LETICIA LOURENÇO SANGALETO TERRON[1]
(orientadora)
RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a situação atual do sistema prisional brasileiro à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. A pesquisa visa identificar as condições atuais das prisões no Brasil, apontando os principais problemas enfrentados, como a superlotação, as condições precárias de higiene, alimentação e assistência médica, além da falta de políticas eficazes de ressocialização. O estudo busca evidenciar como a desestruturação do sistema prisional reflete o descaso com a dignidade dos presos e discutir a necessidade de reformas legislativas e administrativas para melhorar a situação. A própria Lei de Execução Penal (LEP), estabelece que a pena deve ser cumprida em cela individual com área mínima de seis metros quadrados, ainda exige compatibilidade entre a estrutura física do presídio e sua capacidade de lotação. Ao final, espera-se contribuir para o debate sobre a construção de um sistema prisional mais justo e humano, que respeite os direitos fundamentais dos indivíduos privados de liberdade.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema prisional. Dignidade da pessoa humana. Direitos humanos. Ressocialização.
ABSTRACT: The objective of this article is to analyze the current situation of the Brazilian prison system in light of the principle of human dignity. The research aims to identify the present conditions in Brazilian prisons, highlighting the main problems faced, such as overcrowding, poor hygiene, inadequate food and medical assistance, and the lack of effective resocialization policies. The study seeks to show how the disorganization of the prison system reflects neglect towards the dignity of inmates and to discuss the need for legislative and administrative reforms to improve the situation. The Penal Execution Law (LEP) establishes that sentences should be served in individual cells with a minimum area of six square meters and requires compatibility between the physical structure of the prison and its capacity. In the end, it is hoped that this will contribute to the debate on building a more just and humane prison system that respects the fundamental rights of individuals deprived of their liberty.
KEYWORDS: Prison system. Human dignity. Human rights. Resocialization.
1 INTRODUÇÃO
A realidade prisional brasileira é marcada por uma série de desafios e contradições que revelam a precariedade do sistema e a violação de direitos fundamentais. Superlotação, condições insalubres, violência e falta de acesso a serviços básicos são problemas recorrentes que caracterizam o cotidiano das prisões no Brasil. Esse cenário impacta não apenas os detentos, mas também suas famílias, os profissionais que trabalham no sistema penitenciário e, de forma mais ampla, toda a sociedade.
O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece que todos os indivíduos devem ser tratados com respeito e dignidade, independentemente de sua condição. Esse princípio é um pilar fundamental dos direitos humanos e deve orientar todas as políticas públicas, incluindo aquelas voltadas para o sistema prisional. No entanto, a realidade das prisões brasileiras frequentemente contrasta com esse ideal, destacando a necessidade urgente de reformas que garantam o tratamento humano e digno dos presos, promovendo sua ressocialização e reintegração social.
No contexto do sistema prisional, essa dignidade frequentemente é colocada em xeque, levantando questões éticas, legais e sociais sobre a forma como os indivíduos privados de liberdade são tratados. Este trabalho busca analisar o sistema prisional brasileiro à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, discutindo as condições carcerárias, a eficácia das políticas públicas e as possíveis reformas necessárias para garantir um tratamento mais humano e digno aos presos.
A deterioração do sistema prisional brasileiro afeta não apenas os detentos, mas também todas as pessoas que têm contato direto ou indireto com essa realidade carcerária. Como resultado, o sistema prisional, devido às suas condições, contribui para a reincidência criminal dos presos. No entanto, se os detentos fossem tratados com dignidade, ambos se reintegrariam adequadamente à sociedade, conforme o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, alcançando assim os objetivos do sistema prisional.
A sociedade brasileira enfrenta um cenário de extremo abandono em relação ao sistema carcerário, caracterizado pelo aumento da violência e pela superlotação das prisões, acompanhada de graves problemas carcerários.
Para compreender a complexidade da realidade prisional brasileira e a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, é fundamental analisar diversos aspectos interligados. A superlotação dos presídios é um dos problemas mais visíveis e graves. O Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, e muitos estabelecimentos operam com uma capacidade excedida em mais de 100%. Essa superlotação resulta em condições insalubres, falta de acesso a água potável, alimentação inadequada, e insuficiência de atendimento médico, criando um ambiente propício para a proliferação de doenças e agravando o sofrimento dos detentos.
Outro aspecto crítico é a violência sistemática dentro dos presídios. A ausência de controle efetivo por parte das autoridades e a presença de facções criminosas que disputam o poder dentro das unidades prisionais geram um clima constante de medo e insegurança. A brutalidade e os abusos físicos e psicológicos são parte do cotidiano, tanto entre os detentos quanto entre os detentos e os agentes penitenciários. Esses episódios de violência, muitas vezes, passam sem investigação ou punição adequada, perpetuando a cultura de impunidade e desrespeito aos direitos humanos.
2 O SISTEMA PRISIONAL E A DIGNIDADE HUMANA
A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental do direito brasileiro, profundamente enraizado na Constituição Federal de 1988. Precisar o seu conceito não é uma tarefa simples, pois seu significado é vasto e difícil de delimitar.
A justiça humana, que se manifesta através do sistema jurídico e é concretizada por ele, tem sua origem e fundamento na dignidade da pessoa humana. Esta dignidade não deriva da justiça, mas sim a fundamenta. A dignidade é o alicerce da ideia de justiça humana, pois estabelece a posição superior do ser humano como um ser dotado de razão e sentimento. Por isso, a dignidade humana independe de qualquer mérito pessoal ou social. Não é necessário fazer algo para merecê-la, pois ela é inerente à própria vida e, nesse contexto, é um direito anterior ao Estado.
Esse princípio orienta a interpretação e a aplicação de todas as normas jurídicas no Brasil, funcionando como um pilar essencial para a garantia dos direitos fundamentais e para a construção de uma sociedade justa e solidária.
Pode-se afirmar que, mesmo que um sistema jurídico específico não reconheça explicitamente a dignidade humana como fundamento da ordem jurídica, ela ainda prevalece e influencia o direito positivo no contexto histórico atual. Além disso, pode-se destacar que a dignidade da pessoa humana está implícita em qualquer sistema constitucional que reconheça e garanta direitos fundamentais, mesmo que não seja expressamente mencionada. Tais direitos, conforme atualmente concebidos, aceitos e interpretados, partem do ser humano e para ele convergem, de modo que a pessoa humana e sua dignidade não são vistas como categorias jurídicas separadas.
Assim, quando a dignidade é considerada um direito fundamental e central aos direitos, ela também é aceita como a base de todo o ordenamento jurídico, servindo como o ponto central de onde emanam as consequências jurídicas.
A dignidade se distingue de outros conceitos jurídicos porque o direito, por sua natureza, envolve relações que implicam partilha, conjugação e limitação. Em contraste, a dignidade não é dividida, partilhada ou compartilhada em seu conceito e vivência. Ela não é como a igualdade ou o conhecimento racionalmente adquirido e trabalhado. A dignidade se revela na forma como o ser humano se percebe, se trata e cuida do próximo. Ela se manifesta em uma postura de vida e convivência, razão pela qual hoje se fala em dignidade na morte, no processo que a ela conduz e no tratamento do sofrimento que pode precedê-la. Diz-se que a vida é justa ou injusta com base no tratamento que dispensa às pessoas, especialmente em experiências consideradas incompatíveis com a dignidade humana.
Segundo a Fundamentação da Metafísica dos Costumes (2019):
[...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma digni-dade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.
Para Kant (2019, p. 82), a dignidade é algo que não possui um preço e, portanto, não pode ser negociada ou trocada por outra coisa. Em vez disso, a dignidade é um valor intrínseco que algo possui em si mesmo.
Immanuel Kant (2019, p. 83-84) ainda explica o que justifica exigências elevadas de uma intenção moralmente boa ou de uma virtude, afirmando que a legislação determina o valor da “dignidade”:
Nada menos do que a possibilidade que proporciona ao ser racional de participar na legislação universal e o torna por este meio apto a ser membro de um possível reino dos fins, [...] como legislador no reino dos fins, como livre a respeito de todas as leis da natureza, obede-cendo somente àquelas que ele mesmo se dá e segundo as quais as suas máximas podem pertencer a uma legislação universal (à qual ele simultaneamente se submete). Pois coisa alguma tem outro valor senão aquele que a lei lhe confere. a própria legislação, porém, que determina todo o valor, tem que ter exactamente por isso uma dignidade, quer dizer um valor incondicional, incomparável, cuja ava-liação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só a palavra respeito pode exprimir convenientemente. a autonomia é pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional.
Por essas razões, Kant (2019, p. 83-84) considera que a moralidade não é imposta ao ser humano por uma autoridade externa, mas é originada pelo próprio indivíduo. Além disso, a ação moralmente correta nunca é aquela que busca satisfazer demandas da sensibilidade, como interesses e sentimentos, mas está sempre relacionada com a escolha determinada exclusivamente pelo respeito às leis da razão.
É importante destacar que, embora Kant considere a autonomia como um elemento fundamental para o significado da dignidade da pessoa humana, esta autonomia deve ser compreendida como estando em um estado potencial ou em um sentido abstrato. Conforme aponta Sarlet (2011, n.p.):
Como sendo a capacidade potencial que cada ser humano tem de autodeterminar sua conduta, não dependendo da sua efetiva realização no caso da pessoa em concreto, de tal sorte que também o absolutamente incapaz (por exemplo, o portador de grave deficiência mental) possui exatamente a mesma dignidade que qualquer outro ser humano física e mentalmente capaz.
Com isso em mente, Sarlet (2011, n.p.) ensina que:
A dignidade da pessoa humana, compreendida como vedação da instrumentalização humana, em princípio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o do objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar) o outro.
Ao argumentar que a dignidade, como um valor inerente ao ser humano, confere ao indivíduo o direito de determinar autonomamente seus próprios caminhos em direção à felicidade e seus projetos de vida, Sarlet (2011, n.p.) indica que, mesmo quando essa autonomia está ausente ou não pode ser exercida, a pessoa ainda deve ser reconhecida e respeitada por sua condição humana.
A dignidade oferece às pessoas a capacidade de autodeterminação em suas vidas e a participação ativa no destino da comunidade, já que elas possuem um valor intrínseco que lhes concede direitos:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (Moraes, 2021, p. 47).
Quando uma pessoa consegue reconhecer a si mesma no outro, compreendendo que somos iguais apesar das diferenças culturais, físicas, religiosas, etc., torna-se mais fácil perceber que todos possuem a mesma dignidade e o mesmo "direito a uma existência digna".
No que desrespeito a dignidade da pessoa humana, esse princípio é conceito central nos direitos humanos e é reiteradamente afirmado em diversos pactos internacionais. Estes documentos visam proteger e promover os direitos fundamentais, assegurando que a dignidade inerente a todos os seres humanos seja respeitada e garantida.
Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969): O Pacto de San Jose da Costa Rica, promulgado pelo Decreto nº 678 de 1992, é um marco na promoção dos direitos humanos no continente americano. Este pacto reafirma a importância da liberdade pessoal e da justiça social, destacando o respeito aos direitos humanos essenciais. O artigo 5º, em particular, garante o direito à integridade pessoal, abrangendo a integridade física, moral e psíquica. Além disso, proíbe qualquer forma de tratamento desumano e degradante, abolindo a tortura e penas cruéis. O pacto enfatiza que todos, inclusive aqueles privados de liberdade, devem ser tratados com respeito à dignidade inerente a cada indivíduo.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966): Promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592 de 1992, este pacto da Assembleia Geral das Nações Unidas reforça a dignidade humana como base para a liberdade, justiça e paz no mundo. No artigo 10, inciso 1º, estabelece que todas as pessoas privadas de sua liberdade devem ser tratadas com humanidade e respeito à dignidade inerente ao ser humano. Este documento sublinha que a dignidade da pessoa humana é fundamental para a aplicação de qualquer lei e política de direitos humanos.
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1984): Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 40 de 1991, esta convenção reforça que os direitos humanos fundamentais derivam da dignidade da pessoa humana. Proíbe expressamente a tortura e qualquer forma de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante, estabelecendo a obrigação de os Estados protegerem a dignidade das pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade, como os detidos.
Esses tratados internacionais têm influência direta na legislação brasileira, refletida na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execuções Penais. A Constituição brasileira consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, garantindo direitos e liberdades fundamentais a todos os cidadãos. A Lei de Execuções Penais reforça que as pessoas privadas de liberdade devem ser tratadas com respeito e dignidade, proibindo qualquer forma de tratamento cruel, desumano ou degradante.
A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental consagrado em diversos pactos internacionais e na legislação brasileira. Esses documentos enfatizam que todos os seres humanos, independentemente de sua condição, têm direitos inerentes que devem ser respeitados e protegidos. A dignidade não é apenas um direito individual, mas também um princípio orientador para a criação e aplicação de leis e políticas públicas, assegurando que todas as pessoas sejam tratadas com respeito e humanidade. Estes pactos e convenções internacionais desempenham um papel crucial na promoção e proteção da dignidade humana em todo o mundo, refletindo um compromisso global com os direitos humanos.
A seguir, alguns pontos-chave sobre a dignidade da pessoa humana no contexto do direito brasileiro:
Fundamento Constitucional: O princípio da dignidade da pessoa humana está explícito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que estabelece: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... III - a dignidade da pessoa humana."
Proteção aos Direitos Fundamentais: A dignidade da pessoa humana é a base para a proteção dos direitos fundamentais, que estão delineados no Título II da Constituição Federal (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Entre esses direitos estão: Direitos civis e políticos: Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Direitos sociais: Direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados.
Interpretação e Aplicação das Normas: A dignidade da pessoa humana serve como um norte interpretativo para os tribunais e operadores do direito. Qualquer norma jurídica deve ser interpretada de maneira que respeite e promova a dignidade humana. Isso implica que leis e atos administrativos que violam esse princípio podem ser considerados inconstitucionais.
Aplicações Práticas e Jurisprudenciais: Em diversas decisões judiciais, os tribunais brasileiros têm aplicado o princípio da dignidade da pessoa humana para proteger direitos e garantir justiça. Exemplos notáveis incluem: Direitos trabalhistas: Proteção contra condições degradantes de trabalho e reconhecimento de direitos trabalhistas básicos. Direitos dos presos: Garantia de condições dignas de encarceramento e respeito aos direitos humanos dos detentos. Direitos das minorias: Proteção dos direitos de grupos vulneráveis, como pessoas com deficiência, idosos, crianças e adolescentes, indígenas e a comunidade LGBTQIA+.
Reflexos na Legislação: A dignidade da pessoa humana também influencia a elaboração de leis e políticas públicas no Brasil. Leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha e a Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência) são exemplos de normas que incorporam e promovem esse princípio.
Podemos ver que esse princípio é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito no Brasil, refletindo um compromisso com a promoção e a proteção dos direitos humanos. Ele orienta não apenas a interpretação e aplicação das normas jurídicas, mas também a elaboração de políticas públicas e a atuação dos poderes públicos, garantindo que todos os indivíduos sejam tratados com respeito e dignidade, independentemente de sua condição social, econômica ou pessoal.
3 OS DIREITOS GARANTIDOS AOS PRESOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEP
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal (LEP) no Brasil garantem diversos direitos aos presos, estabelecendo princípios e normas que visam assegurar a dignidade e a reintegração social dos apenados.
A Constituição, conhecida por seu caráter democrático e humanitário, dedica atenção especial aos direitos dos presos, evidenciando o compromisso do Estado brasileiro com a dignidade humana e a justiça social. Alguns dos principais direitos dos presos estão no Artigo 5º e em sus respectivos incisos:
Inciso XLIX: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral." Este inciso consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando que os presos devem ser tratados com respeito e sem sofrer violência ou tratamento degradante.
Inciso L: "Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação." Este dispositivo visa proteger o direito à maternidade e à convivência familiar, permitindo que as mães presas possam cuidar de seus filhos recém-nascidos.
Inciso LXIII: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado." Este inciso reforça o direito à informação e à assistência jurídica, elementos fundamentais para a garantia do devido processo legal.
A Lei de Execução Penal (LEP), promulgada em 1984, detalha os direitos dos presos e os mecanismos para sua efetiva implementação, visando à reintegração social e à ressocialização dos condenados. Os principais direitos estabelecidos por ela incluem:
Direito à Integridade Física e Moral: Art. 40: "Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios." Este artigo reforça o princípio de respeito à dignidade humana, proibindo qualquer forma de tortura, maus-tratos ou humilhação.
Direito à Assistência Material, à Saúde, Jurídica, Educacional, Social e Religiosa: Art. 10: "A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade." A assistência abrange várias dimensões, garantindo acesso a alimentação, vestuário, atendimento médico, educação, apoio jurídico, serviços sociais e liberdade de culto religioso.
Direito ao Trabalho e à Remuneração: Art. 28: "O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva." O trabalho deve ser remunerado e contribui para a formação profissional e a preparação para o retorno ao mercado de trabalho.
Direito à Remição da Pena: Art. 126: "O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena." A remição da pena é um mecanismo que permite ao preso reduzir o tempo de cumprimento da pena através do trabalho ou do estudo, incentivando sua reabilitação.
Direito à Visita e à Comunicação com o Mundo Externo: Art. 41, Inciso X: "Visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados." Este direito promove a manutenção dos laços familiares e sociais, essenciais para a reintegração do preso.
A prisão é um mecanismo utilizado pelo Estado para punir transgressões das condutas humanas previamente estabelecidas pela lei. A violação desses preceitos legais resultará em uma sanção correspondente, entre as quais está a pena de prisão. mesmo um comportamento condenável não priva a pessoa de seus direitos fundamentais, exceto pelas penalidades autorizadas pela Constituição.
Assim, torna-se inadmissível a aplicação de penas cruéis e desumanas. Portanto, a regulação dos conflitos sociais deve respeitar os direitos e garantias fundamentais, assegurando a formação de um panorama de punição que seja compatível com os pressupostos do Estado Democrático de Direito e observando a dignidade humana, que é o princípio base de todos os demais princípios constitucionais.
Segundo Nucci (2024, p.19):
Nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade humana, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados. Ademais, inexistiria razão de ser a tantos preceitos fundamentais não fosse o nítido suporte prestado à dignidade humana.
A LEP e a CF/88 representam um avanço significativo na proteção dos direitos dos presos no Brasil. Elas estabelecem uma estrutura legal que visa não apenas punir, mas também reabilitar e reintegrar os presos à sociedade, respeitando sua dignidade e direitos fundamentais.
No entanto, efetivamente a implementação desses direitos enfrenta desafios práticos, como a superlotação carcerária, a falta de recursos e infraestrutura, e a necessidade de capacitação dos profissionais envolvidos na execução penal.
4 REALIDADE PRISIONAL E A DIGNIDADE HUMANA
A situação do sistema prisional brasileiro é um exemplo claro de como a dignidade da pessoa humana pode ser sistematicamente violada quando não há um compromisso sério com os direitos humanos e a justiça social. Para alinhar o sistema prisional com o princípio da dignidade humana, é essencial implementar reformas profundas que incluam investimentos em infraestrutura, políticas penais mais justas e humanitárias, e programas eficazes de reabilitação e reintegração social. Somente assim será possível garantir que todos os indivíduos, independentemente de sua condição, sejam tratados com o respeito e a dignidade que merecem.
O sistema é composto por diversas instituições, incluindo penitenciárias, presídios e centros de detenção provisória. A administração dessas instituições é de responsabilidade dos estados, sob a coordenação do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).
Ele enfrenta uma situação crônica de superlotação, violência e condições desumanas. Essa crise é resultado de diversos fatores, incluindo a falta de investimentos em infraestrutura, políticas penais inadequadas e uma justiça criminal lenta e ineficaz.
Os direitos dos presos são garantidos pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que prevê, entre outros, o direito à integridade física e moral, à saúde, à educação e ao trabalho. Porém, a implementação desses direitos é muitas vezes deficiente.
A superlotação é um dos principais problemas do sistema prisional brasileiro. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, com mais de 800 mil presos. No entanto, a capacidade das unidades prisionais é de cerca de 400 mil vagas, o que resulta em uma ocupação superior a 200% em muitas unidades. Essa superlotação cria um ambiente insalubre e inseguro, dificultando a ressocialização dos detentos e exacerbando problemas como a violência e a propagação de doenças. As celas frequentemente abrigam mais do que o dobro de sua capacidade, o que resulta em ambientes superlotados, sem ventilação adequada, higiene ou espaço suficiente para todos. Essa situação não apenas fere a dignidade dos presos, mas também cria um ambiente propício para a propagação de doenças e a deterioração da saúde mental.
Em relação à superlotação prisional, Camargo (2006) afirma que:
As prisões encontram-se abarrotadas, não fornecendo ao preso a sua devida dignidade. Devido à superlotação muitos dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo a buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe nem lugar no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em rede.
Assis (2007) comenta sobre a negligência nos presídios, diz que:
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.
As condições nas prisões brasileiras são frequentemente descritas como desumanas. Muitas unidades carecem de infraestrutura básica, como ventilação adequada, saneamento básico e atendimento médico. Os presos muitas vezes não têm acesso a itens de higiene pessoal e são forçados a conviver em espaços extremamente reduzidos. Além disso, a alimentação é insuficiente e de baixa qualidade. Essas condições violam os direitos humanos e dificultam a recuperação e reintegração dos detentos à sociedade.
A tuberculose e a AIDS são exemplos clássicos de doenças que se propagam nos presídios brasileiros. A AIDS é transmitida através de relações sexuais entre os detentos, que ocorrem sem os devidos cuidados, o que, nas circunstâncias atuais, parece até utópico, pois não há condições mínimas de saúde e higiene. Muitas vezes, essas relações sexuais não são nem desejadas, mas resultam de violência, contribuindo para a disseminação do vírus entre os presos. A tuberculose, por sua vez, também se espalha rapidamente, já que é uma doença transmitida pelas vias respiratórias que se dissemina facilmente em ambientes fechados, sendo particularmente prevalente entre os infectados pelo HIV.
Nesse contexto, Nogueira e Abrahão (2009) discorre:
Os detentos brasileiros são, em sua maioria, homens na faixa etária de 20 a 49 anos, com pouca escolaridade e provenientes de grupos de baixo nível socioeconômico. As prisões, em sua maioria, são locais superlotados, pouco ventilados e com baixos padrões de higiene e limpeza. A nutrição é inadequada e comportamentos ilegais, como o uso de álcool e drogas ou atividades sexuais (com ou sem consentimento), não são reprimidos. Estas condições submetem essa população a um alto risco de adoecimento e morte por tuberculose e AIDS. A infecção pelo HIV é o maior fator de risco conhecido para o desenvolvimento de tuberculose doença entre adultos infectados pelo Mycobacterium tuberculosis.
Conflitos entre facções criminosas são comuns nas prisões, e frequentemente resultam em rebeliões e massacres. Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) têm grande influência dentro dos presídios, controlando o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. A presença dessas facções exacerba a insegurança e dificulta a gestão das unidades prisionais pelas autoridades.
Com uma ênfase exagerada na prisão como única solução para a criminalidade. Isso resulta em altas taxas de encarceramento, inclusive para crimes não-violentos e de baixo potencial ofensivo. A ausência de políticas eficazes de alternativas à prisão, como penas restritivas de direitos e programas de reintegração social, contribui para a superlotação e a reincidência criminal. Além disso, a justiça criminal é lenta, com muitos presos aguardando julgamento por longos períodos, aumentando ainda mais a população carcerária.
A falta de investimentos adequados no sistema prisional é um fator crítico para a crise atual. As unidades prisionais estão frequentemente em estado de abandono, sem manutenção e com infraestrutura precária. A escassez de recursos também impede a implementação de programas de reabilitação e reintegração social, essenciais para reduzir a reincidência.
As famílias dos detentos sofrem com a estigmatização e a dificuldade de manter contato com os presos devido às condições degradantes das visitas. A reincidência criminal permanece alta, perpetuando um ciclo de violência e criminalidade que afeta toda a sociedade. Além disso, o custo elevado de manter o sistema prisional sobrecarrega os cofres públicos, sem que se veja uma melhoria significativa na segurança pública.
A condição caótica do sistema prisional brasileiro é um reflexo de problemas estruturais e sistêmicos que exigem uma abordagem integrada e multidimensional para serem resolvidos. Investimentos em infraestrutura, reforma das políticas penais, implementação de alternativas à prisão e programas eficazes de reintegração são essenciais para melhorar as condições das prisões e, consequentemente, a segurança pública e os direitos humanos no Brasil.
As políticas de ressocialização visam preparar os presos para a reintegração à sociedade. Programas de educação, trabalho e apoio psicológico são fundamentais para reduzir a reincidência criminal e promover a dignidade dos presos.
Medidas alternativas à prisão, como a prisão domiciliar, o uso de tornozeleiras eletrônicas e penas restritivas de direitos, podem ajudar a reduzir a superlotação e proporcionar um tratamento mais humano aos infratores.
Reformas legislativas e administrativas são necessárias para melhorar a gestão do sistema prisional e garantir que os direitos dos presos sejam efetivamente respeitados. Isso inclui a construção de novas unidades prisionais, a capacitação de agentes penitenciários e a adoção de políticas de gestão mais eficientes.
5 CONCLUSÃO
A situação das prisões no Brasil é um reflexo das profundas desigualdades sociais e das falhas estruturais no sistema de justiça criminal. As prisões, que deveriam servir como espaços de reabilitação e reintegração social, muitas vezes se transformam em ambientes de exclusão e perpetuação da criminalidade. A superlotação é um problema crítico, com muitos estabelecimentos operando muito além de sua capacidade, o que agrava as condições de higiene, saúde e segurança. Além disso, a violência dentro das prisões é uma realidade constante, com frequentes episódios de rebeliões, abusos e conflitos entre facções.
O princípio da dignidade da pessoa humana, que deveria ser o norte das políticas públicas, é sistematicamente desrespeitado nesse contexto. O tratamento desumano e degradante dos detentos, a falta de acesso a serviços básicos como educação, saúde e trabalho, e o abandono por parte do Estado e da sociedade são evidências claras dessa violação. A Constituição Federal de 1988, ao afirmar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, impõe a obrigação de que todos, inclusive os presos, sejam tratados com respeito e humanidade.
Portanto, é imperativo que o sistema prisional brasileiro passe por uma reforma profunda que vá além da mera construção de mais presídios. É necessário investir em políticas de prevenção ao crime, alternativas à privação de liberdade para crimes menos graves, e programas de ressocialização que proporcionem aos detentos oportunidades reais de reintegração social. Somente assim será possível transformar o sistema prisional em um verdadeiro instrumento de justiça e reabilitação, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Diante desse cenário, é evidente que a transformação do sistema prisional brasileiro exige um compromisso sério e sustentado por parte do Estado e da sociedade. É necessário um enfoque multidimensional que inclua reformas legislativas, investimentos em infraestrutura, capacitação de profissionais, e principalmente, a implementação de políticas de prevenção e ressocialização que respeitem a dignidade da pessoa humana. Somente com uma abordagem integrada e humanizada será possível construir um sistema prisional justo e eficaz, que cumpra seu papel de reabilitar e reintegrar os indivíduos na sociedade.
A situação do sistema prisional brasileiro é um reflexo preocupante das falhas estruturais e sociais que permeiam a sociedade. A superlotação, as condições desumanas, a violência sistemática e a falta de oportunidades de reintegração evidenciam a urgência de reformas profundas e abrangentes. O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição, deve ser o alicerce de todas as políticas e ações voltadas para os presos, garantindo que sejam tratados com respeito e dignidade.
Para alcançar uma transformação efetiva, é imperativo que o Brasil invista em soluções que vão além da simples expansão do sistema penitenciário. Políticas de prevenção ao crime, alternativas à prisão para crimes de menor gravidade, e programas de educação e capacitação profissional dentro dos presídios são essenciais. Além disso, o apoio à reintegração social dos ex-detentos, combatendo o preconceito e oferecendo oportunidades reais de recomeço, é fundamental para quebrar o ciclo de reincidência.
Somente com um compromisso genuíno com a dignidade humana e uma abordagem integrada, que envolva o Estado, a sociedade civil e as famílias, será possível construir um sistema prisional que não apenas puna, mas que também reabilite e reintegre. Esse é o caminho para um sistema de justiça mais humano e eficaz, que contribua para a construção de uma sociedade mais justa e segura.
A análise do sistema prisional brasileiro sob a ótica da dignidade da pessoa humana revela um quadro preocupante que demanda atenção urgente. O respeito à dignidade dos presos não é apenas uma questão de direitos humanos, mas também uma condição essencial para a construção de um sistema de justiça que realmente promova a segurança e o bem-estar de toda a sociedade. A reforma do sistema prisional é, portanto, não apenas um imperativo ético, mas também uma necessidade prática para a construção de um país mais justo e humano.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Rafael Damasceno de. As prisões e o direito penitenciário no Brasil, 2007.Disponível em:< https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3482/As-prisoes-e-o-direito-penitenciario-no-Brasil>. Acesso em: 23 de maio 2024.
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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. O sistema prisional brasileiro fora da Constituição – 5 anos depois. Junho de 2021. Disponível em:< https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/Relato%CC%81rio_ECI_1406.pdf>. Acesso em: 22 de maio 2024.
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NOGUEIRA, Péricles Alves; ABRAHÃO, Regina Maura Cabral. A infecção tuberculosa e o tempo de prisão da população carcerária dos Distritos Policiais da zona oeste da cidade de São Paulo. Revista Brasileira de Epidemiologia. Disponível em:< https://www.scielo.br/j/rbepid/a/xTH7hz6mDhgZtvXRzsvJmtq/>. Acesso em: 23 de maio 2024.
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[1] Professora orientadora. Doutora em Direito e professora no Curso de Direito do Centro Universitário de Jales – UNIJALES. E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0902552372949368.
O objetivo deste artigo é analisar a situação atual do sistema prisional brasileiro à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. A pesquisa visa identificar as condições atuais das prisões no Brasil, apontando os principais problemas enfrentados, como a superlotação, as condições precárias de higiene, alimentação e assistência médica, além da falta de políticas eficazes de ressocialização. O estudo busca evidenciar como a desestruturação do sistema prisional reflete o descaso com a dignidade dos presos e discutir a necessidade de reformas legislativas e administrativas para melhorar a situação.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCELA EUGENIA GONçALVES, . Análise do sistema prisional e o princípio da dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66824/anlise-do-sistema-prisional-e-o-princpio-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 24 nov 2024.
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