RESUMO: O artigo tem como propósito proceder a uma análise jurídica do instituto do contrato de gestão/desempenho como mecanismo de dinamização e agilização do funcionamento da administração pública, que progrediria, em parte, devido à adoção do aludido contrato, do modelo burocrático para o gerencial, tendo como elemento norteador o princípio da eficiência que, a partir da Emenda Constitucional nº19 de 1998, passou a ser um princípio constitucional da Administração Pública. São examinadas as questões referentes: ao fundamento constitucional do contrato de gestão/desempenho; ao contrato de gestão exógeno, que tem previsão legal, celebrado entre o Poder Público e a organização social, pessoa jurídica de direito privado não integrante da Administração Pública, para desempenho das atividades não exclusivas de Estado; ao contrato de gestão/desempenho endógeno firmado entre o Poder Público e outro órgão público ou entidade pública componente da administração pública indireta, tal como uma agência executiva, avença essa que tem previsão constitucional. Ao final é realizada a síntese bibliográfica crítica da doutrina jurídica concernente ao instituto do contrato de gestão/desempenho, contemplando o pensamento de importantes juristas brasileiros acerca do tema.
Palavras-Chave: Administração Pública Gerencial. Direito Administrativo. Princípio da Eficiência. Contrato de Gestão.
ABSTRACT: The article was written with the aim of proceed a judicial analysis of management contract like a mechanism of dynamization of the operation of the public administration which would progress, in part, because of its adoption, from the bureaucratic model to the managerial one, having like guiding feature the efficiency principle which one, since the Constitutional Amendment number 19/98, became a constitutional principle of the public administration. The following questions are examined: the constitutional basis of the management contract; the exogenous management contract, which one has legal forecast and is celebrated between the public administration and the social organizations, which is a legal entity of private law that doesn’t integrate the public administration, to perform the non-exclusive activities of State; the endogenous management contract which is signed between the public administration and a public organ or a public autarchy or foundation of public law, like an executive agency, that endogenous management contract has constitutional forecast. At the end is done the bibliographic criticism synthesis of the judicial doctrinal thinking about the management contract, contemplating the thought of important Brazilian jurists about this subject.
Key Words: Managerial Public Administration; Administrative Law; Efficiency Principle; Management Contract.
Sumário: Introdução; 1) O contrato de gestão/desempenho na Constituição Federal de 88; 2) O contrato de gestão e as organizações sociais; 3) O contrato de desempenho na Administração Pública brasileira e sua aplicação nas agências executivas; 4) O contrato de gestão na doutrina; 5) Considerações Finais; 6) Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Na década de 90, houve uma tendência na administração pública mundial e brasileira no sentido de implantar, nas estruturas administrativas burocráticas então vigentes, mecanismos que contribuíssem para conferir maior dinamismo e agilidade ao desempenho administrativo do Governo. Era uma época em que predominavam o gerencialismo e a New Public Management britânica que almejava, principalmente, substituir a administração pública burocrática, baseada no controle de meios ou processos, pela administração pública gerencial, cujo controle seria realizado pelos resultados obtidos pela gestão. Um dos mecanismos que proporcionaria essa transição da administração pública burocrática para a gerencial seria o contrato de gestão ou desempenho, o qual será objeto da exposição a ser feita no presente artigo. Tal mecanismo, no âmbito da reforma administrativa, teria, como finalidade precípua, proporcionar maior eficiência à prestação dos serviços públicos.
Segundo Alexandrino e Paulo (2018,143) existe correlação entre a tentativa de implantação da administração pública gerencial em substituição à burocrática e a ideologia do Neoliberalismo, do Estado Mínimo, assim como a inclusão da eficiência como princípio constitucional da administração pública no Brasil. A transferência da execução de atividades não exclusivas de Estado de órgãos e entidades públicos para pessoas jurídicas de direito privado desvinculadas da administração pública (as organizações sociais), bem como com a substituição do controle de procedimentos da administração burocrática pelo controle de resultados da administração gerencial também estão associadas à implementação da administração pública gerencial e ao ideário neoliberal.
O contrato de gestão estava inserido no contexto da Reforma da Administração Pública efetivada no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), no sentido de transferir a prestação dos serviços públicos não exclusivos de Estado, tais como serviços de educação, saúde, cultura, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio-ambiente etc dos órgãos e entidades das administrações direta e indireta para pessoas jurídicas de direito privado que passariam a executar as atividades pertinentes a esses serviços contando com recursos, bens e servidores públicos que seriam cedidos a essas entidades para que elas executassem os mencionados serviços. Nesse contexto, pode-se concluir que a inclusão da eficiência como princípio constitucional da administração pública e a adoção do contrato de gestão foram dois dos mais relevantes elementos da Emenda Constitucional 19/1998, também denominada de Reforma Administrativa de FHC. Segundo (ALEXANDRE e DEUS, 2015, p. 183-184), “o contrato de gestão se constitui em instrumento destinado à concretização do princípio da eficiência, mudando o foco do controle, que deixa de ser os procedimentos e passa a ser os resultados”.
Este seria o programa de publicização, qual seja, a transferência da prestação dos serviços públicos não exclusivos de Estado (educação, cultura, saúde, proteção e preservação do meio-ambiente etc.) a essas entidades que substituiriam os órgãos da administração direta e as entidades da administração indireta no desempenho das atividades concernentes a tais serviços, as quais seriam as organizações sociais. Estas por sua vez, celebrariam com o Poder Público os contratos de gestão.
É importante diferenciar a publicização, que é a transferência da prestação dos antes citados serviços públicos não exclusivos de Estado, dos órgãos da administração direta e das entidades da administração indireta para as organizações sociais do setor público não estatal (ou terceiro setor) da privatização, que é a transferência, para o setor privado, das atividades desempenhadas pelas empresas estatais que exploram atividade econômica em sentido estrito, empresas do setor de produção de bens para o mercado.
Convém salientar, também, que, além dos contratos de gestão entre o Poder Público e as organizações sociais, que têm como fundamento a Lei Nº 9.637/98, existem os contratos de gestão/desempenho que podem ser avençados entre o Poder Público e órgãos da administração direta e entidades da administração indireta (agências executivas, que são autarquias e fundações públicas de Direito Público que celebrem contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, e que também tenham um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento, de acordo com a Lei 9649/98, artigo 51, incisos I e II), com a diferença de que estes últimos têm base constitucional (Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 8º), ao contrário dos contratos de gestão firmados pelas organizações sociais, que têm base legal.
1) O CONTRATO DE GESTÃO/DESEMPENHO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 88
A Emenda Constitucional 19 de 1998 foi a que instituiu a reforma administrativa modificando alguns dispositivos constitucionais, com destaque para a inserção da eficiência como um dos princípios constitucionais da administração pública e a introdução do mecanismo do contrato de gestão/desempenho passando a constituir o parágrafo 8º do artigo 37 da Carta Política, o qual tem a seguinte redação:
“A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I - o prazo de duração do contrato; II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III - a remuneração do pessoal.”
Já o contrato de gestão é definido na LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998, que “dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências”, no seu artigo 5º como sendo “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º”. Essas atividades são as atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.
Entretanto essa lei não faz menção explícita à regulamentação do artigo 37, parágrafo 8º da Constituição Federal. Por sua vez, o mencionado dispositivo constitucional estabelece que o contrato (na Constituição não consta a expressão de gestão) pode ser firmado entre órgão ou entidade da administração pública direta e indireta e o Poder Público, o que não se aplica às organizações sociais, pessoas jurídicas de direito privado que não integram a administração pública. Desta forma, o contrato referido no texto constitucional não é o que o Poder Público celebra com as organizações sociais, que é, por sua vez, a avença a que alude a LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998.
Na verdade, o contrato referido nesse dispositivo constitucional é o contrato de desempenho, instituído por Lei de 2019 que regulamenta o artigo 37, parágrafo 8º da Constituição Federal e pode ser celebrado entre as agências executivas (autarquias e fundações públicas que sejam assim qualificadas mediante a edição de Decreto do Presidente da República, ambas pessoas jurídicas de direito público) e o Poder Público. Desta forma, pode-se adiantar a conclusão de que o contrato de gestão celebrado entre o Poder Público e as organizações sociais, em termos jurídico-legais, não é o que consta do artigo 37, parágrafo 8º da Constituição Federal, e sim aquele referido na LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998, a qual trata especificamente das organizações sociais e dos correspondentes contratos de gestão firmado entre elas e o Poder Público.
Alexandrino e Paulo (2018, p.148) respaldam o entendimento precedentemente exposto, explicando que o contrato referido no dispositivo constitucional é o que é firmado pelo Poder Público com órgãos e entidades públicos (tais como as agências executivas), o que seria o caso do contrato de desempenho. Já a avença celebrada pelo Poder Público com as organizações sociais, que são entidades com personalidade jurídica de direito privado, não integrantes da administração pública indireta, “não tem previsão constitucional, mas apenas legal” (Alexandrino e Paulo, 2018, p. 148).
2) O CONTRATO DE GESTÃO E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
A Lei que rege a constituição e o funcionamento das organizações sociais é a LEI Nº 9.637, DE 15 DE MAIO DE 1998, conforme já apontado. Conforme o aludido normativo, organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, as quais podem receber essa qualificação por meio de Decreto editado pelo Poder Executivo. Importante ressaltar que essas entidades não integram a administração pública indireta, muito menos a direta, o que resulta na inferência já exposta anteriormente no sentido de que o contrato que consta do artigo 37, parágrafo 8º da Constituição Federal, não é o contrato que o Poder Público celebra com as organizações sociais.
Salienta-se que o objetivo inicial do primeiro Governo FHC era o de promover a desestatização das atividades antes referidas por meio da realização da publicização dos órgãos e entidades que prestassem os chamados serviços não exclusivos de Estado (educação, saúde, cultura, meio-ambiente, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente), transferindo sua execução às organizações sociais, entidades de direito privado pertencentes ao terceiro setor/setor público não estatal, externas à estrutura da Administração Pública Federal.
No caso, segundo a Lei de que se trata, o contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. O contrato de gestão, por sua vez, deverá ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada. A execução do contrato de gestão será fiscalizada pelo órgão ou entidade públicos responsáveis pela supervisão das atividades desempenhadas pela organização social.
O normativo em questão autoriza a destinação de recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão, bem como os créditos previstos no orçamento e as respectivas liberações financeiras, de acordo com o cronograma de desembolso previsto no contrato de gestão. Nesse modelo, há o atrelamento do pagamento dos recursos financeiros pelo Poder Público ao cumprimento das metas de desempenho da entidade estabelecidas no contrato.
Quanto aos bens públicos, estes poderão ser destinados às organizações sociais dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão. É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para o órgão de origem.
Por fim, a Lei que rege a constituição e o funcionamento das organizações sociais (OSs) prevê a possibilidade de o Poder Executivo proceder à desqualificação da entidade como OS em virtude de descumprimento de cláusulas avençadas no contrato de gestão. Essa desqualificação deverá ser promovida também por Decreto Presidencial, tendo em vista o princípio do paralelismo das formas. Entretanto, a aludida Lei requer que a desqualificação seja antecedida de processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão. Ocorrendo a desqualificação da OS ou o término do contrato de gestão, a lei assegura que ocorrerá a reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
3) O CONTRATO DE DESEMPENHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E SUA APLICAÇÃO NAS AGÊNCIAS EXECUTIVAS
A Lei 13.934/2019, na sua epígrafe, faz menção expressa ao fato de que regulamenta o contrato referido no § 8º do art. 37 da Constituição Federal, denominado “contrato de desempenho”, no âmbito da administração pública federal direta de qualquer dos Poderes da União e das autarquias e fundações públicas federais, ou seja, a chamada administração direta, autárquica e fundacional, excluindo as empresas públicas e as sociedades de economia mista, as empresas estatais ou governamentais.
A referida Lei define contrato de desempenho como “o acordo celebrado entre o órgão ou entidade supervisora e o órgão ou entidade supervisionada, por meio de seus administradores, para o estabelecimento de metas de desempenho do supervisionado, com os respectivos prazos de execução e indicadores de qualidade, tendo como contrapartida a concessão de flexibilidades ou autonomias especiais”.
A Lei 13.934/2019 estabelece como principais objetivos da instituição do contrato de desempenho: aperfeiçoar o acompanhamento e o controle de resultados da gestão pública; facilitar o controle social sobre a atividade administrativa; estabelecer indicadores objetivos para o controle de resultados e o aperfeiçoamento das relações de cooperação e supervisão, entre outros.
De acordo com o art. 6º da mencionada Lei, o contrato de desempenho poderá conferir ao supervisionado, pelo período de sua vigência, flexibilidades e autonomias especiais, tais como definição de estrutura regimental, sem aumento de despesas, conforme os limites e as condições estabelecidos em regulamento; ampliação de autonomia administrativa quanto a limites e delegações relativos à celebração de contratos, estabelecimento de limites específicos para despesas de pequeno vulto e autorização para formação de banco de horas.
Segundo o artigo 10 do aludido normativo, poderá ocorrer a suspensão da execução do contrato de desempenho e da fruição das flexibilidades e autonomias especiais concedidas, mediante ato motivado, caso ocorra o não alcance de metas intermediárias, comprovado objetivamente, enquanto não houver recuperação do desempenho ou repactuação das metas.
Por fim, a supramencionada Lei estabelece no artigo 11 que o contrato poderá ser rescindido por acordo entre as partes ou por ato do supervisor nas hipóteses de insuficiência injustificada do desempenho do supervisionado ou de descumprimento reiterado das cláusulas contratuais.
4) O CONTRATO DE GESTÃO NA DOUTRINA
Conforme referido nos itens anteriores, há o contrato de desempenho que o Poder Público celebra com as agências executivas (autarquias e fundações públicas que obtêm essa qualificação) ou órgãos públicos, que é efetivamente o contrato a que alude o artigo 37, parágrafo 8º da Constituição Federal e o contrato de gestão firmado entre o Poder Público e as organizações sociais, que estão fora da administração pública, não integram a administração pública, são pessoas jurídicas de direito privado às quais é atribuído o exercício de atividades não exclusivas de Estado pelo Poder Público, e que é estabelecido pela LEI Nº 9.637/98. Parte da doutrina (Oliveira, 2012; Souza, 2012) denomina o contrato de desempenho como sendo contrato de gestão interno ou endógeno e o contrato de gestão propriamente dito, tal como definido na LEI Nº 9.637/98, firmado entre o Estado e as organizações sociais é denominado de contrato de gestão externo ou exógeno.
Meireles (1998, p. 244 e 245) considera que o contrato de gestão é “um elemento estratégico para a reforma do aparelho administrativo do Estado”. Ressalta que sua finalidade básica é “possibilitar à Administração Superior fixar metas e prazos de execução a serem cumpridos pela entidade privada ou pelo ente da administração indireta a fim de permitir melhor controle de resultados”. O referido autor também exerce juízo crítico acerca da adequação e pertinência da nomenclatura “contrato”, argumentando que “Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Trata-se de um acordo operacional” (Meireles,1998, p.244). Prossegue sua crítica, salientando que o “preceito é de difícil aplicação à Administração direta. Os órgãos públicos não têm personalidade jurídica (...). De igual modo, não parece viável a contratação dos administradores do órgão (como consta do preceito constitucional), visto que tais agentes já são servidores públicos e estão submetidos ao respectivo regime de trabalho” (Meireles, 1998, p.244).
Para Alexandrino e Paulo (2018, p.147), no caso do contrato de gestão/desempenho com previsão constitucional, o que o Poder Público firma com as agências executivas, o órgão ou entidade pública assume “o compromisso de cumprir determinadas metas e, em contrapartida, ganham maior liberdade em sua atuação administrativa passando a sujeitar-se, basicamente, ao controle relativo ao atingimento dos resultados pactuados (redução dos controles de atividades-meio, ou controles de procedimento)”. Nessa situação tem-se uma ampliação da autonomia do órgão ou entidade pública que toma parte nessa avença.
Segundo os mesmos autores (Alexandrino e Paulo, 2018, p.147 e 148), no caso do contrato de gestão envolvendo o Estado e as organizações sociais (OSs), o primeiro exerce uma atividade de fomento para que as segundas passem a desempenhar atividades não exclusivas de Estado, tais como as de educação, saúde, cultura, defesa e preservação do meio-ambiente etc, recebendo como incentivo bens, pessoal e recursos públicos, passando o Estado a controlar a consecução, pela entidade, das metas acordadas no contrato de gestão. Desta forma, como contrapartida pelo recebimento dos bens, pessoal e recursos públicos, as OSs sujeitam-se à fiscalização da destinação dos recursos públicos por elas recebidos o que, ao contrário da celebração do contrato de gestão/desempenho com previsão constitucional, acarreta uma redução da autonomia gerencial dessas entidades (as OSs).
Alexandrino e Paulo (2018, p.149) também abordam a contradição de a Constituição Federal prever a possibilidade de órgãos públicos celebrarem contrato de gestão/desempenho com o Poder Público, devido ao fato de os órgãos não possuírem personalidade jurídica, o que inviabilizaria a realização da avença. Os mesmos autores, mencionando a administrativista Di Pietro, afirmam o seguinte:
“Mesmo no caso de contratos de gestão firmados entre o poder público e entidades da administração indireta, a Prof.ª Maria Sylvia considera difícil reconhecer ao ajuste natureza jurídica contratual. Segundo a ilustre jurista, não pode haver entre a administração direta e a administração indireta, interesses opostos e contraditórios, uma das características presentes nos contratos em geral. Conclui, assim, que tais contratos se assemelhariam muito mais a convênios” (Alexandrino e Paulo, 2018, p.149).
Acerca desse tema, ou seja, a inviabilidade da concretização de contratos em que uma das partes seja órgão público, devido à ausência de personalidade jurídica neste último, Bandeira de Mello (2009,233) critica de modo acentuado essa (im)possibilidade mencionada na Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 8º:
“(...) é juridicamente inexequível um contrato entre órgãos, pois estes são apenas repartições internas de competências do próprio Estado. São partes dele, dissolvidas em sua intimidade, tal como as partes de um dado indivíduo o são de seu próprio corpo. Os órgãos do Estado são o próprio Estado. Ao contrário deste, não têm personalidade jurídica. Só pode contratar quem seja sujeito de direitos e obrigações, vale dizer: pessoa. Portanto, nem o Estado pode contratar com seus órgãos, nem eles entre si, que isto seria um contrato consigo mesmo - se se pudesse formular suposição tão desatinada. Trata-se de algo evidentemente impossível”.
Sobre o mesmo ponto, Di Pietro (2005, p.296), ressalta a inviabilidade e a incoerência jurídica da celebração de avença entre órgãos públicos afirmando o seguinte:
“Como os órgãos da administração direta não são dotados de personalidade jurídica, mas atuam em nome da pessoa jurídica em que estão integrados, os dois signatários do ajuste estarão representando exatamente a mesma pessoa jurídica. E não se pode admitir que essa mesma pessoa tenha interesses contrapostos defendidos por órgãos diversos. Por isso mesmo esses contratos correspondem, na realidade, quando muito, a termos de compromisso assumidos por dirigentes de órgãos para lograrem maior autonomia e se obrigarem a cumprir metas.”
Outro aspecto controvertido abordado por Alexandrino e Paulo (2018) é o relativo ao fato de o dispositivo constitucional que trata do contrato de gestão/desempenho prever a possibilidade de que tal contrato seja firmado entre o Poder Público e os administradores do órgão público e das entidades da administração indireta. Sobre o assunto, os autores argumentam que:
“Aparentemente o constituinte derivado tentou contornar, com essa redação, o problema da ausência da personalidade jurídica dos órgãos públicos. É questionável, porém, a possibilidade de existir um contrato entre o poder público e os administradores públicos de seus próprios órgãos despersonalizados, uma vez que a atuação do órgão é imputada à pessoa jurídica que ele integra, e não ao administrador público, pessoa natural” (Alexandrino e Paulo, 2018, p. 149).
A esse respeito também se pronuncia Bandeira de Mello (2009), que critica fortemente essa mesma tentativa de contornar o problema da falta de personalidade jurídica dos órgãos, conforme o excerto a seguir transcrito:
“Segue-se que contrato feito por um administrador público, qua tale, é contrato realizado por via do órgão no qual o administrador está encartado. Donde os contratos que os administradores públicos, nesta qualidade, travassem entre si, na intimidade da Administração direta, seriam “contratos” entre órgãos, o que – já se viu – é juridicamente impossível, pois contrato (como universalmente é sabido) é um vínculo travado entre, pelo menos, dois sujeitos de direito, duas pessoas. E órgãos não são pessoas. Logo, para que dois administradores, isto é, duas pessoas, se relacionassem contratualmente seria necessário que estivessem agindo fora da qualidade de administradores. Mas, se assim fosse, não estariam vinculando os órgãos, ou seja, não poderiam estabelecer quaisquer programas ou metas de ação a serem por um deles cumpridas, pois é claro que se estivessem agindo em nome pessoal (e não em nome do órgão), haveria uma relação privada entre esses dois sujeitos. Nada, portanto, que dissesse respeito ao Poder Público. Acrescente-se que não pode haver relação privada, isto é pessoal, envolvendo competências públicas”. (Bandeira de Mello, 2009, p. 234).
Além de criticar de modo acentuado o contrato de gestão endógeno (interno à Administração Pública) que tem previsão constitucional, Bandeira de Mello (2009) também o faz de modo acerbo em relação ao contrato de gestão exógeno (externo à Administração Pública), o qual tem previsão legal na LEI Nº 9.637/98, que trata das organizações sociais (OSs). Sobre este último, o consagrado administrativista afirma que:
“Seriam, pois, em princípio, pura e simplesmente “contratos administrativos”, figura jurídica perfeitamente conhecida. Deveras, aqui nada mais haveria senão – como é corrente no Direito Administrativo – um relacionamento contratual entre o Poder Público e outro sujeito encartado no universo privado.
Todo o questionamento que possa caber – e cabe, diga-se desde, já – não diz respeito à viabilidade de um contrato entre o Estado e um terceiro, mas a alguma particularidade de disciplina que lhe queira outorgar. No caso, o tema se propõe porque a lei disciplinadora das “organizações sociais”, pretendeu, inconstitucionalmente, permitir que travem contratos administrativos com o Poder Público sem licitação e sem qualquer cautela, mesmo a mais elementar, resguardadora dos princípios constitucionais da impessoalidade (prestante para assegurar o princípio da moralidade) garantidora dos interesses públicos” (Bandeira de Mello, 2009, p. 235).
Esta é uma crítica direta ao fato de a Lei que disciplina o funcionamento das organizações sociais permitir que a OS seja selecionada diretamente por Ministro de Estado supervisor da área, com a anuência do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado, mediante edição de Decreto do Presidente da República, sem que tal escolha seja submetida a processo licitatório. É o que se conclui da leitura do artigo 2º, II da Lei nº 9.637/98, o qual tem a seguinte redação:
“Art. 2º, II - São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: (...)
II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado”.
Bandeira de Mello (2009) considera inconstitucional esse dispositivo da Lei das OSs devido ao fato de a Constituição determinar a obrigatoriedade de realização da licitação para a prestação de serviços públicos que não sejam desempenhados diretamente pelo Estado, sem exceção, conforme estatui o artigo 175 da Carta Política, cuja redação do seu caput é abaixo transcrita:
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”
Acerca desse mesmo assunto, outro doutrinador de escol concorda com Bandeira de Mello e afirma o seguinte:
“Como visto, no campo dos requisitos específicos, há excesso de discricionariedade conferida ao Poder Executivo; este “poderá” qualificar, ou não, as organizações sociais, consoante o art. 1º. Depende, tal qualificação, de juízo favorável, quanto à conveniência, abrindo margem a discriminações arbitrárias, quiçá porque o governo temia uma explosão (inocorrente) de pedidos de qualificação” (Freitas, 2004, pg. 287).
5) CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O contrato de gestão/desempenho foi um dos mecanismos para efetivar, no Brasil, a transição de uma administração pública burocrática, com ênfase no controle dos procedimentos/meios, para uma administração pública gerencial, em que o controle da gestão é realizado com base nos resultados obtidos. O referido instituto está inserido numa conjuntura de predomínio do ideário do Neoliberalismo e do Estado Mínimo. A adoção do contrato de gestão/desempenho está associada ao estabelecimento da eficiência como um dos princípios constitucionais da Administração Pública. Posteriormente é analisada a presença do contrato de gestão/desempenho como dispositivo constitucional cuja finalidade precípua é imprimir maior eficiência à gestão pública. Em seguida, é examinado o contrato de gestão, previsto em lei, não na Constituição, utilizado para efetivar a transferência do exercício das atividades não exclusivas de Estado (serviços de educação, saúde, cultura, proteção e preservação do meio-ambiente etc) do Poder Público para as organizações sociais, pessoas jurídicas de direito privado não integrantes da administração indireta, caracterizando o contrato de gestão/desempenho exógeno. Em seguida é examinado o contrato de gestão/desempenho que é celebrado entre o Poder Público e o órgão público ou entidade pública da administração indireta (autarquia ou fundação pública que obtenham a respectiva qualificação do Ministério Supervisor como agência executiva), avença essa que tem previsão constitucional (e não legal como o contrato de gestão das OSs) e que por envolver todos os contratantes pertencentes ao setor público é denominado de contrato de gestão/desempenho endógeno.
Por fim procede-se a uma síntese bibliográfica e doutrinária crítica abrangendo o pensamento doutrinário jurídico sobre o instituto do contrato de gestão/desempenho de relevantes juristas, contendo um exame das inconsistências jurídicas da aludida avença, tais como a impossibilidade de órgãos públicos figurarem como partes contratuais devido à ausência de personalidade jurídica, bem como de os administradores do órgão ou entidade atuarem como partes do contrato, o que tornaria a avença um negócio particular, tendo em vista que, num contrato envolvendo o Estado, a pessoas naturais, físicas, não podem ser atribuídas competências ou prerrogativas públicas, além do fato de os atos dos agentes públicos serem imputados ao órgão ou entidade em cuja estrutura estão inseridos. Entretanto, também são examinados os aspectos positivos da adoção do contrato de gestão, tais como o fato de poderem vir a constituir importantes mecanismos para dinamizar e agilizar o funcionamento da máquina administrativa-burocrática, assim como poderem proporcionar uma avaliação mais acurada da gestão executada por meio do controle dos resultados obtidos, em vez de focar o controle nos meios e procedimentos.
6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Souza. R. Contratos de gestão na administração pública federal: ainda em transição para uma administração pública gerencial. XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012.
Graduado em Economia pela UFRJ, Especialista em Administração Pública pela FGV, Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVERGA, CARLOS FREDERICO RUBINO POLARI DE. Diferenças entre o contrato de gestão das organizações sociais e o contrato de desempenho das agências executivas e aspectos doutrinários sobre o instituto do contrato de gestão/desempenho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2025, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68107/diferenas-entre-o-contrato-de-gesto-das-organizaes-sociais-e-o-contrato-de-desempenho-das-agncias-executivas-e-aspectos-doutrinrios-sobre-o-instituto-do-contrato-de-gesto-desempenho. Acesso em: 24 mar 2025.
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