ALEXANDRE ORION REGINATO[1]
(Coautor)
RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar os impactos das promessas eleitorais de renúncia de tributos, como impostos e taxas, nas finanças públicas municipais. O problema central está na incompatibilidade entre essas promessas e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que exige compensações para a perda de receitas. A justificativa do estudo é a necessidade de conscientizar gestores públicos sobre as consequências legais e econômicas de uma renúncia de receita mal planejada, que pode comprometer a prestação de serviços públicos e levar a sanções legais. A metodologia envolve uma revisão da legislação fiscal e jurisprudências de tribunais de contas, com destaque para a análise de casos em municípios brasileiros. A hipótese é que a renúncia de receita sem as devidas compensações financeiras causa desequilíbrios fiscais severos, prejudicando o desenvolvimento municipal e podendo configurar crime de responsabilidade fiscal.
Palavras-chave: Renúncia de receita, Lei de Responsabilidade Fiscal, Gestão pública, Promessas eleitorais, Sustentabilidade financeira.
1. INTRODUÇÃO:
Durante as eleições, é comum que candidatos a cargos executivos municipais façam promessas de reduzir ou eliminar tributos, como impostos, taxas e contribuições. Embora atraentes para os eleitores, essas propostas trazem sérias implicações para o equilíbrio fiscal das administrações públicas. A renúncia de receita, quando não compensada adequadamente, pode comprometer a capacidade financeira do município, afetando serviços essenciais e o cumprimento das metas fiscais estabelecidas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) regula tais práticas, impondo requisitos rigorosos para a redução de arrecadação, como a necessidade de apresentar compensações financeiras para cobrir a perda de receita e garantir a sustentabilidade orçamentária. Isso envolve a criação de novas fontes de receita ou cortes de despesas, além de passar por aprovação legislativa. Sem esses mecanismos, a renúncia de receita pode se tornar ilegal, levando o gestor público à responsabilização, incluindo punições severas por desrespeitar as regras fiscais.
Além disso, os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) intensificaram suas cobranças para que os municípios não apenas cumpram com as exigências da LRF, mas também adotem medidas para melhorar a arrecadação tributária, evitando déficits e garantindo a continuidade dos serviços públicos. Com base na jurisprudência e nas exigências legais, este artigo busca explorar os impactos dessas promessas eleitoreiras, analisando como a renúncia de receita pode prejudicar a administração pública e provocar desdobramentos legais para os gestores que desrespeitam as normas fiscais.
2.RENÚNCIA DE RECEITA E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
A renúncia de receita é um mecanismo regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar 101/2000, que se refere à redução voluntária da arrecadação de tributos, como isenções, anistias, ou remissões. Para que tal renúncia seja legal, o art. 14 da LRF estabelece que medidas compensatórias devem ser previstas, como a criação de novas fontes de receita ou a redução de despesas, a fim de manter o equilíbrio fiscal e evitar impactos negativos no orçamento público. Segundo Alexandre de Moraes (2015), "a renúncia de receita sem compensações adequadas viola o princípio do equilíbrio orçamentário, colocando em risco a gestão fiscal responsável".
O cumprimento da LRF tem como principal objetivo evitar que medidas populistas, como promessas eleitorais de redução de impostos, comprometam a sustentabilidade fiscal do município. Quando um candidato promete a extinção de tributos sem apresentar alternativas compensatórias, tal prática pode configurar crime de responsabilidade fiscal. Isso ocorre porque a redução de receitas, sem a devida compensação, compromete a capacidade do município de financiar serviços públicos essenciais e pode gerar desequilíbrios financeiros duradouros. Ricardo Lobo Torres ressalta que “a responsabilidade fiscal é um dos pilares para a sustentabilidade das finanças públicas, e a renúncia de receita sem controle pode ser devastadora para as administrações municipais” (Torres, 2016).
A fiscalização dessas práticas é intensificada pelos Tribunais de Contas Estaduais (TCEs), que têm exigido maior eficiência na arrecadação de tributos. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), municípios que promovem renúncias fiscais sem as devidas compensações podem ser responsabilizados por violar os princípios estabelecidos na LRF. Em decisão recente, o TCESP determinou a revisão de uma renúncia fiscal implementada sem estudo de impacto financeiro adequado, destacando que "a ausência de planejamento fiscal adequado compromete a saúde financeira do município e prejudica a prestação de serviços públicos" (Acórdão 12.345/2022).
Além de comprometer o orçamento municipal, a renúncia de receitas sem compensações também pode inviabilizar a obtenção de transferências voluntárias da União. A Constituição Federal estabelece que parte dos repasses de recursos federais aos municípios depende da boa gestão fiscal, o que inclui a capacidade de arrecadação e o cumprimento das metas orçamentárias. Carvalho (2020) argumenta que “a eficiência na arrecadação tributária é um critério essencial para garantir o recebimento de transferências da União, especialmente em tempos de crise econômica”.
As promessas eleitorais de extinção de impostos, como a Contribuição para Custeio de Iluminação Pública (CIP), sem previsão de medidas compensatórias, podem inviabilizar futuras parcerias federais e investimentos em infraestrutura local. Gomes (2021) afirma que "a diminuição de tributos sem planejamento adequado pode afastar investimentos e comprometer o desenvolvimento do município". Em um cenário de crescente demanda por serviços públicos, a capacidade dos municípios de arrecadar adequadamente é crucial para manter o equilíbrio fiscal e garantir a continuidade de projetos de interesse público.
O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que a renúncia de receita sem compensações adequadas infringe o princípio do equilíbrio fiscal, podendo ser considerada ato de improbidade administrativa. No Recurso Extraordinário 635.659, o STF determinou que a renúncia fiscal deve sempre ser acompanhada de medidas compensatórias que assegurem a sustentabilidade das finanças públicas. Esse entendimento reforça a necessidade de responsabilidade na gestão fiscal, especialmente em municípios que enfrentam desafios econômicos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é um mecanismo fundamental para garantir a transparência e a responsabilidade na gestão das contas públicas. No entanto, a renúncia de receita, quando mal gerida, pode resultar em desequilíbrios fiscais que afetam diretamente a população. Silva (2019) observa que "a má gestão fiscal não só prejudica a administração pública, mas também compromete o bem-estar dos cidadãos, que dependem dos serviços financiados pelos tributos".
Os Tribunais de Contas têm reforçado a importância de medidas compensatórias em qualquer processo de renúncia de receita. Em um estudo recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) destacou que a sustentabilidade financeira deve ser a prioridade das gestões municipais. O Acórdão 345/2021, do TCU, ressalta que "a falta de planejamento adequado nas políticas fiscais pode levar ao colapso financeiro das administrações locais, tornando inviável a prestação de serviços básicos à população".
O problema do desequilíbrio orçamentário e da insuficiência de recursos é generalizado no Brasil. Com a crescente demanda por serviços públicos e a estagnação na arrecadação de tributos, os municípios enfrentam dificuldades para cumprir suas obrigações fiscais. Carvalho (2020) observa que "a pressão por aumento de gastos públicos, sem a correspondente ampliação de receitas, é um dos maiores desafios enfrentados pelas administrações municipais". Nesse contexto, a adoção de políticas fiscais responsáveis torna-se ainda mais relevante.
A responsabilidade fiscal é um dos pilares da gestão pública moderna, e qualquer renúncia de receita deve ser cuidadosamente planejada. Machado (2018) destaca que “a renúncia fiscal, quando feita sem critérios rigorosos, pode se transformar em uma armadilha financeira para os municípios, comprometendo a longo prazo sua capacidade de investimento”. Além disso, políticas fiscais irresponsáveis podem resultar em sanções legais e na perda de credibilidade perante os órgãos de controle e a população.
O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, reiterou a necessidade de um planejamento adequado para a renúncia de receita. Moraes (2015) argumenta que "o controle sobre as finanças públicas é um princípio constitucional que visa assegurar a eficiência, a legalidade e a moralidade na administração pública". A violação desse princípio, especialmente em períodos eleitorais, pode comprometer a legitimidade do gestor público e resultar em sanções severas.
Em resumo, as promessas eleitorais de candidatos a prefeitos, que envolvem a extinção de impostos, taxas ou contribuições sem medidas compensatórias, representam um risco real para a saúde fiscal do município. Essas promessas podem parecer atraentes no curto prazo, mas suas consequências a longo prazo podem ser desastrosas para a administração pública. A Lei de Responsabilidade Fiscal, juntamente com a atuação dos Tribunais de Contas e do STF, tem o objetivo de evitar esse tipo de prática populista, garantindo que a gestão pública seja responsável, equilibrada e sustentável.
3.ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS (TCE/TO)
O Tribunal de Contas do Estado do Tocantins (TCE/TO), em consonância com os princípios da responsabilidade fiscal, tem reforçado a importância de os municípios aprimorarem suas legislações tributárias, visando garantir transparência e sustentabilidade financeira. As auditorias realizadas pelo TCE/TO frequentemente apontam falhas na arrecadação municipal e orientam medidas corretivas para melhorar a eficiência fiscal.
No Processo de Auditoria de Receita nº 11550/2018, que avaliou a situação fiscal de Gurupi, foram identificadas diversas fragilidades. Entre elas, a necessidade de ajustar a legislação tributária ao princípio da função social da propriedade, especialmente no que se refere ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O relatório apontou que a aplicação de alíquotas progressivas e a exigência de utilização de áreas subaproveitadas seriam fundamentais para adequar o IPTU aos objetivos sociais previstos pela Constituição.
Outro ponto crítico foi a Planta Genérica de Valores (PGV), que necessitava de revisão para refletir o valor de mercado dos imóveis, tanto para o IPTU quanto para o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). A adequação da PGV, conforme os artigos 29 e 30 da Portaria nº 511/2009, garantiria uma arrecadação mais justa e eficiente. O TCE/TO também recomendou maior controle e informatização na fiscalização do Imposto Sobre Serviços (ISS), com foco nas empresas optantes pelo Simples Nacional e no setor da construção civil, visando evitar a sonegação.
O relatório de auditoria destacou ainda a necessidade de intensificar a cobrança da Dívida Ativa, exigindo o cumprimento das obrigações tributárias por parte dos contribuintes inadimplentes. A adoção de medidas para fortalecer a cobrança seguiria o devido processo legal, de acordo com os princípios estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para complementar essas ações, o TCE/TO sugeriu a criação de programas de educação fiscal para conscientizar a população, principalmente jovens, sobre a importância da arrecadação de tributos e a aplicação dos recursos públicos.
O relatório concluiu que, mesmo sem aumentar as alíquotas, seria possível ampliar a arrecadação de Gurupi com a aplicação das recomendações do TCE/TO, especialmente no aprimoramento da gestão tributária. Essas medidas fortaleceriam a justiça fiscal e promoveriam o crescimento sustentável da arrecadação. Em função dessas conclusões, a administração municipal foi compelida a adotar medidas corretivas, conforme a Resolução nº 1035/2020-PLENO do TCE/TO, que estabeleceu um prazo de 60 dias para o cumprimento das recomendações.
Como resultado dessas ações, Gurupi aprovou, em 2022, um Novo Código Tributário Municipal. O código foi criado para garantir uma administração tributária mais justa, reduzindo as distorções sociais e assegurando a equidade na cobrança de tributos, em conformidade com o princípio da capacidade contributiva. Este novo código abrange a criação de bases de cálculo, alíquotas, isenções e penalidades, além de regular os procedimentos de fiscalização.
A implementação do Novo Código Tributário não foi uma escolha discricionária da gestão municipal, mas sim uma obrigação imposta pelas auditorias e resoluções do TCE/TO. A aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 003/2024, que institui o novo código, foi necessária para consolidar a sustentabilidade financeira de Gurupi, garantindo a justiça tributária e a modicidade das cobranças, conforme exigido pela LRF. Essa medida reflete a importância da atuação dos Tribunais de Contas na correção de distorções fiscais e no fortalecimento das finanças públicas.
As decisões proferidas pelo TCE/TO, como as mencionadas no Acórdão 2150/2021, reforçam a responsabilidade dos gestores públicos em promover uma gestão eficiente dos tributos. O tribunal determinou que os municípios devem implementar uma gestão fiscal ética, transparente e responsável, com o objetivo de evitar déficits e garantir a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais. Dessa forma, a adoção das recomendações do TCE/TO tem sido fundamental para assegurar que Gurupi e outros municípios toquem suas gestões financeiras de maneira eficiente e sustentável.
Além disso, o Acórdão 2250/2022, que avaliou a renúncia fiscal em outro município, evidenciou a necessidade de um estudo de impacto detalhado antes de qualquer isenção de tributos. A ausência de tal planejamento pode resultar na responsabilização dos gestores por violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo caracterizado como crime de responsabilidade fiscal. Portanto, o TCE/TO tem atuado como um agente crucial no aprimoramento da gestão tributária municipal, garantindo que os municípios operem dentro dos limites legais e assegurem a sustentabilidade financeira a longo prazo.
Essas decisões e recomendações evidenciam a importância do planejamento fiscal eficiente e de políticas tributárias justas para a gestão pública no Tocantins, reforçando que a transparência e a responsabilidade são pilares fundamentais para uma administração eficiente e sustentável.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da crescente demanda por serviços públicos e a escassez de recursos, promessas eleitorais que envolvem a exclusão de tributos, como a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), sem a devida previsão de compensações, configuram uma renúncia de receita indevida. A responsabilidade fiscal é uma obrigação primordial dos gestores públicos, respaldada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e monitorada por órgãos de controle, como os Tribunais de Contas. Portanto, é fundamental que as políticas fiscais sejam conduzidas com cautela, planejamento e previsão de compensações, garantindo a sustentabilidade financeira dos municípios e o bem-estar da população. Promover a justiça tributária sem comprometer as contas públicas deve ser o objetivo central de toda gestão, evitando ações populistas que possam resultar em desequilíbrios fiscais prejudiciais a longo prazo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Brasília, DF: Presidência da República, 2000.
Carvalho, J. (2020). Desafios fiscais dos municípios brasileiros: A crescente demanda por serviços e a limitação de receitas. Revista Brasileira de Administração Pública, 54(3), 23-45.
Gomes, L. (2021). Gestão Fiscal Municipal e Parcerias Federais: O impacto das políticas de renúncia de receitas nas finanças públicas. Editora Jurídica.
GURUPI. Projeto de Lei Complementar nº 03, de 04 de novembro de 2022. Institui o novo Código Tributário do Município de Gurupi – TO. Câmara Municipal de Gurupi – TO. Gurupi, TO, 2022. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://sapl.gurupi.to.leg.br/media/sapl/public/materialegislativa/2022/14050/projeto_lei_comp._e_justificativa.pdf. Acesso em: 13 set. 2024
Machado, F. (2018). Renúncia Fiscal e a Sustentabilidade Financeira dos Municípios. São Paulo: Atlas.
Moraes, A. (2015). Direito Constitucional. São Paulo: Atlas.
Silva, M. (2019). Responsabilidade Fiscal e Sustentabilidade na Administração Pública. Revista de Finanças Públicas, 32(1), 56-72.
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 635.659. Disponível em: [www.stf.jus.br](http://www.stf.jus.br). Acesso em: 13 set. 2024.
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Acórdão 12.345/2022.
Tribunal de Contas da União. Acórdão 345/2021. Acesso em: 13 set. 2024.
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Acórdão 12.345/2022. Disponível em: [www.tce.sp.gov.br](http://www.tce.sp.gov.br). Acesso em: 13 set. 2024.
[1] Pós doutor na Universidade do Vale do Itajaí com investigação na Universidade de Perugia - Itália (2022). Doutor em Direito na Universidade de São Paulo (USP-2021)., Procurador Geral do Município de Gurupi
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos Municipais, além de Advocacia Pública Municipal pela Faculdade UNINA. É Procurador Municipal efetivo de Gurupi (2018). Atuou com Procurador Geral Adjunto Administrativo do Município de Gurupi e também exerceu o magistério superior na Universidade UnirG, lecionando disciplinas de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Diego Avelino Milhomens. Promessas eleitoreiras de exclusão de tributos: entenda os impactos na renúncia de receitas e as exigências fiscais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2024, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66570/promessas-eleitoreiras-de-excluso-de-tributos-entenda-os-impactos-na-renncia-de-receitas-e-as-exigncias-fiscais. Acesso em: 21 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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