RESUMO: Os atentados de 11 de setembro de 2001 tiveram grande repercussão no Direito Internacional como um todo. A partir de então, os Estados Unidos da América intensificaram a denominada luta contra o Terrorismo, tendo como principais metas fortificar a segurança nacional, militarizar cada vez mais seus exércitos e de outras potências aliadas. As Guerras no Afeganistão e no Iraque são exemplo dessa forte política repressora que atingiu principalmente indivíduos de origem árabe em todo o mundo. Os Estados passaram a aumentar as medidas de segurança e o controle na perspectiva anunciada de garantir a tranquilidade do cidadão. Logo, visando efetivar tais medidas, passaram a ser cada vez mais comuns o uso de câmaras de vigilância e armas, forte poder de polícia, duras políticas contra imigrantes, grande desconfiança e discriminação contra os muçulmanos, menos abertura multicultural e, sobretudo, mais medo. Neste compasso, verificamos se a luta contra o terrorismo se torna legítima e visa a segurança e paz das nações ou se essa bandeira de alguma forma tem sido usada como forma de burlar a diplomacia, políticas democráticas e os direitos humanos, com o intuito de manter a supremacia de uma visão cultural sobre outra.
Palavras-chave: Terrorismo. Convenção Interamericana. Direitos Humanos. Desmilitarização. Multiculturalismo.
INTRODUÇÃO
O terrorismo é caracterizado como um delito hostis humanis generis, situando-se entre os mais repudiáveis dos crimes internacionais.
Antônio Cassese define ato de terrorismo como: “Qualquer ato violento contra pessoas inocentes com a intenção de forçar um Estado, ou qualquer outro sujeito internacional, para seguir uma linha de conduta que, de outro modo, não seguiria”. (1990, p. 6)
O enfoque jurídico do terrorismo é, talvez, mais controverso que os enfoques político e sociológico, bastando dizer que não existe um único texto ou resolução que o tipifique de forma abrangente, mas apenas tentativas pouco consistentes de defini-lo, isto tanto no plano global quanto no hemisférico.
Desde que a Organização das Nações Unidas realizou o seu primeiro estudo[1] sobre o terrorismo internacional em 1972, a comunidade internacional não pôde chegar a uma definição universal acerca daquilo que é preciso entender com a expressão "terrorismo internacional". Nem tão-pouco conseguiu chegar a um consenso suficiente sobre as medidas necessárias para prevenir e reprimir as manifestações prejudiciais dos atos de violência terrorista.
Fato é que somente há bem pouco tempo atrás, após a ocorrência de diversos eventos tais como os atentados de 11 de setembro em Nova York nos Estados Unidos da América e os de 11 de março em Madrid na Espanha, após o surgimento de inúmeras convenções que procuraram definir o terrorismo e criar instrumentos para o seu combate, e a grande adesão dos Estados a esta luta, é que se põe fim às dúvidas a respeito da real necessidade de se reunir esforços para prevenção e combate ao terrorismo.
Diante de vários horrores, o Direito Internacional desenvolveu-se com o objetivo de garantir a paz, a dignidade humana, enfim, garantir os direitos humanos em todos os seus aspectos.
Os atentados de 11 de setembro de 2001 tiveram grande repercussão no Direito Internacional Americano e importância fundamental para que o Estados Unidos da América encabeçasse de vez a luta contra o Terrorismo, tendo como principais elementos a segurança nacional, a forte militarização de seus exércitos e de outras potências a este alinhadas.
Esta mobilização, embora de cunho global, acabou por mobilizar o continente Americano, levando este a produzir a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, dotada da Resolução nº. 1.840 de 3 de junho de 2002, que acaba por ser de absoluta importância para o presente estudo, haja vista que resume muito bem este espírito necessário para enfrentar o terror causado por incidentes como o das torres gêmeas[2].
A Convenção é fruto dos trabalhos do Conselho Permanente da OEA e do Comitê Interamericano contra o Terrorismo, criado pela declaração de Mar Del Plata, de novembro de 1998.
Em contrapartida, os Estados aumentaram e aumentarão as medidas de segurança, e o controle para “garantir a tranquilidade do cidadão”, o que importará mais câmaras de vigilância, mais armas, mais poder de polícia, mais políticas contra imigrantes, mais desconfiança contra os muçulmanos, menos abertura multicultural, e mais medo.
É que apesar de muitos acreditarem que a solução contra a violência está só no investimento em segurança pública e defesa, a história da humanidade mostra que esse modelo serve somente para aprofundar a crise.
Em todo caso, é necessária uma análise mais profunda dos conflitos que envolvem e geram a violência internacional pela qual passamos nos dias de hoje, para só então podermos concluir quais os meios mais eficazes na luta contra o terrorismo. A questão trata-se, portanto, de ver o problema na perspectiva do conjunto das sociedades, e perguntar-se como, por exemplo, os jovens de origem árabe – supostos autores de alguns dos mais importantes atentados – e cujas famílias encontravam-se erradicadas nos locais em que os incidentes ocorreram, tenham desvalorizado de tal maneira a vida de concidadãos e a cultura em que aparentemente nasceram, estudaram e construíram a própria vida.
É nesse aspecto que procuramos desenvolver o presente trabalho, procurando apenas inicialmente fazer uma análise acerca da temática, sem necessariamente ter que responder de forma definitiva e fechada às questões acima levantadas, até mesmo porque a pesquisa científica deve ter sempre um sentido construtivo e não exclusivamente finalístico.
METODOLOGIA
A pesquisa a ser desenvolvida tem o caráter bibliográfico. Para Bastos (2006, p. 31), o tipo de pesquisa bibliográfica “baseia-se na análise da literatura já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsa, imprensa escrita e até disponibilizada na internet”. Ainda segundo a autora:
A pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador a análise comparativa de vários posicionamentos sobre um mesmo assunto e daí advém a principal vantagem desse tipo de pesquisa, que é possibilitar ao pesquisador englobar a temática de forma um pouco mais ampla do que aquela que seria possível na pesquisa de campo. (BASTOS, 2006, p. 32).
Devida à experiência de nossa parte a respeito do assunto e à larga curiosidade de nossas mentes pelo assunto ora abordado, ávidos por descobertas e conhecimento, é que este trabalho é considerado como um ponto pé inicial, posto que procura explorar um universo temático demasiado amplo para só, então, após um esclarecimento a respeito das verdadeiras problemáticas que circundam o tema, passarmos a um outro nível de pesquisa.
E é nesse sentido que se diz que toda pesquisa é exploratória. Gil (1991, p. 44) entende que:
Muitas vezes as pesquisas exploratórias constituem a primeira etapa de uma investigação mais ampla. Quando o tema escolhido é bastante genérico, tornam-se necessários seu esclarecimento e delimitação, o que exige revisão da literatura, discussão com especialistas e outros procedimentos. O produto final desse processo passa a ser um problema mais esclarecido, passível de investigação mediante procedimentos mais sistematizados.
Por fim, tendo em vista que o terrorismo é, atualmente, um tema bastante visado pelos meios de mídia e a preeminente preocupação dos Estados e da Sociedade Internacional com os riscos e agressões aos direitos humanos por ele gerados, é que nós, como estudantes de direito, entendemos que deve ser discutido e analisado não só em seu aspecto jurídico, mas também social, preocupando-nos em despertar a atenção do meio acadêmico a respeito do debate de ideias e problemáticas tais como os meios de defesa utilizados pelos Estados ou Organizações Internacionais, que podem, a depender destes meios, aumentar ou diminuir os conflitos entre os povos e nações envolvidas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após os atentados de 11 de setembro, pudemos ver surgir nos Estados Unidos da América uma verdadeira espécie de política do medo. Em pequenas, porém marcantes frases, o, então, presidente dos E.U.A., George W. Bush Jr., conclama o ódio, o medo, e a necessidade de defesa aos norte-americanos: “Nossos inimigos não são somente terroristas, mas também aqueles que se abrigam nele” e questiona ao povo mais adiante: “Você está conosco ou com os terroristas?”
E foi em meio a esse contexto que surgiu a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, assinada em 03 de junho de 2002, em barbados, sob forte pressão e também incentivo dos Estados Unidos. Os 13 dos 34 Estados-membros que a ratificaram, procuraram dar uma abrangência mais ampla ao combate contra o terrorismo, buscando coibir o financiamento e a comunicação das atividades terroristas, vigiando as movimentações transfronteiriças, promovendo o embargo ou confisco de bens que fossem produto de ou destinados à prática do delito, além de buscar a cooperação entre os Estados para que eles se recusassem a continuar patrocinando, apoiando ou abrigando terroristas[3].
A verdade é que após os E.U.A. terem sofrido aquele que é considerado como o maior ataque terrorista de sua história, a diplomacia mundial intensificou os esforços para ampliar o quadro normativo para o combate ao terrorismo, aprovando resoluções nas Nações Unidas e acelerando a conclusão de acordos multilaterais que estabeleçam medidas a serem adotadas pelos Estados e assim efetivar o compromisso internacional contra os atos e grupos terroristas.
Se, por um lado, a referida convenção assim como outras cartas internacionais, recentemente aprovadas são dignas de elogios pelo simples intuito de tentar promover a segurança de milhões de vidas inocentes, alheias aos verdadeiros conflitos que giram em torno do terrorismo, por outro lado não deve às custas disso impor limites às liberdades individuais, tornando o poder dos Estados e de seus líderes cada vez maiores, sob a alegativa de proteção contra o terrorismo.
A sociedade tem que proteger seus cidadãos contra duas ameaças diferentes: em primeiro lugar, a ameaça de morte e mutilação; em segundo, a recusa em se fazer uma opção sob mira de armas, isto é, a coerção de autoridade ou de pessoas, para obrigar o povo a fazer, ou permitir que seja feito, aquilo que é contra a sua vontade. (CLUTTERBUCK, 1980, pg. 103)
No caso específico da Convenção Interamericana, esta prevê medidas que visam o aumento do poder dos Estados em fiscalizar seus cidadãos, assim como quaisquer indivíduos que se encontrem submetidos a sua jurisdição, o que pode gerar menos liberdade e até mesmo violação de direitos e liberdades individuais.
A Convenção fala em seu artigo 5º, in verbis que:
Cada Estado Parte, em conformidade com os procedimentos estabelecidos em sua legislação interna, adotará as medidas necessárias para identificar, congelar, embargar e, se for o caso, confiscar fundos ou outros bens que sejam produto da comissão ou tenham como propósito financiar ou tenham facilitado ou financiado a comissão de qualquer dos delitos. (grifo nosso)
Parece ser uma tendência que tem levado o mundo norte-americano e europeu a viver uma verdadeira onda de medo e busca cada vez mais desenfreada pela segurança a qualquer custo, neste compasso, Slavoj Zizek (2008, pg. 53) se refere a uma espécie de “guerra paranoica”:
Estamos entrando numa nova era de guerra paranoica em que a principal tarefa será identificar o inimigo e suas armas. Nessa nova guerra, os agentes vão cada vez menos assumir publicamente os seus atos: não somente os próprios “terroristas” terão menos interesses em assumir as responsabilidades por seus atos (nem mesmo a notória Al-Qaeda assumiu explicitamente os ataques de 11 de setembro, para não mencionar o mistério com relação às cartas com antraz); as medidas “antiterroristas” do Estado também são ocultas por um manto de segredo – e tudo isso forma o caldo de cultura ideal para teorias conspiratórias e paranoia social generalizada.
Após, o crescimento das ocorrências terroristas, o mundo vivenciou duas guerras recentes, uma no Afeganistão e outra no Iraque, e os prisioneiros de guerra postos a toda sorte de violação dos direitos humanos, presos na base de Guantánamo.
“Em todo caso, se se trata de guerra, deveríamos perguntar-nos se ela está sendo combatida no front correto: é de fato um conflito militar? Tem sentido gastar milhões de dólares em armamentos para derrotar um inimigo invisível, capaz de se multiplicar em cada indivíduo que transita pelas ruas?” (Alberto Barlocci, 2005, pg. 9)
Entende-se que realmente não se justifica tamanho investimento em armamentos e em políticas distorcidas que provocam discriminação a certos povos, pois a verdadeira semente do terror parece residir nas injustiças causadas por relações de opressão e domínio de um povo sobre outro, a pobreza que impõe cada vez mais profundo abismo entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Nesse contexto, a luta contra o terrorismo somente se torna legítima à medida que esta implique na mobilização da comunidade internacional pela erradicação da pobreza, busca pela paz no Oriente Médio e no mundo como todo, mas que esta busca se faça através do diálogo e da diplomacia internacional, ou seja, por meios pacíficos.
Contudo, devemos ressaltar, quanto a mencionada Convenção Interamericana, que foi dado importante passo a favor dos Direitos Humanos em tempos de luta contra o Terrorismo com a inserção do artigo 15 na Convenção, que dispõe em resumo que a eficaz e competente luta contra o Terror só pode se desenvolver no mais amplo respeito aos Direitos Humanos, em sua visão integral, indivisível, universal, inter-relacionada e interdependente, unindo o Direitos Humanos ao Direito dos Refugiados e ao Direito Humanitário, isto é, com a observância do núcleo inderrogável dos Direitos Humanos e do princípio da não-discriminação.
Neste ponto quanto ao princípio da não-discriminação interessante fazer menção quanto ao pensamento de ZIZEK (2008, pg. 49): “Toda explicação que evoque as circunstâncias sociais é desprezada como uma justificativa disfarçada do terror, e toda entidade particular é lembrada apenas de forma negativa: os terroristas traíram o verdadeiro espírito do Islã, não expressam os interesses e esperanças das miseráveis massas árabes…”
A forte política de controle à imigração configura o ápice do medo que os nacionais têm demonstrado ao estrangeiro em seu país, sobretudo àquele de descendência árabe, o que tem reforçado cada vez mais a ideia de impossibilidade de coexistência de culturas, ou seja, o multiculturalismo, e violando o princípio da não-discriminação previsto na própria Convenção.
Desta forma, os direitos humanos estão intrinsecamente ligado ao princípio de não-descriminação, haja vista que a ideia de humanidade eleva à igualdade todos aqueles de advindos de diversas culturas, aqui importante ressaltar o multiculturalismo como bem a ser preservado, enriquecedor de experiências e elemento evolutivo do sentimento de irmandade entre as nações.
CONCLUSÕES
Dessa forma, percebemos que o terrorismo é uma das maiores ameaças enfrentadas neste século. É um fenômeno que ultrapassa as fronteiras e se instala em diferentes sociedades. Para combatê-lo, precisamos de união, determinação e cooperação entre as sociedades ocidentais e orientais. Uma discussão aberta sobre a temática, sem extremismos, seria de significativa importância para promover a construção de meios democráticos de prevenção e combate ao terrorismo.
A Convenção Interamericana contra o terrorismo surge como um passo importante e pioneiro na regulamentação jurídica sobre o tema. Entretanto, não podemos negar que a Convenção abriga também meios questionáveis de combate ao terrorismo, sobretudo, por conta de disposição que pode dar ensejo a ações antidemocráticas e violadoras dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
BARLOCCI, Alberto. A Cegueira do Ocidente. Cidade Nova, São Paulo, v. 47, n. 9, p. 8-9, Set.2005.
BASTOS, Núbia Maria Garcia. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. Fortaleza: Nacional, 2006.
CASSESE, Antonio. Terrorism, Politics and Law: The Achille Lauro Affair. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1990.
CHRISTOPOULOS, Dimitris. A Apertada Corda entre o Terrorismo e os Direitos Humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.11, n. 42, p. 14-25, Jan/Mar 2003.
CLUTTERBUCK, Richard. Guerrilheiros e Terroristas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1991.
ZIZEK, Slavoj. Bem-Vindo ao Deserto do Real!: Cinco Ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas. 1ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
Agradecimentos
Agradecemos à Polícia Civil pelos cursos e conhecimentos de Direito Internacional, bem como pelo incentivo. Ao Curso de Direito da Universidade de Fortaleza pelo aparato teórico que proporcionou e que tornou possível do desenvolvimento deste artigo. Ademais à minha família pelo apoio que é imprescindível e sempre constante.
[1] Estudo estabelecido pelo Secretariado, de harmonia com a decisão tomada pela 6.ª Comissão na sua sessão de 27 de Setembro de 1972 (A/C.6/418).
[2] World Traide Center.
[3] Convenção Interamericana contra o Terrorismo - Artigo 7 Cooperação no âmbito fronteiriço 1. Os Estados Partes, em conformidade com seus respectivos regimes jurídicos e administrativos internos, promoverão a cooperação e o intercâmbio de informações com o objetivo de aperfeiçoar as medidas de controle fronteiriço e aduaneiro para detectar e prevenir a circulação internacional de terroristas e o tráfico de armas ou outros materiais destinados a apoiar atividades terroristas.
UNIFOR - Universidade de Fortaleza e Escrivão da Polícia Civil do Ceará
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCISCO CRISTIANO FEIJÃO JÚNIOR, . A Luta Contra o Terrorismo: A Necessidade de Desmilitarização das Medidas de Combate e de Prevenção e a Convenção Interamericana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2024, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66298/a-luta-contra-o-terrorismo-a-necessidade-de-desmilitarizao-das-medidas-de-combate-e-de-preveno-e-a-conveno-interamericana. Acesso em: 21 nov 2024.
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