elementos estejam presentes.
Para a doutrina majoritária, a doutrina garantista sustenta que o envio do relatório final realizado pelo delegado ao juiz ofende o sistema acusatório. O certo seria encaminhá-lo diretamente ao Ministério Público, por ser ele o destinatário final do inquérito policial.
Não é ilegal a portaria editada por juiz federal estabelece a tramitação direta de inquérito entre a Polícia Federal, de fato, o inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a informatio delicti – STF.
Nesse desiderato, a tramitação direta de inquéritos entre a polícia judiciaria e o órgão de persecução criminal traduz expediente que, longe de violar preceitos constitucionais, atende a garantia da duração razoável do processo – pois lhe assegura célere tramitação – bem como os postulados da economia processual e da eficiência. Ressalte se que tal constatação não afasta a necessidade de observância, no bojo de feitos investigativos, da chamada cláusula de reserva de jurisdição, qual seja, a necessidade de prévio pronunciamento judicial quando for necessária a adoção de medidas de prévio pronunciamento judicial, quando for necessária a adoção de medidas que possam irradiar efeitos sobre as garantias individuais. Ademais, não se pode alegar que haveria violação do princípio do contraditório e do princípio da ampla defesa ao se impedir o acesso dos autos de inquérito pelos advogados, o que também desrespeitaria o exercício da advocacia como função indispensável a administração da justiça e o próprio estatuto da advocacia, que garante o amplo acesso dos autos pelos causídicos. Os advogados têm direito a examinar os autos do inquérito, devendo em caso de extração de copias, apresentar seu requerimento por escrito a autoridade competente.
Ainda que haja determinação legal para que a Polícia Civil dê prioridade à criação de Delegacias especializadas de Atendimento à mulher – DEAM, Núcleos Investigativos de Feminicídio e mantenha equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a Mulher, ainda é pouco significativo o número de tais espaços neste imenso Brasil. Era desastrosa- para dizer o mínimo - a forma como a violência contra a mulher era enfrentada no país, principalmente após a Lei dos Juizados Especiais que considerou a lesão corporal leve crime de pequeno potencial ofensivo, cujo desencadeamento era condicionado à representação da vítima. Ninguém duvida que este é o crime que mais vitimiza as mulheres no ambiente doméstico. E dela, fragilizada, que tem enorme dificuldade de denunciar a violência, exigir ainda que represente contra o agressor era colocá-la em situação de mais vulnerabilidade. Às claras o agressor tudo fazia para que desistisse da representação. Das promessas de não mais agredir, até agredi-la mais ainda. Uma das consequências favoráveis da Lei Maria da Penha é o caráter de formação de uma autoridade policial mais participativa, mais protetiva e mais zelosa no atendimento à vítima. A polícia judiciária retomou os procedimentos investigatórios com a instauração de inquérito policial. Havendo risco à vida ou à integridade física da vítima ou de seus dependentes, o agressor deve ser imediatamente afastado do lar. Esta é a providência a ser tomada pela autoridade judicial. No entanto, nos municípios que não são sede de comarca, cabe à polícia civil realizar esta diligência. Inclusive a autoridade policial pode promover o afastamento quando não houver delegado disponível no momento da denúncia. Nessas hipóteses, no prazo de vinte e quatro horas, deve haver a comunicação ao juiz da medida aplicada, a quem cabe, em igual prazo, manter ou revogar a providência policial, dando ciência ao Ministério Público. Às claras que este alargamento de competência, para que a polícia civil e militar assegure o direito à vida da mulher e sua família não afeta e nem diminui a atividade jurisdicional. Nada tem de inconstitucional. Simplesmente atenta a uma realidade: que a violência acontece em todos os lugares. E não há como a justiça se fazer presente com a urgência necessária. Como a polícia militar dispõe de uma rede que alcança os lugares menores e mais distantes, muitas vezes é o único representante do Estado, não havendo qualquer motivo para impedir que aja frente a uma situação de violência. Além de registrar a ocorrência e presidir o inquérito, tem o dever de atender à requisição de força policial solicitada pelo juiz ou pelo Ministério Público. Dispõe a polícia de mais uma atribuição. Deve proceder à prisão do agressor sempre que tomar conhecimento – ou for comunicada – de que a medida protetiva de urgência deixou de ser cumprida. Apesar de ser de responsabilidade da justiça a intimação do ofensor, o oficial de justiça conta com o auxílio do aparato policial. Nestes aspectos emerge a relevância da capacitação dos agentes policiais nos temas correlatos à violência doméstica, bem como a apreciação técnica das situações concretas por profissionais habilitados – psicólogos e assistentes sociais, entre outros -, que possam orientar a autoridade policial e mesmo sugerir alternativa viáveis de proteção. Diante de uma situação doméstica ou grave ameaça, a mulher não pode se calar. Deve procurar a polícia e registrar a ocorrência na delegacia onde acontecem os fatos, na do local em que se encontra ou onde ela reside. Requerida a concessão de medidas protetivas, o procedimento deve ser encaminhado ao juízo da mesma comarca. Ele é o competente para apreciá-las. Com relação ao inquérito policial, deve ser presidido pela autoridade policial do local dos fatos. Deste modo, procedido ao registro da ocorrência em outra cidade, deve ser feita a devida comunicação, acompanhada de cópia do expediente das medidas protetivas encaminhado à justiça. Como a competência jurisdicional também é a do local dos fatos, concluído o inquérito, cabe a remessa ao respectivo juízo. A vítima deve procurar – onde existir – a Delegacia especializada de atendimento à mulher, a vítima deve comparecer à Delegacia de Polícia mais próxima. Bem como se a situação de violência ocorre fora do horário de atendimento das delegacias especializadas. Mesmo as delegacias não especializadas devem contar com servidores previamente capacitados e, de preferência, do sexo feminino, pois a mulher tem direito de receber atendimento policial e pericial especializado e ininterrupto. As delegacias – todas elas, especializadas ou não – precisam dispor de um recinto especialmente projetado e com equipamentos próprios e adequados à idade da mulher e ao tipo e à gravidade da violência doméstica. Neste espaço também serão ouvidas as testemunhas, de modo a garantir o direito de privacidade da vítima. Quando uma mulher se dirige à delegacia alegando ser vítima de violência doméstica, não necessita estar acompanhada de advogado, é garantido a ela acesso aos serviços da Defensoria Pública ou Assistência judiciária gratuita. Caso não tenha procurador, deve ser designado um defensor público para prestar-lhe atendimento específico e humanizado. Mesmo assim, colhido o seu depoimento, feito o registro de ocorrência, tomados a termo a representação e o pedido de providência urgentes sem a presença de advogado ou defensor, nada disso compromete a higidez de qualquer desses atos. A primeira providência da autoridade policial é ouvir a vítima. Conforme recomenda a Lei Maria da Penha, sua escuta deve ser feita preferentemente por servidora do sexo feminino, e em um ambiente reservado e especialmente equipado para este fim. É necessário que a integridade física, psíquica e emocional da denunciante seja resguardada. A depender do seu estado de vulnerabilidade a inquirição poderá ser intermediada por profissional especializado em violência doméstica e integrante da equipe multidisciplinar da polícia ou da justiça. Indispensável evitar a revitimização da mulher. Devem ser evitados questionamentos sobre a vida privada e inquirições sucessivas sobre o mesmo fato. Em hipótese nenhuma, vítima, familiares e testemunhas podem ter contato direto com o investigado ou suspeito e com pessoas a eles relacionadas. Os depoimentos serão registrados em meio eletrônico ou magnético, devendo a mídia ou a degravação integrar o inquérito policial. Ouvida a vítima e as testemunhas que a acompanharam, cabe a autoridade policial proceder ao registro da ocorrência. Nesta oportunidade a vítima deve ser esclarecida a respeito de seus direitos e das medidas protetivas que pode pleitear. Também deve ser informada dos serviços disponíveis que existem para socorrê-las. Caso o delito imputado ao agressor seja de ação pública incondicionada, a vítima deve ser esclarecida de que não há como tirar a queixa, ou seja, desistir do processo. Atribuída ao agressor a prática de contravenção ou delito cuja ação seja privada ou pública condicionada, à autoridade policial cabe explicar à vítima da possibilidade de representar ou não contra o agressor. Também precisa ser informada de que, feita a representação, só poderá desistir perante o juiz. Do mesmo modo deve ser esclarecida que, se não representar, poderá fazê-lo no prazo de seis meses. Quando do registro da ocorrência a autoridade policial deve preencher o formulário nacional de avaliação de risco, a ser anexado ao procedimento de medida protetiva e ao inquérito policial. Na hipótese de a vítima requerer a aplicação de medidas protetivas, mas atribuir ao agressor agir atípico, que não corresponda a algum delito ou contravenção elencado como ato infracional, nem por isso a autoridade policial pode negar-se a proceder ao registro da ocorrência e remeter a juízo o expediente solicitando a aplicação da medida requerida. Deste modo, é de todo descabida a prática adotada por algumas delegacias de polícia, de não lavrar o registro de ocorrência por falta de tipicidade do ato praticado pelo agressor. Tal agir deixa de assegurar à vítima o direito fundamental de viver sem violência. De um outro lado, simplesmente sugerir à vítima que procure um advogado ou a defensoria pública para que a proteção seja efetivada através do juízo de família é desconhecer que estes mecanismos não têm como dar uma resposta com urgência que a violência intrafamiliar exige. A representação é condição para o desencadeamento da ação penal e não para o pedido de medida protetiva. Caso a vítima não represente contra o agressor, mas solicite a aplicação de medida protetiva, indispensável a remessa do procedimento a juízo para apreciação do pedido. Em se tratando de ação pública incondicionada – como o próprio nome diz – o desencadeamento do inquérito independe da vontade da vítima. Basta que tenha comparecido à polícia para proceder ao registro da ocorrência. Também quando a autoridade policial tem conhecimento ou é informada da prática de algum crime, deve instaurar o inquérito policial, mesmo contra o desejo da mulher. Tratando- se de violência doméstica, o crime de lesão corporal leve é da ação pública incondicionada. Não necessita de representação, uma vez afastada, a aplicação da Lei dos Juizados Especiais. A representação é exigível somente em se tratando de contravenção penal, delito de ação privada ou pública condicionada. Ainda que o simples comparecimento da vítima à polícia para proceder ao registro da ocorrência corresponda a uma representação, esta deve ser tomada por termo, para evitar eventual arguição de ausência de sua expressa manifestação. Depois de formalizada a representação pela autoridade policial, a retratação da vítima somente pode ser feita em juízo, em audiência especialmente designada para este fim, e na presença do juiz e do Ministério Público. A autoridade policial não pode simplesmente arquivar o inquérito se receber a comunicação de que foi acolhido o pedido de retratação. Deve remetê-lo a juízo, no estado em que se encontra, para que o juiz decrete a extinção de punibilidade do agressor. Não solicitando a vítima a adoção de qualquer providência urgente, que não inibe o desencadeamento da investigação policial e nem instaurado do inquérito. Ao contrário do que tem sido sustentado, é desnecessário que seja comunicado ao juiz a opção da ofendida de não pleitear medidas protetivas. Como não existe nada em juízo, nenhuma providência caberia ser tomada pelo magistrado diante dessa comunicação. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto defendem que, não requerida, de plano, qualquer medida protetiva, é possível, posteriormente, que o promotor, ex officio, pleitei a adoção das medidas cabíveis, sobretudo para a defesa de eventuais filhos incapazes advindos do conflituoso relacionamento. A autoridade policial tem o prazo de quarenta e oito horas para encaminhar ao juizado da violência doméstica, ou à Vara Criminal com competência para atender estas ocorrências, a solicitação de medidas protetivas de urgência formuladas pela vítima. Ainda que seja assegurada prioridade na realização do corpo de delito em crimes que envolvam violência doméstica, o pedido de providências encaminhado a juízo não precisa estar acompanhado nem do depoimento do agressor e nem de testemunhas. Tampouco é necessária a juntada do resultado do exame de corpo de delito policial. Estes elementos irão instruir o inquérito policial. Do Expediente precisa constar: a qualificação da ofendida e do agressor; o nome e idade dos dependentes; a descrição sucinta do fato e a indicação das medidas solicitadas. Também deve a autoridade informar se a ofendida é pessoa com deficiência, bem como as da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente. Deve ser anexada cópia do boletim de ocorrência e do depoimento da vítima, juntamente com os documentos fornecidos por ela e as provas que estejam disponíveis e na sua posse. Verificado que o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo, que deve ser informado no procedimento a ser encaminhado a juízo. A comunicação entre as policias civil e militar e a justiça, bem como a remessa do procedimento das medidas protetivas feitas por meio eletrônico são mais do que salutares. Do mesmo modo, o uso das redes sociais para cientificação das partes revela compromisso com a agilidade para estancar a violência. Quando chega a polícia ao local dos fatos, ainda que os atos de violência tenham cessado, mas o agressor permanece do recinto, cabe sua prisão em flagrante. A situação de flagrância não se limita à prática do delito. Também há flagrante quando a agressão acaba de acontecer. Igualmente se o agressor é perseguido – pelo policial ou por qualquer pessoa – ou é encontrado, logo depois, com instrumentos que façam presumir ser ele o autor da infração. A autoridade policial pode autuar em flagrante o agressor, qualquer que seja a espécie de infração, independentemente da pena cominada ou do fato de o delito exigir representação. No entanto não pode conceder fiança, prerrogativa reservada ao juiz. No Código de Processo Penal, está previsto que o Delegado pode arbitrar fiança para crimes com pena máxima de quatro anos, quanto a dispensa da fiança, há divergências doutrinárias. A literalidade do CPP, reserva ao juiz essa prerrogativa, porém algumas correntes defendem que a autoridade policial também pode, em casos de miserabilidade do autuado. O Enunciado nº 6 do 1º Congresso Jurídico de Delegados da Polícia civil do Estado do Rio de Janeiro, de 2014, respalda essa posição. Cabe a polícia requerer ao juiz a decretação da prisão preventiva. Não se livra o agressor da prisão mediante o compromisso de comparecer em juízo. Diante da caótica realidade dos presídios brasileiros, que nem de longe atende à finalidade de ressocialização do preso, a solução foi admitir a substituição por penas restritivas de direitos. A sua aplicação, no entanto, se submete a algumas condições. Entre elas, de o crime pelo qual o réu foi condenado não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Deste modo, descabida a possibilidade de ocorrer a substituição da pena em sede de violência doméstica. O chamado pacote anticrime trouxe a figura chamada de acordo de não persecução penal. Trata-se de possibilidade que acontece em etapa pré-processual e se esgota quando do recebimento da denúncia. O acordo é entabulado perante o Ministério Público e se sujeita a homologação judicial. Ocorre a extinção da punibilidade. De modo expresso tal hipótese não se aplica em casos de violência doméstica. A decretação da medida protetiva é cabível para a garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para garantir a aplicação da lei penal. Do mesmo modo, nos crimes dolosos punidos com pena máxima privativa de liberdade superior a quatro anos. No âmbito da violência doméstica e familiar, é admitida a decretação de prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Fora destas hipóteses cabe a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. A Lei Maria da Penha, no entanto, admite o decreto da prisão preventiva em casos de violência doméstica, sem fazer menção à qualidade ou quantidade de pena. Ou seja, o encarceramento pode ser decretado de forma autônoma e não somente como medida substitutiva em caso de descumprimento de medidas protetivas previamente impostas ao agressor. O descumprimento das medidas protetivas passou a configurar crime, sujeito a pena de detenção de três meses a dois anos. Em se tratando de flagrante, decorrente da prática de violência doméstica, por ocasião da audiência de custódia, três são as opções que o juiz pode adotar: relaxar a prisão, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, com ou sem imposição de fiança. De um modo geral, a audiência de custódia é realizada juntamente com audiência de acolhimento e averiguação, com a presença da vítima, para que sejam impostas medidas protetivas. Quando a mulher comparece a delegacia, sob a alegação de violência doméstica, a autoridade policial tem o dever de adotar, de imediato, as providências cabíveis para assegurar-lhe proteção na hipótese de prática real ou eminente de violência. Indispensável proceder à avaliação dos riscos reais à integridade física e à vida da vítima, tendo como principal alicerce a palavra da própria ofendida, até ser apresentada prova em sentido contrário. O início das investigações deve ocorrer de ofício nos crimes de ação pública incondicionada. Nas contravenções penais, nos delitos de ação privada ou pública condicionada, depois de ouvida a vítima, se esta for a sua vontade, a representação deve ser tomada a termo, para a instauração do inquérito policial. O procedimento é o da lei processual penal e não o da lei dos juizados especiais criminais, por expressamente vedada sua aplicação no âmbito da violência doméstica. Durante as investigações e a coleta de provas, pode a autoridade policial requerer ao juiz quebra do sigilo telefônico e bancário, bem como interceptação telefônica e bancária do agressor. É necessária a realização do exame de corpo de delito e de outros exames periciais. Também é preciso colher o depoimento do agressor e das testemunhas. Feita a identificação criminal do agressor, o inquérito deve ser encaminhado à justiça no prazo de dez dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante. O prazo é de trinta dias se ele estiver solto. Apesar da determinação de que o inquérito seja enviado ao juiz e ao Ministério Público, cabe ser remetida ao fórum somente uma via. Desnecessária dupla remessa, como parece sugerir o dispositivo legal, o que demandaria injustificável extração de cópias. Caso o agressor possui arma de fogo, a autoridade policial deve notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte nos termos do Estatuto do Desarmamento. O Juízo prevento para o recebimento do inquérito é o que apreciou o pedido das medidas protetivas. Feita a distribuição, independentemente de ordem judicial, o inquérito é encaminhado ao Ministério Público para oferecimento da denúncia. A Lei Maria da Penha torna obrigatória a identificação criminal do indiciado sem qualquer ressalva: Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deve a autoridade policial ordenar a identificação do agressor. Assim, em sede de violência doméstica, a identificação criminal deve ocorrer sempre, mesmo que haja identificação civil, e mesmo que não exista dúvida sobre sua identidade. Não é necessária qualquer requisito ou condição que limite ou afaste a identificação criminal do agressor. Ora, a exigência de identificação datiloscópica e fotográfica não pode ser considerada com constrangimento desnecessário. Também não tem cunho puramente simbólico e punitivo. É providência salutar, até
Porque há necessidade de alimentar os cadastros dos agressores domésticos pelo próprio Ministério Público. (DIAS, 2021)
BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA AÇÃO PENAL
Ação penal e Direito de ação
O Estado trouxe para si o exercício da função jurisdicional, de modo que ele deverá fornecer ao cidadão a tutela jurisdicional. Esse instrumento encontra-se solidificado no direito de ação. Nesse sentido, o direito de ação é o direito público subjetivo consagrado na CF/88 de se exigir do Estado- juiz a aplicação do direito objetivo ao caso concreto, para a solução da demanda penal. A partir dela a parte acusadora Ministério Público ou ofendido – querelante – tem a possibilidade de, mediante o devido processo legal, provocar o Estado-juiz a dizer o direito objetivo no caso concreto.
O Fundamento constitucional o direito de ação é extraído da constituição federal, art. 5º, XIX: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. O dispositivo constitucional consagra o chamado princípio da inafastabilidade de jurisdição. Assim, se não exclui a apreciação significa dizer que há o dever de prestá-la. Não se pode confundir direito de ação com a ação propriamente dita.
Direito de ação é o direito de ingressar em juízo, na busca da tutela jurisdicional. Tem natureza jurídica de um direito público, subjetivo, abstrato, autônomo e instrumental, meio para se permitir o exercício do direito de punir do Estado. Ação é a materialização do direito de ação, razão pela qual denomina se de ação propriamente dita. É o ato, por meio do qual, instrumentaliza se o direito de ação assegurado constitucionalmente. Não se pode confundir, ainda, o direito de ação com o direito que se afirma ter quando se exercita o direito de ação, o qual pode ser designado como o direito material deduzido em juízo. O direito de ação é abstrato, pois independe do conteúdo que se afirmar quando se provoca a jurisdição.
Características do direito de Ação Penal
Direito público: a ação é proposta contra o estado, pois trata-se do direito de provocar o Estado-juiz para o exercício da atividade jurisdicional, cuja natureza é pública, sendo função típica do poder judiciário. A Ação Penal Privada também apresenta a mesma característica, visto que há transferência apenas da iniciativa da ação, mas não da titularidade, visto que o poder punitivo pertence ao estado.
Direito subjetivo: o titular do direito de ação penal pode exigir do Estado-juiz a prestação jurisdicional, sendo essa titularidade conferida a um sujeito específico, conforme a legitimidade conferida pela lei.
Direito autônomo: não se confunde com o direito material que se pretende tutelar. O direito de ação é o instrumento que viabiliza o pedido de condenação em relação a determinado fato, imputado a certo indivíduo.
Direito abstrato: existe e será exercido mesmo quando a demanda for julgada improcedente, uma vez que independe do resultado característica relacionada a autonomia do direito de ação.
Direito específico: apresenta um conteúdo, que é o objeto da imputação, ou seja, apesar de abstrato, desenvolve-se a partir de um caso concreto.
Condições da ação são requisitos mínimos indispensáveis ao julgamento da causa. Como o direito de ação é autônomo e abstrato, pode ser exercido mesmo que as condições não estejam presentes. O direito de invocar a tutela jurisdicional estatal é constitucional e incondicionado. Assim, as condições da ação são analisadas no âmbito do processo penal, uma vez que, na sua ausência, o processo não se desenvolve, ou seja, não será objeto de análise meritória do estado. O direito de ação é exercido com a propositura de inicial e a análise das condições é feita em seguida, pelo juiz, que pode rejeitar a peça acusatória. A análise das condições da ação observa a Teoria da Asserção, segundo a qual é realizada com base nos elementos fornecidos na inicial acusatória, conforme narrado pelo demandante, sem adentrar em aspectos probatórios. Assim, há um juízo superficial e precário de admissibilidade, sendo possível que, no curso do processo, seja demonstrada a ausência de uma dessas condições, dando azo a absolvição do réu.
Historicamente, a doutrina se valia do processo civil para estabelecer as condições da ação que consistia em Legitimidade da parte, Interesse de agir e Possibilidade jurídica do pedido. O CPC/15 suprimiu a possibilidade jurídica do pedido e diversos doutrinadores defendem que não é possível importar institutos do processo civil para o processo penal, como será visto adiante.
A doutrina trabalha com duas espécies de condições da ação que são as condições genéricas e as condições específicas, a saber, condições de procedibilidade. Condições genéricas são aquelas condições que deve estar presente em toda e qualquer ação penal independente da natureza do crime, da pessoa processada, e do procedimento a ser seguido, são elas: Legitimidade para agir; Interesse de agir; Possibilidade jurídica do pedido (viabilidade jurídica mais justa causa- lastro probatório mínimo de suporte para início da ação penal- lastro probatório mínimo para acusar). As condições específicas são necessárias apenas em relação a determinadas infrações penais, ou ainda, em alguns procedimentos específicos.
Representação nos crimes de Ação Penal Pública Condicionada
Faz- se necessário a autorização de assembleia para que determinados agentes políticos sejam criminalmente processados e tem como condições genéricas a Legitimidade ad causam ativa e passiva que é a pertinência subjetiva da ação. Legitimidade ativa é a situação prevista em lei que permite a um determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito ocupar o polo passivo dessa mesma demanda. Há legitimidade de partes quando o autor afirma ser titular do direito subjetivo material demandado, legitimidade ativa, e pede a tutela em face do titular da obrigação correspondente aquele direito legitimidade passiva. Entretanto, a espécie da ação penal definirá o seu legitimado.
Na Ação Penal Pública, a legitimidade ativa é em regra, do Ministério Público que oferece a denúncia. Na Ação Penal Privada a legitimidade ativa é do ofendido ou de seu representante legal mediante queixa crime. Lembre-se- se ainda que de ação penal pública, se verificada a inércia do Ministério Público, surge para o ofendido a possibilidade de propor queixa crime subsidiaria, ou seja, Ação Penal Privada Subsidiária da Pública. Já legitimidade passiva, a ação penal pode ser proposta em face apenas do suposto autor do fato delituoso com dezoito anos completos ou mais.
A Legitimidade ad causam ativa e passiva da pessoa jurídica
Nessa situação, a pessoa jurídica é dotada de legitimidade ativa (pode oferecer ação penal pública, se restar caracterizada a inércia do Ministério Público, ou privada) nesse sentido, a disciplina do art. 37, CPP. Também é admitida a legitimidade passiva da Pessoa Jurídica pode ser o provável autor do delito, porem adstrita aos crimes ambientais. O art. 173, CF/88 permite que a pessoa jurídica seja responsabilizada criminalmente quanto aos Crimes Ambientais, e também quanto aos Crimes Contra a Ordem Econômica, Financeira e Contra a Economia Popular, na forma da lei. Contudo, não há lei ordinária regulando a responsabilidade penal da pessoa jurídica no que diz respeito aos crimes contra a Ordem Econômica, Financeira e Contra a Economia Popular.
Anteriormente, no ordenamento jurídico brasileiro trabalhava-se com a adoção da Teoria da Dupla Imputação, segundo a qual, a imputação da pessoa jurídica deveria ter por consequência a imputação também da pessoa física. Em outras palavras, a pessoa jurídica só poderia ser denunciada pela prática de crimes ambientais se a pessoa física também fosse. Contudo, esse não é o entendimento que prevalece atualmente. Assim, é possível dizer que a pessoa jurídica figurar como polo passivo da ação penal, independentemente da responsabilização concomitante das pessoas físicas, pois os Tribunais Superiores não mais adotam a Teoria da Dupla Imputação.
Na legitimidade ad causam ativa de ente sem personalidade jurídica, o CPP possibilita que certas entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta ainda que sem personalidade jurídica, atuem como assistentes do Ministério Público e, também ajuízem a queixa crime em caso de inércia do órgão ministerial.
Legitimidade Ordinária, Extraordinária, Substituição, Sucessão processual, Representação Processual (legitimidade ad processam):
Na legitimação ordinária, alguém pleiteia, em seu próprio nome, um direito também próprio. Essa é a regra, defender em juízo um direito seu. É o caso da legitimação do Ministério Público para iniciar a Ação Penal Pública. Já na legitimação extraordinária ou substituição processual, há a defesa de direito alheio em nome próprio. Essa é a hipótese da Ação Penal Privada, o ofendido vai a juízo, mediante transferência do estado da legitimidade para iniciar a ação. A vítima tem legitimidade para estar em juízo, enquanto o Estado permanece titular da pretensão punitiva. Situação diversa é a de sucessão processual, que decorre da morte ou ausência do ofendido, quando o seu direito de queixa ou de prosseguir na ação passará aos legitimados do art. 31, CPP. Por fim, a representação processual legitimidade ad processam se opera quando alguém vai em juízo atuando em nome e na defesa de direito alheio. O sujeito não é parte, mas apenas confere capacidade para que o legitimado ingresse em juízo. Exemplo: vítima de crime de ação penal privada menor de 18 anos, cuja legitimidade pode ser conferida a curador especial nos termos do art.33, CPP, na ausência de representante legal ou na hipótese de colisão de interesses.
O Interesse de agir é composto pelo trinômio necessidade, adequação e utilidade. Necessidade no processo penal é presumida, pois, nulo poema sine judicio, desse modo é possível a imposição de pena sem existência de um processo penal. Entretanto há exceções que são a Transação penal, o Acordo de não persecução penal 28-A, inserida pelo pacote anticrime, e a Colaboração premiada com fulcro na Lei nº 12.850/13. Todas as exceções elencadas são mitigações do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, segundo o qual, presentes as condições da ação, o Ministério Público é obrigado a denunciar.
Adequação
É preciso pleitear se uma medida adequada para buscar seus interesses. Essa adequação não tem importância para as ações penais condenatórias. Tem relevância nas ações penais não condenatórias, por exemplo, habeas corpus. Habeas corpus nas hipóteses que não é cabível. De acordo com a Súmula 693, do STF, não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada. De acordo com a Súmula 694, do STF, não cabe habeas corpus contra imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública. E por fim, de acordo com a Súmula 695, do STF, não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.
Utilidade consiste na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer a tutela do direito do autor. A prescrição em perspectiva virtual ou hipotética, consiste no reconhecimento antecipado em virtude da constatação de que, no caso de possível condenação, eventual pena que venha a ser imposta ao acusado estaria fulminada pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, tornando inútil a instauração do processo penal. Nesse sentido, grande parte da doutrina sustenta a sua aplicação com fundamento na ausência de condição de procedibilidade a luz da utilidade. Entretanto, nem o STF e o STJ não admitem a prescrição virtual.
São inadmissíveis a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal justa causa. Podemos conceituar justa causa como sendo o lastro probatório mínimo indispensável para a instauração de um processo penal. Assim, deve a acusação ser portadora de elementos de informação que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais. Funciona, pois, como uma condição de garantia contra o uso abusivo de direito de acusar, evitando a instauração de processos levianos ou temerários. A natureza jurídica da justa causa é alvo de divergência doutrinaria, no entanto, prevalece que o CPP insere a justa causa como condição genérica da ação. A denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, faltar justa causa para o exercício da ação penal, lastro probatório mínimo.
A ocorrência dos fatos narrados na denúncia está indicada nos autos, por inúmeros elementos indiciários oriundos de buscas e apreensões, quebras de sigilo e outras medidas investigativas, a justificar a presença de justa causa – lastro probatório mínimo para acusar - para deflagração da ação penal. Além disso, tradicionalmente, a justa causa é analisada apenas sob a ótica retrospectiva voltada para o passado, com vistas a quais elementos de informação foram obtidos na investigação preliminar já realizada. Todavia, a justa causa, lastro probatório mínimo para acusar, também deve ser apreciada sob uma ótica prospectiva, com o olhar para o futuro, para a instrução que será realizada. De modo que se afigura possível incremento probatório que possa levar ao fortalecimento do estado de simples probabilidade em que o juiz se encontra quando do recebimento da denúncia.
Justa causa duplicada na lavagem de capitais refere-se à condição para que seja iniciada uma ação penal para julgar um crime de lavagem de capitais. A doutrina aponta ainda para a existência de uma justa causa triplicada que ocorre quando a infração penal antecedente a lavagem de capitais também possui uma infração penal antecedente para a sua configuração. É o exemplo do crime de lavagem que tem como infração penal antecedente o crime de receptação, o qual, por sua vez, tem como infração penal antecedente o crime de roubo. Assim, quando do oferecimento da denúncia, cabe ao Parquet revelar o suporte probatório mínimo em relação a estes três delitos, daí porque a justa causa se apresenta, de fato, triplicada.
O Trancamento da ação penal por ausência de justa causa, de acordo com a Súmula 648 do STJ, reza que a superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em Habeas Corpus.
E, por fim, como uma condição da ação, tem-se a originalidade. A originalidade como condição genérica para o regular exercício de qualquer ação. O autor sustenta que os tradicionais pressupostos objetivos extrínsecos denominados litispendência e coisa julgada são em verdade condições da ação porquanto não são sanáveis, sem viabilidade de renovação da demanda com correção do vício. Em outros termos, a ação penal tem que ser original, não se admitindo reproduções, em face da vedação de dupla persecução penal. A maior parte da doutrina não considera a originalidade uma condição da ação classificando a como pressuposto processual negativo. A originalidade consiste na ausência de litispendência e coisa julgada, isto é, a demanda deve ser original, porquanto o ordenamento jurídico veda o exercício mais de uma vez da mesma ação.
Condições específicas da ação, também chamadas de condições de procedibilidade são a Representação do ofendido, Requisição do Ministro da Justiça, Sentença anulatória de casamento, no crime do art. 236, do CP; Ingresso no país do autor do crime praticado no estrangeiro, Declaração de procedência da acusação pela câmara dos deputados, no julgamento do Presidente da República, Sentença que decreta a falência nas ações falimentares. As condições de procedibilidade são aquelas necessárias para dar início a condição a ação penal. Nos crimes contra a honra, em regra, a representação é uma condição de procedibilidade, pois, sem ela, a ação não pode ser iniciada. Por sua vez, a condição de prosseguibilidade é aquela necessária para dar prosseguimento a ação penal. Trata-se da situação na qual já está em curso, mas uma lei posterior altera a natureza da ação penal para aquele crime, ou seja, o crime que antes era de ação penal pública incondicionada e, por isso, não exigia representação, passou a ser de ação penal pública condicionada, de modo que essa representação passa a ser condição necessária para dar prosseguimento na ação penal.
A Lei dos Juizados Especiais passou a exigir representação para os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, ou seja, tais crimes, que antes eram de ação penal pública incondicionada, passaram a exigir a representação tanto para dar início a ação penal hipótese em que a representação funciona como condição de procedibilidade, como para dar continuidade a ação que já estava em andamento hipótese que funciona como condição de prosseguibilidade. Nesse sentindo, qual a natureza da representação quando se tratar de lesão corporal leve ou culposa? Processos relativos a lesão corporal leve e culposa ainda não iniciados exige representação para dar início a ação penal como condição de procedibilidade, já os processos relativos a lesão corporal leve e culposa que já estavam em andamento exigem representação para dar continuidade à ação penal como condição de prosseguibilidade. É certo que sem a representação não se pode iniciar a persecutio criminis, a representação é condição especial de perseguibilidade, porque sem a representação não há como deflagrar a persecutio criminis, que antecede a ação penal. Sem representação a autoridade policial não pode instaurar o inquérito policial e assim dar início a persecutio (condição especial de perseguibilidade), sem a representação não se procede em juízo, isto é, não se deflagra ação penal condição especial de procedibilidade e sem representação não se pode dar sequência ao feito condição especial de prosseguibilidade.
O processo penal não poderia se valer da Teoria Geral do Processo Civil para conferir das mesmas condições da ação, uma vez que são condições da ação penal a prática de fato aparentemente criminoso; Punibilidade concreta; Legitimidade da parte; e Justa Causa.
Na prática de fato aparentemente criminoso (fumus comissi delicti), o fato penalmente relevante praticado em tese, deve ser típico, ilícito e culpável, não se admitiria uma ação penal por um fato que não fosse crime. Exemplo: denúncia por incesto, furto de coisa própria. Na punibilidade concreta, deve o juiz rejeitar a peça acusatória quando houver prova de extinção da punibilidade. Quando presente a causa de extinção de punibilidade, como prescrição, decadência, renúncia, a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada e o réu absolvido sumariamente, conforme o momento em que seja reconhecida. Já a legitimidade da parte é um conceito amplamente discutido, e por fim, a Justa causa que consiste no lastro probatório suficiente para acusar para dar início a ação penal.
Princípios da Ação Penal - Princípios comuns da Ação Penal Pública e Privada
Princípio da transcendência ou pessoalidade, reza que a pena não passara da pessoa do condenado. A denúncia (Ministério Público) ou queixa crime (ofendido) só podem ser oferecidas contra o provável autor do fato delituoso. Esse princípio funciona como evidente desdobramento do princípio da pessoalidade da pena.
O Princípio da oficiosidade diz que cabe Ministério Público propor de ofício, quando Ação Penal Pública, ou ao querelante de ofício propor, quando ação penal privada quando legitimado. O Ministério Público é titular da ação penal, em razão disso, pode agir de ofício, não dependendo da autorização de ninguém, da mesma forma, que o ofendido também pode agir quando legitimado. O juiz não pode dar início ao processo de ofício, uma vez que a ação penal é de iniciativa do Ministério Público, nos crimes de ação penal pública, a saber, no caso de violência doméstica contra a mulher; ou do ofendendo ou seu representante legal, nos crimes de ação penal privada. Entretanto, o juiz pode conceder habeas corpus de ofício art. 654 §2º do CPP, visto que a restrição se limita a atuação de ofício em ação penal condenatória. Ademais, a execução tem início de ofício.
O Princípio do ne bis in idem trata-se dá inadmissibilidade da persecução penal múltipla. Nesse sentido, ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação.
Princípios da Ação Penal Pública situação em que o Ministério Público oferece denúncia de ofício
Princípio da obrigatoriedade ou legalidade
O Princípio da obrigatoriedade está previsto no art. 24, CPP. Com isso, diferentemente do que ocorre com os demais princípios que possuem status constitucional ou convencional, possui status de lei ordinária. Consequentemente, pode ser excepcionado por outra lei ordinária. O Ministério Público, titular da ação penal pública, está obrigado a oferecê-la, sempre que constatar a presença de prova da materialidade e indícios de autoria ou participação. Assim, se presentes as condições da ação penal e havendo justa causa (lastro probatório suficiente para acusar), o Ministério Público está obrigado a oferecer denúncia. Em outras palavras, não se reserva ao Ministério Público qualquer juízo de discricionariedade quando constatada a presença de conduta delituosa e das condições da ação penal. A doutrina aponta dois mecanismos de fiscalização do Princípio da obrigatoriedade: Princípio da devolução (art. 28ª, caput e §1º nos termos da interpretação conforme conferida pelo STF no julgamento das ADI’S 6298,6299,6300 e 6305, nesse sentido o STF atribuiu interpretação conforme ao caput do art. 28 para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos de mesma natureza, o Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará a vítima ao investigado e a autoridade policial, podendo encaminhar os autos ao procurador geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação na forma da lei. E, por unanimidade do STF, atribuiu interpretação conforme ao §1º do art. 28 para assentar que, além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria a revisão da instancia competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia (monstruosidade /decisão absurda) no ato do arquivamento.
Ação Penal Privada Subsidiária da Pública
Quanto a obrigatoriedade da ação penal e o pedido de absolvição pelo Ministério Público, de acordo com o art. 385 do CPP, fica claro que o Ministério Público poderá opinar pela absolvição. Isso porque trata-se de garantia da independência funcional do promotor. E ao Ministério Público incumbe zelar por interesses individuais, a exemplo da liberdade de locomoção. Nesse sentido, tem-se que o princípio da obrigatoriedade não é incompatível com o pedido da absolvição. Ressalta-se ainda que, o juiz pode condenar o acusado, mesmo com o pedido de absolvição feito pelo Ministério Público.
O art. 385 do CPP é compatível com o sistema acusatório e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei nº 13.964/19. Alguns doutrinadores como Aury Lopes, sustentam que, havendo o pedido de absolvição, o juiz seria obrigado a absolver, já que o Ministério Público estaria retirando sua pretensão acusatória. Com isso, caso o juiz condenasse, estaria agindo de ofício, em um verdadeiro processo judicial incompatível com o princípio da inércia da jurisdição. Contudo, a maioria da doutrina, e principalmente a jurisprudência, compreendem que, a partir do momento em que a denúncia foi oferecida, o juízo foi provocado. Por isso, mesmo que o Ministério Público tenha pedido a absolvição, o juiz continua livre para condenar ou para absolver, já que a pretensão punitiva já teria sido deduzida em juízo. O procedimento judicial ocorria na hipótese em que a ação penal, quando envolvesse contravenções penais, seria iniciada com o Auto de Prisão em Flagrante ou com Portaria expedida pela autoridade policial ou judicial, conforme previsão no art. 26 do CPP. Ocorre que, referido artigo não foi recepcionado pela CF/88. O art. 129, CF/88 traz as funções institucionais do Ministério Público, dentre estas promover, privativamente, a ação penal pública.
De acordo com o princípio da indisponibilidade, o Ministério Público não pode desistir da ação penal pública após o oferecimento da denúncia. Entretanto, são exceções ao Princípio da indisponibilidade a Suspensão condicional do processo, a Transação penal que consiste num acordo entra o Autor e o Ministério Público para antecipar os efeitos das penas restritivas de direito e cominação de multa para arquivamento do processo.
Nesse caso, o Ministério Público poderá desistir da ação penal pública, mesmo após o oferecimento da denúncia.
Princípio da oficialidade
Para o Princípio da Oficialidade, o titular da ação é órgão oficial do Estado.
Princípio da indivisibilidade
Há controvérsia sobre o caráter divisível da ação penal pública. A primeira corrente majoritária na doutrina entende que a ação penal pública é indivisível. A segunda corrente, de opinião dos Tribunais Superiores, diz que a Ação Penal Pública admite a divisibilidade, ou seja, o Ministério Público pode oferecer denúncia em face de alguns investigados, sem prejuízo do prosseguimento das investigações dos demais autores. Nesse contexto, até a sentença final, o Ministério Público pode incluir novas pessoas no polo passivo, por meio do aditamento da denúncia. É a corrente que deve ser adotada.
Princípios da Ação Penal Privada
Princípio da oportunidade e conveniência
Compete a vítima ou ao seu representante analisar a conveniência e oportunidade para o exercício da ação, ou seja, o titular da ação, querelante, tem a faculdade de decidir se tem ou não interesse em dar início ao processo criminal, visando a responsabilização do autor do delito. Há dois mecanismos através dos quais a vítima pode optar por não exercer seu direito de ação: Decadência, situação em que a vítima dispõe do prazo decadencial de seis meses para o exercício da Ação Privada, contados do conhecimento do responsável pelo delito, sob pena de extinção da punibilidade, e a Renúncia que é ato unilateral do ofendido, e ocorre quando a vítima se recusa a tomar providências contra seu agressor. Se opera até o oferecimento da ação penal. Ambas são irretratáveis. A renúncia feita para um agressor necessariamente beneficia os demais, e pode ser expressa ou tácita aos atos do ofendido incompatíveis com o desejo de processar o agressor, além de ensejar a extinção da punibilidade. Tanto a decadência como a renúncia ocorrem antes de iniciada a ação penal com o oferecimento da queixa crime. O prazo decadencial para a queixa crime é improrrogável e não se sujeita a nenhuma forma de suspensão ou interrupção.
O princípio da oportunidade e conveniência se aplica também a ação penal pública condicionada, no que tange a representação ou a requisição e apenas nesse ponto, visto que uma vez presentes os demais elementos para o oferecimento da ação, o Ministério Público é obrigado a agir.
Princípio da disponibilidade
Após iniciada a queixa crime, o querelante pode dispor do seu direito de dar continuidade a queixa crime através de dois institutos: o Perdão que consiste no ato de liberalidade, e requer a aceitação pelo réu ato bilateral, trata-se de causa extintiva de punibilidade e só é admissível até o trânsito em julgado. Não cabe o instituto do perdão do ofendido na ação penal privada subsidiária da pública. E a Renúncia, de característica pré-processual, e unilateral. A renúncia feita a um dos agentes se estende aos demais. O perdão é um instituto processual bilateral e depende da aceitação do réu. O perdão concedido a apenas um dos agentes delitivos não necessariamente se estende aos demais. Já a Perempção é a sanção processual pela desídia (descaso ou preguiça de agir, negligência do querelante na ação privada.
Independentemente do momento em que o querelante decide abrir mão do seu direito de queixa, antes mesmo de oferecida a queixa (através da decadência ou renúncia), ou após o oferecimento desta, através do perdão ou perempção, a consequência será a mesma, a extinção da punibilidade. A perempção é uma sanção processual pela desídia do querelante na ação privada. Assim, conforme entendimento da jurisprudência, descabe o seu reconhecimento em sede de ação penal privada subsidiaria da pública, uma vez que, originariamente, trata-se de hipótese de ação penal pública.
Conciliação nos crimes contra a honra de competência do juiz singular
Esse princípio não se aplica a ação penal privada subsidiaria da pública, pois eventual manifestação do querelante, no sentido de dispor da ação penal já em curso, importa a retomada, pelo Ministério Público da titularidade da ação penal. Trata-se da chamada ação penal indireta. Necessário atentar para alguns momentos processuais. Antes de iniciada a queixa crime, ocorre decadência decorrido o prazo de sessenta dias do conhecimento do fato.
De acordo com o Princípio da indivisibilidade proposta ação penal privada, o querelante deve promove-la contra todos os que contribuíram para o crime, não podendo deixar de processar os que sabidamente concorreram para prática do crime. Nesse sentido, a ação penal deve se estender aqueles que praticaram a infração penal. Em razão do princípio da indivisibilidade, a renúncia, pré processual e o perdão, pós processo, concedidos a um dos coautores estendem-se aos demais, entretanto, no perdão caso um dos coautores não aceite, continuará correndo contra ele o processo.
Princípio da indivisibilidade da ação penal privada nas hipóteses de omissão voluntária e involuntária
O princípio da indivisibilidade significa que a ação penal privada deve ser proposta contra todos os autores e participes do delito. Segundo posição da jurisprudência, o princípio da indivisibilidade só se aplica para ação penal privada art. 48 do CPP. O que acontece se a ação penal privada não for proposta contra todos? Se a omissão foi voluntaria deliberada, o juiz deve rejeitar a queixa e declarar a extinção da punibilidade para todos. Se a omissão foi involuntária, o Ministério Público deverá requerer a intimação do querelante para que ele faça o aditamento da queixa crime e inclua os demais coautores ou participes que ficaram de fora.
Assim, conclui-se que a não inclusão de eventuais suspeitos na queixa crime não configura, por si só, renúncia tácita ao direito de queixa. Para o reconhecimento da renúncia tácita ao direito de queixa, exige se a demonstração de que a não inclusão de determinados autores ou partícipes na queixa crime se deu de forma deliberada pelo querelante. Cabe ao Ministério Público fiscalizar o princípio da indivisibilidade na ação penal privada, se foi proposta contra todos os autores. Contudo, o Ministério Público não pode aditar a queixa para incluir coautores, pois não tem legitimidade ativa. Deve, portanto, pedir a intimação do querelante para que adite a queixa sob pena de a renúncia concedida a um dos coautores ser estendida aos demais quando a omissão for involuntária.
Há doutrina em sentido contrário, segundo a qual a luz do dever do Ministério Público de zelar pela indivisibilidade da ação penal privada, caberia ao representante do órgão acusatório aditar a queixa crime.
Ação Penal Pública
A ação penal pública pode ser Ação penal pública incondicionada, Ação penal pública condicionada a representação, Ação penal pública subsidiária da pública, Ação penal pública incondicionada. De modo que, no silêncio da lei, o crime será de Ação Pública Incondicionada. O titular da Ação Penal Pública Incondicionada é o Ministério Público, cuja atribuição é privativa, conforme a CF/88. A denúncia é a peça privativa do Ministério Público que dá início à ação penal pública, também chamada de peça inicial. Os prazos para oferecer denúncia, de acordo com as regras do CPP é de cinco dias para réu preso, quinze dias para réu solto. Já o Prazo do inquérito é de dez dias podendo prorrogar se preso, ou de trinta dias, podendo prorrogar por mais trinta se solto. Para os crimes eleitorais o prazo é de dez dias. Já no Tráfico de drogas, o Ministério Público tem o prazo de dez dias para oferecer denúncia. Nos Crimes contra economia popular o Ministério Público tem o prazo de dois dias para oferecer denúncia. Na Lei de Falências o Ministério Público tem o prazo de cinco dias, se réu preso, e quinze dias, se réu solto, para oferecer denúncia.
Ação Penal Pública Condicionada
A Ação Penal Pública Condicionada é aquela que depende da manifestação de vontade do legítimo interessado para que a persecução penal possa se iniciar. A ação penal pública pode ser condicionada a Representação do ofendido; Requisição do Ministro da Justiça.
Ação Penal Pública condicionada a representação do ofendido
A representação do ofendido é o pedido e a autorização que condiciona o início da persecução penal. Sem ela inexiste processo, o inquérito policial e até mesmo a lavratura em flagrante. Sua natureza jurídica é uma condição de procedibilidade, ou seja, para dar início a ação. Lembrando que pode ser condição de prosseguibilidade (para continuar a ação, dar andamento, impulsionar, a exemplo da Lei nº 9.099/95 quando passou a exigir representação para lesões corporais leves e culposas). Já o prazo para propor ação penal pública condicionada a representação do ofendido é um prazo decadencial de seis meses contados do conhecimento da autoria. Na sucessão processual, o prazo não é renovado, mas contínuo, de modo que são possíveis duas situações: Se o sucessor toma conhecimento da autoria no mesmo momento que a vítima, tem direito ao prazo restante; ou se o sucessor não tinha conhecimento da autoria, o prazo restante será contado no momento em que atingir esse conhecimento. O prazo é uno para os sucessores, de modo que basta que um deles tenha conhecimento da autoria, para que tenha início o prazo decadencial para todos
A decadência do direito do representante legal atinge a situação do menor de idade?
De acordo com a primeira corrente, o prazo é único, razão pela qual a decadência para o representante legal acarreta desde logo a extinção da punibilidade, ainda que o menor não tenha completado dezoito anos. Para a segunda corrente, o direito não pode ser exercido pelo menor, de modo que, cuidando se de incapaz, não se pode falar em decadência. O mesmo entendimento se aplica ao exercício do direito de queixa ação penal privada. Legitimidade para representação: delegado, juiz, Ministério Público. Legitimidade para oferecer a representação: vítima ou seu representante legal. A representação pode ser feita pessoalmente pelo ofendido com dezoito anos completos ou mais ou procurador, desde que possua poderes especiais. Diante de menor de idade, mentalmente enfermo, ou retardo mental que não tenha representante legal, ou cujos interesses colidirem com os do representante, será nomeado curador especial. Diante da morte ou da declaração judicial de ausência da vítima, teremos como sucessores o cônjuge ou companheiros, ascendentes, descendentes, irmãos. Trata-se de rol preferencial e taxativo. Deve-se, no entanto, respeitar a ordem preferencial quando houver morte, declaração judicial de ausência ou incapacidade civil superveniente. Por outro lado, em caso de abandono ou desistência da ação o art. 36 preconiza que qualquer dessas pessoas do caput poderá prosseguir com a ação, independentemente de obedecer a ordem preferencial.
O STJ ainda, estendeu o direito a representação ao companheiro, contudo, apesar do entendimento do STJ, parte da doutrina, por outros critica a extensão por ferir a legalidade devido a utilização de analogia prejudicial ao réu. Pessoas jurídicas vítimas de infrações penais, podem oferecer representação por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores ou sócios gerentes. A forma da representação, de acordo com o STJ e STF, tem forma livre, podendo ser oral ou por escrito, ou seja, não precisa ser através de peça formal. O prazo para representação é de seis meses contados do conhecimento da autoria. Não interessa a data do fato. O prazo para oferecimento da representação tem natureza decadencial, não se admite suspensão, prorrogação ou interrupção.
Retratação da representação:
Em regra, a retratação é possível até antes do oferecimento da denúncia, ou seja, a retratação é possível na fase pré-processual, é unilateral e alcança e beneficia os demais autores. A exceção está na Lei Maria da Penha, situação em que a retratação é possível até o recebimento da denúncia, em audiência perante o juiz designada especialmente para esse fim. Há divergência doutrinária acerca da possibilidade de retratação da retratação. Para parte da doutrina, a vítima poderá se arrepender da retratação e renovar a representação, desde que esteja dentro do prazo decadencial.
Porém, mesmo para os que admitem a retratação da retratação, há duas exceções, dois microssistemas que fatalmente a retratação da representação por lei extingue a punibilidade, quais sejam o Juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher, e o JECRIM.
Eficácia objetiva da representação
A representação é feita para cada crime e abrange todos os possíveis coautores e partícipes. Por eficácia objetiva da representação, entende-se o seguinte, se oferecida a representação contra um dos partícipes ou coautores do crime, o Ministério Público deve oferecer a denúncia contra todos aqueles que praticaram o delito. Porém a representação só é válida para aquele delito. Assim, se a vítima representou apenas pelo delito de injúria, não é possível o Ministério Público amplie a representação para abranger os crimes de calúnia e difamação, em face da eficácia objetiva da representação. Não abrange outros crimes, envolvendo apenas todos os coautores.
Ação Penal Pública Condicionada a Requisição do Ministro da Justiça
É ato de conveniência política, autorizando a persecução penal em alguns crimes. O prazo na lei é omisso. Logo, pode ocorrer a qualquer tempo, enquanto não for extinta a punibilidade. Ao contrário da representação, que deve ser oferecida no prazo decadencial de seis meses, contados do conhecimento da autoria, a lei silenciou acerca de eventual prazo para o oferecimento da requisição. Entende-se, portanto, que a requisição não está sujeita ao prazo decadencial, podendo ser oferecida a qualquer tempo, desde que não tenha havido a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.
Destinatário
Há discricionariedade do Ministro da Justiça. A requisição não vincula o Ministério Público, ou seja, o Ministério Público não está obrigado a oferecer denúncia requisitada pelo Ministro da Justiça.
Hipóteses
Crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiro fora do brasil, Crimes contra a honra contra o Presidente ou Chefe de Governo Estrangeiro.
Ação Penal pública Subsidiária da Pública
Para alguns doutrinadores, essa subespécie de ação penal pode ser vislumbrada quando ocorre a atuação de um órgão do Ministério Público, diante da inércia de outro órgão do Ministério Público. Alguns exemplos dessa espécie sui generis de ação penal pública subsidiária da pública podem ser apresentados. Nos crimes de responsabilidade de prefeitos, em caso de inercia do PGJ (lembrando que o prefeito tem prerrogativas de função e são julgados pelos tribunais de justiça). Nos casos de deslocamento de competência como aqueles que ocorrem quando há grave violação dos direitos humanos e inércia dos órgãos estaduais, podendo então o caso, mediante representação do por perante o STJ, ser deslocado para a Justiça Federal, isso com o fim de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o brasil seja parte. Também é mencionável a possibilidade de deslocamento de competência para o Tribunal Penal Internacional- TPI, no caso de inércia dos órgãos internos brasileiros envolvendo crimes contra a humanidade.
Ação Penal de Iniciativa Privada
Ocorre quando o Estado, legítima o ofendido ou seu representante legal a ingressar com ação penal, pleiteando a condenação do agressor, em hipóteses excepcionais. O particular, portanto, passa a ter o direito de ação, a legitimidade para oferecimento da ação penal privada, embora a titularidade da ação penal permaneça com o Estado. Trata-se, como já visto, de hipóteses de legitimação extraordinária. A titularidade, como visto, pertence ao ofendido ou representante legal. A queixa pode ser proposta por procurador, desde que seja mediante procuração com poderes especiais. Deve constar da procuração com poderes especiais o nome do querelante e a menção ao fato criminoso. No entanto, os Tribunais Superiores divergem quanto ao significado de menção ao fato criminoso. Para o STF, na procuração, deverá ser individualizado o evento delituoso, não bastando apenas a menção do nomen iuris do crime. Para o STJ, basta mencionar o tipo penal ou nomen iuris, sendo desnecessário pormenorizar a descrição da conduta.
Segundo o Art. 44, a queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligencias que devem ser previamente requeridas no juízo criminal. O prazo para interpor a queixa crime seis meses, contados a partir do conhecimento da autoria. Nesse caso, o prazo é decadencial.
Espécies
Ação penal privada personalíssima, Ação penal privada propriamente dita ou exclusiva, Ação penal privada subsidiária da pública.
Na Ação Penal Privada Personalíssima, somente o ofendido pode ingressar em juízo, ou seja, o direito não é transmitido ao representante legal e nem haverá sucessão processual aqui, a morte da vítima extingue a punibilidade do autor do delito. Na atual legislação brasileira, há apenas um exemplo de crime dessa espécie.
A Ação penal privada exclusiva ou propriamente dita é aquela que pode ser proposta pelo ofendido ou seu representante legal. Na hipótese de ser proposta pelo representante legal, há sucessão processual. É a regra nos crimes contra a honra.
A diferença entre a ação penal exclusivamente privada e a ação privada personalíssima é que, na ação penal exclusivamente privada, admite se a sucessão processual, ao passo que na ação penal privada personalíssima, somente o próprio ofendido pode ajuizar queixa crime.
A Ação penal privada subsidiaria da pública ou acidentalmente privada ou supletiva também é chamada de ação penal acidentalmente privada e ou supletiva e será admitida quando estiver caracterizada a inércia do Ministério Público. Assim, em havendo inércia do órgão ministerial, a ação penal privada subsidiaria da pública será exercida pela vítima ou por seu representante na condição de substituição processual, já que ela atua em nome próprio pleiteando a punição que será exercida pelo Estado.
Fundamento legal e constitucional
Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. O CPP no art. 29, preceitua que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer a denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornece elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Assim, havendo inércia do órgão ministerial, a ação penal privada subsidiaria da pública será exercida pela vítima ou por seu representante na condição de substituição processual, já que ela atua em nome próprio pleiteando a punição que será exercida pelo Estado. Trata-se de forma de controle da obrigatoriedade da ação penal pública, bem como da inafastabilidade da jurisdição.
Pressuposto
Há dois requisitos. Só é cabível em face da inércia do Ministério Público ou se o promotor recebe o inquérito e em quinze dias acusado solto não faz nada, a partir do décimo sexto dia cabe ação penal privada. Se pedir arquivamento, ou diligência não se trata de inércia, logo, não cabe ação subsidiária. O crime deve possuir um ofendido individualizado. Em crimes de perigo incolumidade posta em risco não cabe essa ação subsidiária. Assim, tráfico de drogas, quem ofereceria a ação? Não existe. A exceção são as duas hipóteses em que, mesmo que a coletividade seja o sujeito passivo será possível interpor ação penal privada subsidiária da pública: Crimes contra as relações de consumo, nessa hipótese, os legitimados para propor a queixa substitutiva serão as associações de defesa do consumidor e os crimes falimentares, nessa hipótese, os legitimados para propor a queixa substitutiva será o administrador judicial ou qualquer credor habilitado. O prazo para propor ação seis meses, contados a partir da inércia do Ministério Público. Esgotado o prazo opera-se a decadência e consequentemente a extinção da punibilidade? Não. Trata-se dá denominada decadência imprópria, visto que embora não seja mais possível a queixa subsidiária, uma vez transcorrido o prazo decadencial, permanece a possibilidade de o Ministério Público oferecer denúncia, enquanto o crime não estiver prescrito.
Poderes do Ministério Público
O Ministério Público, em face da queixa substitutiva, assume a posição de um litisconsorte, porém de natureza sui generis, na medida em que não há cumulação de ações contra o mesmo réu. A doutrina fala que o Ministério Público atua como uma espécie de assistente litisconsorcial. Pode se ainda falar em interveniente adesivo obrigatório, porquanto, oferecida a queixa o Ministério Público é obrigado a intervir em todos os termos do processo.
Nessa linha, é lição de Nestor Távora, para quem o Ministério Público na ação subsidiária, figura como interveniente adesivo obrigatório, atuando em todos os termos do processo, sob pena de nulidade, tendo amplos poderes. Assim, o Ministério Público pode repudiar a queixa, oferecendo denúncia substitutiva, quando a vítima ingressa com a ação penal privada subsidiaria, a petição inicial é a queixa crime subsidiária da denúncia que não foi apresentada. Por sua vez, quando o Ministério Público repudia a queixa, por entender que não houve omissão, a denúncia é substitutiva da queixa repudiada, além de aditar a queixa, tanto em seus aspectos formais, como materiais. O prazo para o Ministério Público aditar a queixa é de três dias.
Na ação exclusivamente privada, não pode o Ministério Público incluir coautor ou fato que o ofendido não incluiu, sob pena de violação ao Princípio da oportunidade. Contudo, em atenção ao Princípio da indivisibilidade, verificada omissão involuntária, o Ministério Público poderá oficiar o querelante para que promova o aditamento.
Compete também ao Ministério Público intervir em todos os termos do processo. O Ministério Público pode a qualquer momento, fornece elementos de prova; interpor recurso e opinar pela rejeição da queixa. A queixa ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.
O Ministério Público não pode recorrer da decisão absolutória proferida em ação penal privada. Se o querelante for negligente, o Ministério Público reassume o polo ativo da ação penal, é a chamada ação penal indireta.
Outras classificações da ação penal
Ação penal adesiva
Para o professor Nestor Távora, seria o litisconsórcio ativo entre o Ministério Público (no crime de ação penal pública) e o querelante (nas hipóteses de ação penal privada). Estupro antes de 2009 ação penal privada conexo com a tentativa de homicídio ação penal pública incondicionada de modo que o Ministério Público oferece denúncia e vítima queixa e as ações correriam juntas pela conexão. Para o professor logo, só existe na Alemanha, onde é possível que o Ministério Público ingresse com a ação penal pública e, em seguida, a vítima ingresse de maneira adesiva, porém com objetivos indenizatórios.
Nesse contexto, há uma espécie de intervenção adesiva facultativa, relacionada a satisfação do dano decorrente do crime. O instituto verificado na Alemanha, também é possível nos crimes de ação penal privada, quando o Ministério Público promove a ação penal, mediante constatação de um interesse público. Nesse caso, faculta-se ao ofendido ou seu representante legal intervir no processo como assistente. Não confundir com a atuação obrigatória adesiva do Ministério Público, interveniente adesivo obrigatório na ação penal privada subsidiária da pública.
Ação Penal Popular
Habeas Corpus, faculdade de qualquer cidadão oferecer denúncia notitia criminis por crime de responsabilidade praticado por agentes políticos.
Críticas
Habeas Corpus não se trata de uma ação penal por excelência, ação penal propriamente dita, mas sim de uma ação libertária, um meio de impugnação autônomo.
A denúncia mencionada no art. 41, em verdade, compreende com incorreção técnica do legislador, que confunde o termo denúncia com notícia crime. Além disso, os ilícitos da Lei nº 1.079/50 não são crimes propriamente ditos, uma vez que sequer prevê sanções penais em razão da prática das condutas ali previstas, mas sanções políticas administrativas em razão das críticas apresentadas, a doutrina majoritária entende não existir no brasil, ação penal popular. Contudo, há doutrina em sentido contrário.
Ação Penal Secundária
Ocorre quando as circunstâncias do caso concreto modificam a modalidade de ação penal a ser ajuizada. Nos casos de Crimes contra o patrimônio, no contexto do art. 182 do CP (escusas absolutórias relativas) quando cometidos sem violência ou grave ameaça podem depender de representação (ação penal pública condicionada), sendo que a regra é a ação penal pública incondicionada. Nos casos de crimes contra a honra, em regra, são de ação penal privada, contudo, há algumas exceções: injúria real mediante vias de fato, injúria real mediante lesão corporal grave ou gravíssima, casos em que deverá propor Ação Penal Pública Incondicionada, além dessas, tem-se a injúria real mediante lesão corporal leve, caso de propor a ação penal pública condicionada a representação, e injúria qualificada, caso de propor a ação penal pública condicionada a representação. Nos Crimes contra a honra do Presidente da República, a ação será penal pública condicionada a requisição do Ministro da Justiça. Já nos Crimes contra a honra de servidor público em razão de suas funções, há duas possibilidades: Ação penal pública condicionada a representação, ou ação penal privada sendo hipótese de legitimidade concorrente alternativa (oferece denúncia ou queixa crime).
De acordo com a Súmula 714 do STF é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada a representação do ofendido, para ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. No entendimento de Renato brasileiro, a palavra concorrente foi uma imprecisão técnica, na verdade, o termo correto seria legitimidade alternativa, uma vez que ao ser oferecida representação pelo ofendido, autorizando o Ministério Público a agir, não seria mais possível o oferecimento da queixa crime. Portanto, cabe ao ofendido escolher a via eleita, ou representação ou queixa crime.
Ação de prevenção penal
Ação a ser proposta contra o inimputável, pois uma denúncia que não visa a condenação, mas a aplicação de Medida de Segurança, através da chamada absolvição imprópria. De acordo com o Código penal, é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar se de acordo com esse entendimento.
Antes disso cumpre esclarecer que, denúncia é a peça privativa do Ministério Público que dá início a ação penal pública, já a queixa crime é a peça privativa do ofendido, de seu representante legal, seu sucessor ou ainda seu curador que dá início à ação penal privada.
É possível o litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e o querelante, na hipótese de conexão entre o crime de ação penal pública e outro de ação penal privada. Nesse contexto, uma única ação penal contará com uma denúncia e uma queixa. As duas peças de início da ação penal serão analisadas em conjunto com as necessárias distinções quando necessários.
Requisitos formais da denúncia ou queixa crime:
Em regra, devem ser feitas por escrito. Salvo nas infrações de Menor Potencial Ofensivo que nos termos da Lei nº 9.099/95 admite o oferecimento de denúncia ou queixa oral, desde que posteriormente seja reduzida a termo, exposição do fato criminosos e suas circunstancias que consiste na narrativa do fato delituoso, com todas as suas circunstâncias de maneira clara, precisa, simples e objetiva, sob pena de inviabilizar o direito de defesa, pois, no processo penal, o acusado se defende dos fatos que lhe são imputados. A narrativa deve responder elementos básicos como quem onde porque quando como contra quem. Já a imputação é a atribuição a alguém da prática de determinada infração penal, funcionando como o ato processual por meio do qual se formula a pretensão penal. Quando se tratar de crime culposo, é imprescindível que o titular da ação penal, o Ministério Público ou querelante descreva em que consistiu a imprudência, negligência ou imperícia. A inobservância deste requisito acarreta a inépcia da peça acusatória, pois viola o princípio da ampla defesa inépcia formal, razão pela qual a peça deve ser rejeitada pelo juiz.
Para o reconhecimento ou não da inépcia da inicial, a doutrina diferencia elementos necessários e secundários. Elementos necessários essenciais são aqueles necessários para identificar o fato típico. A ausência desse elemento causa evidente prejuízo a defesa e, portanto, nulidade absoluta. Não se pode imaginar uma denúncia sem esses elementos essenciais, uma denúncia que não os tem, não narra um fato criminoso. Já os elementos secundários acidentais são aqueles ligados as circunstâncias de tempo ou de espaço cuja ausência nem sempre prejudica a ampla defesa, portanto, eventual vício pode produzir, no máximo uma nulidade relativa devendo ser comprovado o prejuízo.
Criptoimputação é um termo doutrinário que se refere a imputação contaminada por grave deficiência na narrativa do fato delituoso, ou seja, é uma espécie de denúncia criptografada, em códigos. Em outras palavras, quando não contém os elementos mínimos de sua identificação como crime, sendo gravemente inepta. Trata-se de uma imputação confusa incompreensível que dificulta o exercício da defesa. O neologismo, criptoimputação, que dificulta o exercício da defesa. O neologismo criptoimputaçao deriva de criptografia, técnica de comunicação confidencial, com linguagem inacessível que bem representa a qualificação de inépcia que recebe a petição inicial. Por conseguinte, com escopo de evitar a criptoimputação, o Ministério Público deve fazer constar da denúncia de forma precisa e minuciosa a descrição dos elementos estruturais que integram o tipo penal prestigiando da presunção de inocência e o exercício da ampla defesa
Denuncia genérica é a denúncia que não individualiza a conduta do agente, imputa fato a agente sem descrever a conduta ou diversos fatos a agentes indistintamente. A discussão ganha relevo quando se trata de crimes societários, crimes de gabinete, nos quais uma Pessoa Jurídica é utilizada como manto protetivo. A denúncia genérica, aqui é aquela que inclui o diretor, o gerente, o preposto da Pessoa Jurídica na ação apenas por ele ostentar essa qualidade, sem, contudo, descrever qual foi a conduta criminosa dessa pessoa. Não estabelece o mínimo de vínculo entre o comportamento dessa pessoa e o crime. Por isso, a denúncia genérica é inepta, devendo ser rejeitada por impedir o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Noutro giro, a acusação geral ocorre quando o órgão da acusação imputa a todos os acusados, o mesmo fato delituoso, independente das funções exercidas por eles na empresa. Como se trata de um só fato não há inépcia, não viola o princípio da ampla defesa, o indivíduo como integrante da sociedade sabe qual fato típico tem de se defender. Acusação genérica, por sua vez, ocorre quando a acusação imputa vários fatos típicos, imputando os genericamente a todos os integrantes da sociedade. Como envolve vários fatos típicos, há inépcia.
De qual deles irei me defender? Verifica-se uma clara violação a ampla defesa, gerando nulidade absoluta.
Agravantes devem constar da denúncia?
Para a jurisprudência, agravantes não precisam constar da peça acusatória, uma vez que podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, mesmo que não tenham constado na denúncia. Entretanto, para parte da doutrina isso viola a ampla defesa e o contraditório. Ao contrário do que ocorre com as qualificadoras, a inclusão de agravantes na denúncia é uma faculdade do Ministério Público. Esta conclusão, inclusive depreende-se dos próprios termos do 385, CPP quando reza que o juiz pode reconhecer agravantes na sentença, embora nenhuma tenha sido alegada.
E as Majorantes Penais devem constar da denúncia?
Tratando-se de majorantes previstas na Parte Especial do Código Penal, exigem a explicitação na denúncia ou queixa para o fim de serem reconhecidas. Todavia, se forem majorantes da Parte Geral do Código Penal, não é imprescindível que tenham sido expressamente mencionadas na peça acusatória. Exemplo: concurso formal próprio e crime continuado. Podendo ser reconhecidos pelo juiz na sentença caso exsurjam do contexto imputado ao réu.
Qualificação do acusado e demais esclarecimentos de identificação
Caso não se tenha a qualificação do acusado e não seja possível a identificação criminal, a denúncia ou queixa deve indicar esclarecimentos pelos quais se possa identificar o acusado
Classificação da infração é o enquadramento típico. Não é requisito obrigatório. No processo penal, o acusado não se defende da classificação e sim dos fatos que lhes são imputados. Isto porque o juiz, na hora da sentença, pode realizar a mutatio libele ou emendatio libele. Na Emendatio libele, não há alteração em relação ao fato delituoso, limitando se o juiz a modificar a classificação formulada na peça acusatória, ainda que tenha que aplicar pena mais grave. Exemplo: Ministério Público oferece denúncia descrevendo um furto, mas classifica de maneira errada, como estelionato, razão pela qual na hora da sentença, o juiz corrige. Por sua vez, a Mutatio libele, ocorre quando o fato que se comprovou pela instrução é diverso daquele narrado na peça acusatória. Isso porque, decorre do surgimento, no curso da instrução, de prova de elementar ou circunstância não contida na peça acusatória. O Ministério Público deve aditar a denúncia e, em seguida, abre se prazo para a defesa se manifestar.
Segundo entendimento dos tribunais superiores, o momento adequado para emendatio libele é a sentença. Fato narrado na instrução diferente da peça acusatória. Contudo, admite se a correção da capitulação já no recebimento da inicial quando ocorrer em benefício do réu, permitindo a incidência de instituto despenalizador, quando acarretar a modificação do juízo competente; quando necessária para determinação do procedimento aplicável; e quando repercutir em matérias de ordem pública, como a prescrição.
Rol de testemunhas e demais diligências:
O número de testemunhas é por fato delituoso imputado. O rol de informantes e vítimas não entram nessa contagem. Não é obrigatória a apresentação de rol de testemunhas. A consequência do não oferecimento de rol de testemunhas é a preclusão.
O STJ possui julgado não é entendimento pacífico permitindo a intimação do Ministério Público para emenda da inicial e inclusão do rol de testemunhas, desde que ocorra antes da formação da relação processual, ou seja, antes da citação do réu.
No Procedimento ordinário, pode-se arrolar oito testemunhas. No Procedimento sumário, pode-se elencar cinco testemunhas. Na primeira fase do júri, elenca-se oito testemunhas, na segunda fase do júri, elenca-se cinco testemunhas. Em se tratando da Lei de drogas, pode-se arrolar cinco testemunhas.
Quanto ao Nome e assinatura da parte acusadora, faz-se necessário, sob pena de que a peça seja tida como inexistente. Apócrifa. Entretanto, o vício na procuração pode ser sanado, sendo que há duas correntes sobre o momento em que pode ocorrer, a primeira corrente fala em prazo decadencial, ou seja, seis meses do conhecimento da autoria. A segunda corrente majoritária fala que ocorre antes da sentença, em observância ao art. 569, CPP, mesmo que escoado o prazo decadencial. Não preenchimento dos requisitos formais, se não preenchidos os requisitos formais da denúncia ou da queixa, e isso implicar prejuízo a ampla defesa vício sanável, deverá ocorrer a rejeição da inicial acusatória nos termos do art. 395, I, CPP, bem como, se faltar alguma condição da ação ou pressuposto processual ou se faltar justa causa (lastro probatório suficiente para acusar) a ação penal.
Contra decisão de rejeição da denúncia ou queixa cabe recurso em sentido estrito prazo de cinco dias. Quantos aos prazos para oferecer denúncia tratam-se de prazo improprio, ou seja, caso não seja observado, não enseja a perda do direito de oferecer a denúncia.
Imputação cumulativa e alternativa a denúncia pode ter cumulação de imputações. Pode tanto trazer mais de um fato, hipótese em que temos cumulação objetiva, quanto mais de um sujeito, situação que incorre em cumulação subjetiva. Não é possível, contudo, a imputação alternativa, ou seja, diante da ausência de elementos suficientes de prova de materialidade, trazer mais de um fato (como na imputação cumulativa) deixando explícito que apenas um deles ocorreu.
O Aditamento da denúncia ocorre quando no curso da instrução são descobertos novos fatos, pessoas ou elementos de prova, de modo que o Ministério Público deverá complementar a peça acusatória, diante das novas informações. O aditamento se sujeita no princípio da correlação entre denúncia e sentença, pois, se o juiz só pode condenar quem foi denunciado e em relação aos fatos que foram narrados na denúncia, caso surjam novos elementos no curso da ação, o aditamento será necessário. Poderá ser feito até o momento imediatamente anterior a sentença. A doutrina classifica em aditamento próprio quando há acréscimos de fatos real ou sujeitos pessoal, aditamento improprio, quando há necessidade de correção de alguma falha na denúncia exemplo hora e data do fato, aditamento espontâneo, situação em que o próprio Ministério Público constata a necessidade do aditamento, aditamento provocado quando o juiz provoca a atuação do Ministério Público, zelando pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal.
O aditamento interrompe a prescrição uma vez que o recebimento da denúncia ou queixa é causa interruptiva?
Depende. O aditamento improprio, bem como o aditamento próprio pessoal não interrompem a prescrição, contudo, o aditamento próprio real interrompe a prescrição quanto ao novo fato.
É possível o aditamento da queixa?
O aditamento improprio é possível. Há divergência acerca do aditamento próprio. Parte da doutrina sustenta a inviabilidade, pois a não imputação implica na renúncia ao direito de queixa. Lado outro, há quem sustente posterior aditamento, quando no momento do oferecimento da queixa, não se tinha ciência de certo fato e ou pessoa. O aditamento poderá ser feito até o momento imediatamente anterior a sentença.
Os crimes de violência praticados contra a mulher em sua grande maioria, especialmente na Lei Maria da Penha, são de ação pública incondicionada, ou seja, não há necessidade de autorização da vítima para o Ministério Público oferecer denúncia, bem como não cabe, em sua grande parte os institutos despenalizadores”, não será submetido ao JECRIM, não se aplica a Lei 9.999/95, não cabe transação penal, composição civil, bem como não cabe aplicação do Princípio da insignificância conforme orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça – mais conhecido como Tribunal da Cidadania, etc.
Recebido pelo juízo da Vara Criminal pedido de medida protetiva de urgência, indispensável que o expediente receba identificação própria e anotação no rosto dos autos de que se trata de procedimento envolvendo a prática de violência doméstica. Tanto para sinalizar o direito de preferência, quanto para quantificar seus números e mensurar sua dimensão. Quem sabe vendo números e estatísticas a justiça acabe tomando consciência da urgente necessidade de serem instalados os JVDFMS. Por expressa disposição legal, o magistrado deve apreciar o pedido de medida protetiva de urgência no prazo de quarenta e oito horas. Claro que este prazo é excessivo. Afinal, a violência precisa cessar da forma mais urgente. Inclusive os pedidos de medida protetiva não se suspendem durante o período de plantão forense. Quanto ao processo criminal envolvendo violência doméstica, também deve ser dada prioridade em relação aos outros processos da competência da vara não especializada. Ainda que esteja tramitando em uma vara criminal, nem por isso é possível desconsiderar a aplicação subsidiária do CPC, do ECA e do Estatuto do Idoso. o cumprimento das medidas protetivas que foram concedidas. Este é o limite de sua competência. Não alcança a execução do acordo levado a efeito referente à matéria civil ou familiar que tenha sido eventualmente homologado. Caso haja inadimplemento, sua execução deve ser levada a efeito nas Varas de Famílias. Se não existir esta especialização, o caminho é o juiz que, naquela comarca, atua nos processos envolvendo Direito de Família. Indispensável atentar que não foi atribuída as varas criminais competência para o procedimento executório. Sua competência é para processar e julgar causas cíveis e criminais, não para executá-las. Bem ao contrário do que ocorre com o JVDFM, ao qual a lei atribui competência para processo e julgamento de processos cíveis e criminais e também para execução. No entanto, Enunciado do Fórum Nacional dos juízes da violência Doméstica e Familiar contra a Mulher exclui a competência executória também dos JVDFMs. Compete ao juízo da vara criminal também o julgamento das ações criminais decorrentes da violência doméstica. O inquérito policial deve ser distribuído por prevenção à mesma vara em que tramitou o pedido de medida protetiva de urgência. Os JVDFMS integram a justiça chamada ordinária ou comum. Como são do âmbito da Justiça Estadual, a iniciativa para cria-los é matéria do âmbito da organização judiciária de cada Estado. Ainda assim, também é atribuída à União a possibilidade de cria-los. A Justificativa para esta aparente invasão de competência só pode ser atribuída à relevância que o tema da violência doméstica merece. Antes da edição da Lei Maria da Penha, os conflitos de pequeno potencial ofensivo eram submetidos aos Juizados Especiais Criminais. Assim, identificados por sua natureza – contravenções penais e lesão corporal leve – ou pela quantidade da pena cominada – pena máxima não superior a dois anos. E lá estavam as mulheres, as maiores vítimas de tais delitos no âmbito doméstico. Certamente um dos maiores ganhos da Lei Maria da Penha foi subtrair deste universo a violência de que as mulheres são vítimas no seu lar. Apesar do uso da expressão crime, as contravenções penais também foram deslocadas para o âmbito da JVDFMS. O tema é objeto de enunciado da Comissão Nacional de enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como “medida protetiva de urgência”, ou pela expressão similar, que permita identificar sua origem. O pedido de medida protetiva pode ser requerido pelo Ministério Público ou pela própria ofendida. Ela pode comparecer sozinha ao JVDFM ou à Vara Criminal, e seu pedido será tomado a termo. Apreciado o pedido, será encaminhada ao órgão de assistência judiciária. Para os demais atos processuais a mulher deve estar acompanhada de advogado ou de defensor público. E mais. Pode o juiz, de ofício, conceder as medidas protetivas de urgência que entender necessárias. Diante da gravidade da situação das lesões e da vulnerabilidade da vítima, a título de medida protetiva, deve o juiz determinar o comparecimento do agressor a Grupos Reflexivos de gênero. O descumprimento da medida configura crime, sujeito a pena de três meses a dois anos. Como as medidas protetivas podem ser requeridas onde a vítima se encontrar, é para o juízo da mesma comarca que deve ser encaminhado o procedimento. Ainda que não seja nem o local da residência da vítima e nem do agressor, é ele o competente para a apreciação do pedido. Com isso, se viabiliza que a vítima seja atendida pela rede de proteção à mulher, bem como tenha mais facilidade de deslocamento para pedir providências policiais ou judiciais. Como o inquérito policial deve ser instaurado e o processo criminal tramitar no local em que ocorreu o fato, procedido o registro da ocorrência em outra cidade, cabe à delegacia comunicar à autoridade competência, encaminhando cópia do expediente de medida de proteção. Recebido o expediente em juízo, apreciado o pedido cautelar, a intimação do agressor é feita por carta precatória ou por meio eletrônico que garanta celeridade e dê segurança da ciência do ato. Realizada ou não audiência de acolhimento e verificação, esgotados os expedientes de medidas protetivas, o mesmo deve ser remetido ao juiz local do fato para ser apensado ao inquérito policial. Porém, havendo retratação da vítima, o expediente pode ser arquivado na própria comarca. Na distribuição, devem ser certificados os antecedentes criminais do agressor, a existência de outros procedimentos de medidas protetivas não só com relação à vítima, além de eventuais ações envolvendo as partes. A presença de procedimentos criminais anteriores gera a prevenção do juízo, sendo de todo recomendável que o mesmo juiz fique vinculado as demandas cuja causa de pedir é a mesma. O juiz precisa atentar que o pedido de providências foi feito junto a uma delegacia de polícia, que se limitou a colher a manifestação da ofendida. Antes de ser tomada qualquer providência na esfera policial, o procedimento é remetido a juízo, sendo indispensável que do mesmo conste somente: a qualificação da ofendida e do agressor; o nome e idade dos dependentes; a descrição sucinta do fato e a indicação das medidas protetivas solicitadas pela ofendida; informação sobre a condição de a ofendida ser pessoa com deficiência e as da violência sofrida resultou em deficiência ou agravamento de deficiência preexistente. Ainda que no pedido não esteja acompanhado de qualquer documento – nem mesmo de laudo médico-, é de se dar credibilidade à palavra da vítima. Neste sentido enunciado do Fórum Nacional de Juízes da violência Doméstica. Em se tratando da prática de ato que nem sempre deixa vestígios e, no mais das vezes, acontece entre quatro paredes sem a presença de testemunhas, é de se dar especial relevância probatória à palavra da vítima. Do pedido de providências, não há como exigir que estejam atendidos todos os requerimentos de uma petição inicial, de um inquérito policial ou de uma denúncia. Às claras que haverá ausência de peças, falta de informações e de documentos. Mas isso não é motivo para o indeferimento do pedido ou seu arquivamento. Mesmo quando o pedido é feito através de advogado, estando presentes requisitos mínimos, o requerimento deve ser apreciado. Da mesma forma, quando a postulação é feita diretamente pela ofendida em juízo, ou através do Ministério público. As medidas protetivas devem ser acolhidas de pronto, sem necessidade de prévia vista ao Ministério Público. Somente depois da decisão inicial o promotor é intimado. Flagrada a existência de situação merecedora de tutela, deve o juiz deferir as medidas protetivas de urgência que entender necessárias para garantir o fim da situação de violência. Sua concessão não está condicionada à existência de fato que configure, em tese, ilícito penal. Reconhecida a gravidade da situação da vítima, indispensável a imediata comunicação à polícia civil e militar sobre as medidas concedidas, para que adotem alguma providência para garantir a segurança da mulher e filhos, principalmente quando é determinado o afastamento do agressor do lar. Inclusive o juiz pode requisitar o auxílio da força policial para garantir o adimplemento da medida protetiva. Aplicada medida que obrigue o ofensor, a vítima deve ser intimada – não notificada, como equivocadamente refere a Lei – pessoalmente. Com sua expressa concordância, pode ser cientificada por qualquer meio eletrônico, inclusive por WhatsApp. Além dela, serão intimados o seu procurador e o Ministério Público. Concedida medida protetiva de urgência, o agressor deve ele ser intimado por oficial de justiça ou outra forma eficaz. Caso não seja encontrado, a intimação pode ocorrer por hora certa ou edital. O descumprimento da decisão judicial que defere medidas protetivas configura crime. O magistrado deve decretar a prisão preventiva ao agressor e a autoridade policial tomar as providências cabíveis. O Ministério Público também pode solicitar as providências que entender cabíveis. Indeferida a medida protetiva pelo reconhecimento que a situação retratada não enseja a concessão de qualquer liminar, o juiz deve designar audiência de acolhimento e verificação. Além das partes, devem ser intimados seus procuradores e o Ministério Público, os quais dispõe de legitimidade recursal. Para evitar a permanência na prisão dos indiciados em casos de prisão em flagrante delito, há a possibilidade de o juiz, motivadamente: relaxar a prisão; convertê-la em prisão preventiva, ou conceder-lhe liberdade provisória. Decisão do STF determinou a realização de audiência de custódia, para apresentação do preso perante a autoridade judiciária, no prazo máximo de vinte quatro horas, contados do momento da prisão. A matéria foi regulamentada que o juiz decida sobre a legalidade, a necessidade e a adequação da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem imposição de medidas cautelares. Em se tratando de flagrante por violência doméstica, é de ser preservada a competência dos juízes especializados, devendo a apresentação do agressor acontecer dentro do prazo para apreciação do pedido de medidas protetivas. Nesta hipótese é significativo que seja intimada a vítima, realizando-se, na mesma oportunidade, audiência de acolhimento e verificação. Deste modo, cabível a concessão de liberdade provisória ao agressor e a imposição de medidas protetivas. O registro de ocorrências feito perante a autoridade policial desencadeia procedimentos de duas ordens: pedido de medida protetiva e abertura de inquérito policial. Na polícia a vítima é ouvida e se procede o registro de ocorrências. Tratando-se de ato que tipifica contravenção penal, crime de ação privada ou pública condicionada, na mesma oportunidade é tomado por termo a representação. A manifestação da ofendida é suficiente para instauração do inquérito policial. Depois de atendidas as providências cabíveis, o expediente para a apreciação do pedido de medida protetiva é encaminhado à juízo, em prazo não excedente a quarenta e oito horas. No entanto, em face da possibilidade de ocorrer a renúncia à representação, via de regra, a polícia aguarda alguns dias para dar início às investigações. Isto porque, na audiência de acolhimento e verificação, vez por outra a vítima nega a ocorrência do fato. Já que os fatos dão ensejo à ação pública incondicionada, não havendo necessidade de representação, deve ser dado, desde logo, andamento as investigações. O inquérito policial deve ser enviado a juízo, em trinta dias, se o indivíduo estiver solto. E no prazo de dez dias se estiver preso. O procedimento de medida protetiva é apensado ao inquérito e remetido ao Ministério público para oferecimento da denúncia. Na denúncia, além de pedir a condenação do agressor, o Ministério Público deve requerer a imposição do pagamento de indenização por dano moral à vítima pelos danos sofridos em razão do delito. O pedido também pode ser feito pelo assistente de acusação que atua no processo. Mesmo na ação criminal a vítima tem que ser informada de quando o réu é preso ou solto. A intimação tem que ser pessoal, mas pode acontecer por qualquer meio eletrônico é até através de WhatsApp, se assim ela concordar. Na ação penal, a vítima não precisa estar representada por advogado, pois apenas será colhido o seu depoimento em juízo para fins de instrução do feito. Para que ela participe ativamente do processo criminal, precisa requerer que seja admitida como assistente de acusação. Colhida a manifestação do Ministério Público, o deferimento é levado a efeito no próprio termo da audiência instrutória. Neste caso, seu advogado será cadastrado, receberá as intimações, poderá formular perguntas às testemunhas, apresentar memoriais e recorrer. O valor concedido à palavra da vítima para concessão de medida protetiva, nem sempre alcança a mesma ênfase no processo criminal, já que a condenação necessita de robustas provas, que nem sempre se resumem exclusivamente à palavra da ofendida. Na sentença penal condenatória, cabe ao juiz fixar o valor mínimo para reparação do dano moral causado pela infração. Trata-se de efeito extrapenal da condenação a obrigação do acusado em indenizar o dano causado pelo crime, sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido na esfera cível. (DIAS, 2021).
7.ASPECTOS EMOCIONAIS E PSICOLÓGICOS
“ Para expulsar o predador, precisamos fazer o contrário. Devemos abrir as coisas com chaves ou à força para ver o que está dentro delas. Devemos usar nosso insight e nossa capacidade de suportar o que vemos. Devemos proclamar nossa verdade em alto e bom som. E devemos ser capazes de usar nossa inteligência para fazer o que for necessário a respeito do que vemos. Quando uma mulher é forte em sua natureza instintiva, ela reconhece por instinto o predador inato pelo cheiro, pela aparência, pelos ruídos... ela prevê sua presença, ouve sua aproximação e toma medidas para afastá-lo. Na mulher cujos instintos foram danificados, o predador cai sobre ela antes que ela possa perceber sua presença, pois sua audição, seu conhecimento e sua audição estão prejudicados – principalmente por introjeções que a exortam a ser boazinha, a se comportar e, especialmente fechar os olhos para os maus-tratos. Em termos psíquicos, é difícil notar à primeira vista a diferença entre as iniciadas, que ainda são jovens e, portanto, ingênuas e as mulheres cujos instintos foram danificados. Nenhuma das duas tem grande conhecimento acerca do predador sinistro, sendo ainda muito crédulas. Felizmente para nós, porém, quando o elemento predatório da psique de uma mulher está em atuação, ele deixa para trás pistas inconfundíveis nos seus sonhos. Essas pistas acabam levando a sua descoberta, captura e refreamento. A Cura, tanto para mulher ingênua quanto para a que teve os instintos fragilizados, é a mesma: tente prestar atenção à sua intuição, à sua voz interior; faça perguntas; seja curiosa; veja o que estiver vendo; ouça o que estiver ouvindo; e então aja com base na verdade. Esses poderes intuitivos foram concedidos à sua alma no instante do nascimento. Ao recuperar esses poderes das sombras da nossa psique, deixaremos de ser simples vítimas das circunstâncias internas ou externas. Não importa de que forma a cultura, a personalidade, a psique ou outra força qualquer exija que a mulher se vista ou se comporte; não importa como eles todos possam desejar manter as mulheres vigiadas por suas damas de companhia, cochilando por perto; não importa que tipo de pressão tente reprimir a expressão da alma da mulher, nada disso pode alterar o fato de que uma mulher é o que é, e que sua essência é determinada pelo inconsciente selvagem, o que é bom. A mulher selvagem ensina às mulheres quando não deve ser “boazinha” no que diz respeito à proteção da expressão da nossa alma. A natureza selvagem sabe que a “doçura” nessas ocasiões só faz com que o predador sorria. Quando a expressão da alma está sendo ameaçada, não é só aceitável fixar um limite e ser fiel a ele; é imprescindível. Quando a mulher age assim, não poderá haver intromissões na sua vida por muito tempo, pois ela reconhece logo o que está errado e tem condições de empurrar o predador de volta ao seu devido lugar. Ela já não é mais ingênua. Ela já não é mais uma meta ou um alvo. Esse é o antídoto mágico que afinal faz com que a chave pare de sangrar”. (ESTÉS, 2018)
O crime de violência psicológica ficou assim positivado:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. Estamos diante de um crime comum quanto ao sujeito ativo (pode ser praticado por qualquer pessoa, homem ou mulher), mas próprio quanto ao sujeito passivo: a vítima necessariamente será uma pessoa do gênero feminino, independentemente da sua idade. Vale reiterar nossa posição no sentido de que a mulher trans é pessoa do gênero feminino para fins legais, posição já adotada pelo Superior Tribunal de Justiça. A conduta criminosa, necessariamente dolosa, consiste em (a) causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento; ou, (b) causar dano emocional à mulher com o objetivo de degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. O tipo exemplifica como essas condutas podem ser praticadas: mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Se várias condutas forem praticadas no mesmo contexto, haverá crime único (tipo misto alternativo). O dolo, entenda-se, está ligado a esses meios de ação. O agente deve, livre e conscientemente, querer ameaçar, constranger, etc. Não se exige que aja com o fim específico de causar dano emocional. O crime é material, isto é, exige-se um resultado naturalístico: a provocação de dano emocional à mulher. Tem prevalecido, entretanto, que não é necessário realizar perícia (voltaremos neste ponto mais a frente). A tentativa é, em tese, admissível, pois não se trata de crime habitual (embora o usual seja a prática reiterada de atos, externando o ciclo da violência sobre o qual discorremos. A ação do sistema de persecução penal é incondicionada, não demanda que a vítima externe sua vontade via representação criminal. A atuação estatal se dá de ofício. Perceba-se que, ao indicar a pena, o legislador expressamente registrou “se a conduta não constituir crime mais grave”. O crime é, pois, expressamente subsidiário. Se for possível a configuração de crime mais grave, não será caso de incidência do art. 147-B do CP. A tipificação da perseguição e da violência psicológica (arts. 147-A e 147-B do CP) são relevantes. Antes dessas alterações legislativas, tínhamos um cenário manco, em que a Lei Maria da Penha previa como violência aquela de viés psicológico (art. 7º, II), mas não se encontrava, no sistema, crime a ela correlato, implicando proteção insuficiente. Além disso, era possível o indeferimento de medidas protetivas de urgência a vítimas desse tipo de violência, na medida em que alguns operadores do Direito ainda não conseguem dissocia-las da prática de crimes. Esse cenário, felizmente, mudou em 2021. Não obstante, a despeito do imenso valor simbólico da tipificação da violência psicológica nas relações intrafamiliares, a redação do tipo gera celeuma em relação à sua prova. Como mencionado acima, o crime é material, ou seja, demanda o resultado naturalístico (o dano emocional à mulher), mas ao mesmo tempo, tem-se estabelecido o entendimento de que não exige prova pericial, sendo o dolo relacionado às condutas e não à causação do dano. Como então estabelecer a prova desse crime? Como demonstrar que determinadas condutas perpetradas contra uma mulher foram hábeis a configurar lhe dano emocional passível de punição na esfera criminal? Afinal, no âmbito das Delegacias de Polícia, como se comprova a violência psicológica doméstica? Compete ao Estado-investigação, pela atuação da Autoridade Policial (dominus investigatio) e de seus agentes policiais, carrear elementos probatórios e informativos para demonstrar e comprovar a autoria, a materialidade delitiva e suas circunstâncias, de onde germina a necessidade de fixação de standards probatórios para demonstrar a violência psicológica, seja em sede de detenção flagrancial, seja no curso das investigações policiais, mormente diante da dificuldade natural de se comprovar tais violências. Cabe lembrar que, em nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre iniciativa probatória, ou seja, a produção probatória é livre, desde que observado a ordem pública, moral e os bons costumes. O art. 156 do Código de Processo Penal traz o ônus probatório no processo penal: Art.156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Os standards probatórios são parâmetros que permitirão a condenação ou absolvição e também servem para balizar eventual prisão flagrancial, instauração de procedimento policial e indiciamento. Os standards probatórios apontam para o grau de confiabilidade que a sociedade deposita e acredita ao juiz em suas deliberações, o mesmo se dando em relação a autoridade policial. Nessa circunstância, repetimos o questionamento: como se comprovar a violência psicológica doméstica no âmbito das Delegacias de Polícia? Considerando que o crime é recente e que os precedentes são poucos, este artigo não pretende exaurir as possibilidades probatórias, mas indicar alguns possíveis caminhos e abrir o diálogo com outros operadores do sistema. O professor Rogério Sanches da Cunha argumenta, ao tratar da dispensabilidade de laudo técnico que comprove os danos psicológicos que: A prova do resultado pode ser feita pelo depoimento da ofendida, por depoimentos de testemunhas, relatórios de atendimento médico, relatórios psicológicos ou outros elementos que demonstrem o impacto do crime para o pleno desenvolvimento da mulher, o controle de suas ações, o abalo de sua saúde psicológica ou algum impedimento à sua autodeterminação. Considerando que o resultado do crime não é a lesão à saúde psíquica, mas o dano emocional (dor, sofrimento ou angústia significativos), laudos técnicos não são necessários. (FERNANDES, Valéria Diez Scarance; ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Ressalte-se, outrossim, que algumas das condutas previstas no tipo penal, por si só, comprovadas por quaisquer das formas abaixo relacionadas, tais como humilhações em público, constrangimentos, ridicularizarão da vítima, desde que produzidas de forma reiterada, por si só já podem comprovar o fato típico. Partindo das premissas de que o dolo se relaciona às condutas (não à causação de dano) e de que a prova pericial do dano emocional é desnecessária, sugerimos as seguintes diligências como possíveis:
Não podemos olvidar que, a depender da circunstância fática, a intensidade da violência psicológica doméstica pode configurar lesão corporal, por violar a integridade psicológica da vítima. BURIN; MORETZSOHN; JÚNIOR, 2023).
A lei 14.188/21 trouxe ao Diploma Penal Pátrio, em seu art. 147-B, a seguinte inovação: Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. O art. 147-B do CP traz em seu bojo inovação que antes não se encontrava tipificada em nosso ordenamento jurídico, eis que a violência psicológica existia como mera alusão, inserida como uma das espécies de violência contra a mulher, prevista no art. 7º, II, da lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), como segue: "São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Antes, havendo a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 5º, I a III) e configurada uma hipótese de violência psicológica (art. 7º, II), o agente responderia por algum crime previsto no CP, como por exemplo, ameaça, injúria, perseguição ou stalking, sequestro, cárcere privado, constrangimento ilegal etc., já que a violência psicológica referida no art. 7º, II da citada lei não era um tipo penal específico, mas apenas uma alusão abstrata, como já dito alhures. Com o advento da lei 14.188/21, dando vida ao art. 147-B do CP, o legislador pátrio viabilizou a criminalização da violência psicológica, com regulação própria e diferenciada, outorgando-lhe tipificação específica, portanto, punível. Por oportuno, frise-se que esta é a mesma lei que trouxe o §13º ao art. 129 do CP, especificando a lesão corporal praticada contra a mulher junto ao contexto de violência doméstica ou familiar, ou mesmo por razões de simplesmente ser do sexo feminino. Para melhor esmiuçar, tem-se que a violência psicológica é uma violência cumulativa, sagaz, constante, renitente, praticada através de comportamentos abusivos por parte do agente, que paulatinamente abalam a paz e a tranquilidade da mulher. Não são poucos os exemplos de casos de mulheres vítimas de violência doméstica que lotam os escritórios de advocacia e relatam ouvirem de seus companheiros, rotineiramente: - "Qual homem vai te querer? Você é feia, velha, acabada! Vai morrer podre e sozinha!" Essa é a manobra que o agente faz para ter o controle sobre a vítima e abalar sua autodeterminação, a fim de mantê-la incólume no relacionamento, serviçal a ele, ainda que ao preço de enorme sofrimento da mulher, traduzindo-se em exemplo típico de violência psicológica, apta a causar enorme dano emocional. E não se perca de vista, também, a malfadada conduta de proibir a mulher que frequente recintos que o agressor julga inapropriados, ordenar que rompa certas amizades, controlar o uso de aparelho celular ou telefone, redes sociais, não permitir que use roupas que entende incompatíveis etc. Na prática tornou-se pacífica a dispensa da necessidade de realização de perícia para atestar a ocorrência de dano emocional, sendo válida a comprovação por meio de depoimentos testemunhais, declarações da própria vítima e outros meios idôneos de prova. Outrossim, o art. 147-B do CP aborda um crime subsidiário, que tem aplicação se a conduta do agente não constituir crime mais grave, sendo de bom tamanho analisar a questão sob a ótica da possibilidade de ocorrência de lesão corporal. A violência psicológica pode provocar na mulher diversas patologias de ordem psíquicas, facilmente comprovadas através de laudo médico, como depressão, transtorno de ansiedade entre outras e, nesse liame, tipifica-se o crime de lesão corporal que, sendo simples, estará enquadrada no art. 129, §13º, do CP, podendo ainda ser grave ou gravíssima, caso a vítima fique impossibilitada de trabalhar por mais de 30 (trinta) dias, dependendo da doença. Fato é que, ano a ano criam-se dispositivos legais aptos a coibirem a violência doméstica, dado o crescente índice das estatísticas de feminicídio que assombram nosso país, triste realidade que merece não só a ação legislativa, mas principalmente o impulsionamento de políticas públicas e sociais que incentivem a educação, para que possamos impulsionar a sociedade rumo à formação de homens dignos e responsáveis desde o berço, para que quando advir a maturidade, ao retorno do trabalho, não privilegiem os bares em detrimento da companhia da esposa e filhos, respeitando-os e tratando-os como verdadeiramente merecem. (D’AVILA, 2023)
Por que A pornografia de vingança deve ser Considerada violência Moral e Psicológica, fatores etiológicos da Lesão corporal?
Considerando as discriminações de gênero afirmadas pelo agressor e pela própria sociedade em casos de pornografia de vingança, a disponibilização dos contatos reais das vítimas em sites de pornografia e redes sociais é tática frequentemente adotada pelos autores do delito, facilitando perseguições por estranhos. Diante desse quadro, inicia-se um processo de vulnerabilidade das vítimas, que, expostas a ataques físicos e virtuais, são submetidas ao assédio por desconhecidos. Dessa forma, evidencia-se a gravidade das violências praticadas nas redes sociais (CITRON; FRANKS, 2014). Nessa discussão, Porto e Richter (2015) destacam a aptidão das plataformas virtuais para a violência online, como o cyberbullying – prática de atitudes agressivas, ofensivas e de desestruturação emocional das vítimas. Por conta do alcance instantâneo de milhares de pessoas, as consequências desse tipo de violência assumem dimensões até mais graves do que as agressões presenciais, haja vista a insignificância das barreiras temporais e espaciais que caracterizam os espaços cibernéticos. É o que afirmam Porto e Richter (2015). Nesse contexto, profissionais que lidam cotidianamente com o trato da pornografia de vingança alertam para a gravidade de suas consequências, majoradas pelas circunstâncias específicas do mundo virtual, tais como a visibilidade, facilidade de propagação do conteúdo e acesso sem os limites típicos do mundo físico. Decorrendo da característica de fluidez do mundo virtual, a dificuldade de investigação dos crimes e responsabilização de agressores contribui para o agravamento do sofrimento experimentado pelas vítimas. Esse desconforto intenso é caracterizado pela vulnerabilidade da saúde psíquica, sendo frequentes os episódios de ansiedade, depressão, angústia, medo, tristeza, raiva, estresse, dores de cabeça e de estômago, distúrbios do sono, falta de apetite, entre outros. (PORTO; RICHTER,2015). Aprofundando as discussões científicas em torno da relação entre violência psicológica e desequilíbrio psíquico, emocional ou psicossomático, vários autores têm construído o raciocínio no sentido de se perceber a violência psicológica de gênero e doméstica exercida de modo crônico e continuado como elemento causador de lesão corporal, tese que se encaixa perfeitamente à complexidade dos efeitos da pornografia de vingança sobre a saúde das vítimas. Fernandes (2015), por exemplo, descreve as consequências da tortura psicológica à integridade mental, mediante a enumeração dos seguintes sintomas: transtornos, estresse e cognições pós-traumáticas, abuso ou dependência de substâncias, baixa autoestima, déficit em solução de problemas, suicídio, entre outros. Dessa forma, enquanto o dano à integridade corporal frustra a incolumidade de algum elemento fisiológico da vítima, na lesão à saúde, os efeitos podem transcender a mera fisiologia, ocasionando alterações de funções do organismo e perturbação psíquica. Apesar da urgência de compreensão e enfrentamento estatal da pornografia de vingança, haja vista o perigo que significa à vida das vítimas, as instituições brasileiras ainda caminham a passos lentos nesse sentido. Esse atraso se dá por conta da percepção equivocada de que o principal bem jurídico tutelado nesses casos é a honra, e não a saúde, tese majoritária que desvia o foco principal da discussão e exclui a aplicação da Lei Maria da Penha, instrumento jurídico mais protetivo às vítimas e com melhor potencial de reprimenda do agressor. Nesse sentido, destaca-se a importância dos estudos científicos multidisciplinares sobre a pornografia de vingança, de modo a instrumentalizar a incorporação de novas abordagens e procedimentos às instituições do sistema de justiça, para que estas consigam dar uma resposta efetiva ao problema. Reforçando a percepção de que o referido crime implica lesão corporal em virtude dos desgastes físicos e emocionais que causam à saúde das mulheres, entidades não governamentais e profissionais de diversos campos do conhecimento têm atuado de forma a conscientizar gradativamente os cientistas e operadores do direito:
Na pornografia de vingança, a honra da vítima é atingida, mas como fica a saúde dela?
Muitas mulheres se afastam do trabalho, da família, têm sua saúde mental arrasada. Podemos considerar a questão da lesão corporal, já que as vítimas acabam sofrendo de problemas psíquicos.
Considerando esses perigos da exposição sexual das vítimas em casos de pornografia de vingança, vários países têm adotado medidas legislativas e administrativas no sentido de coibir o comportamento do agressor e oferecer acolhimento às vítimas. Entre os principais Estados que já adotaram uma legislação específica para a pornografia de vingança, destacam-se os seguintes. Tratando especialmente sobre a proteção da saúde psicológica, comprometida ante os atos de violência de gênero, outros países lançam mão de legislações condizentes com as peculiaridades do dano psicológico. Entre esses, a Espanha adotou medidas de controle da publicidade sexista, enquanto Portugal proibiu expressamente maus tratos psíquicos ao cônjuge, conforme o disposto no Código Penal. Na França, a jurisprudência moderna reconheceu o delito de violência psicológica habitual (violence psychologique) como conduta capaz de causar depressão, perda da autoestima, pânico, doenças psicossomáticas, insônia e transtornos alimentares. Na Argentina, a legislação penal prevê modalidades da violência psicológica e simbólica, sendo que essa última consiste na perpetuação das desigualdades de gênero por meio de estereótipos que naturalizam a sujeição da mulher. No tocante à violência psicológica, a lei argentina prevê perícia realizada por profissional de gênero, de modo a elaborar laudo técnico visando materializar a violência psicológica. Em Israel, a Lei contra a Violência Doméstica tipifica o crime de stalking, entendido como perseguição ou assédio intimidante. Outros países também estabelecem esse mesmo tipo penal, como Hungria e Alemanha. No Brasil, os casos de suicídio registrados nos últimos anos em decorrência de vítimas se perceberem irreversivelmente expostas em redes sociais despertaram a necessidade de adaptação das instituições do sistema de justiça ante os novos desafios trazidos pelo aumento da complexidade relacional característica do processo de globalização. (SILVA; PINHEIRO, 2017)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos vivendo uma crise humana. Os tempos líquidos, os relacionamentos líquidos como bem ensinam Bauman, trazem essas nefastas consequências ao ser humano, em especial, ao sexo feminino. Aliás, perpetua e se acentua nos dias atuais, pois não há mais valorização e apreço pelo ser humano. Os relacionamentos rápidos e vazios muitas vezes terminam nesses tristes cenários de violência contra a mulher, entretanto, não se limita a estes, existem mulheres que sofrem violência doméstica durante anos dentro do próprio casamento ou no seio familiar, de forma velada, sem o conhecimento de ninguém. A crise de identidade que paira nesta atualidade, as mais variadas formas de famílias que estão disfuncionais, que não se dedicam a exercerem seus papéis de pais, mães e filhos, buscando um amadurecimento como ser humano e cidadãos, resultam nas tristes e infindáveis estatísticas, porque sabe-se que a família é o berço da sociedade e se a família está disfuncional, por consequência, toda sociedade será disfuncional. Além disso, sabe-se que a mulher é diariamente agredida em suas mais variadas formas dentro do “lar”, lugar que deveria proporcionar segurança e acolhimento, bem como, nas suas relações de “afetos”. E que muitas vezes, permanecem inseridas no ciclo da violência por dependência emocional e/ou financeira, principalmente quando se há filhos envolvidos dos respectivos relacionamentos.
Logo, percebe- se que apesar dos avanços na defesa e proteção da mulher, ainda há pouca eficácia das leis e das políticas de enfrentamento à violência contra mulher. Sendo assim, a defesa contra a mulher deve ser mais fortemente combatida pelo Estado e por toda a sociedade. Precisa-se de uma mobilização de vários atores da sociedade para romper com ciclos que se repetem há anos. Mulheres que ajudam mulheres, homens que defendem mulheres. Faz-se necessário uma educação na formação da cultura da criança desde a tenra infância, ensinando meninos a respeitarem meninas e a tratá-las bem, bem como pais que ensinem as meninas, ainda crianças a se posicionarem sobre os seus valores a fim de se auto prevenirem de situações de abuso, perpassando pela educação sexual infantil adequada para sua idade física e psicológica, considerando serem pessoas em formação, além do ensino da inteligência emocional com fito de na vida adulta evitarem relacionamentos que contenham dependência emocional, ou relacionamentos com parceiros violentos, ajuda essa, que pode ser obtida de forma multidisciplinar através da psicologia, de profissionais da saúde, da educação doméstica, além da constante discussão sobre o tema nas escolas e universidades. E por fim, buscando uma forma efetiva de prevenção e punição para os agressores, tem-se atualmente Delegacias de Polícias Especializadas para Atendimento da Mulher (DEAMS) em situação de vulnerabilidade, ameaça ou agressão, além do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Além disso, são vários os bens jurídicos atingidos e consequentemente protegidos em situações de crimes praticados contra mulher em ambientes virtuais, na rede mundial de computadores: a segurança, tranquilidade, a honra e a imagem, segurança da informação, integridade física e psíquica, a vida privada, a intimidade, privacidade, e a dignidade sexual. Tendo em vista que o bem jurídico mais abalado diante dos crimes tratados no presente livro é a tranquilidade e a integridade psíquica, pois uma vez maculada sua honra e imagem, exposta a sua intimidade sem a sua anuência, havendo insegurança quanto a sua vida privada, ou ainda quanto a sua dignidade sexual por meio de divulgações ilícitas, tais fatos isolados ou cumulados acarretam principalmente desordem na esfera psicológica da mulher. Importante destacar que o termo utilizado na linguagem coloquial “internet não é terra sem lei” é bem verdadeiro, no sentido de que há no ordenamento jurídico leis que regulamentam essas condutas criminosas bem como aplicam as devidas sanções penais. Nesses casos de crimes praticados no âmbito virtual, aconselha-se a procurar a Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos para garantir as primeiras medidas quanto à segurança da mulher, e posteriormente seguir para o Poder Judiciário que a depender do caso o infrator responderá na esfera cível ou na criminal, ou ainda em ambas a depender do caso.
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Advogada. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva. Pós graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Membra da subcomissão de estudos sobre o Tribunal do Júri na OAB/PE. Membra da Comissão de Direito de Família da OABPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, ANA GABRIELA DE AGUIAR. Aspectos sobre a violência contra a mulher e a legislação brasileira. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2024, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66174/aspectos-sobre-a-violncia-contra-a-mulher-e-a-legislao-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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