RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar a licitude do exercício do direito de greve no ordenamento jurídico brasileiro, com base nas disposições constitucionais e infraconstitucionais sobre o tema. Trazendo um breve apanhado histórico da greve, enquanto um direito decorrente de lutas sociais da classe trabalhadora, que alcançou status constitucional, apresenta-se a transição do caráter ilícito desse direito até a previsão no art.9° da Constituição Federal de 1988. Com o advento da Lei n° 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências, pode-se dizer que esse direito social foi efetivamente regulamentado, motivo pelo qual será dada maior atenção às normas e às interpretações desse diploma.
Palavras-chave: Greve; Direito Social à Greve; Lei 7.783/1989.
ABSTRACT: This article aims to address the right to strike in the Brazilian legal system, based on the constitutional and infra-constitutional provisions on the subject. Bringing a brief historical overview of the strike, as a right resulting from social struggles of the working class, in order to include it in the state agenda, the article works to overcome the illicit nature of the strike and obtain its status as a constitutional right. With the advent of Law number 7.783/1989, which provides for the exercise of the right to strike, defines essential activities, regulates the meeting of the community's urgent needs, and provides other measures, it can be said that this social right was effectively regulated, which is why greater attention will be paid to the norms and interpretations of this diploma.
Keywords: Strike; Social Right to Strike; Law 7.783/1989
Sumário: Introdução. 1. O reconhecimento do Direito de Greve. 2. Conceitos e atos grevistas. 3. Greve nos serviços e atividades essenciais. 4.Greve abusiva. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A greve é o ponto máximo da negociação dos trabalhadores para com seus empregadores. Os interesses antagônicos são postos em cheque, traçando os trabalhadores mecanismos de luta com o objetivo de satisfazerem as suas demandas.
Desde o século XIX, já há registros de paralisação das atividades laborais pela classe trabalhadora brasileira. Inicialmente, promovidas por homens e mulheres escravizados, em fazendas e, depois, em fábricas e outros estabelecimentos, contando com a participação de trabalhadores vindos de outros países.
Inicialmente, a greve era considerada uma prática nociva e antissocial, apta a obstar o desenvolvimento econômico do país. Por esses motivos, além as sanções civis e trabalhistas, quem praticava a greve também poderia incorrer em infração penal.
Mesmo assim, as vedações legais não foram capazes de impedir que os trabalhadores e as trabalhadoras de todo o país, juntos e organizados, utilizassem esse importante instrumento para pressionar os empregadores e o próprio Estado a implantar melhores condições de trabalho.
Ao longo dos anos, o direito de greve foi sendo sedimentado e reconhecido, com certas restrições, sofrendo também influência dos grupos políticos que ocupavam o poder, já que no período de Ditadura Militar, por exemplo, a repressão aos movimentos grevistas foi ainda mais acentuada.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que qualifica a greve como um direito fundamental e social da classe trabalhadora, vê-se que esse instrumento tem sido aperfeiçoado, sendo importante entender o seu contexto, conceito e formas de exercício, conforme se propõe a expor o presente artigo.
1.O RECONHECIMENTO DO DIREITO DE GREVE
No Brasil, após a Proclamação da República (1889), foi editado o Código Penal de 1890, que criminalizava a prática de greve pacífica ou violenta. Tal previsão, no entanto, não obstou que diversos e variados movimentos grevistas eclodissem.
Desse modo, ainda no período de vacatio legis do referido Código, o governo republicano decidiu alterar o diploma normativo para criminalizar apenas a greve violenta (SILVEIRA SIQUEIRA, 2014).
Nesse cenário, como a greve pacífica não era tipificada como crime, passou-se a entender que ela era um direito da classe trabalhadora, conforme chancelado por juristas e pelo Poder Judiciário, apesar de não existir nenhuma outra regulamentação (SILVEIRA SIQUEIRA, 2014).
Dentre os atos grevistas, é de se destacar a Greve Geral de 1917, quando operários de todo o país deflagraram uma grande paralisação das atividades por cerca de trinta dias, marcada pela forte presença de mulheres, reivindicando melhorias nas condições de vida e de trabalho.
O direito de greve foi regulamentado pela primeira vez pelo Decreto-Lei n° 9.074/46, anterior a CF de 1946 e que o recepcionou. Até então, a greve era encarada com muita resistência por parte dos empregadores e do setor industrial em ascensão.
Na realidade, mesmo em governos ditos “populistas”, de propulsores de direitos da classe trabalhadora, como o de Getúlio Vargas, responsável pela promulgação da Consolidação das Leis de Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943), o exercício do direito de greve, como instrumento de reivindicatório da classe trabalhadora, enfrentava diversas restrições e repressões.
No contexto de Ditatura Militar, havia a Lei n°4.330/64, que previu o direito de greve, cujo exercício era condicionado, com a descrição expressa de condutas que o qualificaria ilegal, o que dificultava demasiadamente a plena utilização desse instrumento.
Ainda no período de ditatorial, a Constituição Federal de 1967 permitiu a realização de greve, ressalvando a ocorrência nos serviços públicos e atividades essenciais. Mais tarde, a Lei n°6.679/78 definiu como crime contra a Segurança Nacional a greve praticada pelos trabalhadores do serviço público ou atividade essencial.
Frise-se que, desde o reconhecimento do direito de greve, uma grande controvérsia circunda a possibilidade desse direito ser exercido pelos trabalhadores das atividades e serviços essenciais, o que será abordado em tópico específico adiante.
De forma louvável, a Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente esse direito social da classe trabalhadora nos seguintes termos:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
No âmbito infraconstitucional, atualmente, a Lei n° 7.783/89 regulamenta o direito de greve dos trabalhadores, sobretudo dos celetistas da esfera privada ou das entidades da Administração Pública indireta regidas pelo Direito Privado.
Aos servidores públicos também é reconhecido o direito de greve, conforme prevê o art. 37, inciso VII, da Constituição Federal, todavia, ainda necessita de lei específica que o regulamente.
Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, mesmo sem ter sido ainda editada a lei de que trata o art. 37, VII, da CF/88, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (STF. Plenário. MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007).
Quanto aos militares, a CF/88 veda a greve e sindicalização dessa categoria (art. 142, §3°, IV). Inclusive, o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública (STF. Plenário. ARE 654432/GO, Rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5/4/2017, repercussão geral, Info 860).
Ademais, nos termos da Constituição Federal de 1988, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvam exercício do direito de greve (art.114, inc. II). Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito (art.114, §3°).
Porém, a justiça comum, federal ou estadual, é a competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas (STF. Plenário. RE 846854/SP, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 01/8/2017, repercussão geral, Info 871).
2. CONCEITOS E ATOS GREVISTAS
A palavra greve é de origem francesa, proveniente da Place de Greve, uma praça de Paris, localizada às margens do Rio Sena, que trazia vários gravetos, onde grupos de trabalhadores se reuniam para debater e deliberar questões relativas aos seus interesses.
A Lei de Greve (Lei 7.783/1989), como é conhecida, traz um conceito legal, quando, em seu art.2°, considera legítimo o exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Outros conceitos também são apresentados pela doutrina. Segundo Nascimento (2009), a greve pode ser definida como a paralisação coletiva do trabalho, a fim de postular uma pretensão perante o empregador.
Vólia Bomfim, por sua vez, entende que a greve
“É a cessação coletiva e voluntária do trabalho, decidida por sindicato de trabalhadores assalariados de modo a obter ou manter benefícios ou para protestar contra algo”. (CASSAR, 2014)
Há diversas posições acerca da natureza jurídica da greve, sendo o mais prudente e compatível com o próprio entendimento do Tribunal Superior do Trabalho entendê-la como um direito constitucional.
Registre-se que Vólia Bonfim concebe a greve como um direito potestativo fundamental coletivo, exercido por um grupo de trabalhadores com intuito de alcançar os interesses traçados. Godinho leciona que a natureza jurídica da greve é de superdireito, como meio de resistência da classe trabalhadora nas sociedades democráticas.
A doutrina majoritária compreende a greve como um ato omissivo, ou seja, a suspensão ou paralisação total ou parcial do trabalho, excluindo desse conceito condutas como: a sabotagem, caracterizada por atos dolosos de violência para com as instalações da fábrica, produtos ou ferramentas; boicote, que consiste na falta de cooperação intencional dos trabalhadores com a produção; piquete, na modalidade que usa a violência para impedir que outros trabalhadores não compareçam ao trabalho.
Vale lembrar que o simples ato de persuadir outros trabalhadores a ingressar no movimento grevista é perfeitamente permitido, desde que não haja coerção ou uso da força, quando o ato será considerado ilícito, podendo incorrer em crime contra organização do trabalho, nos termos do Código Penal.
Por outro lado, a ocupação de estabelecimento, consistente na permanência duradoura dos trabalhadores no local de trabalho, com o objetivo de pressionar o empregador, é permeada por divergências quanto a sua admissibilidade. Nascimento (2009) afirma que a ocupação de estabelecimento fere o direito de propriedade do empregador e a liberdade individual de trabalho dos empregados que não aderiram à greve, portanto, inadmissível essa modalidade.
A greve de solidariedade também é bastante discutida, definida pela paralisação de trabalho por um grupo de trabalhador em apoio a um às reivindicações de outros trabalhadores. Nascimento (2009) sustenta que essa prática não é proibida pela legislação brasileira, visto que a própria Constituição Federal de 1988 reserva o direito de os trabalhadores decidirem sobre a oportunidade e os interesses a serem defendidos mediante a paralisação do trabalho. Contudo, ressalta o autor que razoavelmente deve haver alguma conexão de interesses entre os grupos reivindicantes. Vólia Bonfim entende esse tipo de greve como sendo abusiva.
Já a greve política, entendida como a paralisação de trabalho com o objetivo de demandar o poder público a atender as reivindicações do grupo de trabalhadores, é classificada como abusiva, em virtude de o empregador não ter como negociar soluções que excedem sua seara.
Nessa senda, a paralisação das atividades deve ser coletiva, combinada por um determinado grupo de trabalhadores cujos interesses se coadunam, tendo em vista que o conceito de greve está diretamente relacionado a atos coletivos. A paralisação de um só trabalhador pode gerar demissão por justa causa.
A suspensão de trabalho dever ser necessariamente pacífica. Qualquer ato violento praticado contra pessoas ou coisas qualifica a abusividade da greve, visto que há o desvirtuamento das regras estabelecidas na Lei de Greve, culminando a responsabilização dos respectivos responsáveis por tais condutas, inclusive abrindo margem para a demissão por justa causa.
A paralisação do trabalho pode ser total ou parcial. Isso significa que é legítima a paralisação de parte dos trabalhadores, atingindo um setor, de um departamento, de uma seção, de uma categoria, de várias categorias, ou de todos os trabalhadores da empresa, por exemplo.
Prevê a Constituição Federal de 1988 que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercer o direito de greve. A oportunidade quer dizer a conveniência, a ocasião mais favorável para que os trabalhadores exerçam esse direito. A lei destina a atribuição dos trabalhadores avaliarem o contexto mais vantajoso para realizar a paralisação, mesmo que desfavorável para o empregador e para o restante da sociedade.
Os interesses a serem defendidos por meio da greve também são tidos como mérito dos trabalhadores. A titularidade do direito de greve é dos trabalhadores, a eles são reservados o juízo para definir o conteúdo da reivindicação que serão defendidos por meio da greve, se são interesses do um grupo de trabalhadores ou de uma categoria e etc. Em regra, os trabalhadores buscam auferir vantagens econômicas e melhores condições de trabalho.
Cabe salientar que o art. 17 da Lei de Greve veda a greve parte dos empregadores, consistindo na cessação das atividades por iniciativa do empregador com o objetivo de frustrar negociação coletiva ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregadores, prática conhecida como “lockout”. Reitera o parágrafo único do referido artigo que são devidos aos trabalhadores o pagamento dos salários durante o “lockout”.
Não obstante a Lei de Greve dispor que, obedecidas às disposições legais, a greve indica suspensão do contrato de trabalho, com o efeito de não pagamento dos salários e não contabilização do tempo de serviço, há acertada determinação de que as relações obrigacionais, decorrentes do período de paralisação, deverão ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho (art. 7°). No mais, não havendo consenso entre as partes acerca das obrigações trabalhistas, a questão pode ser levada à apreciação do Poder Judiciário.
A Lei estabelece os procedimentos a serem adotados para que se deflagre legitimamente a greve, devendo ser estritamente cumpridos, e respeitados os limites legais, sob pena de abusividade.
São requisitos para o exercício do direito de greve: a) a prévia tentativa de negociação ou verificada a possibilidade de arbitragem, dispondo a lei que “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de arbitragem, é facultada a cessação do trabalho coletivo (art. 3°; b) a convocação de assembleia de trabalhadores para deliberar sobre a paralisação e decidir sobre a reivindicação da categoria (art.4°); c) a notificação da entidade patronal diretamente interessada, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, nas atividades comuns, e 72 (setenta e duas) horas, nas atividades e serviços essenciais, neste caso, a comunicação deve ser estendida também aos usuários dos serviços.
As formalidades acima descritas serão regulamentadas pelos estatutos de cada entidade sindical, ou na recusa ou falta desta, far-se-á por assembleia dos trabalhadores e sua respectiva comissão de negociação, delineando sobre votação, quórum, prazos e etc.
Percebe-se que a lei atribuiu capacidade de legitimação para resolução do conflito à comissão de negociação, representando os interesses dos trabalhadores em negociações e postulações em juízo, mesmo a comissão sendo despida de personalidade jurídica. O legislador teve a pretensão de permitir o acesso judicial dos trabalhadores não representados por sindicato, federação ou confederação.
Por fim, cabe salientar que a greve não extingue o contrato de trabalho. Muito pelo contrário, sua função é a busca da manutenção do contrato de trabalho, mas em condições diferentes das vigentes. Qualificado como um direito, não pode o empregador alegar abandono de emprego dos trabalhadores para efetuar demissões por justa causa, levando em conta, sobretudo, o fato de que a greve tem efeito suspensivo, não resolutivo.
3. GREVE NOS SERVIÇOS E ATIVIDADES ESSENCIAIS
No que diz respeito aos serviços ou atividades essenciais, a Constituição Federal de 1988 previu a legalidade do direito de greve para os trabalhadores desses setores, substanciado pela observância das formalidades legais.
De acordo com a Lei de Greve (art.10), são considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
Ainda nos termos do art.11 da referida lei, tratando-se de greve em serviços ou atividades essenciais, o sindicato, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das “necessidades inadiáveis da comunidade”. Estas, definidas no parágrafo único do art.11, são aquelas que se não forem atendidas colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Não sendo disponibilizadas as condições necessárias para o atendimento dessas necessidades, ou seja, um acordo entre empregados e empregadores acerca da forma de manutenção da manutenção dos serviços indispensáveis, cabe ao Poder Público assegurar a prestação destes (art. 12).
Sobre o assunto, o STF entendeu que são constitucionais o compartilhamento, mediante convênio, com estados, Distrito Federal ou municípios, da execução de atividades e serviços públicos federais essenciais, e a adoção de procedimentos simplificados para a garantia de sua continuidade em situações de greve, paralisação ou operação de retardamento promovidas por servidores públicos federais (STF. Plenário. ADI 4857/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/3/2022, Info 1046).
Porém, analisando uma lei distrital, a Corte Maior fixou tese segundo a qual não há vício de iniciativa de lei na edição de norma de origem parlamentar que proíba a substituição de trabalhador privado em greve por servidor público (STF. Plenário. ADI 1164/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 1º/4/2022, Info 1049).
É importante frisar que nem todos os serviços são inadiáveis, mas somente aqueles que oferecem algum risco de vida para a população. Nesse ponto, a doutrina costuma mencionar a manutenção “mínima” do serviço, a ser definido pelo sindicato, ou, no caso de omissão, pelo Tribunal do Trabalho, além da possibilidade de a Procuradoria do Trabalho intervir no conflito, com intuito de obter a celebração de acordo, vinculando as partes e estipulando penalidades em caso de descumprimento dos termos, ou a propositura em juízo da ação de dissídio coletivo de greve, se frustrado os esforços empreendidos na negociação extrajudicial.
Nota-se que há imposições legais que trazem algumas limitações ao direito de greve nos serviços essenciais, mas não há dúvidas quanto à legitimidade do direito, que deve ser exercido em consonância com a disponibilização das medidas necessárias para a manutenção das atividades essenciais, na medida em que não afete o interesse maior da sociedade.
4. GREVE ABUSIVA
O art. 14 da Lei de Greve estatui que constitui abuso do direito de greve a não observância das regras contidas na própria Lei, bem como a persistência da greve após a celebração de acordo, convenção ou decisão da justiça do trabalho, exceto se houver descumprimento dos termos da negociação ou em razão do surgimento de fato novo superveniente e imprevisível que modifique substancialmente a relação de trabalho.
É pertinente citar algumas condutas classificadas abusivas, dentre tantas outras apontadas pelos juristas, em relação ao exercício do direito de greve, quais sejam: a falta de tentativa prévia de negociação coletiva ou arbitragem; a falta de aviso prévio ao empregador ou a comunicação aos usuários dos serviços essenciais sobre a paralisação das atividades; o uso de meios violentos contra a pessoas ou coisas; a violação das garantias fundamentais dos empregadores e empregados; a falta de prestação dos serviços inadiáveis à comunidade; a manutenção da greve após a celebração de acordo, convenção ou oriunda de sentença normativa; a não disponibilização de empregados para realizarem a manutenção de serviços cuja a paralisação implique prejuízo irreparável ou exorbitantemente elevado ao empregador (9°, Lei de Greve), facultando a possibilidade de ); o constrangimento praticado contra trabalhadores não participantes da greve; a ocupação do estabelecimento de trabalho, impedindo o controle por parte do empregador ou dificultando tráfego de pessoas no local; o descumprimento de sentenças normativas e outras decisões judiciais; o não cumprimento das formalidades previstas para a assembleia, como votação, quórum e convocação, por exemplo.
A Constituição Federal de 1988 considera lícita a greve, sendo puníveis os excessos. A responsabilização desses atos prevista no 15 da Lei de Greve decorre, sobretudo, de sanções de natureza civil e trabalhista. Porém, o Código Penal tipifica os crimes contra a Organização de Trabalho, que podem ser cometidos em meio ao movimento grevista, principalmente quando o caráter persuasivo e voluntário de participação do movimento dá lugar ao constrangimento e ao uso da violência.
Nesses termos, pode a greve pacífica, por exemplo, estar eivada de algum vício de legalidade ou abuso, e repercutir nas esferas civil e trabalhista. Em regra, a greve só se enquadra em âmbito penal se praticada com violência contra pessoas ou coisas, lesões corporais, crime de dano, crime contra a honra e etc.
O art.201 do Código Penal tipifica a conduta de participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Grande parte da doutrina considera que esse dispositivo não foi recepcionado pela CF/88.
A responsabilidade civil, com base no art.927, do Código Civil, dispõe que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, complementado pelo art. 186, do CC, no qual define caracterizar ato ilícito a ação ou omissão voluntária, imprudente ou negligente, que viole direito ou cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Vale destacar que o art. 187, do CC, equiparou o ato ilegal ao ato abusivo, sendo recorrente o uso das duas expressões.
Nesse sentido, as ações ilícitas ou caracterizadas pelo abuso de direito cometidas durante a greve sujeitam seus responsáveis às reparações civis previstas no Código Civil, tais como a indenização por perdas e danos. Oportuno lembrar que a simples adesão à greve não à greve não pode ser considerada abusiva, pois trata-se de exercício regular de direito (art. 188, I, do CC).
As organizações sindicais serão penalizadas pelos excessos praticados durante o exercício das atividades sindicais que resultem em prejuízos a outrem. Alude-se que a greve, por exemplo, que não disponibiliza a necessária manutenção dos serviços indispensáveis à sociedade está sujeita a responsabilização civil e a reparação por perdas e danos.
A responsabilização estende-se as pessoas jurídicas e físicas. O art. 50 do CC traz a figura de despersonalização da pessoa jurídica, em virtude do desvio de finalidade, ou por confusão patrimonial, cabendo a parte prejudicada ou o Ministério Público pleitear em juízo que as reparações sejam demandadas do patrimônio particular dos sócios e representantes responsáveis. Os dirigentes sindicais e demais trabalhadores estão submetidos às penalidades enquanto pessoa física. Em ambos os casos, é necessário a apuração de culpa ou dolo.
Os trabalhadores estão acobertados pela lei durante o período de greve. Assim, estão protegidos de dispensa imotivada, uma vez que é vedada a rescisão do contrato de trabalho durante a paralisação, ressalvando os casos em que não há a manutenção dos equipamentos de elevado custo e das atividades inadiáveis, podendo optar pela substituição de pessoal para garantir a prestação desses serviços.
Excepcionalmente, permite-se a rescisão do contrato de trabalho durante a greve: se restar configurada a justa causa do empregado, nas condutas descritas pelo art. 482(atos de indisciplina, de violência física, contra a honra do empregador e etc.), da CLT. Isso significa que o empregador não precisa esperar o término da greve para despedir motivadamente o empregado, bastando seguir os trâmites formais reservados à demissão. Todavia, se tratando de diretores dos diretores do sindicato, os quais gozam de estabilidade sindical, a dispensa deve ser efetuada a partir da solicitação de instauração de inquérito judicial que comprove a justa causa.
Cumpre reforçar, portanto, que a Lei de Greve, ratificando o regramento constitucional, prevê, no art. 15, a responsabilização pelos atos praticados durante a paralisação das atividades, nas esferas trabalhista, civil e penal.
CONCLUSÃO
O direito de greve, nos moldes dos dias atuais, é resultado de grandes transformações na legislação brasileira, tendo em vista que apenas a partir da década de 40 reconheceu-se propriamente a greve como direito constitucional, não se olvidando os impactos e retrocessos praticados pelos governos posteriores.
A greve se comporta como expressão do princípio da autotutela sindical, segundo o qual os conflitos coletivos entre o capital e o trabalho serão dirimidos pelos esforços das próprias partes em solucionar os conflitos, obtendo certa independência da esfera estatal, mas garantindo sua intervenção sempre que necessário.
Em outras palavras, o direito de greve implica no direito dos trabalhadores causarem prejuízos ao empregador, acobertados e regidos pelos limites legais. É óbvio perceber que o os trabalhadores encontram-se em desvantagem em relação ao empregador, são hipossuficientes, portanto, merecendo que a lei de fato lhe dispense um direito da proporção do de greve, capaz de pressionar concretamente o empregador a atender as reivindicações do grupo de trabalhadores, barganhando melhorias para sua condição social.
Dada a importância desse direito, a Constituição Federal de 1988 permite que ele seja exercido até mesmo por trabalhadores dos serviços e atividades essenciais, desde que obedecido os parâmetros legais.
Os conflitos de cunho grevista podem ser solucionados através da autocomposição, na qual as partes empreendem esforços para obter o consenso, culminando na celebração de acordos e convenções coletivas, ou da heterocomposição, caracterizada pela presença de estranhos à relação de trabalho, no caso da arbitragem, da sentença normativa e da manifestação do Poder Judiciário, apreciando, por exemplo, dissídio coletivo de greve, cuja impetração da ação prescinde de comum consenso das partes, assevera a jurisprudência pátria.
Em suma, o direito de greve não é ilimitado, absoluto e irrestrito, uma vez que a própria Constituição Federal preconiza que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei (art. 9°, §2°).
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