Ordem de pagamento de precatórios e créditos de natureza alimentar
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o Tema 521 da repercussão geral, iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se há quebra da ordem cronológica do pagamento de precatórios alimentares para fins de sequestro de recursos públicos. Por conseguinte, se é legítima a expedição de ordem de sequestro de verbas públicas, na hipótese de suposta preterição de precatório de natureza alimentar em relação a precatório de natureza não alimentar incluído na sistemática especial do art. 78 (1) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
O ministro Edson Fachin (relator) negou provimento ao recurso. Observou, inicialmente, que o art. 2º da Emenda Constitucional 30/2000, que acrescentou o aludido art. 78 ao ADCT, está com eficácia suspensa, por força do deferimento de medidas cautelares nas ADIs 2.356/DF e 2.362/DF (DJE de 19.5.2011).
Em seguida, citou diversos precedentes do Supremo, entre os quais a ADI 584/PR (DJE de 9.4.2014) – na qual se firmou o entendimento de que não encontra amparo constitucional a previsão que instala uma ordem paralela de satisfação dos créditos, em detrimento da ordem cronológica –, e a ADI 47/SP (DJ de 13.6.1997), a partir da qual, tornou-se prevalecente o entendimento que se cristalizou no enunciado 655 da súmula do STF (2).
Para o relator, concebe-se o relacionamento entre os regimes de pagamento especial de débitos judiciais da Fazenda Pública de acordo com a natureza do crédito, alimentar ou não, com prevalência absoluta do primeiro. A despeito disso, a presente controvérsia torna-se mais complexa na medida em que o paradigma para aferir a preterição é precatório de natureza não alimentar incluído na moratória prevista pelo art. 78 do ADCT, com satisfação apenas parcial, pois a metodologia daquela se firma na liquidação do débito em parcelas anuais, iguais e sucessivas, pelo prazo máximo de dez anos. Portanto, a perquirição passa a ser o significado da prevalência absoluta dos créditos alimentares perante a opção política de elastecimento temporal do prazo para o pagamento das dívidas judiciais da Fazenda Pública.
O ministro registrou que, na ADI 1.662/SP (DJ de 19.9.2003), a Corte definiu que o único caso de autorização do sequestro de verbas públicas previsto no art. 100 (3) da Constituição Federal (CF) consiste na hipótese de burla ao direito de precedência do credor. Já na Rcl 2.452/SP (DJ de 19.3.2004), o STF assentou que a nova hipótese de sequestro de verbas prevista no § 4º do art. 78 do ADCT não se aplica aos precatórios de natureza alimentar, uma vez que esses estão explicitamente excluídos da sistemática do dispositivo.
Dessa forma, o pagamento parcelado de débitos antigos, nos termos do art. 78 do ADCT, não infirma a prevalência dos créditos de natureza alimentar sobre os demais. A regra permanece hígida, mesmo diante da excepcionalidade conjetural pressuposta pelo citado dispositivo. Essa teria sido a vontade do poder constituinte ao ressalvar expressamente a retirada dos precatórios alimentares do âmbito de incidência desse regime de pagamento excepcional. Isso porque a impossibilidade de quebra ou perda do caráter alimentar do precatório decorre de sua eleição constitucional como prioritário. O relator citou, no ponto, a solução adotada no julgamento do RE 132.031/SP (DJ de 19.4.1996), relativamente ao art. 33 do ADCT (4), no sentido de que o pagamento antecipado de credor mais recente, em detrimento daquele que dispõe de precedência cronológica, não se legitima em face da Constituição. Afinal, representa comportamento estatal infringente da ordem de prioridade temporal assegurada a todos os credores do Estado, de maneira objetiva e impessoal, pela Carta Política.
Salientou que, no caso concreto, os precatórios de natureza alimentar tidos por preteridos referem-se a pagamentos pendentes desde 1998. Porém, os precatórios de caráter não alimentar apontados como paradigmas, expedidos em 2002 e parcelados na forma do art. 78 do ADCT, já estariam sendo liquidados, ainda que parcialmente. Desse modo, não haveria dúvidas de que a situação releva uma escolha ilegítima do credor, pois um detentor de precatório emitido mais recentemente teria seu crédito, ainda que de forma parcial, pago antecipadamente em relação à parte recorrida, isto é, credora prioritária e primeva do ente estatal recorrente.
Em suma, o relator reputou ser legítima a expedição de ordem de sequestro de verbas públicas, por conta da ordem cronológica de pagamento de precatórios, na hipótese de o crédito de natureza alimentar mais antigo ser preterido em favor de parcela de precatório de natureza não alimentar mais moderno, mesmo quando este integrar o regime do art. 78 do ADCT.
Em divergência, o ministro Marco Aurélio adiantou o voto e deu provimento ao recurso. Entendeu não caber cogitar do instituto da preterição quando se tem a satisfação, pelo Estado, do previsto no art. 78 do ADCT.
Depois de frisar ser o sequestro de verbas públicas excepcionalíssimo, esclareceu que, no § 1º do art. 100 da CF, os créditos de natureza alimentar possuem prevalência absoluta em relação a todos os demais.
Considerou, entretanto, que a EC 30/2000 mitigou a eficácia do aludido § 1º do art. 100 da CF, quanto à preferência dos créditos alimentícios, ao prever o parcelamento. Dessa forma, o Estado não poderia deixar de satisfazer, sem as consequências próprias, as prestações sequenciais decorrentes do art. 78 do ADCT.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
(1) ADCT: “Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. § 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor. § 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. § 3º O prazo referido no ‘caput’ deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse. § 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o sequestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação”.
(2) Súmula 655 do STF: “A exceção prevista no art. 100, ‘caput’, da CF/88, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”.
(3) CF/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”.
(4) ADCT: “Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição”.
RE 612707/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 24.5.2017. (RE-612707)
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Ordem de pagamento de precatórios e créditos de natureza alimentar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2017, 15:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/50796/ordem-de-pagamento-de-precatrios-e-crditos-de-natureza-alimentar. Acesso em: 23 dez 2024.
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