HENRIQUE ALVES PINTO
(orientador)[1]
RESUMO: Em janeiro de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.532/2023, a qual alterou a Lei de Racismo (Lei nº 7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-lei nº 2848/1940) para, dentre outras coisas, tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Ao longo do trabalho, as mudanças trazidas pela lei supracitada são contextualizadas com as normas e princípios do ordenamento jurídico pátrio, assim como a jurisprudência e doutrina, notadamente com intuito de identificar eventuais deslizes por parte do legislador na criação da referida norma. Ao final do trabalho, dá-se significativo enfoque em casos concretos julgados pelo STF, (4 casos), sendo três deles relevantemente relacionados ao tema da liberdade de expressão e manifestação artística e, o outro, (caso 01) uma recente decisão monocrática de um Ministro do Supremo Tribunal Federal em processo diretamente relacionado à Lei 14.532/203. Em relação à metodologia empregada, esta pesquisa é de abordagem qualitativa e tipo exploratória, baseada em fontes secundárias e utilizando do método dedutivo, com técnica teórica conceitual e normativa.
Palavras-chave:
Em janeiro de 2023, foi sancionada a Lei 14.532/2023, em cuja ementa se lê:
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.
Percebe-se que pelo menos uma das mudanças trazidas serviu meramente para positivar o que já havia sido firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 154.248/DF, qual seja, o de que a injúria racial é espécie do crime de racismo, o que no caso em tela serviu para justificar a não prescrição do crime de injúria preconceituosa, não acolhendo assim a tese da defesa, como se pode extrair da respectiva ementa:
[...]
2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo.
4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível.
[...]
Ainda que essa equiparação já tivesse sido firmada pelo Supremo, é louvável a atitude do legislador em providenciar a sua positivação, de forma a encerrar de vez qualquer debate ou argumento no sentido de tentar descaracterizar a injúria racial como racismo.
Esse entendimento do Supremo é, inclusive, um divisor de opiniões na seara jurídica, especialmente porque há aqueles que entendem que tal decisão estaria violando a proibição de analogia in malam partem. No contexto penal, devido ao princípio da legalidade, torna-se delicada a utilização de analogia, tendo em vista que a regência criminal é conduzida pela lei em sentido estrito. Admite-se, na realidade, apenas a analogia em favor do réu, in bonam partem (NUCCI, 2015).
Entretanto, esse ponto de vista que entende essa equiparação como analogia em desfavor do réu não há de prosperar. Isso porque, tal equiparação entre injúria racial e crime de racismo foi meramente declaratória, pois a injúria racial sempre foi um crime de racismo. Em outras palavras, o entendimento do STF não vem como uma analogia em prejuízo do réu, mas sim, uma interpretação finalmente adequada à luz da Constituição Federal, que em seu art. 5º, inciso XLII, estabelece que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível (BRASIL, 1988).
Mas a alteração topológica da injúria racial não é o ponto central do presente artigo. Na realidade, aqui, os holofotes se voltaram para os artigos 20-A e 20-C, ambos também introduzidos à Lei de Crimes Raciais pela Lei nº 14.532/2023.
O primeiro foi o que desencadeou o apelido sensacionalista e um tanto ignorante à 14.532, a “Lei Antipiada”. Isso porque, na redação do Art. 20-A, está previsto que os crimes previstos na Lei nº 7.716/1989 terão suas penas aumentadas quando ocorrerem em contexto ou intenção jocosa (BRASIL, 2023).
O segundo artigo mencionado, 20-C, é de fundamental importância para o presente estudo, tendo em vista que vem de forma a indicar ao julgador o que deve ser considerado como atitude discriminatória e aquilo que não é alcançado pela proteção da 7.716/1989.
O presente Trabalho de Curso, visa, portanto, identificar e analisar as alterações julgadas mais relevantes que foram instauradas com o advento da Lei 14.532 em janeiro de 2023. Mais especificamente, este estudo se preocupa principalmente em aferir as consequências da nova lei frente a certos direitos e garantias fundamentais, quais sejam, a honra, a dignidade, a liberdade de expressão e a manifestação artística, a não censura etc.
Em síntese, o foco da análise de dados se deu em relação a como shows de humor são tratados frente à nova lei e à (in)constitucionalidade dos arts. 20-A e 20-C.
Com isso, surge a problemática do trabalho: Como a Lei nº 14.532/2023 dialoga com a sistemática jurídica brasileira e quais são as suas consequências no que tange à liberdade de expressão e à manifestação artística, notadamente nos shows de humor?
Na construção do referencial teórico, os objetivos específicos são: identificar as mudanças trazidas pela nova lei; entender os elementos que constituem os crimes de racismo e injúria racial, e como a nova lei afeta esses elementos, se for o caso; discutir acerca das ações e omissões do legislador em relação ao que foi resguardado pela 7.716/89 e aquilo que não foi, realizando eventuais críticas; analisar se a nova lei abre brechas para interpretações que criminalizam shows de humor; e, finalmente buscar entender os tipos de discriminação resguardados pela Lei de Crimes Raciais.
Em seguida, na elaboração da análise e discussão de resultados da pesquisa empírica, tem-se como objetivos específicos: analisar como o Supremo Tribunal Federal se posicionou em casos relacionados a questões voltadas para discriminação, liberdade de expressão e manifestação artística e censura prévia, notadamente de forma a compreender como o STF julga conflitos de direitos fundamentais; analisar como o STF julgou o caso concreto relacionado ao humorista Léo Lins; além de contextualizar esses entendimentos do Supremo com a redação da nova lei, de forma a buscar compreender se está alinhada com o entendimento da Corte.
Este estudo possui grande relevância social e jurídica. Isso porque são tratados temas relacionados à discriminação, ao racismo, à injúria preconceituosa, à liberdade de expressão, à manifestação artística e à censura. A Lei 14.532/2023 pode gerar consequências sentidas por toda a sociedade brasileira, pois os dispositivos trazidos por ela podem impactar a liberdade do povo em relação ao que fazer ou ao tipo de conteúdo que podem consumir.
Juridicamente, o tema trata de conflitos de direitos fundamentais, limites do humor e expressão artística em geral, além de variados princípios do direito que são afetados pela alteração na Lei 7.716/89 e no Código Penal. Ademais, por se tratar de uma alteração legislativa recente, há uma real necessidade de se discutir acerca do tema, que está longe de ser exaurido pela doutrina.
Sobre o desenvolvimento do presente estudo, a metodologia definida teve pesquisa de tipo exploratória e abordagem qualitativa, baseada em fontes secundárias, encaixando-se no método dedutivo, com técnicas conceituais e normativas.
O método de pesquisa empírica é através da análise jurisprudencial. Os casos selecionados são decisões do Supremo Tribunal Federal.
2.1 A LEI Nº 14.532 E AS MUDANÇAS TRAZIDAS
No tocante à transferência da Injúria Racial do Código Penal para a Lei de Racismo, tal modificação não foi feita de forma integral. Isso porque o legislador deixou no CP alguns elementos do antigo tipo penal, quais sejam, a “utilização de elementos referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência” (Art. 140, § 3º, CP). A priori, tais situações, que ainda são abarcadas pelo Código Penal, realmente não aparentam estar relacionadas ao racismo, pelo menos não na sua concepção popular. Entretanto, a Lei do Racismo abarca tipos de discriminação diversos daqueles somente baseados na raça ou na cor, e mais, a própria injúria racial, que agora está prevista na Lei 7.716/89 está descrita da seguinte forma: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.”, isto é, mesmo características como etnia e procedência nacional, que não estão diretamente relacionadas à raça, se encontram protegidas pela 7.716, portanto, deixa a impressão de que toda a injúria qualificada poderia ter sido movida do Código Penal para a Lei de Crimes Raciais, sem maiores problemas.
A Lei 14.532 também reiterou o aumento de pena dos crimes da Lei de Racismo quando cometidos mediante meios de comunicação social, além de estabelecer sanções inéditas, como a proibição de frequência a locais destinados a práticas esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, por 3 (três) anos, quando, nesses contextos, o acusado tiver cometido algum crime de racismo (Art. 20, § 2º-A, Lei nº 7.716/89). Poderia até se argumentar que tal punição é um tanto quanto branda e que estipular um tempo maior de suspensão seria não só razoável, como também recomendado.
Finalmente, chega-se ao núcleo da discussão (artigos 20-A e 20-C). O art. 20-A vem com a seguinte redação: “Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”
Esse artigo é objeto de grande discussão, e, aqui, faz-se necessária uma análise cuidadosa do assunto. Primeiro, cumpre definir o que seria racismo recreativo. Conforme explica Adilson José Moreira (2019):
Ele (racismo recreativo) deve ser visto como um projeto de dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial. O racismo recreativo decorre da competição entre grupos raciais por estima social, sendo que ele revela uma estratégia empregada por membros do grupo racial dominante para garantir que o bem público da respeitabilidade permaneça um privilégio exclusivo de pessoas brancas.
Percebe-se que o suposto humor não passa de uma fachada para a real intenção hostil. Aqui é fundamental destacar que o racismo recreativo não se confunde com o animus jocandi, ou melhor, que ele não se encontra acompanhado desse ânimo. Cumpre assentar que animus jocandi se trata da intenção jocosa do agente de realizar uma brincadeira que não possui caráter humilhante ou intenção de incitar a discriminação e o ódio. (ESTEFAM, 2023).
Esse dispositivo da nova Lei, parece ser uma tentativa de evitar que atitudes claramente racistas sejam descaracterizadas como crime devido a uma suposta intenção de contar uma piada. O que não se pode fazer é interpretar isso da forma contrária, isto é, entender que o art. 20-C criminaliza a atitude de contar uma piada. A interpretação mais adequada desse dispositivo é, portanto, que se trata de uma reprimenda às atitudes racistas travestidas de um intuito recreativo.
Em relação ao art. 20-C, este estabelece as atitudes ou os tratamentos que o juiz deve considerar como discriminatórios, quais sejam quaisquer ações que causem sentimento negativo em pessoas ou grupos minoritários e que não seria direcionada a um grupo social dominante (SBARDELLOTO, TERRA 2023).
Imperioso (tentar) definir o que seria um grupo minoritário. Não existe uma definição única e universal, entretanto, para este trabalho, foi escolhida aquela trazida por Dimoulis (2023), qual seja: são aqueles indivíduos que, devido a determinadas características, desde raça, religião, orientação sexual, identidade de gênero, sexo etc., constituem uma espécie de “classe torturável”, passíveis de sofrer violência social e institucional, além de sofrerem exclusões. São pessoas que se tornam vulneráveis sistematicamente em certos contextos. Importante destacar que o termo minoria não se limita a um grupo em pequena quantidade, isso é facilmente demonstrado ao pensar nas mulheres, que, muito embora sejam maioria numérica no Brasil, são consideradas um grupo minoritário, pois, historicamente, tiveram variados direitos cerceados ou mitigados e, ainda hoje, sofrem consequências de uma sociedade predominantemente patriarcal e machista.
Pois bem, o art. 20-C será analisado de forma mais aprofundada em subseção própria imediatamente em seguida.
2.1.1 O art. 20-C: os problemas do tipo penal aberto e responsabilidade objetiva penal
Quando o supracitado artigo traz em sua redação:
Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
O que está acontecendo é a criação de um tipo penal excessivamente aberto. Isso porque, por óbvio, “qualquer atitude ou tratamento” engloba literalmente qualquer coisa que atinja um determinado resultado, resultado esse que, frise-se, não pode ser objetivamente aferido, pois diz respeito ao íntimo de um indivíduo ou à consciência coletiva de um grupo. Tudo isso, sem fazer qualquer referência ao ânimo interno do agente, ou seja, dá-se a entender que se está falando de uma possível responsabilidade objetiva, a qual é completamente vedada na nossa sistemática constitucional e penal, entendimento pacificado doutrinariamente e jurisprudencialmente. No HC 192.204, o Relator, Min. Gilmar Mendes, em seu voto, afirmou categoricamente “A responsabilidade objetiva é inconstitucional, e não existe espaço para tal modalidade de intervenção criminal no Estado Democrático de Direito” (grifo do autor). Em seguida, o relator embasa seu entendimento com doutrina e precedentes da Suprema Corte. Não cabe, na seara criminal, a responsabilidade objetiva derivada somente de um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (BATISTA, apud Min. Gilmar Mendes, 2022).
Os crimes contra a honra, por exemplo, são notórios por necessitarem da presença não só da intenção de praticar a conduta (dolo), como uma intenção de alcançar um resultado específico (dolo específico), conforme se extrai da ementa do seguinte julgado do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 20, § 2º, DA LEI 7.716/89. TIPO PENAL QUE EXIGE A PRESENÇA DE DOLO ESPECÍFICO. CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PELA AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Para configuração do delito previsto no art. 20 da Lei Federal n. 7.716/89 exige-se, além do dolo, o elemento subjetivo específico consistente na vontade de discriminar a vítima. [...] (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.817.240 – RS (2019/0160866-3, 5ª turma, Relator: Min. Joel Ilan Paciornik, 24 de setembro de 2019)
Conforme explica Capez (2023), nos tipos anormais, os quais contêm a finalidade especial do agente, o dolo por si só não é o suficiente, pois também se exige a especificidade. Esses elementos são fundamentais para que haja correspondência entre conduta e tipo penal de forma a legitimar uma punição criminal. Isso é verdade na injúria, como também é verdade no crime de furto por exemplo, para o qual não basta apenas a vontade de subtrair, sendo necessário o ânimo de assenhoreamento definitivo.
Ou seja, retornando ao art. 20-C, mesmo que haja uma atitude ou tratamento que comprovadamente cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, isso ainda não é o suficiente para a configuração de crime enquanto não se levar em conta as intenções do agente. Por isso que o legislador falhou significativamente ao instaurar uma insegurança jurídica em potencial, pois ordena que o juiz entenda, necessariamente, como discriminatório, certo ato, baseando-se somente na relação entre causa e efeito.
Em relação ao tipo penal aberto, diversos autores já se debruçaram sobre o tema. A lei penal deve ser determinada em seu conteúdo, não se permitindo a construção de tipos penais demasiadamente genéricos, que podem ser denominados de tipos vagos. Uma lei penal incriminadora que pune uma conduta vaga e indeterminada provoca insegurança jurídica, pois o indivíduo não tem como saber o que é certo ou errado devido à falta de clareza no texto legal. O juiz é quem decidiria o que é ou não crime (ESTEFAM, 2023).
A lei penal deve ser criada com precisão e coerência, haja vista que inconsistências legislativas prejudicam a aplicação jurisdicional. Ocasionalmente, o legislador torna dificultosa a interpretação penal ao editar leis com redações ambíguas e vagas. Por consequência, interpretações variadas acerca do mesmo tipo penal se tornam recorrentes (GARÇON, ITALORRAN, 2023).
Uma norma de orientação hermenêutica que traz ao mundo jurídico, no microssistema dos crimes de racismo, um elemento normativo geral ou constante totalmente indeterminado não pode prosperar diante do “Princípio de Estrita Legalidade”, o qual exige redações que tenham um sentido semanticamente muito bem determinado e estabelecido. (CABETTE, 2023).
Ressalta-se que não são todos os tipos abertos que provocam a mencionada insegurança jurídica, mas sim, aqueles que possuem elementos normativos em seu núcleo, isto é, quando a conduta aludida no dispositivo não é autodescritiva, havendo necessidade de um juízo de valor sobre a ação do indivíduo a fim de averiguar se o ato se amolda ao tipo penal ou não (SANTOS, 2021).
2.2 OMISSÕES E OUTRAS ESCOLHAS QUESTIONÁVEIS DO LEGISLADOR NA CRIAÇÃO DA 14.532/2023
Agora que os dispositivos mais relevantes introduzidos pela nova Lei foram comentados, chegou o momento de discutir acerca daqueles que não foram introduzidos, mas que poderiam muito bem ter sido acoplados ao escopo da Lei 7.716/1989.
Que a 14.532 veio de forma a equiparar a injúria racial ao crime de racismo, positivando entendimento do STF, isso já ficou claro. A questão é que a injúria qualificada não foi inteiramente realocada do Código Penal para a Lei de Racismo. Observando o art. 140, parágrafo 3º do CP, ainda é possível ver que alguns tipos de discriminação continuam elencados no código, quais sejam, aqueles baseados em elementos referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência.
Não parece existir razão para que as injúrias baseadas em raça, cor, etnia e origem recebam tratamento diferenciado do que aquelas remanescentes do Código Penal. É como se o legislador estivesse discriminando os tipos de discriminação, um tanto quanto irônico.
É importante lembrar que, muito embora a Lei 7.716/89 começou com um escopo bem limitado, tratando o racismo apenas no sentido literal da palavra, hoje em dia, dá-se um entendimento muito mais amplo ao que pode ser abarcado por ela, especialmente com decisões notórias do STF, como o HC 82.424, ADO 26 e MI 4733. Foi no caso Elwanger, por exemplo, que ficou firmado o conceito de racismo social, o qual seria espécie do gênero racismo, entendendo que qualquer tipo de discriminação que cause uma desumanização de determinado grupo, deve ser considerada como racismo.
Ademais, o legislador também relegou ao ostracismo todos aqueles pertencentes ao movimento LGBTQIA+, tendo em vista que mais uma vez não houve uma tipificação específica que puna crimes discriminatórios baseados na orientação sexual e na identidade de gênero.
Como muito bem explicado por Carvalho e Duarte (2017), a tipificação da homofobia (e transfobia) se justifica, tendo em vista que não se pode tecer diferenças entre essa espécie de preconceito e a discriminação que atinge outros grupos vulneráveis que receberam tutela diferenciada, como a população negra, as mulheres, as crianças etc.
Do ponto de vista histórico, a população LGBTQIA+ possui tanta legitimidade quanto qualquer outro grupo e, até hoje, são vítimas de discriminação e crimes de ódio. A defesa de uma especificação legal parte da necessidade de um reconhecimento formal dessa realidade social pelo Poder Público. Nem que seja um mero efeito simbólico, pelo menos retiraria a luta desse grupo da invisibilidade e marginalização (Ibidem).
Além do mais, tudo que o legislador estaria fazendo ao inserir o tipo penal incriminador da homotransfobia na Lei 7.716/1989 é meramente positivar o entendimento da Suprema Corte na ADO 26, conforme trecho da ementa:
[...]Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social , ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”) [...]. (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26/DF. Relator: Min. Celso de Mello. 13 de junho de 2019).
Pois bem, com essa omissão do legislador, as ofensas baseadas em orientação sexual e identidade de gênero seguem dependendo do entendimento da Suprema Corte na ADO 26 e MI 4.733, de forma a poderem ser enquadradas como crime de racismo e injúria racial.
2.3 A LEI 14.532/2023 ABRE BRECHAS PARA A CRIMINALIZAÇÃO DE SHOWS DE HUMOR?
Até o momento, ficou demonstrado que a Lei do Racismo, mesmo com as alterações advindas da Lei nº 14.532/23, não proibiu expressamente piadas ou shows de humor. O que ela fez foi estipular um aumento de pena quando o crime ocorre em contexto ou com intuito recreativo, tornando a interpretação delicada, pois não está sendo dito que contar uma piada constituiria crime, mas sim, que o crime realizado em contexto de piada deveria ser mais severamente punido.
Mesmo assim, essa ainda foi chamada de “Lei Antipiada”, e, infelizmente, existe um bom motivo para tal. Como já discutido anteriormente neste Artigo Científico, o Art. 20-C permite, ou melhor, exige uma interpretação muito ampla do que será considerado como discriminatório. Dessa forma, existem aqueles que interpretam a nova lei como uma ferramenta apta a penalizar e até mesmo censurar comediantes que supostamente teriam cometido crime.
Para exemplificar essa questão, cumpre lembrar-se do processo criminal que corre atualmente contra o humorista de humor negro, Léo Lins, em razão de um show de stand-up de alcunha “Perturbador”. Léo foi indiciado com base na Lei de Racismo em razão de diversas piadas com conteúdo sensível que foram compreendidas como discriminatórias pelo Ministério Público, tendo o juízo, inclusive, acatado os pedidos liminares da peça inicial acusatória, aplicando certas penalidades e restrições ao humorista, como a obrigação de tirar o show do ar, comparecer em juízo mensalmente e precisar de autorização judicial para sair do estado de São Paulo por mais de 10 dias.
Percebe-se que o humorista não só está sendo punido, como também teve seu show censurado, isso tudo antes mesmo de haver uma sentença no processo. O tema é um divisor de opiniões: de um lado, existem aqueles que entendem correta a decisão e a nova lei, pois consideram criminosa a conduta de humoristas como Léo Lins; do outro lado, existem aqueles que consideram a situação um excesso por parte do judiciário, e a lei, uma afronta aos direitos de liberdade de expressão e artística.
Notório que diversos tipos de obras retratam diversos tipos de temas sensíveis, inclusive aqueles relacionados a minorias. Entretanto, não parece haver o mesmo nível de empenho em censurar filmes, séries, músicas, peças teatrais etc., por serem supostamente discriminatórias. Parte do motivo, provavelmente, é que a população tem uma dificuldade em separar o personagem do artista e vice-versa no contexto de stand-ups. É muito comum, por exemplo, que quando um artista se envolve em uma polêmica, o público passe a olhar para os trabalhos dele com olhos diferentes, assim como o artista pode encontrar problemas em conseguir novos trabalhos, o que, para exemplificar, podemos lembrar de Johnny Depp, que devido às acusações de sua ex-companheira (posteriormente demonstradas infundadas), perdeu oportunidades de emprego.
Com humoristas, o problema parece ser o contrário. As pessoas veem o personagem no palco dizendo coisas absurdas e automaticamente entendem que o humorista interpretando tal personagem é exatamente daquela forma, pensando daquela maneira e compactuando com ideais reprováveis. O que parece difícil de perceber, é que um stand-up é uma obra artística como qualquer outra. Que o humorista deveria ter tanto direito quanto um ator de um filme em interpretar um personagem, só que, em vez de fazer isso em um estúdio, o humorista o faz num palco.
Além disso, situações como essa expõem uma espécie de “Polícia do Humor”, que consiste em indivíduos dizendo o que pode ou não pode ser humorizado, o que é que tem graça e o que não tem. É notório que existem diversos tipos de humor, assim como existem diversos tipos de obras artísticas, e, por óbvio, se um determinado show de humor não agrada a alguém, este deveria evitar consumi-lo, mas não tentar impedir que outras pessoas possam usufruir dele.
Portanto, quando a Lei 14.532/2023 vem de forma a possibilitar a criminalização de um tipo de arte e sua consequente censura, ela está afrontando diretamente a Constituição Federal de 1988, primeiramente em relação ao Art. 5º, inciso IX, o qual estabelece que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e também em relação ao Art. 220, § 2º: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”.
2.3.1 A relativização de direitos, tendo em vista que não existe direito absoluto, poderia justificar a censura aos shows humorísticos com base na Lei nº14.532/2023?
Um argumento que, definitivamente, merece atenção seria o da não existência de direito absoluto, pois, como qualquer jurista poderá saber, no Direito, quase tudo depende. Resta, então, buscar entender se no caso de shows de comédia, o direito à liberdade artística e à não censura, poderia ser relativizado em prol dos direitos tutelados pela Lei do Racismo, notadamente após as alterações trazidas pela 14.532/2023.
Imperioso é, portanto, demonstrar quais são os direitos tutelados pela referida lei. Seriam eles, a honra, a dignidade, a igualdade etc. A Lei de Racismo vem como uma ferramenta para evitar discriminações e ofensas fundadas em características como a raça, a cor, a procedência nacional, dentre outras. Exatamente por isso, que atitudes ofensivas com alvos determinados (injúrias) e práticas que semeiam e incitam a discriminação e segregação racial devem ser firmemente penalizadas por força da lei.
Por óbvio, um humorista que faz piadas de humor negro, entrará em tópicos como racismo, homofobia etc. Na realidade, muitas vezes, o objetivo do humor é justamente criticar uma mazela social, pois, afinal de contas, a piada não cria o fato; é uma decorrência desse. "Humorismo não é apenas uma forma de fazer rir. Isto pode ser chamado de comicidade ou qualquer outro termo equivalente. “O humor é uma visão crítica do mundo e o riso, efeito colateral pela descoberta inesperada da verdade que ele revela", citando o escritor Ziraldo, asseverou o então ministro do STF, Carlos Ayres Brito no julgamento do Referendo na Medida Cautelar na ADI 4.451.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da referida ADI, assim se manifestou a respeito do humor:
O humor presta serviço à Democracia. Com seu modo elegante ou um tanto agressivo, fino ou mais explícito, direto ou por ironia, ele consegue escancarar os conflitos sociais, políticos e culturais de uma forma não violenta, mas reflexiva. E reflexiva da melhor maneira, através do sorriso. (ADI 4.451-MC-REF, Relator o Ministro Ayres Britto, Plenário, data do julgamento: 02/09/2010).
Assim, devemos ser capazes de distinguir uma piada, que coloca um holofote em determinado problema social, de um discurso que faz apologia a uma conduta reprovável. Ou seja, há de ser respeitada a liberdade artística e a proibição da censura previstas na Constituição Federal, não podendo ocorrer a banalização da censura e muito menos a criminalização de algo porque algum indivíduo ou grupo se sentiu incomodado por algo revestido de claro animus jocandi.
Além disso, muito embora seja bem verdade que não exista direito absoluto ou hierarquia entre direitos fundamentais, há o que se chama de preferred position, como bem explica Luís Roberto Barroso (2004):
Na verdade, tanto em sua manifestação individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades, o que justifica uma posição de preferência - preferred position - em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. Tal posição, consagrada originariamente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Espanhol e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão. Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade. A opção pela composição posterior tem a inegável vantagem de não sacrificar totalmente nenhum dos valores envolvidos, realizando a ideia de ponderação
Ou seja, nessa perspectiva seria mais adequado dar uma liberdade maior de uso e punir eventuais abusos, do que reprimir certos direitos de forma prévia, realizando essencialmente uma censura prévia.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em variadas ocasiões, seguiu o entendimento da posição preferencial supracitada, inclusive da equiparação da liberdade de imprensa com a atividade do humorista, como será discutido mais detalhadamente na Análise e Discussão dos Resultados.
2.4 O QUE É O RACISMO E QUAIS OS GRUPOS QUE ESTÃO PROTEGIDOS PELA LEI Nº 7.716/1989?
A Lei de Racismo surgiu, originariamente, em razão da discriminação sofrida pela população negra na história do Brasil. Entretanto, hoje em dia, ela abarca diversos tipos de discriminação, não só em relação à vítima, mas também à atitude intolerante.
Na 7.716/1989 existem, desde os crimes mais sérios que envolvem real segregação e cerceamento de direitos básicos, até eventuais comentários que incitem a discriminação, o ódio ou causem uma espécie de constrangimento, vergonha etc.
A Lei 14.532/2023 foi categórica em sua redação ao estabelecer que apenas grupos minoritários se encontram sob as suas “asas”. O que deixa a entender, de certa forma, que apenas certos grupos podem sofrer racismo ou formas análogas de intolerância e desrespeito.
Cumpre, então, tentar definir “racismo”. Isso não é uma tarefa simples, na realidade, definitivamente não existe uma única resposta, já que o que é “racismo” para um autor pode não ser para outro. Além disso, diversos pensadores possuem perspectivas diferentes a respeito dos desdobramentos do racismo e como ele realmente é aplicado.
O próprio sufixo “ismo” denota as origens ideológicas do termo (BONILLA-SILVA, apud CAMPOS, 2017). Ruth Benedict, conforme citada por Campos, definiu “racismo” como o dogma segundo o qual um grupo étnico está condenado pela natureza à inferioridade em relação a outro.
O racismo deve ser entendido como um conjunto de ideias que presume a existência de raças distintas, atribuindo avaliações negativas a uma ou mais “raças”, não necessariamente uma doutrina, mas uma dimensão com um conjunto vulgar de significados do senso comum, repletos de incoerência e sem uma estrutura lógica (MILES, BROWN, apud CAMPOS, 2017).
Percebe-se uma diferença de ponto de vista entre os autores citados acima, Miles e Brown, que parecem atribuir menos estrutura ao racismo, muito embora os autores nunca negaram o racismo institucional e estrutural, por exemplo. Pode se extrair de seus posicionamentos que para eles há mais importância na análise das condutas relacionados às ideias racistas que às ideias em si, até porque não há por que perder tempo discutindo acerca de qualquer ideologia racista, não passando de um constructo social obviamente falacioso. Luiz Augusto Campos, (2017), assevera que “(...) não são propriamente as ideologias que se busca punir, mas as condutas delas derivadas ou por elas motivadas. Novamente, as práticas individuais e institucionais parecem ter maior relevância na realidade concreta do que ideias propriamente ditas.”
Muito se fala acerca do racismo estrutural, por isso entender seu conceito será fundamental para uma análise adequada. Para isso, pegarei emprestado o conceito dado pelo ministro do STJ, Benedito Gonçalves, no VIII Seminário de Planejamento Estratégico Sustentável do Poder Judiciário. Para ele, o racismo existe em duas dimensões, a institucional e a estrutural. Um exemplo de racismo institucional seria aquele praticado por policiais contra uma parcela marginalizada da população, no caso do Brasil, os negros, em sua maioria. É de mais fácil constatação porque geralmente é explícito.
O racismo estrutural, por outro lado, está enraizado nos costumes e na cultura de um povo. No caso do Brasil, o racismo contra negros, por óbvio, decorre dos séculos de escravidão, e, ainda depois de sua abolição, as décadas de discriminação que ainda eram moralmente aceitáveis na sociedade brasileira da época: "O racismo estrutural está cristalizado na cultura do povo de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar de destaque nas instituições", afirmou o ministro Benedito Gonçalves.
Ou seja, em decorrência de séculos de exploração, discriminação e segregação, os negros tiveram um contratempo imenso em relação a outros povos mais afortunados em nosso território brasileiro, de forma que, mesmo após se tornarem livres, não possuíam meios ou oportunidades para se desenvolverem academicamente, profissionalmente e socialmente. Com isso, a maioria dos negros era pobre, como ainda é o caso no Brasil, com pouca ou nenhuma escolaridade e eram ativamente repudiados pela sociedade em geral, relegando-os, literalmente, às margens das cidades, onde se formariam as periferias.
Destarte, uma dívida histórica existe, e isso provavelmente é um fato incontroverso, enquanto o que fazer em relação a essa dívida é o que causa problemas, mas esse é um tópico para outra discussão. O que interessa para esta discussão é como o Estado deve agir frente à realidade do racismo na sociedade brasileira.
Essa breve explicação é importante, pois é a base para um entendimento que é coadunado por muitos juristas, inclusive jurisprudências em nosso país, qual seja, a de que os crimes de racismo só são configurados quando existir relação de opressão e poder sobre a vítima, contextualizado com um histórico de abusos e discriminações daquele povo específico. Em outras palavras, é plausível que um branco seja ‘racista com um negro, entretanto, juridicamente falando, o contrário não configuraria racismo, pois aos caucasianos (no Brasil) falta o elemento histórico de opressão sofrido, falta a disparidade de poder social etc.
Obviamente, esse ponto de vista faz sentido, entretanto não se vislumbra motivo idôneo para restringir a proteção oferecida pela Lei de Crimes Raciais. Isso porque não é necessário desistir de proteger um certo grupo em favor de outro, já que todos os grupos podem igualmente ter os mesmos direitos resguardados. Evidentemente, no que se refere a discriminações positivas partidas do poder público, como por exemplo cotas raciais, esse tipo de ação, deve, por óbvio, estar voltada para as parcelas vulneráveis que realmente necessitam de tais auxílios. Entretanto, quando o assunto é punir uma atitude ofensiva baseada em elementos raciais, por exemplo, punir aquele que ofendeu um caucasiano não fará com que a ofensa a um negro passe impune. Proteger a todos não enfraquece a luta dos negros, dos indígenas, das mulheres, dos transexuais, dos idosos ou de qualquer outro grupo vulnerável, pelo contrário, uma sociedade onde todos possuem um sentimento de pertencimento e respeito mútuo é um elemento fundamental para uma harmonia geral.
Tentar monopolizar quem pode ou não pode figurar ativa ou passivamente nos crimes da 7.716/89 só serve para acirrar tensões raciais e promover a divisão social. Como colocado por William Douglas: “Se não houver mudança de rumos, e combate à cultura de segregação e do ‘nós contra eles’, terminaremos por importar o grau de tensão racial que há nos EUA.”.
Ao se falar sobre este tema, geralmente surge o tópico do “racismo reverso”, o qual não existiria na visão daqueles que entendem que só existe racismo quando os atos discriminatórios são voltados contra grupos minoritários e historicamente vulneráveis, nesse sentido Djamila Ribeiro, (2018), explica:
Não existe racismo de negros contra brancos ou, como gostam de chamar, o tão famigerado racismo reverso. Primeiro, é necessário se ater aos conceitos. Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para ser racistas. A população negra sofre um histórico de opressão e violência que a exclui. Para haver racismo reverso, precisaria ter existido navios branqueiros, escravidão por mais de trezentos anos da população branca, negação de direitos a essa população. Brancos são mortos por serem brancos?
Percebe-se novamente uma conceituação diferente de racismo das apresentadas anteriormente neste trabalho, de forma que fica clara que não é uma tarefa simples dar essa conceituação. Com a devida vênia à autora, não parece completamente adequado entender o racismo como um “sistema de opressão”, mas sim como uma ferramenta ideológica que foi utilizada para instaurar e justificar sistemas opressores. Por óbvio, não existe racismo reverso, pois isso significaria dizer que existe uma forma original de se praticar o racismo, ou pior, uma forma “certa”; o termo “racismo” teria que carregar consigo mais significados do que realmente carrega, pois, na realidade, é uma expressão muito abstrata e que só ganha um sentido mais palpável ao ser aplicada em um contexto concreto.
O presente artigo não busca, de forma alguma, passar a impressão de que brancos sofreram algum tipo de opressão histórica (no Brasil) que fosse minimamente comparável à dos negros. Esse não é o ponto; o ponto é que nem todo tratamento ofensivo baseado nas características “raciais”, de cor, ou étnicas, virá necessariamente embasado em uma opressão histórica. Portanto, pelo menos na visão deste autor, qualquer tratamento que incite o desrespeito, o ódio, a intolerância, ainda que em grau pequeno, contra qualquer grupo, deveria ser abarcado pela Lei de Crimes Raciais, de forma a não monopolizar quem pode ou não pode praticar ou sofrer racismo ou formas análogas de intolerância.
Entretanto, claramente o legislador entendeu de forma contrária, isso pois a alteração trazida pela Lei nº 14.532 positiva o entendimento de que existem aqueles que podem ou não praticar racismo, assim como os que podem ou não ser vítimas dele. Isso por causa da redação do Art. 20-C, a qual “orienta” o juiz acerca do que este deve ou não considerar como atitude discriminatória, deixando claro que só ocorre discriminação quando o sujeito passivo for pessoa ou grupo minoritário.
Isso não é só um problema ético, mas também entra em conflito com o nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o Decreto nº 10.932, de 10 de janeiro de 2022, o qual promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado na Guatemala em 05 de junho de 2013. Esse conflito fica muito claro ao direcionarmos nossa atenção para o Artigo 2º do referido decreto: “Todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à igual proteção contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância, em qualquer esfera da vida pública ou privada.”. Logo adiante, o Artigo 4º estabelece que os Estados signatários da Convenção se comprometem a combater todos os atos e manifestações de racismo.
Ou seja, analisando esse Decreto, o qual trata de Direitos Humanos e, portanto, é recebido com força de Emenda Constitucional, fica bem evidente que não existem grupos específicos a serem protegidos do racismo e formas correlatas de discriminação, pelo contrário, fica expresso que todo ser humano é igual perante a lei e deve gozar de igual proteção.
Este estudo tem a intenção de analisar criticamente a Lei de Racismo, especialmente frente às alterações promovidas pela Lei nº 14.532/2023, notadamente contextualizando sua aplicação a um caso concreto como forma de análise empírica. Dessa forma, torna-se necessária a definição de uma metodologia a ser utilizada ao longo do projeto.
Metodologia se trata dos métodos que serão utilizadas para alcançar um entendimento de determinada matéria. Então, pode-se dizer que a metodologia nasce a serviço da pesquisa científica, consistindo no estudo das práticas do saber, buscando o aperfeiçoamento dos conhecimentos humanos (BITTAR, 2016). Indo além, Bittar (2016) também explica:
A metodologia passa a representar, dessa forma, um saber sobre o saber-fazer das práticas científicas. Em outras palavras, trata-se, através da metodologia, de conhecer o que se faz quando se estuda cientificamente algo, quando se adota determinado objeto acerca do qual se entende necessária a especulação. Trata-se do exercício da razão sobre os meios e recursos disponíveis da prática da razão. A metodologia pensa o homem pensando e praticando ciência.
Este projeto visa responder a seguinte problemática: Como a Lei nº 14.532/2023 dialoga com a sistemática jurídica brasileira e quais são as suas consequências no que tange à liberdade de expressão e à manifestação artística, notadamente nos shows de humor?
Dessa forma, baseando-se nas informações obtidas através da análise normativa, da doutrinária e do estudo do entendimento jurisprudencial sobre o tema, com o objetivo de que ao final do trabalho a dúvida posta acima seja respondida.
O estudo será realizado valendo-se da abordagem qualitativa do tipo exploratória. Para Richardson (2017), a pesquisa qualitativa não é uma variável exata; o pesquisador utiliza conceitos cuja essência não pode ser aferida por medições.
O tipo exploratório tem o objetivo de esclarecer, desenvolver e modificar ideias, geralmente envolvendo pesquisas documentais, bibliográficas, entrevistas e análises de casos (GIL, 2019). Esse tipo de pesquisa se encaixa muito bem com o objetivo do presente trabalho.
Esses tipos de pesquisa se pautam na não importância da quantidade de dados, e sim na qualidade destes.
Existem fontes primárias e secundárias. As primárias são aquelas a que o pesquisador tem acesso em “primeira mão”, isto é, não estavam disponíveis anteriormente à pesquisa e só passaram a existir com os esforços do pesquisador. Já as fontes secundárias se caracterizam pela análise de obras e dados que já existem e estão disponíveis para outras pessoas, juntando o máximo de informação relevante possível sobre o tema pretendido (MARCONI; LAKATOS, 2021).
Esta pesquisa buscará se valer de fontes secundárias (análise normativa, de doutrinas, jurisprudência e demais documentos).
O método a ser utilizado no projeto será o dedutivo, o qual se caracteriza por partir de conceitos gerais, chegando até a uma premissa particular mais específica, isto é, “parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica” (GIL, 2019).
A investigação teórica proporciona a uma pesquisa a coleta de dados teóricos sobre um tema, sendo classificada em técnica histórica, conceitual e normativa (BITTAR, 2016). Com base nisso, as técnicas a serem utilizadas na presente pesquisa serão a técnica conceitual e a normativa.
A investigação empírica permite que o pesquisador alcance resultados científicos ao realizar análises de forma direta e objetiva. O presente trabalho é predominantemente teórico, entretanto, há o objetivo de análise jurisprudencial que possa indicar como está sendo interpretada e aplicada a Lei do Racismo com as mais recentes alterações.
A pesquisa jurisprudencial não se limitará a determinado município, estado ou região, tendo em vista que o local do julgamento pouco importa para os objetivos do tema proposto. Na realidade, a pesquisa jurisprudencial vai se ater a julgados do Supremo Tribunal Federal.
A pesquisa será realizada através da análise de conteúdo. Para Bardin (2016), a análise de conteúdo é uma técnica na qual o pesquisador busca compreender as características, as estruturas ou os modelos que estão por trás dos fragmentos tomados como parâmetros.
Aponta ainda, Bardin (2016), que são três as fases fundamentais na análise de conteúdo: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (inferência e interpretação).
A primeira se trata de um período de organização e planejamento, definindo procedimentos, os quais são flexíveis, quando se escolhem os documentos que serão utilizados na pesquisa. Na segunda fase, codificam-se as operações obtidas, os descontos ou as enumerações em função de regras anteriormente já delimitadas. Finalmente, na terceira fase, há o tratamento dos resultados, os quais podem ser submetidos a testes de validação, tendo, portanto, resultados fiéis e significativos, podendo o analista propor suas interpretações (BARDIN, 2016)
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
De forma a realizar uma pesquisa empírica acerca do tema deste artigo, o qual é relativamente amplo tendo em vista que aborda diversos pontos da Lei de Racismo, notadamente em relação com a alteração promovida pela Lei nº 14.532/2023, foi escolhido um tópico central, o qual, inclusive, foi a inspiração inicial para o presente trabalho, qual seja, o processo criminal que corre contra o humorista Léo Lins em razão do show de humor de alcunha “Perturbador”. Esse caso é muito relevante para este artigo, tendo em vista que está diretamente relacionado com a Lei 14.532/2023 e é adequado para ilustrar como as alterações trazidas pela lei impactam a liberdade de expressão e artística na prática.
Imperioso destacar que o processo corre em segredo de justiça, portanto, para analisar o caso serão utilizados acórdãos e uma decisão monocrática oriundos do Supremo Tribunal Federal (os quais serão especificados em breve). A decisão mais relevante, sem dúvida, se trata da Reclamação Constitucional 60.382/SP, formalizada por Leonardo de Lima Borges Lins (Léo Lins), contra a decisão proferida pelo Juízo do Setor de Atendimento de Crimes da Violência Contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (SANCTVS), da Comarca de São Paulo/SP, nos autos do processo nº 1011931-27.2023.8.26.0050.
As demais decisões do STF que serão analisadas, embora não conectadas diretamente ao caso do humorista, servem como um amparo argumentativo e jurisprudencial para aquilo a que se propôs o julgamento da reclamação constitucional, e à análise realizada neste trabalho.
Quadro 01 – Acórdãos selecionados na pesquisa
Tribunal |
Decisões selecionadas |
Número do caso |
Supremo Tribunal Federal |
RCL 60.382/SP |
01 |
ADPF 130/DF |
02 |
|
ADI 4451/DF |
03 |
|
RCL 38.782/RJ |
04 |
Fonte: autor do trabalho, 2023.
O caso 01 trata da Reclamação Constitucional apresentada pela defesa de Léo Lins em relação ao processo nº 1011931-27.2023.8.26.0050. Em síntese, o processo se deu após uma denúncia do Ministério Público de São Paulo em razão de um show de stand-up comedy do comediante postado no YouTube. O show se chamava “Perturbador” e fazia parte de uma turnê ao redor do Brasil na qual o humorista o apresentou em diversas cidades, para mais de 150.000 pessoas no total. O vídeo já possuía mais de 3 milhões de visualizações quando teve que ser retirado da plataforma para cumprir medida cautelar requisitada pelo Parquet. A reclamação teve o condão de cassar a decisão judicial que aplicou essa e outras medidas cautelares propostas pela acusação, como ficará evidenciado posteriormente.
Os outros casos constituem importantes precedentes no que diz respeito à fundamentação jurídica utilizada no julgamento da RCL 60.382/SP. O caso 02 é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, que teve como matéria de discussão a Lei de Imprensa, sendo objeto da ação a declaração de que determinados dispositivos da referida lei não haviam sido recepcionados pela Constituição de 1988.
O caso 03 trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451, a qual visava impugnar os incisos II e III do art. 45 da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), devido ao caráter de censura emanado dos referidos dispositivos, ao impedirem as emissoras de rádio e televisão de veicularem informações relacionadas a temas políticos polêmicos, além de proibirem a sátira e o humor relacionados a candidatos e a partidos políticos.
O caso 04, por sua vez, diz respeito à Reclamação 38.782/RJ, referente ao notório caso da obra Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, notadamente no que diz respeito à censura e à ofensa à liberdade de expressão. Diversos paralelos podem ser traçados entre este e o caso 01, o qual é o núcleo da discussão, como se vê logo à frente.
4.1 COMO A SUPREMA CORTE TEM RESOLVIDO CONFLITOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS?
Não existe hierarquia entre direitos fundamentais constitucionais, e, exatamente por isso, pode ser complexo julgar um determinado caso concreto, no qual exista conflito entre dois ou mais desses direitos.
Entretanto, no que tange à liberdade de manifestação de pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, incluindo a criação e apresentação de conteúdos de natureza humorística, existe uma posição apriorística preferencial (preferred position), não se confundindo com superioridade (a qual inexiste), em relação a demais direitos fundamentais (RCL 60.382/SP, Relator Min. André Mendonça).
O que isso significa, essencialmente, é que muito embora tal liberdade de manifestação não seja absoluta, ela jamais deve tomar segundo plano frente a algum outro direito, tendo em vista que isso configuraria uma censura prévia, ou seja, novamente nas palavras do Relator da RCL 60.382/SP, Ministro André Mendonça:
Tendo em vista o caráter relativo dos direitos fundamentais, eventuais abusos no exercício dessas liberdades devem, preferencialmente, ser objeto de exame posterior, nos termos da legislação civil ou até mesmo penal, dispondo o ordenamento jurídico brasileiro de mecanismos normativos e processuais aptos a equacionar os bens jurídicos conflitantes; [...] (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023; grifo do autor).
Dessa forma, pode-se aferir que a censura prévia, mediante decisão cautelar, do amplo exercício da liberdade de manifestação de pensamento e expressão artística, é medida essencialmente excepcional, surgindo a necessidade de se desincumbir de expressivo ônus argumentativo para justificar tal decisão (RCL 60.382/SP, Relator Min. André Mendonça).
Aliás, deve-se compreender que a liberdade de expressão não se direciona somente à proteção de opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis e usuais, mas também àquelas consideradas duvidosas, hiperbólicas, reprováveis, satíricas, humorísticas etc. Mesmo as declarações errôneas são resguardadas pela Constituição (ADI 4.451/DF, Relator Min. Alexandre de Moraes).
Percebe-se que no caso 01 e 03, dá-se grande importância à liberdade, mas sem a torná-la absoluta, tendo em vista que, embora em uma posição preferencial, essas manifestações de pensamento, científicas e artísticas ainda estão sujeitas a responsabilizações nas searas cível e criminal, por exemplo. Dá-se, então, uma preferência à repressão em vez da prevenção, visto que o uso é livre, mas o abuso é punível.
Ademais, ainda no caso 03, foi firmado o seguinte:
[...] 5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de ‘imprensa’, sinônimo perfeito de ‘informação jornalística’ (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. (ADI 4.451-MC-REF, Relator o Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 1º.7.2011; grifo meu).
Ou seja, ficou determinada a equiparação entre a liberdade de imprensa e a liberdade de criação do humorista, seja qual for o meio. Seguindo adiante com esse entendimento, o que ficou entendido no caso 02 (ADPF nº 130) torna-se imediatamente mais relevante:
[...] A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ lº do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado ‘núcleo duro’ da atividade). (...). Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o ‘estado de sítio’ (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. (...). Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público”. [...] (ADPF nº 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 30/04/2009, p. 06/11/2009; grifos meus).
Ademais, o caso 04 não se distancia desses entendimentos. O especial de Natal produzido pelo grupo Porta dos Fundos, ainda que debochasse, satirizasse e criticasse a religião cristã, não foi considerado ilícito pelo Supremo, com o Relator do caso, Ministro Gilmar mendes, concluindo que:
Ao analisar os presentes autos, concluo que a obra “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, não incita violência contra grupos religiosos, mas constitui mera crítica, realizada por meio de sátira, a elementos caros ao Cristianismo. Por mais questionável que possa vir a ser a qualidade desta produção artística, não identifico em seu conteúdo fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal. (RCL 38.782/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 03/11/2020; grifos meus).
Em outras palavras, não cabe ao Estado a censura prévia de conteúdo artístico, especialmente no caso em análise que se tratava de um filme disponível oficialmente apenas na plataforma de streaming Netflix, não sendo publicamente propagado de forma a expor pessoas ao seu conteúdo de maneira involuntária. Os próprios usuários do serviço podem escolher ou não consumir o conteúdo, com este meramente tendo que cumprir as normas de classificação indicativa.
Portanto, percebe-se que frente a um conflito de direitos fundamentais, no qual figura em um dos lados a liberdade de manifestação, em suas mais variadas formas, este direito toma posição preferencial (mas não superior) em relação aos demais. Isso porque não se pode admitir que se banalize a censura e se incentive o controle excessivo do Estado na vida privada dos cidadãos e nos conteúdos que são produzidos em nosso país.
Recontextualizando todas essas informações com o processo criminal que corre contra o humorista Léo Lins, o que se percebe é que houve um claríssimo excesso por parte do judiciário na aplicação das medidas cautelares. Estas não só representaram uma censura prévia, como também foram deficientes na fundamentação e desproporcionais, como será visto no próximo tópico.
4.2 COMO O SUPREMO JULGOU A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL 60.382/SP?
As medidas cautelares foram várias, mas cumpre destacar as que exigiram que o humorista removesse do ar o seu especial de stand-up, bem como não pudesse realizar em suas apresentações quaisquer comentários ou divulgar qualquer conteúdo depreciativo em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável. Além disso, o comediante foi proibido de se ausentar da Comarca em que reside por mais de 10 (dez) dias sem autorização judicial.
Em vista disso, no julgamento da reclamação, a qual foi feita de forma monocrática pelo Relator Ministro André Mendonça, em razão da matéria ser objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal, a decisão de primeira instância acabou por ser cassada, sem prejuízo da continuidade da ação penal em curso, pelos motivos que seguem.
4.2.1 Decisão genérica e abstrata que acaba por constituir censura prévia
Ao acatar as medidas cautelares requerida pelo Ministério Público, o juízo de primeiro grau exarou comandos genéricos e de vasta proibição: “(a) Proibição de manter, transmitir [...] ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião [...] ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”.
Nota-se que “depreciativo ou humilhante” são termos demasiados abstratos e subjetivos, além do termo “quaisquer” e da expressão “qualquer categoria” representarem uma amplitude imensurável, efetivamente impedindo o acusado de desempenhar a sua profissão. Neste sentido foi o entendimento do Relator:
[...] visto que uma proibição ampla e genérica dessa magnitude, imposta a um profissional reconhecidamente atuante na criação e apresentação artístico- -humorísticas, impedindo-o de manifestar qualquer conteúdo que possa ser interpretado como ofensivo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, ao fim e ao cabo, constitui a famigerada censura prévia [...] (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023; grifo nosso).
Não bastasse a configuração de censura prévia, as demais cautelares impostas se mostraram desproporcionais, como será abordado logo em seguida.
4.2.2 Desproporcionalidade e irrazoabilidade das medidas cautelares
Ademais, a aplicação de medidas cautelares deve ter natureza excepcional, analisando o binômio necessidade e adequação, tais critérios não foram respeitados, tratando-se de imposições desproporcionais e que ainda impedem o livre exercício de profissão do acusado.
Relembrando que estamos diante de um processo no qual o acusado é um humorista, que estava trabalhando, contando piadas em um palco. Com isso em mente, é completamente descabido impor proibição de se ausentar da Comarca sem autorização judicial e ainda o dever de comparecimento mensal em juízo, tudo isso sem uma devida fundamentação.
Não se trata aqui de um criminoso de alta periculosidade, a não ser que o Ministério Público, ao pedir pelas cautelares, e o juízo ao acatar o pedido, estivessem preocupados com que o réu fosse matar alguém de rir. Trata-se de um comediante! Não há urgência que justifique essas punições expressivas antes da análise de mérito (relembrando que a liberdade de expressão artística deveria ter preferência frente a outros direitos, o que não foi respeitado aqui).
Ademais, havendo “indicativos” de materialidade e autoria de crimes, no contexto do exercício das liberdades artística e de expressão, o procedimento constitucionalmente consentâneo com a preferred position firmada pela Suprema Corte, ao menos a priori, deve ser o oferecimento de denúncia pelo Parquet, com a regular instrução do devido processo legal, sob os auspícios do contraditório e da ampla defesa, para, ao final, havendo condenação com trânsito em julgado, promover-se a respectiva execução penal, inclusive de eventuais penas acessórias (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023; grifos meus).
Pois bem, percebe-se que a decisão de 1º grau foi precipitada, ao desrespeitar a preferência que a liberdade artística detém frente a outros direitos fundamentais, e foi inconstitucional, pois, por óbvio, viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência.
4.2.3 O contexto e ambiente da prática dos atos importa
Isso não deveria ser nenhuma surpresa ou algo controverso de se dizer, mas infelizmente é necessário reforçar esse fato, visto que o Ministério Público de São Paulo e o juízo de primeira instância nesse caso parecem tê-lo olvidado.
Nas palavras do próprio Léo Lins, “Humor não tem limite, o ambiente sim”. Tal afirmação tem o seu sentido, e tal entendimento fica ainda mais elucidado nas palavras do Ministro André Mendonça:
O caso dos autos comporta, ainda, dois importantes registros complementares. O primeiro diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente “indicativas” da prática de ilícito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um show de humor, conhecido como stand up comedy (sic), modalidade atualmente bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica, por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o ideário politicamente correto (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023; grifos meus).
O grande erro do povo, e, infelizmente, às vezes, inclusive do judiciário, é levar muito a sério o que um comediante diz em um palco, com o declarado intuito de arrancar risadas de uma plateia. Para atingir esse objetivo, que é o mais importante para qualquer comediante que se preze, o artista se vale de diversos artifícios para causar o riso, por exemplo, figuras de linguagem como a ironia, o sarcasmo, a hipérbole etc.
Não é nem um pouco sensato achar que aquilo que um humorista diz num palco se trata de uma representação adequada, não só da realidade, mas de si próprio. Decerto que, em geral, o stand-up não acontece através de personagens, uma vez que o seu praticante se apresenta mediante seu próprio nome, o que não significa, por outro lado, de que não se trata de uma ficção, pelo menos em partes. E é necessário que seja em partes, pois o resultado cômico só insurge quando existe o choque entre o ridículo e o absurdo com a vida real, com problemas e situações reais.
Ademais, muito embora o objetivo principal seja obter risadas da plateia, o humor geralmente possui uma crítica social que o acompanha. Aliás, o humor é uma ferramenta excelente para chamar a atenção para as mazelas sociais de uma forma casual e descompromissada, “As mesmas coisas que nos fazem rir, nos fazem chorar” – Big Smoke. O ambiente do stand-up propicia a abordagem de assuntos sensíveis com uma leveza que não seria possível em outros contextos. É necessário entender que fazer piada com determinada situação não necessariamente significa que aquele problema social específico está sendo minimizado, considerado insignificante, ou, pior ainda, justificado. Pelo contrário, o humor é uma maneira excelente de crítica social, que não deixa esquecer o fato infeliz que deu origem à piada, “A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe” – Charles Chaplin.
Essa necessária contextualização, embora, como já mencionado, não signifique imunidade penal, é altamente indicativa da configuração do animus jocandi, inerente e presumido em qualquer apresentação artística dessa natureza, cuja audiência, aliás, demanda postura ativa por parte de quem, livre e conscientemente, escolhe consumir esse tipo de diversão (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023; grifos meus).
4.2.4 A plenitude da liberdade artística e a importância do ânimo interno do agente para que se configure crime
A liberdade artística é tão plena que mesmo aquilo que possa ser considerado ofensivo, não será necessariamente ilícito, como pode ser observado no caso 04, no qual o conteúdo produzido pelo grupo Porta dos Fundos atacava símbolos e crenças religiosas relacionadas ao cristianismo. Ainda assim, a Segunda Turma do STF entendeu pela prevalência da liberdade de expressão, ainda que ofensiva a determinados segmentos da sociedade, sejam eles majoritários ou não (RCL nº 60.382/SP, Rel. André Mendonça).
Esse mesmo raciocínio foi aplicado pelo Relator no caso principal em análise neste trabalho, notadamente devido ao poder de escolha que cada cidadão possui de consumir ou não o referido conteúdo. A apresentação de stand-up comedy foi direcionada a um público pagante, o qual foi devidamente informado acerca da natureza do humor a que estaria exposto ao longo da apresentação. Aquele que não concorda com o discurso humorístico tem ao seu alcance mecanismos de evitação ou enfrentamento, podendo boicotar ou criticar o show. A intervenção estatal, especialmente na seara criminal, deve se dar como ultima ratio, há de ser uma exceção e não a regra.
Na peça acusatória do Ministério Público, foram transcritas diversas das piadas contadas por Léo durante a apresentação do show, como forma de demonstrar os diversos absurdos proferidos pelo comediante e justificar a sua persecução penal. O problema disso é que as falas não só estão sendo retiradas do contexto original, como estão sendo inseridas em um novo contexto o qual funciona de maneira completamente diferente. O palco é o local adequado para a abordagem humorística ácida que adentra em tópicos sensíveis e polêmicos; um processo judicial, por outro lado, não é. Transferir as piadas ditas em um stand-up para um ambiente processual, vai, por óbvio, distorcer seu significado original.
[...] 32. No julgamento do Referendo na Medida Cautelar na ADI nº 4.451/DF, o eminente Ministro Cesar Peluzo, referindo-se aos programas humorísticos, salientou que “é próprio da caricatura, da sátira e da farsa, aquilo que se chama de deformação hiperbólica da realidade. Ninguém faz farsa, caricatura ou sátira, sem deformar a realidade” (ADI nº 4.451-MC-Ref/DF, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 02/09/2010, p. 24/08/2012). Essa constatação reforça a necessidade de interpretar as falas do reclamante no contexto do ambiente em que são proferidas (RCL 60.382/SP, Rel. Min. André Mendonça, decisão monocrática, j. 28/09/2023).
Evidentemente, não está sendo defendida aqui uma imunidade jurídica, seja a quem for. O ponto é que, analisando-se o contexto da apresentação e a sua natureza, deve ser presumido o animus jocandi, e caso o Parquet entenda que houve crime, não é razoável que ocorra uma censura, dentre outras punições, antes de uma análise aprofundada do mérito.
4.3 AFINAL, COMO A LEI DE RACISMO E SUA NOVA ALTERAÇÃO DIALOGAM COM OS ENTENDIMENTOS ANALISADOS NESTA SEÇÃO?
Começando pelo art. 20, no seu caput: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, pois bem, seguindo a linha jurisprudencial do Supremo, com a qual este que vos fala coaduna, em relação a esse artigo, desde que o ânimo interno do comediante fosse de fato o animus jocandi, e o contexto da prática do ato fosse adequado, além, claro, com o cumprimento de regras de classificação indicativa, não há de se falar em crime baseado no referido artigo. Nesta análise e discussão de resultados ficou claro que o STF não considerou que fazer piada com determinado assunto, signifique, necessariamente, que esteja ocorrendo real discriminação ou induzimento e incitação a essa.
Adiante, então, ao art. 20-A, relembrando a sua redação: “Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”. Este dispositivo realmente é um problema exponencial, porque permite uma interpretação no sentido de que o animus injuriandi não mais seria necessário para que se configurasse um crime de discriminação, seja racismo ou injúria, mas, pelo contrário, tal dispositivo parece aludir ao entendimento necessário de que, se houver animus jocandi, a pena deve, na realidade, ser ainda mais gravosa do que se não houvesse.
Uma possível interpretação para esse dispositivo seria que ele está se referindo a situações nas quais um indivíduo é ridicularizado, provavelmente em público, para o divertimento e descontração de outros. É fácil visualizarmos tal situação, bastando, para tanto, pensarmos no clássico bullying. Sob essa ótica, o aumento de pena faz muito mais sentido. Nesse caso, mesmo que possa se argumentar que exista um animus jocandi perverso, pode-se também perceber um claro animus injuriandi. Ou seja, na minha visão, o art. 20-A só é adequado se interpretado como uma exigência da junção do animus jocandi e do animus injuriandi, formando uma espécie de animus jocandi injuriandi.
Por fim, o último dispositivo relevante para o que se propõe o presente artigo científico é o 20-C: “[...] o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação [...] e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”. Assim como a decisão de primeira instância no processo nº 1011931-27.2023.8.26.0050 foi cassada mediante Reclamação Constitucional (caso 01) devido a, entre outros fatores, ser genérica e subjetiva em demasia, tal dispositivo introduzido pela Lei nº 14.532/2023 sofre do mesmo problema, só que, nesse caso é bem pior, pois não só se trata de texto legal, como ainda tenta ser uma norma hermenêutica, dizendo para o juiz como este deve julgar a lide.
Ora, “qualquer atitude ou tratamento” já demonstra o alcance incerto da norma, seguido de “que cause constrangimento [...]”, isto é, sentimentos e sensações subjetivas internas de cada um. Não há como aferir objetivamente se algo constrangeu ou envergonhou determinada pessoa ou grupo. Exatamente por isso esse tipo de critério não pode ser analisado solitariamente na análise de mérito de suposta conduta ilícita. Assim sendo, entra a necessidade de demonstrar a intenção do agente, o seu animus, como já ficou extensamente demonstrado no presente trabalho e é tema pacificado na doutrina e jurisprudência geral.
O art. 20-C não só busca mitigar o direito do julgador de se valer do Princípio do Livre Convencimento do Juiz, como também tenta aplicar uma responsabilidade efetivamente objetiva a crimes discriminatórios e injuriosos, o que vai totalmente contra a nossa sistemática constitucional e penal, e, por óbvio, contra as decisões do Supremo Tribunal Federal analisadas nesse trabalho.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve o condão de realizar uma análise crítica a respeito da Lei de Racismo, notadamente frente às alterações promovidas pela Lei nº 14.532/2023, a qual ficou popularmente conhecida como “Lei Antipiada”. Foram abordadas diversas alterações trazidas com a nova lei, desde a equiparação da injúria racial até o crime de racismo, agora, finalmente positivado com a alteração topológica do dispositivo, assim como também foram objeto de discussão certas omissões do legislador, bem como os polêmicos arts. 20-A e 20-C.
O objetivo principal do presente artigo foi analisar criticamente a Lei 14.532/2023, contextualizando os dispositivos por ela inseridos com os demais do ordenamento jurídico, assim como com o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência. Para tanto, foram fixados objetivos específicos, os quais foram citados no começo deste trabalho.
O primeiro objetivo específico serviu para identificar as mudanças (relevantes para este trabalho) trazidas pela Lei nº 14.532/2023. Esse quesito foi contemplado na seção 2.1 do referencial teórico. O segundo objetivo específico consistiu na análise dos elementos que constituem os crimes de racismo e injúria racial, sendo desenvolvido na subseção 2.1.1 do referencial teórico.
O terceiro objetivo específico vem para criticar as ações e omissões do legislador na redação da 14.532/23 e foi alcançado na seção 2.2 do referencial teórico, notadamente ao tratar sobre como a homotransfobia permaneceu relegada ao ostracismo e ainda depende de entendimentos do Supremo para que possa ser enquadrada na Lei de Crimes Raciais.
O quarto objetivo específico foi aferir se a nova lei abre brechas para a criminalização de shows de humor. Tal tópico foi abordado na seção 2.3 e chegou-se à conclusão de que, embora a lei não proíba expressamente, em razão da amplitude do art. 20-C e, claro, em razão do previsto no art. 20-A, é perceptível uma possibilidade interpretativa no sentido dessa criminalização, como se pode perceber factualmente no caso do comediante Léo Lins.
O quinto e último objetivo específico da parte teórica se debruçou sobre o que pode ser considerado como racismo ou formas correlatas de discriminação à luz do nosso ordenamento jurídico pátrio. Este tema foi abordado na seção 2.4 do referencial teórico e ficou evidente que existe uma disparidade jurídica em relação ao que pode ser definido como tal, notadamente em relação ao que diz a Lei de Racismo e o que pode se ver no Decreto 10.932/2022.
Os objetivos específicos de números 6, 7 e 8 foram objetivos empíricos no sentido de analisar como a Suprema Corte lida com conflitos de direitos fundamentais, como esse conflito foi julgado, no caso do humorista Léo Lins, e como as mudanças trazidas pela Lei 14.532/2023 se relacionam com os entendimentos pretéritos firmados do STF. O primeiro objetivo empírico foi abordado na seção 4.1, o segundo na seção 4.2 e o terceiro na seção 4.3 da Análise e Discussão de Resultados.
Assim, retoma-se a problemática deste estudo: Como a Lei 14.532 dialoga com a sistemática jurídica brasileira e quais são as suas consequências no que tange à liberdade de expressão e à manifestação artística, notadamente nos shows de humor?
Mediante análise no referencial teórico, quando as alterações da nova lei não ferem diretamente a Constituição, ela abre brechas para tal. Inicialmente, em relação ao Princípio da Igualdade e da Proporcionalidade, o fato da injúria qualificada não ter sido inteiramente transferida para a Lei de Racismo, tendo permanecido no Código Penal a qualificadora referente a elementos referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência, demonstra uma clara discriminação, intencional ou não, com certos grupos da sociedade, os quais, aparentemente, não ensejavam o mesmo tratamento que foi dado no que se refere à injúria que se vale de elementos raciais, étnicos e de procedência nacional.
Em relação à censura e liberdade de expressão e manifestação artística, ficou também evidenciado que a Lei 14.532/2023 abriu brechas para interpretações demasiadamente restritivas no que tange à expressão de pensamento e manifestação artística, notadamente em razão dos arts. 20-A e 20-C. O primeiro, como discutido anteriormente, permite que haja interpretação no sentido de, mesmo com a presença de animus jocandi, configurar crime da Lei 7.716/89. O art. 20-C, por trazer um texto muito amplo, que parece inclusive estabelecer uma responsabilidade objetiva para os crimes da Lei de Racismo, também, por conseguinte, contribui para uma limitação prévia ou repressiva da expressão de pensamento e liberdade artística.
Também foi visto que a Lei nº 14.532/2023, ao delimitar as situações nas quais se pode considerar que houve crime discriminatório, e aquelas que podem figurar passivamente nesse polo, vai de acordo com a jurisprudência do Supremo no sentido de que só pode ocorrer racismo contra grupos historicamente oprimidos e vulneráveis, conforme entendimento no célebre caso Ellwanger (HC 82.424/RS). Acredito ter deixado claro meu posicionamento contrário à ideia de estabelecer quem pode ou não pode praticar racismo ou atos discriminatórios semelhantes, inclusive salientando como isso vai contra o Decreto nº 10.932/2022.
Entretanto, em outros aspectos, ficou evidente que a nova lei não está de acordo com a jurisprudência pacificada, notadamente no que diz respeito à essencial presença do dolo e animus injuriandi para que se qualifique certa atitude como crime segundo a Lei de Racismo, assim como no tocante ao fato da jurisprudência entender que a presença do animus jocandi afasta a prática de crime.
Por fim, na Análise e Discussão de Resultados, alguns pontos muito importantes foram vislumbrados, quais sejam: a preferência do direito de liberdade de expressão e manifestação artística; a equiparação da plenitude da liberdade de imprensa à expressão humorística; a importância da análise do contexto no qual se deu o fato; o afastamento de crime em caso de presença do animus jocandi e também a fundamentalidade da presença do dolo de discriminar e ofender para que qualquer conduta possa ser enquadrada na Lei de Racismo.
Exatamente por causa disso, como ficou demonstrado, a decisão que, em medida cautelar, censurava o show de humor “Perturbador”, apresentado por Léo Lins, foi cassada, até porque as limitações e punições impostas foram consideradas desproporcionais e descobertas de adequada fundamentação jurídica que as justificasse. Esse processo, que foi a inspiração para o presente trabalho, ainda está em andamento. Seja lá qual for o veredicto, será um precedente de grande importância para os direitos de liberdade de expressão e manifestação artística.
Este estudo está chegando ao seu fim. Como incentivo a pesquisas futuras relacionadas a esse tema, sugere-se que, com o passar do tempo, a Lei nº 14.532/2023 passe a integrar um número substantivo de julgados nos quais pesquisadores possam basear seus estudos, realizar uma análise de como essa Lei passou a ser efetivamente aplicada pelo judiciário e os argumentos para tal.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130 Distrito Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (adpf). Lei de imprensa. Adequação da ação. Regime constitucional da "liberdade de informação jornalística", expressão sinônima de liberdade de imprensa. A "plena" liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia. A plenitude da liberdade de imprensa como reforço ou sobretutela das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional [...]. Relator: Min. Carlos Britto. Data do julgamento: 30 de abril de 2009. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411. Acesso em 07 nov. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. Reclamação. 2. Liberdade de expressão. 3. Decisões reclamadas que restringem difusão de conteúdo audiovisual em que formuladas sátiras a elementos religiosos inerentes ao Cristianismo. 4. Ofensa à autoridade de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos da ADPF 130 e da ADI 2.404. 5. Limites da liberdade artística. 6. Importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático. Proibição de divulgação de determinado conteúdo deve-se dar apenas em casos excepcionalíssimos, como na hipótese de configurar ocorrência de prática ilícita, de incitação à violência ou à discriminação, bem como de propagação de discurso de ódio. 7. Distinção entre intolerância religiosa e crítica religiosa. Obra que não incita violência contra grupos religiosos, mas constitui mera crítica, realizada por meio de sátira, a elementos caros ao Cristianismo. 8. Reclamação julgada procedente. Relator: Min. Gilmar Mendes. Data do julgamento: 03 de novembro de 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755133146. Acesso em: 07 nov. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus 192.204 Rio Grande do Sul. Habeas corpus. Trancamento de processo penal. Excepcionalidade reconhecida. 2. denúncia oferecida contra o presidente de sociedade empresária causadora de dano ambiental apenas em razão da posição de direção. Inexistente, no caso concreto, qualquer narrativa fática que especifique conduta comissiva ou omissiva a ser enquadrada nos tipos penais indicados. Vedação à responsabilidade penal objetiva. Precedentes da Corte. 3. Ordem concedida para determinar o trancamento do processo penal. Relator: Min. Gilmar Mendes. Data do julgamento: 17 de maio de 2022. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=763079521. Acesso em: 06 dez. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 Distrito Federal. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social , ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”). Relator: Min. Celso de Mello. Data do julgamento: 13 de junho de 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344606459&ext=.pdf. Acesso em 17 out. 2023.
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[1] Doutor e Mestre em Direito Público e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB), Bacharelando em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia. Advogado e Professor Universitário.
Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MILTON MARQUES FERREIRA JÚNIOR, . Análise crítica da Lei nº 14.532/2023: Como as alterações feitas refletem no ordenamento jurídico e jurisprudência brasileiros? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/67434/anlise-crtica-da-lei-n-14-532-2023-como-as-alteraes-feitas-refletem-no-ordenamento-jurdico-e-jurisprudncia-brasileiros. Acesso em: 05 fev 2025.
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