RESUMO: O presente artigo científico possui como finalidade precípua analisar o conceito de fraternidade e sua aplicação para a construção de um modelo de sociedade onde liberdade e justiça sejam valores interdependentes. Parte-se em um primeiro momento de uma abordagem etimológica do termo fraternidade, para depois analisar a aplicação (ou não) desse conceito na formulação de base para uma nova ordem econômica justa. Também é objeto deste artigo indagar se os conceitos de fraternidade e globalização podem ser compatíveis entre si.
Palavras Chaves: Globalização, Ordem econômica justa, Princípio da Fraternidade.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo principal demonstrar o princípio da fraternidade como fundamento de uma ordem jurídica e econômica, no qual o conceito de justiça social é melhor desenhado e compreendido em sua plenitude. Assim, dividiu-se o capítulo em três perspectivas: a etimologia e o desenvolvimento do conceito de fraternidade; a aplicação da fraternidade na ordem econômica e seus reflexos na satisfação das necessidades humanas; a fraternidade como categoria jurídica.
O objetivo final desse artigo é compreender que a aplicação do conceito de fraternidade em um modelo econômico cujo principal objetivo seja a concretização das necessidades humanas e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Artigo 3º, I, da CRFB/88).
Também é objetivo específico da presente pesquisa analisar os impactos do fenômeno da globalização na consolidação de uma sociedade fraterna. Parte-se do seguinte problema de pesquisa: é possível, em uma sociedade fraterna, conciliar os interesses econômicos com a justiça social?
A metodologia utilizada é do tipo bibliográfica, através de consultas de artigos, dissertações e teses que tratam sobre o tema, bem como a documentos jurídicos, como a Constituição Federal e Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
2 A ORIGEM SEMÂNTICA DA FRATERNIDADE: DO CRISTIANISMO AO HUMANISMO INTEGRAL
A categoria cristã da fraternidade foi analisada por Carlos Augusto Alcântara Machado, em tese de doutoramento em direito, como um dos marcos civilizatórios da fraternidade. O sentido da fraternidade, nessa perspectiva, é representado pelo amor fraterno cristão, cuja característica é a universalidade, ou seja, é um amor que é dirigido a todos os seres humanos, sem exclusão e totalmente gratuito[1].
No mesmo sentido, Piero Coda afirma que a fraternidade é uma categoria essencialmente cristã, no sentido de que aprofunda suas raízes no evento de Jesus Cristo e, a partir desse evento, abre caminho na história[2]. Ainda nas lições do teólogo italiano, a fraternidade tem como fundamento a paternidade universal de Deus, nesse seguimento:
Portanto, a raiz da fraternidade é indicada ainda mais nas origens do que na narração simbólica genealogia de nossos “primeiros pais”, na paternidade universal de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indeterminada e historicamente ineficaz, mas de um amor pessoal, manifestado e incrivelmente concreto de Deus a cada um (...) É, assim, uma paternidade geradora eficaz de fraternidade. Pois o amor de Deus, acolhido, torna-se o mais formidável agente de transformação da existência e das relações com os outros[3].
Utilizando-se do pensamento desenvolvido pelo papa emérito Bento XVI, tem-se que o fundamento da fraternidade cristã é a fé em Deus, pai de Jesus Cristo. Na medida em que as pessoas expressam a fé em Deus e são batizadas se convertem em filhos adotivos de Deus [4].
Assim sendo, o pressuposto da fraternidade cristã é o reconhecimento da condição de “irmão”, por conseguinte, “(...) la condición cristiana es, consiguientemente, filial en relación con Dios Padre, a quien invocamos, Padre nuestro, y es fraternal en relación con los demás cristianos, mostrando así que la componente social está en el corazón del Evangelio”[5].
Mateus, relata em seu evangelho (Mt, 23: 1-8), que Jesus, em sermão, criticava a forma como os fariseus e mestres da leis se comportavam perante o povo judeu, em determinado ponto do sermão o Messias adverte: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos”[6].
Nas palavras de Carlos Augusto Alcântara Machado, aqui está a raiz da fraternidade: a paternidade universal gera a fraternidade, dado que todos são considerados irmãos, filhos do mesmo pai (Mt 12:49). Assim, “o cristianismo inaugura uma nova ética de responsabilidade para com o outro, o outro universal, uma nova ética da fraternidade”[7].
A fraternidade também pode ser analisada a partir de um viés filosófico. Portanto, considerando o universo abrangente da filosofia e o problema a ser respondido por esta pesquisa, a presente dissertação buscará identificar no humanismo integral a perspectiva filosófica da fraternidade.
Antônio Carlos Wolkmer identifica no renascimento o surgimento do pensamento filosófico humanista[8]. É nesse período que temos a celebração do humano como força autônoma e racional, desvinculada de todas as restrições transcendentais que inviabilizam a criatividade do pensamento e a liberdade da prática objetiva[9].
O renascimento representa também um rito de passagem entre a cultura teocêntrica medieval para uma cultura antropocêntrica, dessa forma, caracteriza-se como a era de prática secular em detrimento de uma visão filosófica escolástica de raiz teocêntrica[10].
Voltando aos argumentos de Wolkmer, durante a idade média (período medieval) o direito, a filosofia e a política e outras áreas da cultura e do conhecimento científico estavam sob o controle e ingerência da teologia oficial e das doutrinas da Igreja Romana[11]. Na formação de ideias modernas acerca do Estado e do direito, o renascimento representa emergentes formas culturais marcadas pelo espírito de ruptura, naturalismo e individualidade[12].
Outros eventos que marcaram a ruptura entre a idade média e a modernidade, ainda na lição de Wolkmer, foram a reforma protestante e o humanismo jurídico. A Reforma Protestante seria um segundo evento a influenciar (depois do renascimento) a sociedade, a cultura e o pensamento, rompendo com a civilização medieval e contribuindo para o trânsito ao mundo liberal moderno[13].
O ponto de contato entre o humanismo jurídico e a reforma protestante (segunda fase) reside na inclinação comum pelo individualismo e pela relevância do sujeito individual no contexto da sociedade[14]. É no humanismo, portanto, que se proclamavam os valores que enaltecem o indivíduo, sua vontade, capacidade e liberdade de ação, em consequência da transformação nos campos da cultura, da filosofia, das artes e das ciências[15].
Conforme bem observa Carlos Augusto Alcântara Machado, o humanismo na antiguidade e na modernidade acabaram por gerar um humanismo exageradamente antropocêntrico e excludente[16]. Outrossim, em decorrência de um longo período de humanismo antropocêntrico, as ideologias que surgiram no séc. XX (liberalismo e socialismo) não foram capazes de responder às exigências de um verdadeiro humanismo[17].
Sayeg e Balera também enxergam no humanismo antropocêntrico seu caráter excludente. Nesse ponto de vista, o humanismo parte da máxima que “ o homem é a medida de todas coisas” (Protágoras), mas não é todo e qualquer homem, e sim aquele que é considerado cidadão[18].
Os autores propõem uma nova categoria de humanismo, qual seja, um humanismo antropofilíaco, isto é, um humanismo que não se confunde com o teocentrismo e tampouco com o antropocentrismo. Nesse sentido, o humanismo antropofilíaco é humanismo da fraternidade[19].
Nos pensamentos de Paulo VI, citados pelos aludidos autores, esse tipo de humanismo não leva em conta os individualismos e egoísmos humanos, ao contrário, “constitui-se um mecanismo multidimensional de concretização dos direitos humanos, nessa perspectiva, os homens, são mais que iguais, são irmãos”[20].
O humanismo cristão, pautado no princípio da fraternidade, constitui-se a base de defesa e sustentação dos direitos humanos, não significando dizer que a fraternidade é uma categoria cristã ou aplicada apenas para cristãos, pelo contrário, se trata de enxergar na sociabilidade um valor maior do que na individualidade, em caminho inverso de um antropocentrismo puro[21].
Nessa perspectiva, sustenta Carlos Augusto Alcântara Machado, amparado nos ensinamentos de Sayeg e Balera, que somente o pensamento cristão de fraternidade universal garantiu o genuíno humanismo exatamente por ter pioneiramente assegurado “a cada pessoa o valor da vida e a dignidade, abrangendo todo o gênero humano”[22].
Voltando aos argumentos de Sayeg e Balera, Maritain[23] contesta explicitamente a corrente filosófica do humanismo individualista-burguês, antropocêntrico e secular[24]. Nesse aspecto, Jacques Maritain conceitua o humanismo integral da seguinte maneira[25]:
Este nuevo humanismo, sin común medida con el humanismo burgués y tanto más humano cuanto no adora al hombre, sino que respeta, real y efectivamente, la dignidad humana y reconoce derecho a las exigencias integrales de la persona, lo concebimos orientado hacia una realización social-temporal de aquella atención evangélica a lo humano que debe no sólo existir en el orden espiritual, sino encarnarse tendiendo al ideal de una comunidad fraterna. Si reclama de los hombres el sacrificarse, no es al dinamismo o al imperialismo de la raza, de la clase o de la nación; sino a una mejor vida para sus hermanos y al bien concreto de la comunidad de las personas humanas. La humilde verdad de la amistad fraterna ha de pasar – a costa de un esfuerzo constantemente difícil y de la pobreza – al orden de lo social y de las estructuras de la vida común. Por ello, tal humanismo es capaz de engrandecer al hombre en la comunión; y por ello no podría dejar de ser un humanismo heroico[26].
Voltando aos argumentos expostos por Carlos Augusto Alcântara Machado[27], citando os pensamentos de Jacques Maritain, explica que o humanismo maritainiano parte do pressuposto de que o homem não é um ser (animal). É também pessoa. A imagem do homem do humanismo integral é a de um ser feito de matéria e espírito (humanismo personalista).
No mesmo sentido, Lafayette Pozzoli[28] indica que o humanismo integral propõe reconhecer no ser humano “o que o tem de indivíduo (material) e de pessoa (espiritual)”. Para ele (Maritain) só uma democracia humanista e participativa pode responder às exigências da natureza do tempo presente.
Ainda nessa sequência, Ricardo Haro ensina que[29]
Es a partir de esta concepción de un humanismo personalista, que el Estado debe constituirse no sólo en el gerente, sino además en el garante del bien común, a través del cual, reiteramos, el hombre es el fin último de todas las manifestaciones del que hacer cultural, y por lo tanto, del Estado, de la Política, del Derecho y de la Economía, en fin, de lo que Maritain llamaba la “buena vida en común de todos los todos que integran el todo social” (...) Ahora bien, cuando nos referimos al humanismo, nos preguntamos: ¿Cuál es el Hombre del que hablamos? (...) es ese “hombre de carne y hueso”, el que nace, sufre y muere; el que piensa, el que quiere; el que va y a quien se oye; el hermano, el verdadero hermano, sujeto y supremo objeto de toda filosofía, quiéranlo o no, ciertos sedicentes filósofos. Es que hemos olvidado que el hombre no es una entelequia, ni una mera divagación filosófica. (grifou-se)[30]
Seguindo com o raciocínio desenvolvido por Ricardo Haro, amparado nos ensinamentos de Maritain conjuntamente com Kant e Max Scheler, é possível identificar que a pessoa humana em seu viver manifesta quatro grandes dimensões, são elas[31]:
1) Dimensión individual, el “yo” consigo mismo que procura una “relación de identidad”, de autenticidad individual, de coherencia; el ser plenamente “yo” y no “otro”;
2) Dimensión social, con los demás hombres, cuya convivencia la necesita para ser pleno, en una “relación de fraterna solidaridad” con los demás, porque recordando aquí a Maritain, el Hombre es un todo, pero no cerrado, sino abierto, que tiende, por naturaleza, a la vida social y a la comunión;
3) Dimensión cósmica, que lo une al hombre con el cosmos, en una “relación de señorío”, de “dominus”, colaborando en el desarrollo de la obra de la creación divina respecto de la naturaleza y el universo, y cuidando de sus bienes que Dios nos entregó para nuestro legítimo uso y goce.
4) Dimensión trascendente, con el misterio del Ser, que al decir de Kant, es “lo Absoluto” para el filósofo, y es el Dios de los creyentes. Esta relación está inspirada básicamente en una “relación de profundo amor filio-paternal”, del hombre redimido por Cristo y que la gracia sobrenatural, lo ha hecho hijo, amigo y heredero de Dios. Paulo VI afirma al respecto: “No hay, pues, más que un humanismo verdadero que se abre al Absoluto, en el reconocimiento de una vocación, que da la idea verdadera de la vida humana, en una constante superación”[32]
Continuando nos ensinamentos de Ricardo Haro[33], nessas quatro dimensões se encontram implicados todos os direitos humanos (consigo mesmo, com os outros homens, com as coisas, com o cosmos e com Deus), com o objetivo de alcançar o sagrado direito de ser homem e de ser santo.
Arremata o professor argentino que Maritain fundamenta os direitos humanos da seguinte forma: “(...) en elementos ontológicos y gnoseológicos del derecho natural de la dignidad humana, y en la vocación de la persona, agente espiritual y libre, estando ordenados hacia los valores del bien común y a un destino superior al tiempo”[34].
Esses direitos ainda possuem como aspecto essencial a construção de uma nova cristandade, de uma nova sociedade a qual deverá ser necessariamente personalista, solidariamente comunitária, pluralista e teísta ou cristã[35]. Essa nova sociedade terá como fundamento os princípios da subsidiariedade e solidariedade, liberdade das pessoas e amizade fraterna[36].
Sayeg e Balera chegam a conclusão que esse novo humanismo concretizador da dignidade da pessoa humana traz a ideia de fraternidade como centro de gravidade, elemento de adensamento entre ela própria, a liberdade e a igualdade[37]. Dessa maneira, a construção de uma sociedade sociedade fraterna, para Maritain, se cumpre quando os homens ama aos demais como a si mesmo, que juridicamente se realiza com a ampla concretização dos direitos humanos[38].
Essa espécie de humanismo se inspira na valorização da pessoa humana em sua integralidade. É o humanismo que prega a boa vida comum para todos que integram o seio social, estabelecendo direitos e deveres para com o próximo.
3 FRATERNIDADE COMO MODELO PARA UMA ORDEM ECONÔMICA JUSTA: POR UM CAPITALISMO QUE SATISFAÇA AS NECESSIDADES HUMANAS
O presente item não possui como finalidade afirmar que existe uma categoria econômica da fraternidade, mas apenas suscitar reflexões sobre a incidência do princípio da fraternidade na economia. Para fins da presente pesquisa, abordar-se-á duas propostas econômicas, quais sejam: a) Doutrina da Social Democracia (Anthony Giddens - A terceira via); b) Doutrina do Capitalismo Humanista (Professores Sayeg e Balera).
A terceira via, proposta por Anthony Giddens[39], tem como principal objetivo resolver a questão ideológica dos últimos dois séculos: Socialismo X Liberalismo. Giddens enxerga uma possível compatibilidade entre a fraternidade e a igualdade — que segundo o autor seriam categorias ligadas ao socialismo — com a liberdade de mercados liberalizados e democracias liberais[40].
Consequentemente, a terceira via evoca um conjunto particular de valores para que liberdade, igualdade e fraternidade possam coexistir em harmonia, são eles[41]:
a) Interdependência: porque as nações e comunidades só podem enfrentar os problemas da globalização se encontrarem novas maneiras de trabalhar juntas e apoiar umas às outras.
b) Responsabilidade: porque, ao aceitar os direitos e benefícios da cidadania, as pessoas também precisam ser responsabilizadas por suas ações e esforços na sociedade
c) Incentivos: porque em um mundo de mudanças e incertezas constantes, as pessoas precisam ser estimuladas a poupar mais, a estudar mais e trabalhar com mais inteligência.
d) Delegação: porque, longe de engendrar uma sociedade à moda antiga, os governos precisam agora aproximar da sociedade civil os poderes da democracia
Giddens ainda afirma que tais valores são universais — não seccionais — todo e qualquer cidadão tem um papel em seu sucesso[42]. Dessa maneira, em uma sociedade sólida, com densas redes de respeito e cooperação, as pessoas tendem a valorizar não só o interesse próprio, mas também o interesse do outro[43].
Ainda nos argumentos de Anthony Giddens, é necessário revisar o papel do Estado-Social do pós-guerra: sai um Estado que se baseava no bem-estar social passivo (pagamentos de transferências; burocracia e planejamento social) para um Estado facilitador ou habilitador (isso se significa se desfazer das prerrogativas ou até mesmo da prestação dos serviços públicos para que as pessoas possam trabalhar juntas nas definições de seus próprios interesses mútuos e na reconstrução de seus hábitos de confiança)[44].
Contudo, antes de ser desenvolvido um programa econômico de governo social democrata é necessário que se responda, ainda que minimamente, a cinco dilemas: a) O dilema da Globalização; b) O dilema do Individualismo; c) O dilema da esquerda e direita.; d) O dilema da Ação Política; e) O dilema dos problemas ecológicos[45].
O dilema da globalização é uma consequência do processo de transformação do mundo e afeta os interesses de todos os indivíduos, que — para o bem ou para o mal — estão impelidos a uma ordem global a qual ninguém compreende mas cujos os efeitos se fazem sentir sobre nós[46].
Giddens ainda argumenta que não existe nenhum lugar do mundo em que a palavra “globalização” não esteja em debate, salientando que mudanças ocorrem apenas na grafia das palavras (v.g., na França é mondialisation; na Espanha e América Latina é globalización; na Alemanha é globalisierung), porém a semântica é a mesma em todo mundo[47].
A globalização atinge diversos setores da economia mundial, local e regional. Giddens exemplifica que até mesmo o valor do dinheiro que possuímos no bolso altera-se de um momento para outro segundo as flutuações ocorridas no mercado[48]. Nesse aspecto, a globalização não representa apenas algo novo, mas um fenômeno revolucionário[49].
Tal revolução, contudo, não atinge somente o campo econômico, mas também a política, a tecnologia e a cultura[50]. Nesse ponto, Anthony Giddens reflete que:
É errado pensar que a globalização afeta unicamente grandes sistemas como a ordem financeira mundial. A globalização não diz respeito apenas ao que está “lá fora”, afastado e muito distante do indivíduo. É também um fenômeno que se dá aqui dentro, influenciando aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas. O debate sobre valores familiares que está se desenvolvendo em vários países, por exemplo, poderia parecer muito distanciado de influências globalizantes. Mas não é. Sistemas tradicionais de família estão começando a ser transformados, ou estão sob tensão, especialmente à medida que as mulheres reivindicam maior igualdade [...] Esta é uma revolução verdadeiramente global da vida cotidiana, cujas as consequências estão sendo sentidas no mundo todo, em esferas que vão do trabalho à política (grifou-se).
A globalização possui consequências benéficas (v.g. criação de novas zonas econômicas e culturais e proteção dos direitos humanos no âmbito global), mas também possui efeitos prejudiciais já que sustenta um mundo de vencedores e perdedores, no qual uma pequena parte das pessoas é destinada a via expressa para a prosperidade, enquanto a maioria condenada à vida de miséria e desesperança[51].
Giddens cita como exemplo o fato de que a participação da quinta parte da população mais pobre da população global caiu de 2,3% a 1,4% entre os anos 1989 e 1998, enquanto a parte mais rica subiu[52]. Juntamente com isso existe também os danos ecológicos ao meio ambiente, principalmente provenientes de nações em desenvolvimento[53].
Nesse contexto, a globalização, em suma, é uma complexa variedade de processos movidos por uma mistura de influências políticas e econômicas[54]. A globalização está modificando as instituições da sociedade em que vivemos, dando ensejo para a ascensão do “novo individualismo”[55].
O segundo dilema reside justamente na consequência final da globalização: o individualismo. Nesse aspecto, Giddens parte do pressuposto que a solidariedade vem sendo há longo um tema da social-democracia[56]. Ressalta ainda que o coletivismo tornou-se um dos traços mais destacados a distinguir a social-democracia do conservadorismo, porquanto esse último enfatiza mais “o individual”[57].
Partindo dessa premissa, Giddens faz o seguinte questionamento: estamos testemunhando a ascensão de uma geração do “eu”, que resulta em uma sociedade do primeiro eu, que inevitavelmente destruirá valores comuns e preocupações políticas?
Adverte Giddens que a geração atual é uma descrição enganosa do novo individualismo, posto que diversos levantamentos mostram que as gerações mais jovens são mais sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietações morais do que as gerações anteriores[58]. Por conseguinte, para Giddens, o novo individualismo tem mais a ver com o afastamento das tradições e costumes da vida das pessoas, efeito produzido pelo processo de globalização.
Conclui Giddens que é necessário buscar novos meios para produzir a solidariedade/fraternidade, assim sendo, a coesão social não pode ser assegurada pela ação de cima para baixo do Estado ou pela tradição[59]. Nesse sentido, é mister encontrar um novo equilíbrio entre indivíduo e responsabilidades coletivas[60].
A doutrina do capitalismo humanista — proposta pelos professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera — parte da seguinte reflexão: os regimes econômicos se resumem como capitalista (ampla liberdade de iniciativa, reconhecimento do direito de propriedade e mínima intervenção do Estado) ou socialista[61] (relativização do direito de propriedade e da liberdade de iniciativa)[62].
O capitalismo humanista se fundamenta em uma teoria econômica que reconhece o direito subjetivo natural da propriedade e da livre iniciativa, contudo calibra as forças naturais do mercado com o intuito de concretização dos direitos humanos em todas as dimensões (liberdade, igualdade e fraternidade), com vistas a satisfação universal da dignidade da pessoa humana[63]. Em sentido contrário, o socialismo e o liberalismo não foram capazes de oferecer uma resposta satisfatória às necessidades humanas.
Nas reflexões de Anthony Giddens, é possível afirmar que a base inicial do socialismo era compreendida através de uma postura contrária ao individualismo[64]. No campo da teoria econômica, o socialismo teve sua doutrina elaborada por Karl Marx, que basicamente se compunha da crítica ao sistema capitalista, o qual seria economicamente ineficiente, socialmente divisório e incapaz de se auto-reproduzir a longo prazo[65].
Isto posto, o socialismo — enquanto doutrina econômica — procura enfrentar as limitações do capitalismo para humanizá-lo ou derrubá-lo por completo[66]. Porém, a teoria econômica do socialismo sempre foi inadequada, subestimando a capacidade do capitalismo de inovar, adaptar e gerar uma produtividade crescente[67].
Norberto Bobbio oferece algumas pistas da possível “morte do socialismo” — afirmada por Giddens[68] . Nesse sentido, o jurista italiano afirma que[69]:
É de estranhar a surpresa, daqueles que, nos últimos anos, foram aos poucos percebendo que os regimes socialistas são regimes irremediavelmente iliberais. Dá vontade de lhes dizer na cara, com veemência: "Como é possível que vocês não o soubessem?". Mas havia mesmo alguém que não soubesse ainda que a concentração do poder econômico e do poder político, inevitável para instaurar o socialismo entendido como socialização dos meios de produção, levaria fatalmente ao Estado todo-poderoso, ou seja, ao Estado totalitário? "E como", poderíamos continuar, "desejavam vocês o socialismo e ao mesmo tempo a liberdade?"
Bobbio ainda argumenta que o dilema socialismo e liberdade se mostrou um problema ainda não resolvido, uma vez que a liberdade individual e a igualdade social são valores incompatíveis, como aliás todos os valores. O socialismo poderia dar mais igualdade apenas se concedesse menos liberdade[70].
Cabe destacar que Bobbio não entendia que os ideais do socialismo fossem incompatíveis com a noção de liberdade, mas que “o único socialismo que a história da humanidade conheceu até aqui, seja justo ou injusto chamá-lo assim, mostrou-se incompatível com a liberdade”[71].
De igual forma, o liberalismo também mostrou-se ineficiente em atender plenamente todos os direitos humanos. A doutrina ou modelo econômico(a) do Estado Liberal parte do pressuposto que a presença do Estado objetivando a solução de externalidades[72] recíprocas é algo totalmente indesejado[73]. Por essa ótica, cabe somente ao Estado a definição dos direitos de propriedade e a redução dos custos de transação, oferecendo meios para livre negociação[74].
O sistema neoliberal, dado as suas características, causou alguns efeitos na ordem econômica e social, como por exemplo, a paciência e a tolerância com a pobreza e a despreocupação quanto aos rumos do planeta[75]. Assim sendo, nas palavras de Carolina Gladyer Rabelo, que o neoliberalismo é um sistema ineficiente quando analisado sob a perspectiva de concretização dos direitos humanos e seu objetivo maior: a dignidade humana[76].
É também esse o argumento utilizado por Sayeg e Balera — citando os pensamentos de Adam Smith e David Ricardo sobre o modelo neoliberal: “não é a benevolência do padeiro, do açougueiro, ou do cervejeiro que eu espero que sai meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seus próprios interesse. Não invocamos seus sentimentos humanitários, mas seus egoísmos”[77].
Ainda nas considerações de Sayeg e Balera, a economia de mercado, de base neoliberal, tem seu lado perverso nos seguintes aspectos: ênfase no individualismo e no hedonismo (o prazer próprio como estilo de vida)[78]. Observam os professores que o neoliberalismo, assim como o socialismo, é incapaz de harmonizar os direitos humanos de primeira geração (liberdade) com os direitos humanos de segunda e terceira geração (igualdade e fraternidade)[79]. Nessa sequência, Sayeg e Balera concluem que[80]:
Não obstante essa liberdade, esse respeito a pluralidade, não existe economia de mercado uma compaixão que consagre a fraternidade, já que seu ambiente é o estado selvagem da natureza — colocado sob o domínio da lei da seleção natural pela qual sobrevive o apto e descarta o inapto. Em sua plenitude, o modelo é pura selvageria, o que não é apropriado ao atual marco civilizatório da humanidade.
É nesse contexto que é pensada a doutrina econômica do capitalismo humanista, trata-se de uma proposta para além do paradigma neoliberal, por conseguinte, o capitalismo deve avançar no rumo de uma economia humanista, consagrando uma análise humanista do direito econômico. Trata-se de reconhecer nas pessoas a verdadeira riqueza das nações, conforme assinala o PNUD[81].
Assim sendo, desenvolvidos são os países em que todos estão inseridos na evolução política, social e cultural, e que haja respeito à humanidade e ao planeta[82]. Portanto, não se trata de negar ou acabar com capitalismo, mas ajustá-lo às necessidade humanas, que, com base na lei natural da fraternidade[83], garanta não só os direitos humanos de primeira geração, mas que promova uma concretização multidimensional dos direitos humanos[84].
Sob o caleidoscópio de uma perspectiva humanista, o capitalismo tem como o foco o adensamento dos direitos humanos de primeira, segunda e terceira geração e apto a albergar todas as demais dimensões que o tempo e a história revelarem, com vistas à satisfação da dignidade humana e planetária[85].
Mas como se chega à concretização multidimensional dos direitos humanos? Quando a liberdade e a igualdade forem fixadas na proporcionalidade indicada pela fraternidade. Logo, a fraternidade atuará como maestro que rege entre duas vozes: a da liberdade e a da igualdade, sob a clave melódica da dignidade humana planetária[86] que alberga todos homens e com respeito ao meio ambiente[87].
4 CONCLUSÃO
A origem morfológica e semântica da fraternidade encontra-se no cristianismo. É a paternidade universal (filhos de um mesmo Deus) que gera uma ética de responsabilidade para com o outro (o próximo; o irmão). Nesta análise científica procurou-se estudar esse enlace (fraternidade e cristianismo) de forma secularizada, ou seja, a fraternidade aplicada como princípio não ligado a determinada religião, mas sim ligada ao progresso da humanidade e da consolidação dos direitos humanos.
Ainda nessa lógica, o humanismo integral procura afirmar-se como um verdadeiro humanismo não individualista, mas como uma proposta de condição de vida melhor para todos e ao bem concreto de toda a comunidade humana. O engrandecimento do homem em si considerado não é proposta desse novo humanismo (como no humanismo burguês), mas sim seu engrandecimento em comunhão com os demais homens.
O direito ao desenvolvimento complementa o conteúdo do princípio da fraternidade. É por essa razão que esse direito é considerado um dos direitos inseridos na terceira dimensão (geralmente relacionada com a fraternidade). É um direito de vocação comunitária e somente é possível falar em concretização com a satisfação das necessidades humanas. É também considerado um direito síntese na medida em que reforça a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos.
O verdadeiro desenvolvimento é aquele que coteja as demandas individuais com as demandas coletivas. O objetivo é o pleno atendimento do bem-estar comunitário, sem desprezar os direitos e liberdades individuais. Assim, o direito ao desenvolvimento é ao mesmo tempo um direito individual (na medida que contempla os direitos individuais) e também um direito coletivo dos povos (em especial das comunidades tradicionais, v.g., povos indígenas).
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SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. Petrópolis: KBR, 2011.
[1]MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. 2014. 272 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 36. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6436. Acesso em: 06 maio 2020.
[2] CODA, Piero. Por uma fundamentação teológica da categoria política da fraternidade. In: BAGGIO, Antônio Maria (Org.), O princípio esquecido: a fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. São Paulo: Cidade Nova, p. 77.
[3] Ibidem, p. 78.
[4] RATZINGER, Joseph. La fraternidad de los cristanos. Trad. José María Hernández Blanco. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2004, p. 12.
[5] Idem. “a condição cristã é conseqüentemente filial em relação a Deus Pai, a quem invocamos, nosso Pai, e é fraterna em relação a outros cristãos, o que mostra que o componente social está no coração do Evangelho” (Tradução Livre).
[6] BÍBLIA. Bíblia On-line. Trad. João Ferreira de Almeida. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/23. Acesso em 01 fev. 2020.
[7] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 42.
[8] É importante ressaltar que Wolkmer citado por Carlos Augusto Alcântara Machado afirma que o humanismo também pode ser encontrado em momentos históricos bem anteriores, v.g., a civilização helênica, não sendo de interesse da presente pesquisa se alongar mais nesse ponto. Ibidem, p. 48.
[9] WOLKMER, Antonio Carlos. Cultura jurídica moderna, humanismo renascentista e reforma protestante. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 9-28, jan. 2005. ISSN 2177-7055. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15182/13808. Acesso em: 03 fev. 2020. doi:https://doi.org/10.5007/%x.
[10] MACHADO. Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 46-47.
[11] WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito: tradição no Ocidente e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 61.
[12] Ibidem, p. 121.
[13] Ibidem, p. 121. No mais, explica Wolkmer que: “O movimento da Reforma Protestante, principalmente sob o viés do luteranismo, expressa mais do que nunca o enfrentamento medievalista “às transformações do mundo moderno; como uma tentativa de recuo e de restauração nostálgica de uma ordem irremediavelmente perdida.” Ainda como relembra Giusti Tavares, em seu aspecto geral (compreendendo o próprio calvinismo) a Reforma rejeita categoricamente a atmosfera renascentista, nutrindo “uma profunda aversão à razão e ao racionalismo [...]. E é precisamente a partir de uma perspectiva irracionalista que Lutero criticará, num primeiro momento, a teologia e a filosofia escolástica e, logo, todo o racionalismo renascentista”. Eis porque, por seu radicalismo, a Reforma Protestante revela-se antítese ao movimento do humanismo, este como expressão do naturalismo, do secularismo e da sua aspiração mundializada. Ora, o caráter intolerante e teocrático da primeira fase da Reforma Protestante é incompatível com o ideário do humanismo renascentista dos séculos XV e XVI. Naturalmente, “a negação do livre arbítrio e a afirmação da predestinação se achavam em franco contraste com o espírito do Humanismo e do Renascimento, para quem o homem era o primeiro e absoluto valor, o único e livre artífice de seu próprio mundo [...]”. Reconhece Guido Fassò que as formulações teóricas dos primeiros reformadores, principalmente Lutero e Calvino, detém traços que se poderiam caracterizar como “medievais”, ou seja, “concepção religiosa e eclesiástica da vida, intolerância, e, em política, teocracia.” Entretanto, admite-se, posteriormente, uma segunda fase da Reforma Protestante, em que, herdando ventos flexíveis do espírito renascentista, inclina-se por posturas mais claramente modernas, “promovendo a tolerância religiosa e política, e favorecendo o desenvolvimento das ideias liberais.” (grifou-se)
[14] Ibidem, p. 122.
[15] Ibidem, p. 125. Ainda de acordo com Wolkmer: “O humanismo como movimento dos mais significativos e fecundos em trânsito para os tempos modernos traz em si, como assevera Abelardo Levaggi, uma forte reação ao princípio da autoridade (teológica e eclesiástica), deslocando a valoração para a autoridade que provém da antiguidade clássica, e para a busca de conhecimento alcançado por meio da razão e por preocupações dominadas pela secularização da cultura. Trata-se de consagrar uma ideologia de emancipação que serve a um novo segmento social ascendente (a burguesia), porquanto faz a defesa de “verdades humanas gerais [...], fundada na capacidade individual e nas forças próprias de cada indivíduo”, representando “a negação de todos os privilégios das diferentes ordens, de todas as pretendidas prerrogativas de nascimento e de Estado”, e substituindo a “doutrina, mantida pelo clero, dos poderes sobrenaturais [...].” (grifou-se)
[16] MACHADO. Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 53.
[17] Ibidem, p. 57.
[18] SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. Petrópolis: KBR, 2011, p. 85.
[19] ibidem, p. 100 et. seq.
[20] idem.
[21] idem.
[22]MACHADO. Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 57.
[23] Filósofo francês, nascido em Paris, a 18 de novembro de 1882, Jacques Maritain tem por avô um conhecido advogado, acadêmico, ministro e homem político, Jules Favres (1809-1880): família culta mas sem religião. Estudante na Sorbonne (licença de filosofia, 1900-1901), deixa-se atrair por Spinoza, antes de bifurcar para uma licença em ciências naturais. O noivado com Raissa Oumançoff, sua companheira de estudos na Sorbonne, data de 1902. Os dois casam-se em 26 de novembro de 1904, ano da recepção de Jacques no concurso da agregação de filosofia. Convertido em 1906. Primeiro seguiu Bergson, e acabou propugnando um tomismo adaptado a nossa época que restaure a metafísica cristã, diante do racionalismo antropocêntrico e do irracionalismo panteísta em que se debate o idealismo moderno. Professor na França (1914), Canadá (1940) e EUA (1949). Embaixador no Vaticano (1945-1948). De sua obra vastíssima, citamos: Arte e Escolástica (1920); Humanismo integral (1936); Os graus do saber (1032); O camponês do Garona (1966), Pessoa e Bem Comum (1947); Reflexões sobre a Inteligência e sobre sua Vida Própria (1924). Disponível: http://maritain.org.br/biografia/. Acesso em 04 fev. 2019.
[24] SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. op. cit., p. 84.
[25] MARITAIN, Jacques. Heroísmo y Humanismo. Disponível em: http://www.jacquesmaritain.com/pdf/08_HUM/09_H_HeroHum.pdf. Acesso em: 06 fev. 2020.
[26] “Esse novo humanismo, sem uma medida comum ao humanismo burguês e ainda mais humano, já que não adora o homem, mas respeita a dignidade humana de maneira real e eficaz e reconhece o direito às demandas integrais da pessoa, nós a concebemos orientado para a realização social. -temporal dessa atenção evangélica ao ser humano, que deve não apenas existir na ordem espiritual, mas deve incorporar o ideal de uma comunidade fraterna. Se exige o sacrifício de homens, não é pelo dinamismo ou imperialismo da raça, classe ou nação; mas por uma vida melhor para seus irmãos e pelo bem concreto da comunidade de pessoas humanas. A humilde verdade da amizade fraterna deve passar, às custas do esforço e da pobreza constantemente difíceis, pela ordem social e pelas estruturas da vida comum. Por essa razão, esse humanismo é capaz de melhorar o homem em comunhão; e é por isso que não poderia deixar de ser um humanismo heróico” (Tradução Livre)
[27] MACHADO. Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 67.
[28] POZZOLI, Lafayette. Vida, trabalho e legado de Jacques maritain para construir uma sociedade fraterna e com paz. Disponível em: externalfile:drive-879376af0afd7a9091ea254389383bcb6a4ccd75/root/1687-4655-1-PB.pdf. Acesso em: 06 fev. 2020.
[29] HARO, Ricardo. Reflexiones sobre el Humanismo y la Democracia en Maritain. Disponível em: http://www.jacquesmaritain.com/pdf/18_FH/12_FH_RHaro.pdf. Acesso em: 06 fev. 2020.
[30] “É a partir dessa concepção de humanismo personalista que o Estado deve tornar-se não apenas o administrador, mas também o garante do bem comum, através do qual, reiteramos, o homem é o fim último de todas as manifestações do homem. tornar cultural e, portanto, do Estado, da Política, do Direito e da Economia, enfim, o que Maritain chamou de “boa vida em comum de todos os que compõem o todo social” (... Agora, quando nos referimos ao humanismo, nos perguntamos: De quem é o homem de quem estamos falando? (...) é que "o homem de carne e osso", aquele que nasce, sofre e morre; quem pensa, quem quer; quem vai e a quem é ouvido; o irmão, o verdadeiro irmão, sujeito e objeto supremo de toda a filosofia, gostem ou não, certos supostos filósofos. É que esquecemos que o homem não é uma enteléquia, nem uma mera digressão filosófica” (Tradução Livre).
[31] HARO, Ricardo. Reflexiones sobre el Humanismo y la Democracia en Maritain. op. cit., loc. cit. Nesse mesmo sentido: MACHADO. Carlos Augusto Alcântara. A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal. op. cit., p. 69.
[32] 1) Dimensão individual, o “eu” consigo mesmo que busca uma “relação de identidade”, de autenticidade individual, de coerência; sendo totalmente "eu" e não "outro";2) Dimensão social, com outros homens, cuja coexistência precisa ser plena, em uma "relação de solidariedade fraterna" com os outros, porque lembrando Maritain aqui, o homem é um todo, mas não fechado, mas aberto, que tende, por natureza, à vida social e à comunhão; 3) Dimensão cósmica, que une o homem ao cosmos, em uma "relação de domínio" de "domínio", colaborando no desenvolvimento do trabalho da criação divina com relação à natureza e ao universo, e cuidando de suas bens que Deus nos deu para nosso uso e prazer legítimos. 4) Dimensão transcendente, com o mistério do Ser, que, segundo Kant, é "o Absoluto" para o filósofo e é o Deus dos crentes. Esse relacionamento é basicamente inspirado por um "relacionamento de profundo amor filio-paterno", do homem redimido por Cristo e que a graça sobrenatural o tornou filho, amigo e herdeiro de Deus. Paulo VI afirma a esse respeito: "Existe, portanto, apenas um verdadeiro humanismo que se abre ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que dá a verdadeira idéia da vida humana, em constante aperfeiçoamento". (Tradução Livre)
[33] HARO, Ricardo. Reflexiones sobre el Humanismo y la Democracia en Maritain. op. cit., loc. cit.
[34] Idem. “Nos elementos ontológicos e epistemológicos do direito natural da dignidade humana, e na vocação da pessoa, agente espiritual e livre, sendo ordenados em direção aos valores do bem comum e a um destino superior ao tempo” (Tradução Livre).
[35] Idem.
[36]Idem.
[37] SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. op. cit., p. 87.
[38] Idem.
[39] GIDDENS, Anthony. O debate global sobre a terceira via. Trad. Roger Maioli dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007, p. 52.
[40] A título de exemplo, manifestos produzidos por partidos políticos que se autodenominam pertencentes a Social Democracia e que expressam valores ligados à teoria social de Giddens, ao menos no discurso: a) Manifesto do Partido Social Democrata Cristão - PSDC (atualmente Democracia Cristã): Nada se compara a força dos ideais e a DEMOCRACIA CRISTÃ, constitui, plenamente, o ideal, a vontade, o sonho de nosso povo, de nossa gente, de construir em nosso país, uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. Uma sociedade na qual toda pessoa possa ser livre para crescer, progredir, realizar-se ! Mas também uma sociedade na qual, a medida que uma pessoa cresça, progrida, deva olhar ao seu redor e fazer com que todos cresçam junto. A DEMOCRACIA CRISTÃ, em sua forma de ver o mundo e compreender a sua missão solidária, profundamente cristã, é alicerçada nos valores humanísticos e eternos do Evangelho. Não pode assim, a DEMOCRACIA CRISTÃ, ficar ausente de nosso país, afastada do processo político e impedida de contribuir com sua doutrina e suas idéias para o progresso da nação (grifou-se). DEMOCRACIA CRISTÃ. Manifesto. Disponível em: Acesso em:https://www.democraciacrista.org.br/sobre-nos/manifesto-2/. Acesso em: 12 fev. 2020. b) Manifesto do Partido da Social Democracia Brasileira (Trechos do Discurso proferido por Mário Covas, anunciando a sua candidatura às eleições presidenciais de 1989): [...] O PSDB tem um programa consistente e factível para o Brasil. Um programa fundamental nas idéias básicas da mais vitoriosa experiência política do pós-guerra: a social-democracia. Esse programa reflete as aspirações mais profundas do povo brasileiro. Ele será o fundamento de nossa prática de governo, superando alternativas impostas pelo imobilismo, pelo medo às mudanças e por compromissos escuros com o passado [...] Proponho ganharmos juntos, na próxima década; um século de prosperidade, com justiça social. Para isso é preciso ter claro o rumo [...] Ser nacionalista, hoje, é defender uma política nacional de desenvolvimento. Não é hora de se querer simplesmente reformar o passado, nem de se conformar com o presente. É a hora de atualizar objetivos antecipando o futuro [...] Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios (grifou-se). PSDB. Choque do capitalismo (Mário Covas: o desafio de ser presidente). Disponível em: https://tucano.org.br/historia/. Acesso em: 12 fev. 2020. c) Instituto Teotônio Vilela (ligado ao Partido da Social Democracia Brasileira): O que é a social Democracia? [...] Em oposição ao liberalismo, mas não aos ideais de liberdade, lutou para que o direito de voto, organização e expressão se estendesse a toda a população adulta. E, não menos importante, para que o Estado assegurasse o que o mercado por si só não era capaz de fazer: condições dignas de vida à maioria dos cidadãos. ITV. A Social-Democracia. Disponível em: http://itv.org.br/institucional/a-social-democracia. Acesso em: 12 fev. 2020.
[41] GIDDENS, Anthony. O debate global sobre a terceira via. op. cit., loc. cit.
[42] Idem.
[43] Ibidem, p. 54. Para efeitos da presente pesquisa, levando em conta o problema a ser respondido pela mesma, trabalharemos apenas com os dois primeiros dilemas: O dilema da Globalização e o dilema do Individualismo.
[44]Idem.
[45] GIDDENS, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 37.
[46] GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 16.
[47] Ibidem, p. 18.
[48] Ibidem, p. 20.
[49] Idem.
[50] Ibidem, p. 20.
[51] Ibidem, p. 25.
[52] Ibidem, p. 26.
[53] Idem.
[54] GIDDENS, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. op. cit., p. 43.
[55] Idem.
[56] Ibidem, p. 44.
[57] Idem.
[58] Ibidem, p. 45.
[59] Ibidem, p. 46.
[60] Ibidem, p. 47.
[61] Nesse ponto, Norberto Bobbio reflete que: “Se alguém me perguntasse hoje o que aproxima os vários socialismos, não tentaria responder recomeçando um interminável debate sobre meios e fins. Não me arriscaria sobretudo a descrever uma sociedade que se pudesse chamar, em bom direito, de socialista. Não saberia por onde começar, tendo em vista os milhares de autores que a ela se referiram. Não saberia dizer a que título uma sociedade é mais socialista que outra. A única resposta que tenho condições de dar é que socialismo, em todas as suas diferentes e contrastantes encarnações, significa, antes de tudo, uma coisa: mais igualdade.” (BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Trad. tradução de João Ferreira; revisão técnica Gilson César Cardoso. - Brasília: Editora Universidade de Brasília. 4a edição, 1999, p. 37)
[62] SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. op. cit., p. 139.
[63] Idem.
[64] GIDDENS, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. op. cit., p. 13.
[65] Idem.
[66] Idem.
[67] Ibidem, p. 20.
[68] Ibidem, p. 14. O termo é de Giddens. Trabalhado no capítulo inaugural da obra “A Terceira Via”. Giddens aponta que um dos motivos dessa “morte” foi o intenso processo de globalização na década de 1970, sendo que o socialismo “foi incapaz de compreender o significado dos mercados como fonte informação” e subestimou “a capacidade do capitalismo inovar, adaptar e gerar uma produtividade crescente”.
[69] BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. op. cit., p. 90.
[70] Ibidem, p. 20.
[71] Idem.
[72] Ricardo Sayeg e Wagner Balera conceituam “externalidades” como um elemento que provoca repercussões na economia — podendo ser positivas (quando úteis) ou negativas (quando prejudiciais) — no que se refere as externalidades prejudiciais ou negativa, entende no neoliberalismo que as mesmas são, em princípio, absorvidas pelo mercado, resolvidas pela concorrência ou compensadas pelas externalidades positivas, como no exemplo que a seguir: Enquanto na industrialização de seus produtos um agente econômico gera, por exemplo, a externalidade negativa de poluir o meio ambiente, ele ocasiona também a externalidade positiva de gerar mais postos de emprego( SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. op. cit., p. 156).
[73] RABELO, Carolina Gladyer. Dignidade na ordem econômica: o capitalismo humanista como dimensão econômica dos direitos humanos. 2017. 257 f. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 75.
[74] Idem.
[75] Ibidem, p. 76.
[76] Idem.
[77] SAYEG, Ricardo Hasson. BALERA, Wagner. Capitalismo Humanista: Filosofia humanista de direito econômico. op. cit., loc. cit.
[78] Ibidem, p. 169.
[79] Idem.
[80] Idem.
[81] Ibidem, p. 176.
[82] Idem.
[83] Ibidem, p. 176, et. seq.: Sayeg e Balera explicam, em outro capítulo da obra, que a lei natural da fraternidade diz respeito a exigência de concretização dos direitos humanos tendo em vista a dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos corresponde, assim, à dignidade da pessoa humana e, por desdobramento, à dignidade planetária: síntese dos direitos subjetivos inatos de liberdade, igualdade e fraternidade.
[84] Ibidem, p. 179.
[85] Ibidem, p. 182.
[86] Idem: “Dignidade humana planetária é a meta direta, explícita e concreta do capitalismo humanista, compreendendo a vida plena no ideal de fraternidade, inserido numa economia humanista de mercado sob o predomínio relativo do individualismo, condicionado a que todos tenham simultaneamente satisfeitos os respectivos direitos humanos em todas as suas dimensões, consoante a condição humana biocultural com suas liberdades individuais e acesso assegurado a níveis dignos de subsistência em um planeta digno”.
[87] Idem.
mestre em direitos humanos pela universidade Tiradentes (CAPES 4)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, MATEUS DANTAS DE. A fraternidade como elemento constitutivo de uma ordem jurídica e econômica justa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2024, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/67256/a-fraternidade-como-elemento-constitutivo-de-uma-ordem-jurdica-e-econmica-justa. Acesso em: 26 dez 2024.
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