Sumário: 1 – Introdução. 2 – Dos contratos bancários de mútuo. Conceito e principais características. 3 – Do contrato de fiança. Conceito e principais características. 4 – Da responsabilidade dos fiadores. 5 – Das possibilidades de exoneração da fiança contempladas pela legislação. 6 - Da possibilidade de exoneração da fiança prestada em contrato de mútuo bancário ante a prorrogação automática do contrato. 7 - Conclusão.
1 – Introdução.
Como se sabe, o acesso às inúmeras modalidades de crédito[i] é de vital importância para o desenvolvimento de atividades socioeconômicas de maneira geral. Sem capital não há atividade e, sem atividade, não há desenvolvimento econômico-social. Contudo, é também verdade que não há disponibilidade de crédito sem garantias reais ou fidejussórias, e afigura-se compreensível que o cedente do crédito, mutuante, busque fortalece-las, sempre no intuito de minimizar os riscos de inadimplência pelo mutuário.
Contudo, há modalidades de empréstimos estabelecidos em contratos bancários que exorbitam um prazo razoável de duração, dada a sua finalidade, seja porque possui termo ad quem muito longo, seja em razão de prorrogações automáticas sucessivas previstas no instrumento contratual.
Aqui se encontra o propósito deste artigo, qual seja, analisar as modalidades de exoneração da responsabilidade dos fiadores nos contratos bancários de mútuo, por modo a conforma-las com os princípios que norteiam e justificam a celebração do contrato de fiança.
Mais especificamente, o trabalho pretende analisar as possibilidades de exoneração da responsabilidade do fiador mesmo durante a vigência do contrato bancário de mútuo.
2 – Dos Contratos Bancários de Mútuo. Conceito e principais características.
De acordo com o ilustre civilista Ruy Rosado de Aguiar, “contrato bancário é aquele concluído por um banco na sua atividade profissional e para a consecução dos seus fins econômicos, que são crédito e serviços” [ii].
Há inúmeras modalidades de contratos bancários, como por exemplo, o contrato de depósito, de conta corrente, de aplicação financeira, e aquele que nos interessa mais de perto, qual seja, o contrato de mútuo bancário.
Podemos sucintamente definir o contrato bancário de mútuo como o negócio jurídico através do qual a instituição financeira, mutuante, disponibiliza certa soma em dinheiro ao mutuário, que se obriga a devolver no prazo acordado o capital mais os juros.
Trata-se de contrato real, porque exige a entrega da coisa para se aperfeiçoar; unilateral, pois somente gera obrigações para o mutuário, que, além de devolver o capital tomado deve pagar os juros convencionados; oneroso, pois há obrigação do mutuário de pagar os juros convencionados; comutativo, porquanto o risco não é da natureza da relação jurídica obrigacional; e de adesão, tendo em vista a ausência de negociação entre as partes para a formatação do conteúdo do contrato.
3 – Do contrato de fiança vinculado ao contrato bancário de mútuo. Conceito e principais características.
O contrato de fiança pode ser definido como o negócio jurídico acessório através do qual o fiador se responsabiliza pelo pagamento da dívida do afiançado.
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, a fiança “é, portanto, o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar ao credor o que a este deve um terceiro.”[iii]
Diz o art. 818, do CCB:
“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.”
Participam do contrato de fiança o credor, de um lado, e de outro o fiador. O afiançado, devedor da obrigação principal, não participa da celebração do contrato de fiança, não obstante seja a fidúcia nele depositada a origem de sua celebração.
O contrato de fiança é classificado como acessório, pois serve para garantir o cumprimento de uma obrigação contraída em um contrato dito principal, como mútuo bancário, por exemplo; unilateral, pois somente gera obrigações para o fiador, e nenhuma para o credor; gratuito, porquanto o fiador não recebe remuneração alguma; formal, porquanto a lei exige a forma escrita; e, no caso da fiança prestada em contrato bancário, de adesão, pois não há possibilidade de negociação quanto ao conteúdo do contrato.
A característica da gratuidade do contrato de fiança traz uma consequência de extrema relevância para os objetivos deste trabalho.
Com efeito, diz o art. 819, do CCB:
“Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”
Além disso, como regra geral aplicável aos negócios jurídicos gratuitos, prescreve o art. 114 do mesmo diploma legal:
“Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.”
Em síntese, pode-se dizer que a interpretação de todo e qualquer contrato de fiança deve se dar de modo estrito e não extensivo.
Obviamente a intenção do legislador é proteger a figura do fiador que, sem ser recompensado pela obrigação assumida, submete seu patrimônio ao risco de servir de pagamento de dívida alheia, sem dela se beneficiar.
4 – Da responsabilidade dos fiadores de contrato bancário de mútuo.
Em primeiro lugar cabe lembrar que, regra geral, a responsabilidade dos fiadores é subsidiária, ou seja, somente surge na hipótese de configurado o inadimplemento do devedor.
É o que se depreende da análise do art. 827, do CCB:
“Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.”
O benefício de ordem[iv] previsto neste dispositivo legal é matéria de defesa em que o fiador sustenta a subsidiariedade de sua responsabilidade, alertando ao Estado-Juiz que há bens livres e desembaraçados do devedor, situados no mesmo município, que bastam para solver o débito.
Como se sabe, a fiança é hipótese de responsabilidade sem débito, ou seja, o fiador disponibiliza graciosamente seu patrimônio para garantir um débito que não foi por ele contraído, nem lhe pertence, nem lhe beneficia. Relativamente à dívida contraída pelo devedor, o fiador é sujeito estranho, e somente sujeita seu patrimônio a eventual pagamento na hipótese de configurado o seu inadimplemento, confiando, entretanto, que ele não ocorrerá. Esta é a base, o fundamento que justifica o contrato de fiança, qual seja, a confiança[v] que o fiador deposita na pessoa do devedor, consubstanciada na sua capacidade e intenção de adimplemento.
Pode-se dizer então que o artigo 827 do CCB é norma direcionada a prestigiar a posição jurídica do fiador na relação jurídica contratual.
O Código Civil, não obstante, excepciona a regra geral de responsabilidade subsidiária do fiador, transformando-o em responsável principal, ao lado do devedor, pelo adimplemento da dívida. Eis as hipóteses previstas:
“Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
I - se ele o renunciou expressamente;
II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III - se o devedor for insolvente, ou falido.”
Assim, se o fiador renuncia expressamente ao benefício de ordem, ou se obriga no contrato como principal pagador ou devedor solidário, ou se o devedor se torna insolvente, ou falido, torna-se ele tão responsável quanto o devedor ao pagamento da dívida.
Em outras palavras, o credor poderá, ab initio, à sua conveniência, cobrar a dívida do fiador, independentemente de o devedor já ter sido acionado a fazê-lo.
Como é intuitivo, trata-se de benefício em favor do credor, e não do fiador, que terá sua situação agravada sensivelmente nas hipóteses elencadas pelo art. 828 do Código Civil.
No contrato de fiança destinada a garantir o mútuo bancário, portanto, há duas possibilidades de responsabilidade dos fiadores. Se não houver previsão no instrumento contratual das hipóteses dos incisos I e II do art. 828 do CCB, a responsabilidade será subsidiária, caso contrário, e também na hipótese de insolvência civil ou falência do mutuário, o fiador será considerado responsável principal juntamente consigo.
5 – Das possibilidades de exoneração da fiança contempladas pela legislação.
Como já dito acima, a fiança é contrato acessório, pois vincula-se ao chamado contrato principal. Ela serve para garantir o adimplemento da obrigação dita principal. A fiança é, então, acessória ao mútuo, seguindo sua sorte, em princípio. Nesse sentido, o fiador está vinculado à garantia prestada até que se extinga o mútuo.
Entretanto, o Código Civil contempla hipóteses em que o contrato de fiança poderá ser extinto unilateralmente pelo fiador, excepcionando a regra geral supracitada.
Diz o art. 835 do Código Civil:
“Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”
Nos contratos de fiança firmados com prazo indeterminado, o fiador poderá se exonerar quando quiser, ficando obrigado pelo débito constituído desde a sua vigência até sessenta dias após a notificação do credor[vi].
Há outras hipóteses de exoneração em razão de fatos imputáveis ao credor, como se vê dos arts. 838 e 839, do CCB:
“Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;
III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.”
“Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.”
As hipóteses acima elencadas, todas elas, encontram fundamento em uma ação ou omissão do credor que tem o condão de modificar as condições da dívida contraída (incisos I e III), ou acarretar uma maior onerosidade para o fiador (inciso II e art. 839).
6 - Da possibilidade de exoneração da fiança prestada em contrato de mútuo bancário ante a prorrogação automática do contrato.
A fiança prestada em contrato de mútuo bancário afigura-se singular em razão da sua natureza jurídica de contrato de adesão, que é característica tanto do mútuo bancário, como da respectiva fiança.
Também diferencia esta fiança a dinâmica aplicada aos contratos de mútuo bancário que impõem, como regra geral, prazos determinados com renovações ou prorrogações automáticas. Nele costuma haver, além das cláusulas gerais relativas ao mútuo propriamente dito, uma cláusula especial de prorrogação automática, ou renovação automática do contrato, findo o prazo inicialmente avençado.
O fiador, por sua vez, não celebra o contrato de fiança em instrumento apartado, mas assina, como tal, o próprio contrato bancário de mútuo. Quer isso dizer que, renovado ou prorrogado automaticamente o contrato de mútuo, também restará renovada ou prorrogada a fiança prestada.
Como se pode notar, esta dinâmica prestigia imensamente a posição do credor e prejudica, numa proporção ainda maior, a posição do fiador. Isso é verdade porque a prorrogação ou renovação do contrato de mútuo interessa, e muito, ao credor, instituição financeira, porque emprestar dinheiro é a sua atividade mais lucrativa, ao passo que, para o fiador, a extensão do prazo de vigência onera, ainda mais, a garantia graciosamente cedida.
Pode-se argumentar que o fato de haver previsão expressa no instrumento contratual da prorrogação automática impede a conclusão do parágrafo anterior, o que, de outro lado, enseja a resposta de que esta previsão deve ser considerada inicialmente nula perante o fiador, por tratar-se de cláusula abusiva em contrato de adesão[vii], ou ineficaz, porquanto ofende os artigos 114 e 819 do Código Civil[viii].
Com efeito, o disposto no art. 819 do Código Civil determina que o contrato de fiança não seja interpretado extensivamente:
“Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”
Além disso, como regra geral aplicada a todos os negócios jurídicos, dispõe o art. 114 que a interpretação de contratos gratuitos será realizada estritamente:
“Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.”
A ratio essendi dos dispositivos legais reside no fato de que, sendo o negócio jurídico gratuito, não se poderá onerar o devedor para além do que esteja expressamente previsto no contrato (obrigação formal de ser celebrado por escrito), e, para o que já esteja expressamente previsto, seja obrigatória uma interpretação que não agrave a situação deste mesmo garantidor (vedação à interpretação extensiva), restringindo os ônus que se lhe possa imputar (obrigação de interpretação estrita).
A cláusula contratual que prevê a prorrogação automática do contrato bancário, e, ao mesmo tempo, a renovação automática da fiança nele aposta, fere, neste aspecto, o disposto nos artigos 114 e 819 do CCB, porquanto, para conveniência da instituição bancária, apenas, traz modalidade de interpretação extensiva das obrigações contratuais.
A Jurisprudência dos Tribunais Estaduais assim também tem se posicionado:
“Apelação cível 1. Ação de cobrança. Contrato bancário garantido por fiança. Renovação automática do contrato. Interpretação restritiva da fiança. Ilegitimidade passiva dos fiadores. Juros remuneratórios contratuais. Inexistência de limite legal. Súm. 596 STF. Capitalização de juros. Ilegalidade. Súm. 121 STF. Correção monetária. Taxa Referencial (TR). Possibilidade. Súm. 295 STJ. Comissão de permanência. Legalidade da cobrança desde que não cumulada com outros encargos de inadimplência. Honorários. Compensação. Súm. 306 STJ. 1. O contrato de fiança não admite interpretação extensiva. 2. Para manutenção da fiança os garantes devem ser comunicados da renovação do contrato bancário, independentemente de previsão contratual estipulando que essa se daria automaticamente. 3. Em entendimento decorrente da súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, não há limite para a taxa de juros em contratos de empréstimo realizados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, quando expressamente pactuada. 4. É vedada a capitalização de juros. (Súm. 121 STF). 5. Conforme a súmula 295 do STJ, é possível a correção monetária pela Taxa Referencial (TR) dos contratos firmados após a vigência da lei 8.177/91. 6. É legal a cobrança da comissão de permanência nos contratos bancários, à taxa de mercado, desde que pactuada e não-cumulada à cobrança de juros remuneratórios, multa contratual, correção monetária ou juros moratórios. 7. Consoante a súmula 306 do STJ, os honorários de sucumbência devem ser compensados. 8. Apelação conhecida e parcialmente provida. Apelação cível 2. Ação de cobrança. Contrato bancário. Reconhecimento da ilegitimidade passiva dos fiadores. Honorários de sucumbência. Inexistência de condenação. CPC, art. 20, § 4º. 1. Nas causas em que não houver condenação a fixação dos honorários sucumbenciais deve se dar mediante apreciação eqüitativa do juiz, observados os critérios das alíneas 'a', 'b' e 'c' do parágrafo 3º do Código de Processo Civil. 2. Adequada a fixação dos honorários de sucumbência, em decorrência do reconhecimento da ilegitimidade passiva dos fiadores, em R$1.200,00, independentemente do inquestionável zelo dos garantes, se a prestação do serviço se deu em local que não exigiu maior esforço do profissional, a causa era de pequena complexidade e a satisfatividade do provimento jurisdicional se deu em curto lapso. 3. Apelação conhecida e não-provida.”
(TJ-PR - AC: 2605350 PR 0260535-0, Relator: Luiz Carlos Gabardo, Data de Julgamento: 07/06/2006, 15ª Câmara Cível)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO PARA DESCONTO DE TÍTULOS. NEGÓCIO QUE FOI GARANTIDO POR FIANÇA. PRETENSÃO DE COBRANÇA DO SALDO DEVEDOR DAS OPERAÇÕES DE DESCONTO REALIZADAS APÓS O VENCIMENTO INICIAL DO PACTO, QUE POSSUI CLÁUSULA PREVENDO A PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA FIANÇA. ARTIGO 819 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DA ANUÊNCIA EXPRESSA EM RELAÇÃO A CADA UMA DAS RENOVAÇÕES DA AVENÇA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA CÂMARA. FIADORES QUE FICAM EXONERADOS DA GARANTIA PRESTADA A PARTIR DO VENCIMENTO DO CONTRATO. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RELAÇÃO A ESTES, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESNECESSIDADE DA REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL PARA O EXAME DA LEGALIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. A existência de convenção prevendo a prorrogação automática da relação contratual não tem efeito em relação aos fiadores, que devem manifestar a anuência expressa para cada renovação da avença. 2. A discussão envolvendo cláusulas e encargos cobrados em contrato bancário, porque matéria eminentemente de direito, não demanda a realização de perícia contábil.”
(TJ-SC , Relator: Jânio Machado, Data de Julgamento: 26/06/2013, Quinta Câmara de Direito Comercial Julgado)
Por fim, a Jurisprudência do Col. STJ também parece se consolidar neste sentido, conforme precedentes citados a seguir:
“AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA. INEFICÁCIA.
1.- "A cláusula que prevê prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança" (AgRg no REsp 849.201/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 05/10/2011).
2.- Agravo Regimental improvido.”
(AgRg no AREsp 214.435/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 31/10/2012)
“CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. PRORROGAÇÃODO CONTRATO DE FIANÇA. ANUÊNCIA EXPRESSA DO FIADOR.IMPRESCINDIBILIDADE. - Extingue-se a obrigação do fiador após findado o lapso original se não houver sua anuência expressa para a continuidade da condição de garante, afastando-se eventual cláusula que preveja a prorrogação automática da fiança para além do prazo original de vigência do contrato principal. Precedentes. - Agravo não provido.”
(STJ - AgRg no REsp: 1225198 MG 2010/0209599-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/08/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2012)
Assim, à míngua do consentimento expresso do fiador na prorrogação do prazo inicialmente acordado, afigura-se nula, de pleno direito, a cláusula que prevê previamente a prorrogação automática da garantia, e, portanto, tal hipótese constitui mais uma causa de exoneração do fiador da responsabilidade assumida no bojo do contrato de mútuo bancário.
7 - Conclusão
A breve análise aqui empreendida buscou demonstrar, ainda que sucintamente, as características gerais dos contratos bancários e dos contratos de fiança, de modo a possibilitar uma análise mais acurada sobre a questão da exoneração da responsabilidade do fiador à luz da legislação e da jurisprudência.
É bem verdade que a dinâmica hoje existente para sustentar juridicamente as operações bancárias de mútuo são extremamente prejudiciais aos interesses dos fiadores, principalmente no tocante às cláusulas de adesão que preveem renovação ou prorrogação automática da fiança independentemente da anuência expressa do fiador.
Trata-se, do nosso ponto de vista, de exercício abusivo da posição jurídica da instituição financeira, que busca transferir os riscos e os ônus de sua atividade principal (empréstimo de valores) para os garantidores, desvirtuando significativamente o instituto da fiança. De fato, de coobrigado (instrumento de garantia, com responsabilidade subsidiária), o fiador se transforma em co-devedor (solidariedade passiva), mesmo sem se beneficiar do mútuo, o que não condiz com a gratuidade de que se constitui este negócio jurídico. Além disso, a renovação automática do contrato de mútuo e consequentemente da fiança nele prestada expõe o fiador, indefinidamente, a uma situação de vulnerabilidade patrimonial que não condiz com os fundamentos da sua constituição.
A Jurisprudência, capitaneada pelo Col. STJ, ainda carece de ser aperfeiçoada nesse sentido, deixando de se ater a aspectos puramente formais do negócio jurídico (como previsão expressa de obrigações, etc.), para buscar os verdadeiros fundamentos da existência desta garantia fidejussória, numa interpretação mais consentânea com os princípios contratuais contemporâneos, como boa-fé objetiva e função social dos contratos.
[i] De acordo com Ruy Rosado de Aguiar, crédito “é um conceito que reúne dois fatores: o tempo e a confiança. Pressupõe uma décalage entre as duas prestações, uma atual, prestada pelo credor, e outra futura, a ser cumprida pelo devedor. A confiança é um ato calculado e contém também um risco (Rives-Lange et Contamine-Raynaud, "Droit Bancaire", Paris, 1995, 6ª ed., Dalloz, p. 375). Crédito está aqui empregado na acepção econômica: "Toda a operação de troca na qual se realiza uma prestação pecuniária presente contra uma prestação futura de igual natureza, ou, como sinteticamente diz Charles Gide, é a troca de uma riqueza presente por uma riqueza futura. O que caracteriza o crédito, pois, é disposição efetiva e imediata de um bem econômico em vista de uma contraprestação futura" (Sérgio Carlos Covello, "Notas sobre os contratos bancários", Revista de Direito Civil, 45/110).”(in “Os contratos bancários e a jurisprudência do STJ”, Centro de Estudos Judiciários – CJE do CJF, série Pesquisas do CEJ nº 11, e da Revista dos Tribunais, ano 92, maio de 2003, vol. 811, pp. 99-141)
[ii] AGUIAR, Ruy Rosado. “Os contratos bancários e a jurisprudência do STJ”, Centro de Estudos Judiciários – CJE do CJF, série Pesquisas do CEJ nº 11, e da Revista dos Tribunais, ano 92, maio de 2003, vol. 811, pp. 99-141.
[iii] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2010.
[iv] O benefício de ordem é também chamado pela doutrina de benefício de excussão.
[v] Confiança ou fidúcia. Daí advém o termo “garantia fidejussória”, ou seja, garantia firmada em razão da confiança.
[vi] Embora o artigo expressamente preveja o cabimento desta hipótese de exoneração para contratos com prazo indeterminado, há Jurisprudência autorizando esta mesma exoneração para contratos com prazo determinado, mas com alterações de contexto fático suficientes a justificar a exclusão da garantia, como, por exemplo, alteração do quadro societário. Confira-se os julgados abaixo:
“NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO PARA DESCONTO DE CHEQUES. DESCUMPRIMENTO. FIADOR. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 835 DO CÓDIGO CIVIL. RESPONSABILIDADE DO FIADOR NOS 60 DIAS APÓS O PEDIDO. ALEGAÇÃO DE TEMPESTIVIDADE DA DEFESA NÃO CONHECIDA. Nada obsta que o fiador se desonere da fiança, desde que notifique o credor, conforme preceitua o art. 835 do Código Civil de 2002, respondendo, nessa hipótese, apenas pelas obrigações vencidas e pelas que se vencerem nos sessenta dias posteriores à notificação. No caso, o pedido de exoneração foi protocolado...”(TJ-RS - AC: 70038979399 RS , Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 14/06/2011, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/06/2011)
“EMENTA: DECLARATÓRIA INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - DESPACHO DEFERINDO LIMINAR - AGRAVO RETIDO - NÃO CONHECER - FIANÇA PRESTADA A PESSOA JURÍDICA - RETIRADA DE SÓCIOS - EXTINÇÃO DA GARANTIA CONTRAÍDA ANTERIORMENTE - POSSIBILIDADE - DÉBITO CONTRAÍDO APÓS A ALTERAÇÃO DO QUADRO SOCIETÁRIO -NEGATIVAÇÃO DO NOME DOS FIADORES NO SERASA - ILEGALIDADE - DANOS MORAIS DEVIDOS.- O Agravo Retido não preenche os requisitos de admissibilidade do interesse recursal, motivo pelo qual não o conheço.- O contrato de fiança tem caráter intuitu personae, razão pela qual, se a pessoa jurídica afiançada assume novo quadro societário, a garantia prestada resta descaracterizada, porque desaparece seu principal elemento, a fidúcia, justificando-se a exoneração da garantia prestada pelos antigos sócios.- A simples negativação injusta do nome de alguém no cadastro de devedores do SPC e da SERASA já é, por si, suficiente para gerar dano moral reparável, independendo de comprovação específica do mesmo, visto que o dano em tais casos é presumido.”APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0287.06.026327-7/001 EM CONEXÃO COM Nº 1.0287.06.026329-3/001 - COMARCA DE GUAXUPÉ - APELANTE:(S) BANCO BRASIL S/A - APELADO (A)(S): ICARO MARTINS DE OLIVEIRA E SUA MULHER - RELATOR: EXMO. SR. DES. NICOLAU MASSELLI
"RECURSO ESPECIAL - EXONERAÇÃO DE FIANÇA APÓS A RETIRADA DOS SÓCIOS AFIANÇADOS - POSSIBILIDADE À VISTA DA NATUREZA INTUITU PERSONAE DO CONTRATO.
- A garantia destinava-se mais à pessoa dos sócios que então integravam a sociedade.
- A eventual renúncia ao direito assegurado no art. 1.500, do Código Civil e o fato de a fidúcia ser por prazo limitado são irrelevantes no caso.
- Recurso conhecido e provido para declarar a exoneração da fiança.", (In Diário do judiciário da União de 17.04.2000),
"...
- É assente neste Tribunal o entendimento de que o instituto da fiança não comporta interpretação extensiva, obedecendo, assim, disposição expressa do artigo 1.483 do Código Civil. Não obstante distinção entre a pessoa do sócio e a pessoa jurídica, é possível a exoneração da garantia prestada à sociedade após a retirada dos sócios aos quais se deu a garantia originalmente.". (In STJ - REsp. nº 373.671/MG, Rel. Min. Felix Fischer - 5ª Turma - DJU 11.03.2002).
[vii] “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
[viii] Nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. FIANÇA. PESSOA JURÍDICA. EXCLUSÃO DO SÓCIO FIADOR. COMUNICAÇÃO AO CREDOR. EXONERAÇÃO DA FIANÇA. CONTRATO PERSONALÍSSIMO. NOVA TEORIA CONTRATUAL. REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. BOA-FÉ OBJETIVA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. CONTRATO DE ADESÃO. VULNERABILIDADE. DÍVIDA POSTERIOR À EXCLUSÃO DO SÓCIO FIADOR. 1.A EXCLUSÃO DO SÓCIO FIADOR DA SOCIEDADE OPERA A EXONERAÇÃO DA FIANÇA PRESTADA EM RAZÃO DA P ARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA, POIS FOI COMUNICADO AO CREDOR A ALTERAÇÃO DO QUADRO SOCIAL, SENDO PRESUMÍVEL O DESINTERESSE NO PROSSEGUIMENTO DA FIANÇA. 2.É POSSÍVEL A REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS COM BASE NA MODERNA TEORIA CONTRATUAL, QUE ABANDONOU O PRIMADO DO PATRIMÔNIO E ADOTOU OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. 3.É FLAGRANTEMENTE ABUSIVA A CLÁUSULA QUE PREVÊ SER A FIANÇA ABSOLUTA, IRREVOGÁVEL, IRRETRATÁVEL E INCONDICIONAL, NÃO COMPORTANDO QUALQUER TIPO DE EXONERAÇÃO, COM RENÚNCIA AOS BENEFÍCIOS DOS ARTIGOS 827, 830, 834, 835, 837 E 838, TODOS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, BEM COMO A POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÕES AUTOMÁTICAS E INDEFINIDAS DO CONTRATO, AINDA QUE SEM ANUÊNCIA DO FIADOR. 4.O CONTRATO DE FIANÇA É PERSONALÍSSIMO E SE INTERPRETA RESTRITIVAMENTE, NÃO SENDO RAZOÁVEL O ENTENDIMENTO DE QUE, MESMO APÓS A SAÍDA DO SÓCIO DA SOCIEDADE ESTE CONTINUA INDEFINIDAMENTE OBRIGADO À FIANÇA QUE PRESTOU EM CONTRATO COM PRAZO DE VALIDADE. 5. SE O SÓCIO FIADOR COMUNICOU A SUA EXCLUSÃO DA SOCIEDADE, NÃO É RAZOÁVEL QUE CONTINUE OBRIGADO PELAS DÍVIDAS SOCIAIS ADQUIRIDAS QUASE TRÊS ANOS DEPOIS. 6.TRATANDO-SE DE CONTRATO DE ADESÃO, EM QUE O CONTRATANTE NÃO PODE DISPOR DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, É EVIDENTE A VULNERABILIDADE FRENTE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, AINDA QUE O CONTRATANTE SEJA PESSOA JURÍDICA. 7.NEGOU-SE PROVIMENTO AO APELO DO RÉU.” (TJ-DF - APL: 79080920098070007 DF 0007908-09.2009.807.0007, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 09/12/2010, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 13/12/2010, DJ-e Pág. 87)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: eduardo. Da exoneração da responsabilidade dos fiadores nos contratos bancários de mútuo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/37325/da-exoneracao-da-responsabilidade-dos-fiadores-nos-contratos-bancarios-de-mutuo. Acesso em: 26 set 2024.
Por: Bruno Sposito Berjas
Por: Júlia Gato Santana
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.