RESUMO: Este artigo analisa o instituto jurídico do parcelamento, seus principais efeitos no âmbito do direito tributário, em especial o de configurar um reconhecimento da dívida pelo devedor, tendo o condão de interromper o prazo prescricional, desde que a prescrição não tenha ainda sido consumada.
PALAVRAS-CHAVES: Parcelamento, crédito tributário, reconhecimento de dívida, prescrição, extinção do débito, impossibilidade de renascimento.
INTRODUÇÃO
Busca-se demonstrar no presente artigo que não seria possível o parcelamento de um crédito tributário prescrito, por meio de uma análise dos efeitos jurídicos do pedido de parcelamento, bem como das consequências da prescrição, no âmbito do direito tributário.
Se por um lado, o pedido de parcelamento é um ato voluntário do devedor, que espontaneamente confessa a sua dívida perante a Administração Tributária e manifesta o seu desejo de pagar o que é devido, por outro lado, a prescrição é uma das formas de extinção do crédito tributário, prevista no art. 156, V, do Código Tributário Nacional.
Há quem defenda que ao parcelar sua dívida, o devedor estaria renunciando a prescrição. Sem dúvida, enquanto o crédito tributário existir, o parcelamento interrompe o prazo prescricional, podendo ser considerado como uma renuncia à prescrição. No entanto, quando a prescrição já está consumada, vem prevalecendo a tese de que não seria mais possível pagar/parcelar este crédito tributário.
O parcelamento é um instituto jurídico que tem um relevante papel na política fiscal do Estado, já que é uma importante fonte de arrecadação. Grande parte daqueles que aderem aos parcelamentos administrativos enfrentam dificuldades econômicas, não tendo condições de arcar com o pagamento integral da dívida, nem possuem bens com liquidez, que se penhorados em execução fiscal, venham despertar interesse em uma hasta pública. Portanto, a recuperação destes créditos pela Fazenda Pública seria muito difícil e custosa.
A Administração Pública, por sua vez, é regida pelo Princípio da Legalidade, de forma que as cobranças de créditos tributários têm que se pautar nas normas que regem a matéria, sob pena de serem abusivas.
1. PARCELAMENTO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
O parcelamento exige lei específica para sua concessão, nos termos do art. 155-A do Código Tributário Nacional, que assim dispõe: “O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.”
Conclui-se, portanto, que o contribuinte não pode pleitear condições e benefícios diferenciados, apenas aqueles definidos em Lei. O Fisco, por sua vez, também não pode fazer concessões ou exigências senão aquelas legalmente previstas. Ressalta-se, contudo, que as autoridades fazendárias poderão disciplinar, por meio de portarias e instruções normativas, os detalhamentos e esclarecimentos acerca do parcelamento, que são inviáveis de serem esgotados em uma Lei.
O principal efeito do parcelamento está previsto no art. 151, VI, do Código Tributário Nacional, que é a suspensão de exigibilidade do crédito tributário.
É cediço que o parcelamento é um pagamento parcial do débito, portanto, não tem o condão de extinguir o crédito tributário de imediato. Para que a extinção ocorra, se faz necessário o cumprimento de todas as obrigações previstas no parcelamento, ou seja, o pagamento de todas as parcelas acordadas.
O contribuinte formalizando o parcelamento e efetuando o pagamento da 1ª parcela consegue suspender todos os atos de cobrança da dívida. Dessa forma, uma vez parcelado o crédito tributário, é vedado o ajuizamento de execução fiscal, bem como o prosseguimento daquelas já ajuizadas.
Cabe ressaltar que existindo penhoras nas execuções fiscais, estas não são canceladas na ocasião da adesão ao parcelamento, visto que é preciso da garantia até o cumprimento integral do acordo. Apenas após a extinção do crédito tributário é que a penhora poderá ser liberada.
Com a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o contribuinte passa a estar em situação regular com o Fisco, de forma que seu nome é retirado do CADIN e o mesmo pode obter Certidão Positiva com efeitos de Negativa (art. 206 CTN).
Outro efeito do parcelamento é a interrupção do prazo prescricional, que está prevista no art.174, parágrafo único, IV, do Código Tributário Nacional, conforme a seguir transcrito:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
O parcelamento, sem dúvida, é um ato de reconhecimento inequívoco do débito pelo devedor. Ao aderir ao parcelamento, o devedor está confessando a sua dívida, reconhecendo que realmente deve aquele tributo, no valor cobrado pela Autoridade Tributária.
A prescrição decorre da inércia do Poder Público em efetuar a cobrança. No entanto, se o Poder Público está impedido de ajuizar ou prosseguir a execução fiscal, em decorrência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não há que se falar em inércia. Portanto, enquanto o débito está parcelado, não corre o prazo prescricional, que só se reinicia, caso haja o descumprimento do acordo.
Neste sentido, pode-se citar a súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos:
TFR Súmula nº 248 - 20-10-1987
O prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado.
Diante do exposto, pode-se destacar três principais efeitos jurídicos do parcelamento, quais sejam: o reconhecimento da dívida por parte do devedor, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a interrupção do prazo prescricional.
2. PRESCRIÇÃO
Ocorre a prescrição quando a Fazenda Pública se queda inerte, não propondo no prazo legalmente estipulado, a ação de execução fiscal para obter a satisfação do crédito tributário.
O prazo prescricional da ação de execução fiscal tem como termo inicial o momento em que o crédito tributário estiver definitivamente constituído, nos termos do artigo 174, caput, do Código Tributário Nacional.
Cabe ressaltar que a prescrição tributária difere da prescrição estudada no Direito Civil. Nas relações particulares, a prescrição atinge tão somente a pretensão, que consiste na possibilidade do titular de um direito subjetivo violado exigi-lo judicialmente, não atingindo o direito material. Portanto, ainda que prescrito, a obrigação pode ser adimplida espontaneamente pelo devedor, o que passa a não ser mais possível é a cobrança judicial por parte do credor. Já no âmbito tributário, a prescrição atinge o próprio direito material, nos termos do art. 156, V do Código Tributário Nacional.
No mesmo sentido, o Mestre Hugo de Brito Machado assim leciona:
O CTN, todavia, diz expressamente que a prescrição extingue o crédito tributário (art. 156, V). Assim, nos termos do Código, a prescrição não extingue apenas a ação para a cobrança do crédito tributário, mas o próprio crédito, vale dizer, a relação material tributária.
Essa observação, que pode parecer meramente acadêmica, tem, pelo contrário, grande alcance prático. Se a prescrição atingisse apenas a ação para cobrança, mas não o próprio crédito tributário, a Fazenda Pública, embora sem ação para cobrar seus créditos depois de cinco anos de definitivamente constituídos, poderia recusar o fornecimento de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Mas como a prescrição extingue o crédito tributário, tal recusa obviamente não se justifica.
3. EFEITOS DO PAGAMENTO DE UM CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO
Como exposto, a prescrição tributária é uma das hipóteses de extinção do crédito. Portanto, após consumada a prescrição, o crédito tributário deixa de existir, não podendo mais ser cobrado judicialmente, nem pago espontaneamente pelo devedor.
Partindo dessa premissa, o pagamento de um crédito tributário prescrito é indevido, podendo o devedor requerer a restituição daquilo que foi pago.
Da mesma forma, não é admissível que um débito prescrito, ou seja, que já não mais existe, seja parcelado.
Apesar do pedido de parcelamento ser uma confissão de dívida e uma manifestação de vontade de quitação do débito, não se pode aceitar que o contribuinte pague algo que já não mais deve. O referido pedido não tem o condão de fazer renascer a dívida.
Os Tribunais Superiores vêm consolidando esse posicionamento, conforme demonstra o acordão a seguir transcrito:
CIVIL E TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES.
1. Consoante decidido por esta Turma, ao julgar o REsp 1.210.340/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10.11.2010), a prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. Precedentes citados.
2. Recurso especial não provido. (grifei)
(STJ, 2ª Turma, REsp 1335609 / SE, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 22/08/2012).
Cabe salientar que a Administração Pública, jungida ao princípio da legalidade, não pode afastar a aplicação de norma legal. Sendo assim, a concessão de um pedido de parcelamento de um crédito tributário prescrito não deveria ser deferida pelo poder público.
CONCLUSÃO
O parcelamento do crédito tributário configura uma confissão de dívida, visto que o devedor comparece espontaneamente perante a Administração Pública para solicitar o pagamento do seu débito em parcelas, nos termos da Lei instituidora do parcelamento.
Ao parcelar a dívida, todos os atos de cobrança e de constrição são suspensos, interrompendo-se o prazo prescricional.
Como no âmbito do direito tributário, a prescrição é uma forma de extinção do crédito tributário, pode-se concluir que o pedido de parcelamento, apesar de se tratar de um reconhecimento da existência do débito, apenas caracteriza uma renúncia à prescrição, se esta não tiver sido consumada.
Não se pode admitir que o parcelamento tenha o poder de fazer renascer um crédito tributário por total ausência de previsão legal, razão pela qual os Tribunais Superiores vêm consolidando o posicionamento de que não é possível o parcelamento de crédito tributário prescrito.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007.
PAULSEN, Leandro. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência.11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.
Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, Recurso Especial 1335609/SE, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 22/08/2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Cristiane Barbosa dos Santos. Impossibilidade de parcelamento de crédito tributário prescrito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/42035/impossibilidade-de-parcelamento-de-credito-tributario-prescrito. Acesso em: 09 out 2024.
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